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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.13 no.1 Ribeirão Preto  2012

 

ARTIGOS

 

Grupo de encontro e reflexão: experiência com servidores em estágio probatório

 

Gathering and reflection group: experience with civil servants throughout a probationary period

 

Grupo de encuentro de reflexión: experiencia con servidores en período de experiencia

 

 

Tales Vilela SanteiroI; Aurélia Magalhães de SouzaI; Fabíola Ribeiro de Moraes SanteiroI; Daniela Sacramento ZaniniII

I Universidade Federal de Goiás, Jataí, Brasil
II Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A chegada a uma nova instituição e cidade tende a promover desarranjos na vida do trabalhador. Essa situação propicia dificuldades relacionais e requer um trabalho de elaboração das novas realidades subjacentes às mudanças. Nesse sentido, foi proposto um grupo de encontro e reflexão para auxiliar servidores em período de estágio probatório em Instituição Pública de Ensino, como atividade extensionista. O objetivo geral foi o de criar espaço de interlocução e de encontro entre profissionais recém-chegados a um campus de uma universidade federal e de um instituto federal de uma cidade do interior do Centro Oeste. A metodologia prevê grupos de oito participantes, com encontros semanais de 1h30min de duração, ao longo de um ano letivo e o uso de recursos artísticos (filmes, poesias, entre outros) como mediadores e disparadores das reflexões. O relato é referente a um trabalho em andamento. As atividades têm resultado em ganhos adaptativos e aquisição de novas estratégias de enfrentamento para os integrantes, os quais têm nas expressões artísticas intermediações que favorecem tanto diálogos sobre suas vidas laborais recém-estabelecidas quanto o reconhecimento do grupo como espaço de apoio mútuo.

Palavras-chave: Adaptação; Grupos operativos; Psicologia clínica; Relações interpessoais; Enfrentamento.


ABSTRACT

The arrival in a new institution and city tends to disrupt the civil servant's life. This situation causes relational difficulties and requires an effort of elaborating a new reality underlying those changes. Hence, gatherings with a reflection group were offered to help civil servants over the probationary period at a Public University as an extensionist activity. The general aim was to gather the newcoming professionals in a Federal University campus from a town in the Midwest making room for dialogue and interaction. The methodology presumes groups of eight members having weekly meetings which last 1 hour and 30 minutes throughout a year and the use of artistic resources (films, poems, etc.) as tools and launchers of reflections. The report refers to an ongoing work. The activities have achieved adaptive attitudes and the acquisition of new coping strategies for the members, who have, in the artistic expression, mediation that favors interchange on their newsettled labor lives as well as the recognition of the group as a space for mutual support.

Keywords: Adaptation; Operative groups; Clinical psychology; Interpersonal relations; Coping.


RESUMEN

La llegada a una nueva institución y ciudad tienden a promover desorden en la vida del trabajador. Esta situación propicia dificultades en las relaciones y requiere un trabajo de elaboración de una nueva realidad subyacente a los cambios. En este sentido ha sido propuesto un grupo de encuentro y reflexión para auxiliar servidores en período de experiencia en una Institución de Enseñanza Pública, como actividad de extensión. El objetivo general fue el de crear un espacio de interlocución y de encuentro entre profesionales recién llegados a una Universidad Federal y a un Instituto Federal de una ciudad del interior del Centro Oeste. La metodología incluye grupos de ocho participantes, con encuentros semanales de 1 hora y 30 minutos de duración, a lo largo de un año lectivo y el uso de recursos artísticos (películas, poesías, etc.) como mediadores y disparadores de reflexiones. El relato es referente a un trabajo en andamiento. Las actividades han resultado en logros adaptativos y adquisiciones de nuevas estrategias de enfrentamiento para los integrantes, los cuales tienen en las expresiones artísticas intermediaciones que favorecen tanto el dialogo sobre sus vidas laborales recién establecidas, como el reconocimiento del grupo, como un espacio de apoyo mutuo.

Palabras clave: Adaptación; Grupos operativos; Psicología clínica; Relaciones interpersonales; Enfrentamiento.

 

 

INTRODUÇÃO 1

Conseguir estabilidade empregatícia tem sido meta para muitos brasileiros. Inúmeros fatores podem explicar esse fenômeno, dentre eles a instabilidade financeira global, a precarização das relações de trabalho, a dificuldade de obter desenvolvimento profissional e independência financeira em um mercado que vê ampliado o número de pessoas à busca de colocação a cada ano (Tumolo & Tumolo, 2004). Concursos públicos para ocupação de cargos nos níveis municipal, estadual e federal recebem progressivamente mais candidatos em proporção ao número de vagas disponíveis. A expectativa e/ou o desafio da conquista de um bom emprego, somados à grande concorrência e consequentemente o nível de ameaça que isto significa para a pessoa, podem fazer do momento do concurso um evento estressante (Lazarus & Folkman, 1984), um processo gerador de sofrimento psíquico.

Entre o momento de aprovação em qualquer concurso público, a nomeação e a estabilidade de fato, alguns trâmites legais são necessários. Segundo a Lei nº 8112/90, servidor público "é a pessoa legalmente investida em cargo público", sendo que este "é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que deve ser cometido a um servidor" (Brasil, 1990).

O Artigo 20 desta mesma Lei diz: "ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo ficará sujeito a estágio probatório por período de vinte e quatro meses, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo". Posteriormente, esse período foi revisto por uma Emenda Constitucional, que diz em seu Artigo 41: "São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público." (Brasil, 1998). Nesse sentido, as Universidades e Institutos Federais entendem os mesmos 36 meses como necessários para a superação do estágio probatório e obtenção de estabilidade laboral, independentemente das carreiras previstas para quaisquer servidores, sendo estes professores ou técnico-administrativos.

Para a sua permanência no serviço público, o trabalhador passa por momentos de avaliação institucional e de autoavaliação. Neste último caso, de modo semelhante ao ocorrido com quaisquer profissionais, questiona-se sobre a natureza e o destino de suas escolhas, aprende-se sobre suas novas atribuições, dentre outras coisas que se mostram em construção na nova realidade institucional e de vida abraçada.

Uma vez que os concursos públicos para preenchimento de vagas em universidades e institutos federais têm se deslocado de grandes centros urbanos e se interiorizado no país por meio de políticas de expansão da Educação propostas pelo Ministério da Educação (Brasil, 2007), além dos caminhos técnico-burocráticos necessários ao ingressante na carreira pública, passa a ser indispensável que ele supere os percalços de uma adaptação que se dá, com frequência, em realidades culturais e geográficas distantes das de sua origem. Agregados a esses fatores, ainda há que se considerar o início de novos trabalhos com colegas e/ou discentes. Essa nova realidade pode ser apreciada como geradora de estresse e desta forma demandar do novo servidor público uma boa capacidade de enfrentamento e adaptação à nova realidade de vida e profissional, a fim de não provocar isolamento e dificuldades relacionais no ambiente do trabalho e da família. Contudo, apesar de existir esta percepção subjetiva, ainda são escassos os estudos que demonstrem esta relação na realidade que aqui se propõe como objeto de estudo, a partir de um relato de experiência relativo à prática de grupos reflexivos.

Em termos propostos por Simon (1983/1989) ao enfocar a teoria de eficácia adaptativa, percebe-se o trabalhador imerso em situação de crise, o que potencialmente afeta os diversos setores de sua vida, como o afetivo-relacional, a produtividade, o sociocultural e o orgânico. Como sugerido por Yoshida, Enéas e Santeiro (2010), para superar esse momento crítico, o indivíduo precisa angariar seus próprios recursos, para que o modo de operar sobre sua vida seja eficaz. Pensando a partir de uma leitura diferente, mas complementar ao postulado por Simon (1983/1989), a vivência desta fase de transição e adaptação ao novo contexto cultural e de trabalho pode se constituir em um evento estressor e gerar dificuldades que superem as condições emocionais e/ou cognitivas da pessoa, o que a obriga a criar novas estratégias de enfrentamento para lidar com este momento de forma adaptativa e saudável (Lazarus & Folkman, 1984; Moos, 2002).

Entende-se que cada instituição que recebe um novo servidor e promove sua integração técnica no quadro de funcionários pode facilitar sua adaptação e, nessa medida, otimizar o desempenho de suas funções. Porém, considerando-se o que foi dito a respeito de mudanças geográficas e culturais e do processo de adaptação mais amplo vivenciado por esse servidor é que se pensou em um trabalho de extensão universitária, que ampliasse a rede de atenção ao ingressante.

Nesse sentido, esse relato de experiência pretende contribuir para suprir lacunas de publicações sobre práticas grupais que versem a respeito de processos adaptativos e de enfrentamento a eventos estressantes, neste caso de servidores públicos. Os objetivos gerais do artigo são situar as justificativas para a criação da proposta e demonstrar como ela tem sido estruturada, havendo, ainda, intenções de ilustrar brevemente o uso de recursos técnicos e metodológicos empregados no seu desenrolar.

A respeito de busca de informações, casos focados em experiências com servidores públicos não foram encontrados no momento de revisão bibliográfica sobre temas correlatos, embora tenham sido constatados textos relativos a processos grupais com enfoque operativo nos âmbitos da Saúde (Almeida & Soares, 2010; Favoreto & Cabral, 2009; Fortuna et al., 2005) e da Educação (Colares & Andrade, 2009; Coutinho & Rocha, 2007; Franco & Volpe, 2011; Lucchese & Barros, 2002). Um deles, focado em grupos de encontro estabelecidos com enfermeiros em contexto hospitalar, foi o que mais se achegou da proposta apresentada neste estudo, na medida em que o interesse dos autores se dirigiu a diálogos sobre estressores ocupacionais (Peres et al., 2011).

Vale lembrar que em sua acepção psicológica, um grupo não pode ser visto apenas como um amontoamento de pessoas, mas sim como uma composição de uma rede de trocas sociais, simbólicas e afetivas que abarcam relações e comunicações entre seus integrantes (Ávila, 2010). Essas características permitem, a um só tempo, vislumbrar e configurar a complexidade de um processo grupal porque nele ocorrem tensões das mais diversas ordens e que envolvem todos os sujeitos que o constituem. Como esclarecido por Ávila (2010, p.5), "há certa dimensão fundamental, inerente à composição de qualquer grupo, e que se repete necessária e obrigatoriamente", seja ele terapêutico, operativo ou de reflexão: ele "é formado por indivíduos e suas relações, e entre cada indivíduo e os demais, assim como entre cada indivíduo e o conjunto dos demais".

Pichon-Rivière (1980/2009) definiu grupo operativo como um conjunto de pessoas interligadas no "tempo e no espaço, por sua mútua representação interna, que se propõe de forma explícita ou implícita, a realizar uma tarefa para qual interatuam em uma rede de papeis através de vínculos estabelecidos entre si" (p. 242). Essa tarefa poderá ser a obtenção da cura, se for um grupo terapêutico, ou a aquisição de conhecimento, se for um grupo de aprendizagem. O objetivo da tarefa grupal na concepção operativa é superar e resolver situações estáticas e estereotipadas, que Pichon-Rivière denominou de dilemáticas, e transformá-las em situações flexíveis, denominadas dialéticas. Ou seja, o direcionamento dos trabalhos seria focado em sair da imobilidade devido à acumulação de ansiedade e buscar o movimento, o que por sua vez relaciona-se aos conceitos de superação da crise de Simon (1983/1989), e de processo de adaptação e coping de Lazarus e Folkman (1984).

Em instituições - escolares ou empresariais, nas famílias e consultórios -, o reflexo de novas concepções tem sido constatado no que tange às intervenções acionadas pelos psicólogos. Grupos de discussão e reflexão amparados no uso de técnicas expressivas, grupos breves e grupos terapêuticos propriamente ditos, têm sido alternativas em resposta às necessidades atuais (Fernandes, 2010).

Como assinalam Fortuna et al. (2005), o trabalho que se desenvolve em equipe se constitui aos poucos, é no seu fazer cotidiano que é analisado em seus movimentos de dificuldades, de paralisações e de satisfações. É por intermédio desses dinamismos de idas e vindas ocorridas em várias direções e entre seus integrantes, que os grupos são tidos como processuais. Tomando-se esse tipo de contribuição como suporte e inspiração, o projeto relatado foi idealizado, o que será exposto em maiores detalhes nos próximos itens.

 

OBSERVAÇÕES SOBRE O NOVO LUGAR E O NASCIMENTO DA PROPOSTA

A cidade do presente estudo está localizada na região Centro Oeste. Possui uma população de aproximadamente 88.000 habitantes, com vocação econômica vinculada à agropecuária, indústria e serviços (IBGE, 2011). Em termos educacionais, possui duas universidades públicas de grande porte, uma Federal e outra Estadual, além de um Instituto Federal de Ensino Tecnológico e de outras instituições de ensino superior privado.

Tem sido observado, por meio dos novos contratos realizados na instituição que sedia a proposta, que grande parte dos servidores de nível superior aprovados nos seus concursos públicos é oriunda de outras localidades brasileiras. Essa característica torna a adaptação à realidade da nova cidade, agregada às exigências do estágio probatório, um momento de vida com fortes exigências emocionais e sociais que se colocam ao recém-chegado.

Essas demandas referidas foram inicialmente observadas por psicólogos que integravam um grupo de professores inscritos em curso de formação pedagógica continuada, oferecido a todos aqueles em estágio probatório. Contudo, no momento de divulgação do projeto foi percebido que outros servidores - não somente professores - poderiam ter benefícios com a proposta.

Nesse sentido, pensando em facilitar uma eventual adaptação no que diz respeito ao acolhimento e suporte a esses servidores em estágio probatório e que vieram de outras cidades, foi criado e implantado o projeto de extensão Grupo de encontro e reflexão: já tá aí? Já tá lá? – Não: já tô aqui! Com esse grupo, não havia e não há intenção de trabalhar com servidores num sentido remediativo/psicoterapêutico. A proposta tem em sua origem preocupações que se alinham à promoção de saúde. Nesse sentido, o título do projeto é uma tentativa de representação lúdica de eventuais conflitos que os servidores poderiam viver e que se vinculavam ao lugar onde estão tanto em sua vida pessoal quanto na laboral.

 

ESTRUTURAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS E ESTRATÉGIAS DO GRUPO EM CONSTRUÇÃO

O grupo, seguindo a denominação proposta por Pichon-Rivière (1980/2009), é focado na aprendizagem e é coordenado pelos dois primeiros autores. Os demais membros são corresponsáveis pelo andamento dos trabalhos e por sua estruturação cotidiana.

O projeto tem como objetivo geral criar um espaço de encontro e de reflexão entre servidores docentes e técnicos administrativos recém-chegados que, por conseguinte, estejam em período de estágio probatório. Estabelece como público-alvo qualquer interessado em participar, especificamente quatro pessoas da comunidade interna (universidade federal) e mesmo número da externa (instituto federal). O único critério de exclusão previsto seria a ocorrência de algum transtorno emocional grave, como estado psicótico, depressão profunda, entre outros. Contudo, como todos os servidores são submetidos a exames médicos prévios para o ingresso na carreira pública para os quais apresentam, dentre outros, um atestado de sanidade mental, é entendido que psicopatologias desta natureza tenham sido descartadas. Casos não previstos serão avaliados e encaminhados a outros equipamentos e recursos de saúde mental disponíveis na Instituição e na cidade.

O planejamento de atividades contempla a totalidade do ano letivo de 2011. Os encontros são semanais, com duração de 1h30min e são realizados num serviço-escola de Psicologia, órgão do Curso de Psicologia da universidade de vínculo dos coordenadores do projeto. Há previsão de acompanhamento e avaliação processual de cada integrante em todas as fases do desenvolvimento do grupo, por meio de diálogos compartilhados.

Após divulgação do projeto junto aos setores de publicidade de ambas as instituições envolvidas, os interessados deveriam se manifestar por e-mail, o qual era retornado pelos coordenadores, que combinavam o dia e horário de funcionamento do grupo. Assim, cada pessoa apresentava-se para o início dos trabalhos conforme esse acordo inicial. Houve um caso de interessado que de modo espontâneo não consumou sua participação nas atividades.

Desde a primeira divulgação do projeto, ocorrida no início de março, não houve manifestação por parte de servidores do instituto federal. Desse modo, o número máximo de componentes a partir de junho de 2011 consolidou-se em quatro: os dois coordenadores e dois servidores. Esses membros instalavam-se em cursos distintos da área de Ciências Humanas; todos eram casados, sendo dois do sexo masculino e dois do sexo feminino; excetuando um dos homens, os demais tinham experiência de paternidade/maternidade.

A proposta de trabalho foi configurada na modalidade de grupo aberto. Após esse momento inicial em que diferentes pessoas poderiam integrá-lo, ele operou com formação fechada. Assim sendo, inicialmente dois servidores se manifestaram e iniciaram os encontros; no mês de junho houve o acréscimo de um terceiro componente, a partir do qual o grupo foi fechado, pois esse tipo de formação evitaria a quebra de vínculos em andamento e facilitaria o acompanhamento dos processos desenvolvidos.

O grupo teve suas atividades iniciadas em maio de 2011 e permaneceu ativo nesta primeira fase relatada até final de novembro, o que totalizou 11 encontros, intercalados entre recessos acadêmicos, encontros suspensos por excesso de atividades dos envolvidos e períodos de férias (julho). O seguinte procedimento geral estruturou os encontros:

1) os componentes chegavam e um tempo inicial era dedicado às conversações livres entre eles;

2) os coordenadores teciam comentários gerais sobre esse conteúdo trazido;

3) apresentação do recurso artístico escolhido por algum membro do grupo;

4) os integrantes verbalizavam sobre impressões e significados atribuídos ao material apresentado;

5) a pessoa que trouxe o recurso artístico justificava a escolha feita;

6) outros comentários eram feitos pelos integrantes com o objetivo de agregar e/ou eventualmente contrapor ideias;

7) os coordenadores se incumbiam de fazer uma apreciação geral do ocorrido em determinado encontro, cuidando para que o processo de adaptação e enfrentamento à nova realidade se mantivesse como tema focal de discussão; e, por fim,

8) os integrantes do grupo definiam quem seria o próximo a escolher o recurso artístico para ser trabalhado na semana posterior.

As atividades foram conduzidas de modo que os integrantes trouxeram algum recurso artístico de sua escolha pessoal, alternadamente entre todos. Filmes, poesias, músicas e outros textos literários foram algumas das possibilidades exercitadas. Sobre a natureza do material a ser trazido, o que os coordenadores ressaltavam é que ele deveria ser relacionado ao processo de adaptação e enfrentamento da nova realidade e preferencialmente que fosse significativo do ponto de vista pessoal daquele que o escolheu. Além disso, ele somente deveria ser mencionado no próprio dia do encontro, como uma surpresa a ser oferecida aos colegas de trabalho. O esquema seguinte permite a visualização detalhada dos recursos praticados e do teor das discussões que eles engendraram:

1º Encontro: curta-metragem Pular (Disney/Pixar). O filme foi utilizado como metáfora para a discussão do processo adaptação-desadaptação da personagem central, a partir de uma experiência estressora vivida.

2º Encontro: Definições (texto de Adriana Falcão). O texto foca os inúmeros sentimentos que compõem o ser humano, dentre os quais saudade, lembrança, angústia, culpa, amor, amizade etc.

3º Encontro: No meio do caminho (poesia de Carlos Drummond de Andrade). Proposta de reflexão e discussão a respeito do significado das "pedras" no contexto de mudança profissional e de vida dos integrantes.

4º Encontro: Tecendo a manhã (poesia de João Cabral de Melo Neto) e O livro das ignorãças (poesia de Manoel de Barros). As temáticas versavam a respeito da individualidade e da cooperação nas situações cotidianas, bem como sobre o quanto o saber é transitório.

5º Encontro: 127 horas (filme de Danny Boyle). O filme retrata uma situação limite vivida pelo protagonista e a descoberta de novos recursos pessoais nesse cenário.

6º Encontro: curta-metragem Para os pássaros (Disney/Pixar). O filme metaforiza o desconforto que a presença de um "estrangeiro" pode promover em locais e culturas já estabelecidos.

7º Encontro: curta-metragem francês Quatro olhos. Trabalho sobre as formas de percepção da realidade e o quanto esse exercício pode ser tanto enriquecedor, quanto promotor de sofrimento àquele que renova o olhar.

8º Encontro: Tocando em frente (música de Almir Sater). Os significados e os sentimentos evocados pela canção, relativos à possibilidade de tocar em frente, foram trabalhados.

9º Encontro: Lista de 5 pontos. Neste dia foi proposta a escrita de cinco sentimentos negativos decorrentes da situação de mudança, depois foi lido um poema árabe a respeito da ressignificação das atitudes frente às mudanças (Maneira de dizer as coisas). Para fechamento, foi solicitada a redação de sentimentos positivos decorrentes da adaptação à nova vida.

10º Encontro: neste dia não houve mediação com recurso artístico, a atividade foi estabelecida a partir de diálogo espontâneo, não planejado.

11º Encontro: texto de autoria atribuída a Fernando Pessoa, sobre mudança de papéis e modos de olhar para conflitos. Foi realizada discussão da temática.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este manuscrito relatou a experiência de um trabalho grupal que tem objetivado criar um espaço de interlocução entre profissionais recém-chegados a um campus de uma universidade federal e de um instituto federal de uma cidade do interior do Centro Oeste. Este projeto denominado Já tá aí? Já tá lá? – Não: já tô aqui! integrou parte do novo cotidiano dos seus membros, foi avaliado processualmente a cada encontro ocorrido e sua primeira etapa foi encerrada no final do ano letivo de 2011.

Os relatos dos participantes indicaram que é possível utilizar esse espaço como um momento no qual as dificuldades no processo de adaptação são compartilhadas. A identificação recíproca entre seus integrantes, movimento natural das relações humanas e também de interações grupais, foi vista como auxiliar na escuta às dores e no encontro de alternativas neste trilhar por novos caminhos, por terrenos que em alguns momentos se apresentaram árduos e solitários. Existiu um grau de cooperação em que cada sujeito se ligava voluntariamente ao outro para entender a si mesmo. Nessa acepção, Franco e Volpe (2011) lembram que no campo grupal a aprendizagem ocorre quando se insere no interjogo entre o subjetivamente concebido e o objetivamente percebido. Os participantes do grupo oportunizaram, assim, que as situações vividas por cada um deles caracterizassem intercâmbios efetivos entre si, o que incluía a figura dos coordenadores.

Ávila (2010) subsidia a tradução do aprendizado em construção nesse grupo: "Analisar a grupalidade consiste em indagar como o grupo se faz ao se constituir de indivíduos e, ao mesmo tempo, como cada indivíduo se faz ao se constituir de grupos" (p. 8), de tal modo que os integrantes do trabalho compartilhavam entre si processo semelhante. Ainda estavam de alguma forma em seus "vários lás", na direção em que suas raízes apontavam, questionando-se com frequência: – tô aí, tô lá? No entanto, de modo dinâmico pareciam buscar consolidar seus aprendizados sobre estarem na cidade escolhida: – tô aqui!, junto de outros em situações adaptativas e de enfrentamento semelhantes.

Outra constatação do grupo quanto à sua funcionalidade refere-se ao quanto ele representava "um instante de oxigenação da correria do trabalho", tal como verbalizado por uma das integrantes. Além do mais, os encontros tornaram-se uma referência afetiva para seus participantes, em um tempo de construção de novos vínculos em uma terra estrangeira.

Algumas hipóteses parecem explicar os porquês desse tipo de aprendizagem ser possível, mesmo neste instante no qual o grupo é incipiente no aspecto de sua inserção institucional. Nele os participantes podiam: a) construir novos recursos que os auxiliavam no enfrentamento da situação estressante vivenciada; b) trocar experiências de modelos de enfrentamento e processos de adaptação diversos; c) estabelecer novas possibilidades de apoio e integração social; e d) continuar o processo de construção de identidade individual e social que passava pelo processo grupal.

Desse modo, os limites e as possibilidades do Grupo permanecem no foco de atenções de seus coordenadores e têm merecido reflexões, algumas delas concretizadas neste texto. Compreender a efetiva implicação desta experiência para as políticas de gestão de pessoas nas realidades institucionais acontecerá no transcurso dos trabalhos com outros servidores, o que tem soado exequível, uma vez que as atividades foram reiniciadas em 2012, com nova composição grupal.

Neste momento, os autores se detiveram no relato dos fundamentos do projeto, para justificá-lo em sua existência, em suas funções e em seus aspectos metodológicos. Todavia, em contribuições futuras há pretensões de retomar outras leituras, como, por exemplo, aprofundamentos em aspectos teóricos e práticos dos processos grupais, correlacionando-os com novos dados que surgirão dos trabalhos em desenvolvimento.

 

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Endereço para correspondência
Tales Vilela Santeiro
E-mail: talessanteiro@hotmail.com

Recebido em 07/11/2011.
1ª Revisão em 01/02/2012.
2ª Revisão em 16/04/2012.
Aceite Final em 22/05/2012.

 

 

1 A versão resumida deste trabalho foi originalmente publicada nos Anais do VIII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia, ocorrido em Goiânia, entre 7 e 10 de setembro de 2011. Os autores agradecem por colaborações prestadas pelos professores Cláudia Alexandra Bolela, Elisa Medici Pizão Yoshida e Fabio Scorsolini-Comin.