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Revista da SPAGESP
Print version ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.14 no.1 Ribeirão Preto 2013
ARTIGOS
Grupos de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama: panorama atual 1
Supportive Groups for Breast Cancer Patients: Current Overview
Grupos de Apoyo para Mujeres Afectadas por Cáncer de Mama: Panorama Actual
Larissa Pena Leite 2; Rodrigo Sanches Peres 3
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil
RESUMO
Este estudo objetivou avaliar a produção científica sobre grupos de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama. O material foi obtido nas bases de dados PsycINFO, MedLine e LILACS a partir do cruzamento dos descritores "grupo de apoio" e "câncer de mama", contemplando artigos publicados entre 2001 e 2011. As 101 referências localizadas foram selecionadas criteriosamente, sendo que apenas 15 referências foram consideradas pertinentes. Cada uma delas foi avaliada em função de um conjunto de dimensões. Constatou-se a predominância de ensaios clínicos randomizados que atestam a eficácia/efetividade da terapia de grupo suportivo-expressiva. Porém, tal intervenção específica permanece pouco difundida no país, sendo que, para a reversão dessa situação, recomenda-se o desenvolvimento de pesquisas no contexto nacional envolvendo seu emprego.
Palavras-chave: Grupos de apoio; Neoplasias mamárias; Psico-Oncologia.
ABSTRACT
The aim of this study was to evaluate the scientific production concerning the application of supportive groups with breast cancer patients. The material was obtained in the PsycINFO, MedLine, and LILACS databases using the keywords "supportive group" and "breast cancer" and contemplating papers published between 2001 and 2011. The 101 references located were selected through inclusion criteria and only 15 references were considered relevant to this study. It was noted the predominance of randomized clinical trials that prove the efficacy/effectiveness of supportive-expressive group therapy. However, this intervention remains fairly unknown, and, in order to reverse this stiuation, it is recommended that researches be developed and applied in national context.
Keywords: Supportive groups; Breast neoplasms; Psycho-Oncology.
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue evaluar la producción científica acerca de los grupos de apoyo para mujeres afectadas por cáncer de mama. El material se obtuvo en las bases de datos PsycINFO, MedLine y LILACS con el cruzamiento de los descriptores "grupo de apoyo" y "cáncer de mama", mirando los artículos publicados entre 2001 y 2011. Las 101 referencias localizadas fueron seleccionadas a través de criterios de inclusión y sólo 15 referencias fueron consideradas relevantes. Cada una de ellas se evaluó a través de un conjunto de dimensiones. Se observó el predominio de ensayos clínicos aleatorizados que demuestran la eficacia/efectividad de la terapia de grupo suportivo-expresiva. Sin embargo, esta intervención sigue siendo poco conocida en Brasil, y, para la reversión de esta situación, se recomienda el desarrollo de investigaciones sobre su uso en el contexto nacional.
Palabras clave: Grupos de apoyo; Neoplasmas de la mama; Psico-Oncologia.
O diagnóstico e o tratamento do câncer de mama podem, em muitos casos, desencadear sintomas de estresse, ansiedade e depressão (Burgess, Cornelius, Graham, Richards, & Ramirez, 2005), bem como afetar negativamente a imagem corporal (Santos & Vieira, 2011) e incorrer em prejuízos na qualidade de vida da mulher acometida pela doença (Majewski, Lopes, Davoglio, & Leite, 2012; Salonen, Kellokumpu-Lehtinen, Tarkka, Koivisto, & Kaunonen, 2011). Isso ocorre, sobretudo, porque a mama, por ser um órgão representativo das diferenças corporais naturais entre homens e mulheres, tipicamente simboliza a feminilidade, a sensualidade e a maternidade (Aureliano, 2009; Menezes, Schulz & Peres, 2012; Peres & Santos, 2007). Diante do exposto, torna-se patente, na perspectiva da prestação de um cuidado humanizado em saúde, a relevância da assistência psicológica a tal população.
Diversos autores destacam a proficuidade das modalidades assistenciais grupais na assistência psicológica a mulheres acometidas por câncer de mama. Sabe-se, por exemplo, que o contexto grupal é capaz de otimizar os recursos pessoais necessários ao enfrentamento das adversidades associadas ao adoecimento, inclusive favorecendo a adesão às recomendações médicas (Cameron, Booth, Schlatter, Zi¬ginskas, & Harman, 2007; Kissane, 2009; Spira & Reed, 2002). Ademais, tende a proporcionar continência frente ao impacto psicológico desencadeado tanto pelo diagnóstico quanto pelo tratamento (Die-Trill, 2007; Santos, Prado, Panobianco, & Almeida, 2011). De modo geral, esses benefícios decorrem da universalidade da queixa das participantes do grupo, uma vez que a existência de um denominador comum no que se refere às vivências em saúde facilita a expressão de sentimentos, fomenta o altruísmo e promove a redução do estigma causado pela doença (Helgeson, Cohen, Schulz, & Yasko, 2001).
As modalidades assistenciais grupais podem assumir diferentes formatos. Os grupos de apoio constituem um dos formatos mais frequentemente utilizados junto a mulheres acometidas por câncer de mama. Tais grupos usualmente são coordenados por um psicólogo ou outro profissional de saúde e congregam pessoas que foram convidadas a frequentar as sessões para conversar sobre um tema específico e/ou questões a ele relacionadas mais diretamente (Schopler & Galinski, 1993; Yalom & Leszcz, 2005). Em linhas gerais, as sessões de um grupo de apoio, conforme Helgeson et al. (2001) podem ser conduzidas mediante intervenções psicoeducacionais ou envolver a discussão entre pares, ou seja, a troca de experiências. As autoras constatam que, para a maioria das participantes de grupos de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama, as intervenções psicoeducacionais contribuem para a diminuição de pensamentos intrusivos, ao passo que a troca de experiências fomenta o altruísmo e favorece o resgate da autoestima.
Spira e Reed (2002) preconizam que o coordenador de um grupo de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama pode adotar três estilos distintos no desempenho de suas tarefas, a saber: dedutivo, indutivo e interativo. O estilo dedutivo enfatiza o fornecimento de informações sobre a doença e o tratamento, assim como o desenvolvimento de habilidades para o manejo de suas repercussões. Já o estilo indutivo potencializa a troca de experiências entre as participantes do grupo e a promoção do apoio mútuo. O estilo interativo, por fim, combina os dois estilos anteriores, de forma que o coordenador pode desempenhar um papel mais ativo no início da sessão ao propor um tópico para discussão, por exemplo, e, no restante da sessão, atuar como mediador visando a proporcionar às participantes a ponderação de suas vivências à luz de um novo vértice.
A literatura científica especializada – sobretudo internacional – foi enriquecida na última década por uma série de estudos que se propõem a descrever ou avaliar o funcionamento de grupos de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama. Tais estudos se alinham aos interesses da Psico-Oncologia, campo de caráter multidisciplinar situado na interface entre a Psicologia e a Oncologia que se ocupa, basicamente, dos aspectos psicológicos tanto dos pacientes e seus familiares quanto dos profissionais de saúde envolvidos com o tratamento do câncer, de modo que aborda a dimensão emocional do adoecer e do cuidar (Holland, 2002; Veit & Carvalho, 2008). Por ser um campo relativamente recente, tem produzido conhecimentos que, como bem observou Mehrotra (2008), ainda não foram totalmente integrados à assistência. O mapeamento desses conhecimentos, portanto, representa um dos caminhos possíveis para a reversão dessa situação, na medida em que, agregando evidências de pesquisas à assistência, pode auxiliar a tomada de decisões na prática profissional e promover a otimização de recursos humanos e materiais. Justamente por esse motivo diversas revisões sistemáticas da literatura em Psico-Oncologia têm sido realizadas nos últimos anos.
Ocorre que as revisões sistemáticas da literatura viabilizam a síntese de estudos dedicados a um determinado tema, os quais devem ser localizados, selecionados e avaliados de modo criterioso para evitar possíveis vieses e, assim, viabilizar a devida incorporação de evidências de pesquisas à assistência (Cook, Mulrow, & Haynes, 1997). Logo, as revisões sistemáticas da literatura possuem um inegável valor prático, sobretudo face ao contínuo fluxo de informações que caracteriza a atualidade. Assumindo tais assertivas, o presente estudo tem por objetivo avaliar a produção científica sobre grupos de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama. Trata-se de uma revisão sistemática da literatura nacional e internacional publicada em um período de 10 anos (compreendido entre Outubro de 2001 e Outubro de 2011), como é detalhado adiante.
MÉTODO
Procedimentos para a localização das referências
O material necessário para o desenvolvimento do presente estudo foi obtido mediante a execução de buscas eletrônicas em diferentes bases de dados on-line. Optou-se por adotar tal estratégia metodológica tendo-se em vista que a relevância da divulgação científica via internet já se encontra consolidada devido à praticidade, ao dinamismo e à interatividade que a caracterizam. Além disso, as bases de dados possibilitam o acesso àquele que se afigura como o principal veículo de difusão de pesquisas científicas na atualidade: o periódico científico (Sampaio & Sabadini, 2009). Contudo, certas especificidades – determinadas, por exemplo, pelo público-alvo e pela temática – são inerentes a qualquer uma das bases de dados existentes na atualidade. A combinação de diversas bases de dados, portanto, pode ser considerada a alternativa mais eficiente para que se possa empreender uma revisão sistemática da literatura devidamente abrangente.
Partindo desses princípios, foram consultadas três diferentes bases de dados, a saber: PsycINFO, MedLine e LILACS. A seleção dessas bases se justifica por serem reconhecidas pela indexação, após um rigoroso processo de avaliação, dos principais periódicos científicos da atualidade em Ciências da Saúde e Psicologia. Por essa razão, inclusive, tais bases de dados vêm sendo amplamente utilizadas em revisões sistemáticas da literatura nessas áreas, tais como aquelas realizadas por Santos e Vieira (2011) e Majewski et al. (2012). Mas vale destacar que a LILACS contempla, especificamente, a produção científica em Ciências da Saúde da América Latina e do Caribe, a qual comumente recebe pouco destaque nas demais bases de dados. Já a MedLine igualmente privilegia publicações com a mesma temática, porém possui abrangência mundial. A PsycINFO, por fim, se destaca como a maior base de dados voltada à Psicologia e cobre periódicos científicos de cerca de 50 países.
As buscas eletrônicas foram realizadas no dia 20 de Outubro de 2011 a partir do cruzamento dos descritores "grupo de apoio" (supportive group) e "câncer de mama" (breast cancer). A interface de cada uma das bases de dados consultadas apresenta configuração própria, de modo que, por esse motivo, os procedimentos de busca sofreram pequenas variações. Com isso, os campos "abstract" e "title/abstract" foram definidos, na PsycINFO e na MedLine, respectivamente, para a localização dos descritores selecionados. Já na LILACS não foi especificado o campo de busca, pois tal base não oferece campos semelhantes. Foram buscadas referências relacionadas ao câncer de mama feminino, publicadas entre Outubro de 2001 e Outubro de 2011 com texto na íntegra redigido em língua inglesa, espanhola ou portuguesa.
Procedimentos para a seleção de referências
Os títulos de todas as referências obtidas a partir das buscas eletrônicas foram inicialmente examinados visando a subsidiar a eliminação de eventuais repetições. A seguir, os resumos das referências selecionadas mediante o emprego desse procedimento foram submetidos a uma leitura preliminar, cujo propósito básico foi determinar o material efetivamente pertinente ao presente estudo. Tal leitura foi norteada em função de dois critérios de inclusão específicos. O primeiro deles é o formato. Apenas as referências publicadas em periódicos científicos como artigo empírico foram selecionadas. Consequentemente, foram descartadas as referências publicadas em periódicos científicos como artigo de outra natureza (relato de experiência, revisão da literatura ou estudo teórico), resenha, carta ao editor ou outros, assim como referências publicadas no formato de livro, capítulo de livro, dissertação, tese, relatório ou afins. O segundo critério é a temática. Foram selecionadas somente as referências voltadas especificamente à descrição ou avaliação do funcionamento de grupos de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama.
Procedimentos para a apreciação das referências
As referências selecionadas foram recuperadas na íntegra e submetidas à apreciação mediante a execução de leituras analíticas de cada uma delas. Tais leituras analíticas foram realizadas de modo independente pelos autores do presente estudo, sendo que os achados consensuais de início foram aceitos automaticamente. Já os achados de início discordantes foram discutidos caso a caso até que se chegasse a um comum acordo. A partir de tal análise, os estudos foram organizados em cinco dimensões, a saber: (1) participantes; (2) instrumentos; (3) delineamento metodológico; (4) características da intervenção e (5) resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apreciação quantitativas das referências
As buscas eletrônicas nas bases de dados resultaram na localização de 101 referências, sendo 61 delas na PsycINFO, 25 na MedLine e 15 na LILACS. A checagem do título das referências levou à redução de 101 para 90 referências, pois as repetições foram automaticamente descartadas. Em seguida, foi realizada a leitura preliminar dos resumos dessas 90 referências, a qual foi norteada pela utilização dos critérios de inclusão já apresentados. Esse procedimento resultou na exclusão de mais 75 referências, sendo 19 delas devido à aplicação do primeiro critério de inclusão (formato) e 56 em virtude do emprego do segundo critério (temática).
Sendo assim, apenas 15 das 101 referências localizadas foram consideradas pertinentes ao presente estudo, a saber: Bordeleau et al. (2003), Butler et al. (2009), Classen et al. (2001), Classen et al. (2007), Fobair et al. (2002), Giese-Davis et al. (2002), Giese-Davis, DiMicel, Sephton e Spiegel (2006), Goodwin et al. (2001), Grassi, Sabato, Rossi, Marmai e Biancosino (2010), Kissane et al. (2004), Kissane et al. (2007), Lemieux et al. (2007), O'Brien, Harris, King e O'Brien (2008), Pinheiro, Silva, Mamede e Fernandes (2008) e Spiegel et al. (2007). Vale destacar que apenas a penúltima dessas referências é de autoria de pesquisadores brasileiros.
Apreciação qualitativa das referências
A primeira dimensão de análise (participantes) aponta que em 11 das 15 referências selecionadas foram empregadas amostras constituídas por mulheres acometidas por câncer de mama que apresentavam metástases, ou seja, se encontravam em uma etapa específica do curso da doença caracterizado pelo surgimento de tumores secundários (Bordeleau et al., 2003; Butler et al., 2009; Classen et al., 2001; Giese-Davis et al., 2002; Giese-Davis et al., 2006; Goodwin et al., 2001; Kissane et al., 2004, Kissane et al., 2007; Lemieux et al., 2007; O'Brien et al., 2008; Spiegel et al, 2007). Das quatro referências restantes, três apresentaram, na composição da amostra, pacientes com tumores primários em tratamento loco-regional ou sistêmico (Classen et al., 2007, Fobair et al. 2002, Grassi et al., 2010).
Ressalte-se que, dessas três referências, a segunda e a terceira tiveram como participantes, respectivamente, mulheres homossexuais recém-diagnosticadas com câncer de mama e pacientes com comorbidade psiquiátrica determinada pelo diagnóstico concomitante de transtornos afetivos. Por fim, apenas a referência de Pinheiro et al. (2008) envolveu a coleta de dados junto a mulheres em fase de reabilitação. Vale mencionar ainda que, considerando-se o conjunto de referências selecionadas, o número médio de participantes foi de 156. Entretanto, algumas referências se sobressaíram nesse aspecto por terem contado com um número maior de participantes, a saber: 214 (Grassi et al., 2010), 215 (Bordeleau et al., 2003), 227 (Kissane et al., 2007), 235 (Goodwin et al., 2001) e 353 (Classen et al., 2007).
Já a segunda dimensão de análise (instrumentos) revela que as participantes da maioria das referências foram avaliadas a partir da aplicação de instrumentos padronizados, sobretudo questionários e escalas. A Impact of Event Scale (IES) – traduzida e adaptada para o português brasileiro por Silva, Nardi e Horowitz (2010) – foi o instrumento mais frequente, tendo sido empregado em seis referências (Classen et al., 2001, Classen et al., 2007, Fobair et al., 2002, Kissane et al., 2007, Lemieux et al., 2007; O'Brien et al., 2008). Trata-se de uma escala de caráter generalista, voltada à avaliação do estresse relacionado a eventos da vida. A Mini-Mental Adjustment to Cancer Scale (Mini-MAC), por sua vez, se destacou como o instrumento específico para pacientes oncológicos mais utilizado no contexto das referências selecionadas, pois esteve presente em quatro delas (Classen et al., 2007, Fobair et al., 2002, Grassi et al., 2010, Kissane et al., 2007). Tal escala, cujo objetivo é a investigação do ajustamento mental à doença, também possui versão para o português brasileiro, a qual teve sua estrutura fatorial avaliada por Gandini, Martins e Pedrosa (2008).
No que tange à terceira dimensão de análise (metodologia), deve-se salientar que houve predomínio do delineamento longitudinal. Ocorre que, em 13 referências, as participantes foram avaliadas em pelo menos dois momentos distintos com o intuito de subsidiar a identificação de possíveis alterações em determinadas variáveis contempladas pelos instrumentos. Obviamente essas alterações poderiam, em tese, ser entendidas como resultantes da assistência oferecida às mulheres em pauta por meio dos grupos de apoio, de forma que representariam indicadores da eficácia/efetividade dos mesmos. Em contrapartida, apenas duas referências (Kissane et al., 2004, Pinheiro et al., 2008) optaram pelo delineamento transversal, posto que as participantes foram avaliadas em um único momento.
Ressalte-se ainda que, das 13 referências de desenho longitudinal, nove se afiguraram como ensaios clínicos randomizados (Bordeleau et al., 2003; Butler et al., 2009; Classen et al., 2001; Classen et al., 2007; Giese-Davis et al., 2002; Goodwin et al., 2001; Kissane et al., 2007; Lemieux et al., 2007; Spiegel et al, 2007). Conforme Jadad e Enkin (2007), os ensaios clínicos randomizados fornecem os indicadores mais seguros acerca da eficácia de uma intervenção em saúde. Nesse tipo de pesquisa, os efeitos de uma intervenção em um grupo experimental são comparados com eventuais alterações em um grupo controle, sendo que os participantes de ambos os grupos são determinados de forma aleatória por meio de randomização.
A quarta dimensão de análise (características da intervenção) esclarece que, das 15 referências selecionadas, 14 reportam a utilização de uma intervenção específica, denominada "terapia de grupo suportivo-expressiva". A única exceção nesse sentido é a referência de Pinheiro et al. (2008). Conforme Spiegel e Spira (1991), a terapia de grupo suportivo-expressiva é uma intervenção de orientação cognitivo-existencial, com duração limitada e cujas sessões têm caráter semiestruturado. Seus objetivos básicos são promover a construção de novos laços sociais, fomentar a expressão emocional e favorecer o enfrentamento das repercussões do adoecimento, sendo que, para tanto, o coordenador – adotando um estilo predominantemente interativo – encoraja a discussão de tais questões entre as participantes por meio do estabelecimento de um elevado nível de coesão grupal (Spiegel & Classen, 2000). Vale destacar que a intervenção em pauta, embora designada por seus criadores como uma forma de psicoterapia, pode, no entendimento dos mesmos, ser classificada como uma variação dos grupos de apoio, tendo-se em vista que, como seu próprio nome sugere, possui um componente suportivo importante.
É válido salientar também que em algumas referências foi reportada a utilização pontual, no desenvolvimento da terapia de grupo suportivo-expressiva, de duas estratégias diferenciadas, a saber: a hipnose (Butler et al., 2009, Classen et al., 2001, Spiegel et al, 2007) e o relaxamento (Bordeleau et al. 2003, Kissane et al., 2007). Além disso, uma referência (O'Brien et al., 2008) se sobressaiu por fazer menção ao emprego de um equipamento de teleconferência para a realização de sessões de terapia de grupo suportivo-expressiva. Tal equipamento foi capaz de agregar mulheres australianas que residiam na zona rural e não poderiam se reunir presencialmente em um serviço de saúde situado nos grandes centros urbanos.
Ainda acerca da quarta dimensão de análise, é relevante mencionar que os autores de algumas referências recorreram a material informativo sobre câncer de mama (Butler et al., 2009, Classen et al., 2007; Giese-Davis et al., 2002, Goodwin et al., 2001, Spiegel et al., 2007) ao longo das sessões de terapia de grupo suportivo-expressiva. Tal recurso é comum em intervenções psicoeducacionais, as quais, segundo Helgeson et al. (2001), tendem a ser proveitosas junto a mulheres acometidas pela doença em pauta, especialmente a curto prazo. Porém, intervenções psicoeducacionais se alinham ao estilo dedutivo de coordenação de grupo. E, para Spira e Reed (2002), o estilo interativo, que combina os estilos dedutivo e indutivo, é mais propício à aplicação no cotidiano, por parte das participantes de grupos de apoio, de estratégias de enfrentamento discutidas durante as sessões e apontadas como mais adaptativas, quer seja por meio da troca de experiências ou das intervenções do coordenador.
No que tange à quinta dimensão de análise (resultados), vale destacar que a maioria das referências selecionadas apresenta indicadores da eficácia/efetividade da terapia de grupo suportivo-expressiva. Grassi et al. (2010), por exemplo, observaram que mulheres com comorbidade psiquiátrica – diagnosticadas, especificamente, com transtornos afetivos – que frequentaram sessões semanais da intervenção em pauta por um período de quatro a seis meses relataram diminuição dos níveis prévios de desesperança e preocupação ansiosa em relação ao câncer de mama. Outras referências revelaram que uma participação prolongada – atingindo até um ano – promoveu a supressão de afeto negativo e elevou a contenção de comportamentos agressivos (Giese-Davis et al., 2002), amenizou sintomas de stress (Classen et al., 2001; Lemieux et al., 2007), fortaleceu o funcionamento social e preveniu episódios depressivos (Kissane at al., 2007), assim como intensificou a adesão ao tratamento médico (Kissane et al., 2004) em mulheres que apresentavam metástases.
O'Brien et al. (2008) também obtiveram resultados favoráveis em termos do declínio de indicadores de stress com o desenvolvimento da terapia de grupo suportivo-expressiva envolvendo equipamento de teleconferência junto a mulheres que apresentavam metástases. Giese-Davis et al. (2006), por seu turno, identificaram que tal população tendia à menor inclinação dos níveis de cortisol – hormônio cuja produção cresce em situações de stress – desde a primeira sessão desse tipo de intervenção, quando realizada presencialmente, no caso. Já Butler et al. (2009) constataram que a terapia de grupo suportivo-expressiva, se atinge um ano de duração e, sobretudo, se é associada à hipnose, pode diminuir a intensidade dos episódios de dor ao longo do tratamento. Fobair et al. (2002) igualmente verificou resultados benéficos com essa intervenção no que tange à redução de dor. Vale destacar que estes últimos autores trabalharam com sessões semanais ao longo de apenas quatro meses, as quais foram especificamente voltadas, como já mencionado, a mulheres homossexuais recém-diagnosticadas com câncer de mama.
Algumas referências, contudo, demarcam certos limites da terapia de grupo suportivo-expressiva. Classen et al. (2007), adotando uma versão ainda mais breve – com apenas três meses de duração – do mesmo tipo de intervenção, observaram que mulheres com sintomas mais acentuados de ansiedade e depressão não apresentaram melhoras significativas. Bordeleau et al. (2003) não verificaram influência do grupo na qualidade de vida de mulheres que apresentavam metástase, em que pese o fato de as mesmas terem frequentado sessões por um ano ou mais. E vale reforçar que prejuízos na qualidade de vida associados ao adoecimento são recorrentes (Majewski et al., 2012), o que implica em uma ressalva à eficácia/efetividade da terapia de grupo suportivo-expressiva.
Ademais, Kissane et al. (2007) relataram que tal intervenção não contribuiu para o prolongamento da sobrevida de mulheres que se encontravam em estágios mais avançados da doença, o que refutou os resultados de uma pesquisa anterior (Spiegel, Bloom, Kraemer, & Gottheil, 1989) que havia identificado a existência de diferenças estatisticamente significativas em relação a essa variável em comparação com um grupo controle. Entretanto, Kissane (2009) salienta que, mesmo não aumentando a sobrevida, a terapia de grupo suportivo-expressiva tem se revelado capaz de promover diversos benefícios psicossociais importantes junto a mulheres acometidas por câncer de mama. A tal conclusão, inclusive, se pode chegar à luz da discussão da quinta dimensão de análise do presente estudo. E o referido autor ainda destaca que o curso da doença é determinado por uma complexa conjunção de fatores, não podendo, assim, ser reduzido a uma única variável.
Como já mencionado, o mapeamento dos conhecimentos atualmente disponíveis no campo da Psico-Oncologia pode agregar evidências de pesquisa à assistência. Concluindo a discussão a respeito da quinta dimensão de análise, portanto, faz-se necessário esclarecer que a principal implicação prática do presente estudo consiste na recomendação de que a terapia de grupo suportivo-expressiva passe a ser empregada com maior frequência na assistência psicológica a mulheres acometidas por câncer de mama. E ressalte-se que, a propósito do contexto nacional, tal recomendação se estende também à pesquisa, uma vez que nenhuma das referências selecionadas reportando a utilização desta intervenção é assinada por autores brasileiros.
Mais especificamente, recomenda-se, com base no conjunto de dados sintetizados no presente estudo, que a terapia de grupo suportivo-expressiva seja considerada uma modalidade assistencial grupal prioritária na assistência a mulheres acometidas por câncer de mama que apresentam metástases. Afinal, sua eficácia/efetividade junto às pacientes que se encontram nesta condição é bem documentada, sobretudo quando é desenvolvida por um período de, no mínimo, quatro meses, e envolve o recurso a material informativo sobre a doença. Porém, é preciso salientar que modalidades assistenciais individuais, principalmente de longa duração, são imprescindíveis em muitos casos, em função do prognóstico associado ao surgimento de metástases.
Detalhar os mecanismos e processos por meio dos quais a terapia de grupo suportivo-expressiva produz os benefícios reportados junto à população em questão foge ao escopo do presente estudo. Entretanto, é possível cogitar, a partir das proposições de Spiegel e Classen (2000), que a eficácia/efetividade de tal intervenção se encontra relacionada ao estilo interativo adotado na coordenação das sessões, uma vez que este é um de seus diferenciais mais importantes. Esclarecer as razões pelas quais a terapia de grupo suportivo-expressiva permanece pouco difundida no país também extrapola os limites do presente estudo, mas é oportuno salientar que tal fato, em maior ou menor grau, pode ser atribuído à inexistência de tradução para a língua portuguesa da obra de Spiegel e Spira (1991), a qual se afigura como o manual clínico original da intervenção em pauta.
Por fim, cumpre assinalar que a referência de Pinheiro et al. (2008), única de autoria de pesquisadores brasileiros, se diferencia em termos das quatro primeiras dimensões de análise. Ocorre que a mesma: (a) apresentou um número mais reduzido de participantes, abrangendo principalmente mulheres em reabilitação; (b) teve a coleta de dados desenvolvida mediante o emprego de uma entrevista semiestruturada; (c) privilegiou uma abordagem qualitativa e um enfoque descritivo e (d) reportou uma intervenção com formato mais flexível, o qual, inclusive, não foi detalhado pelas autoras. A despeito de tais particularidades, a referência em pauta aponta que, de acordo com a opinião das participantes, frequentar as sessões do grupo contribuiu para a aquisição de informações e para o enfrentamento de questões associadas ao adoecimento, de modo que incorreu em benefícios importantes. Ou seja: tal referência, em termos da quinta dimensão de análise, se alinha às demais referências selecionadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo proporciona um panorama atual e abrangente da produção científica de dez anos acerca do emprego de grupos de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama. Desse modo, revela a predominância de ensaios clínicos randomizados – cuja coleta de dados envolveu a aplicação de instrumentos padronizados – voltados à avaliação da eficácia/efetividade da terapia de grupo suportivo-expressiva, os quais atestam que esse tipo de intervenção tende a produzir benefícios importantes, sobretudo em termos psicológicos e sociais. Como já mencionado, exemplificam esses benefícios a diminuição dos níveis de desesperança, preocupação ansiosa e estresse e o fortalecimento do funcionamento social das participantes.
A devida incorporação dessas evidências científicas ao exercício profissional junto à população em questão, não obstante, ainda pode ser entendida como um desafio no Brasil. Ocorre que a terapia de grupo suportivo-expressiva permanece pouco difundida no país, como o atesta, inclusive, o fato de não ter sido localizada nenhuma referência de autores brasileiros reportando sua utilização. Para a reversão dessa situação, recomenda-se, portanto, o desenvolvimento de pesquisas no contexto nacional envolvendo o emprego de tal intervenção específica junto a mulheres acometidas por câncer de mama, assim como a tradução para a língua portuguesa da obra de Spiegel e Spira (1991).
Pesquisadores interessados no tema do presente estudo também podem contribuir para o preenchimento de lacunas ainda existentes na literatura científica especializada recorrendo, quer seja em pesquisas voltadas à descrição ou avaliação do funcionamento da terapia de grupo suportivo-expressiva ou de grupos de apoio com características distintas, a desenhos teórico-metodológicos diferenciados em relação àquele predominante no contexto das referências selecionadas. Os ensaios clínicos randomizados, como já mencionado, fornecem os indicadores mais seguros acerca da eficácia de uma intervenção em saúde. Porém, tendem a ser pouco esclarecedores a respeito dos mecanismos e processos que provocam efeitos benéficos e auxiliam a mediar os processos de mudança. Já estudos qualitativos, apoiados em dados coletados mediante a utilização de recursos que permitam às participantes maior liberdade de expressão, podem se revelar mais proveitosos nesse sentido e, por essa razão, também são recomendados em novos estudos.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência
Rodrigo Sanches Peres
E-mail: rodrigosanchesperes@yahoo.com.br
Recebido em 04/02/2013.
1ª Revisão em 11/04/2013.
Aceite Final em 17/04/2013.
1 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2 Larissa Pena Leite é psicóloga pela Universidade Federal de Uberlândia.
3 Rodrigo Sanches Peres é professor adjunto da Universidade Federal de Uberlândia. Doutor em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.