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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.19 no.1 Ribeirão Preto Jan./Jun. 2018

 

ARTIGOS

 

Autoconceito e práticas contraceptivas e sexuais em estudantes universitários

 

Self-concept and contraceptive and sexual practices amongst university students

 

Auto concepto y prácticas anticonceptivas y sexuales en estudiantes universitarios

 

 

Marina Zanella Delatorre1; Helen Bedinoto Durgante2; Ana Cristina Garcia Dias3

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Buscou-se investigar se as dimensões do autoconceito diferem de acordo com as práticas contraceptivas e sexuais de jovens universitários. Participaram 295 universitários, que responderam a um questionário sobre dados sociodemográficos, conhecimentos e práticas contraceptivas e à Escala Fatorial de Autoconceito. Houve diferenças na dimensão ético-moral de acordo com o uso de contraceptivos, e nas dimensões atitude social, segurança e somático de acordo com a utilização do preservativo. As dimensões ético-moral e autocontrole apresentaram diferenças entre os jovens que relataram conversar com o parceiro, enquanto que a receptividade social diferiu de acordo com a idade da iniciação sexual. Conclui-se que o reforço de valores ético-morais e o desenvolvimento de habilidades interpessoais podem ser importantes para a adesão à contracepção entre jovens.

Palavras-chave: contracepção; comportamento sexual; autoconceito; jovens universitários.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate associations between dimensions of self-concept and contraceptive and sexual practices amongst university youth. Participants were 295 university students, who answered a sociodemographic questionnaire which also contained questions related to contraceptive knowledge and practices, and the Self-Concept Scale (EFA). There were associations between contraceptive use and the ethic-moral dimension, as well as preservative, which also were associated with the ethic-moral, social attitude, security and somatic dimensions. Keeping contraceptive conversation with a partner was associated with the ethic-moral and self-control dimensions, whereas the age of sexual initiation was associated with social receptivity. Reinforcement of ethic-moral values and the development of interpersonal skills may be important factors underlying the adherence to contraception amongst university youth.

Keywords: contraception; sexual behaviour; self-concept; university youth.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue investigar la asociación entre las dimensiones del autoconcepto y las prácticas anticonceptivas y sexuales entre jóvenes universitarios. Participaron 295 universitarios, que respondieron a un cuestionario sobre datos sociodemográficos, conocimientos y prácticas anticonceptivas y la Escala Factorial de Autoconcepto. Los resultados mostraron asociaciones entre el uso de anticonceptivos y la dimensión ético-moral, así como el uso del preservativo, que también está relacionado con la actitud social, la seguridad, y la dimensión somática. Hablar con el compañero acerca de anticonceptivos se asoció con la dimensión ético-moral y de autocontrol, mientras que la edad de iniciación sexual se asoció con la receptividad social. Así, el fortalecimiento de los valores éticos y morales y el desarrollo de habilidades interpersonales pueden ser importantes para la adhesión a las prácticas anticonceptivas seguras entre los jóvenes.

Palabras clave: anticoncepción; comportamiento sexual; autoconcepto; universitarios.


 

 

A adoção de práticas contraceptivas tem sido considerada tema de prioridade na saúde pública e preventiva (Alves & Brandão, 2009; Farias Júnior et al., 2009), tanto para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), quanto para evitar a gravidez indesejada. No entanto, apesar da ampla divulgação de informações sobre os métodos contraceptivos e a importância de utilizá-los nas relações sexuais, a não aderência às práticas contraceptivas por parte dos jovens representa um desafio para a promoção de saúde (Moura, Gomes, Rodrigues, & Oliveira, 2011). As práticas contraceptivas são as atitudes e os comportamentos em relação ao uso de métodos contraceptivos adotados por indivíduos sexualmente ativos. A adoção dessas práticas envolve a interação entre fatores contextuais, relacionais e psicológicos (Rozenberg, Silva, Bonan, & Ramos, 2013; Salazar et al., 2004).

Nesse sentido, diversos estudos investigaram as práticas contraceptivas, bem como os possíveis fatores relacionados à promoção desses comportamentos na população jovem. Algumas pesquisas nacionais investigaram a prevalência do uso de métodos contraceptivos especificamente em amostras universitárias. Essa população, composta geralmente por jovens, costuma estar na transição entre a adolescência e a idade adulta, período em que o indivíduo assume, de forma mais concreta, responsabilidade pelas próprias escolhas e pelo impacto das mesmas em seu futuro (Palacios & Oliva, 2004). Por exemplo, um estudo investigando o perfil sexual de 303 acadêmicos da área da saúde no Ceará, encontrou 94,3% de adesão a algum método contraceptivo, sendo o preservativo adotado por 74,4% dos estudantes (Falcão Júnior et al., 2007). Entre 164 estudantes de Enfermagem de duas universidades públicas de Fortaleza, contraceptivos foram utilizados por 74,6% dos entrevistados na iniciação sexual, dentre os quais 94,7% utilizaram o preservativo, e por 75,4% no momento atual. Entre esses últimos, 39,3% utilizam contraceptivo hormonal, 37,1% usam preservativo e 23,6%, a combinação de ambos (Moura et al., 2011). Outro trabalho que investigou 68 acadêmicos de Enfermagem no Sergipe encontrou que 71% utilizaram o preservativo na iniciação sexual, e 70,6% utilizam algum contraceptivo nas relações atuais (Inagaki, Santos, Abud, Gonçalves, & Daltro, 2007). Por fim, um estudo realizado com 135 acadêmicos de Enfermagem no Maranhão encontrou 60,7% de uso de métodos contraceptivos na primeira relação sexual, entre os quais 37,8% utilizam o preservativo isolado ou combinado à pílula anticoncepcional. Nas relações sexuais atuais, o uso de contraceptivos aumentou para 65,1%, enquanto que o uso do preservativo caiu para 34,8% (Abreu & Tavares, 2012). Assim, embora diversas pesquisas investiguem as práticas contraceptivas dos jovens, estudos nacionais que investiguem os aspectos psicológicos associados a essas práticas ainda são escassos.

Entre as variáveis psicológicas associadas ao uso de práticas contraceptivas em jovens está o autoconceito (Hsu, Yu, Lou, & Eng, 2015; Neel, Jay, & Litt, 1985), que se desenvolve ao longo de toda a vida (Neel et al., 1985; Palacios & Oliva, 2004), sendo que durante a juventude, dos 15 aos 24 anos, é esperado que o autoconceito integre diferentes domínios da personalidade (Palacios & Oliva, 2004; Unesco, 2011). O autoconceito é um conjunto de representações mentais acerca de qualidades individuais, que são utilizadas pelo indivíduo para definir a si mesmo e regular seu comportamento (Saldanha, Oliveira, & Azevedo, 2011). Essas representações são formadas a partir da percepção do julgamento dos outros, da forma como os outros reagem frente ao indivíduo, da comparação de si com os outros e da percepção do próprio indivíduo sobre si (Giavoni & Tamayo, 2003). Três componentes principais podem ser identificados no autoconceito: o avaliativo, o cognitivo e o comportamental. O componente avaliativo diz respeito à autoestima, que consiste na avaliação global do indivíduo sobre seu autovalor. O componente cognitivo é formado pelas percepções dos traços, características e habilidades que se possui ou pretende possuir. Finalmente, o componente comportamental é a forma como o indivíduo se apresenta aos outros, a fim de transmitir uma imagem positiva de si mesmo (Tamayo et al., 2001).

De acordo com o modelo teórico proposto por Tamayo (1981), o autoconceito é composto pelas dimensões fundamentais: self somático, self pessoal, self social e self ético-moral. O self somático é formado pelas percepções do indivíduo sobre o próprio corpo e da maneira como seu corpo é percebido pelos outros. A qualidade estética do corpo é um dos elementos relacionados a essa dimensão, que tem um papel importante na regulação das relações sociais, especialmente na juventude e adolescência. O self pessoal diz respeito à maneira como o indivíduo percebe suas características psicológicas e a si mesmo, e se desdobra em duas subdimensões: a segurança pessoal e o autocontrole. A primeira é composta pelas noções de permanência do self e autoconfiança, e a segunda se refere à forma como o indivíduo organiza suas atividades, suas relações e suas interações com o mundo. O self social consiste na abertura em relação aos outros, na necessidade de reconhecimento e na busca de interação e de complementariedade. O self social também é composto por subdimensões: receptividade social e atitude social. A receptividade social é a capacidade de comunicação e a predisposição e abertura para as relações sociais. Já a atitude social diz respeito aos padrões de interação na relação com os outros e com a sociedade como um todo. Por fim, o self ético-moral se baseia nas crenças sobre o que é bom ou não, formada pelas autoavaliações do indivíduo. Essa dimensão abarca também a imagem social, composta pela avaliação do próprio comportamento moral e pela percepção dos outros sobre esse comportamento, que é internalizada como parte da própria percepção do indivíduo (Tamayo, 1981).

Tendo em vista que a constituição do autoconceito é um processo dinâmico, que inclui aspectos avaliativos, cognitivos e comportamentais, o autoconceito pode ser um fator subjacente à adoção de diferentes tipos de comportamentos entre jovens (Saldanha et al., 2011), incluindo os comportamentos de risco ou de proteção para o desenvolvimento da saúde. Comportamentos de risco incluem padrões de manifestação que expõem o indivíduo a danos ou prejuízos para a saúde física, emocional ou mental (Sarafino & Smiths, 2014). Dentre esses últimos, destaca-se o início precoce da vida sexual, o não uso de preservativos nas relações sexuais (Farias Júnior et al., 2009), ou o não uso de outros métodos contraceptivos como a pílula anticoncepcional (Sasaki, Leles, Malta, Sardinha, & Freire, 2015) e a ausência de conversas com o parceiro sobre métodos contraceptivos (Alvarez, Bauermeister, & Villarruel, 2014; Widman, Welsh, McNulty, & Little, 2006).

Comportamentos de proteção, por outro lado, diminuem a probabilidade do desenvolvimento de problemas ocasionados pela suscetibilidade do indivíduo ao risco (Harden, 2014; Resnick, 2000). Esses comportamentos funcionam como atenuantes para o desenvolvimento de problemas físicos, emocionais e mentais decorrentes de riscos (Masten, 2007; Straub, 2012). Nesse sentido, o autoconceito poderia estar relacionado tanto a comportamentos sexuais de risco como a comportamentos de proteção. De fato, pesquisas mostram que o autoconceito está relacionado à idade da iniciação sexual (Houlihan, Gibbons, Gerrard, Yeh, Reimer, & Murry, 2008; Valle, Torgersen, Røysamb, Klepp, & Thelle, 2005) e ao uso de métodos contraceptivos nas relações sexuais como medida preventiva para a saúde (Commendador, 2003; Houlihan et al., 2008; Salazar et al., 2004). Parece haver também um desenvolvimento recíproco entre o autoconceito sexual, que é a avaliação do indivíduo sobre seus sentimentos e ações a respeito da sexualidade, e padrões de comportamentos sexuais protetivos durante a adolescência (Hensel, Fortenberry, O'Sullivan, & Orr, 2011). Além disso, o autoconceito sexual se relaciona negativamente às práticas de proteção, como o uso de preservativos, nas relações sexuais (Hsu et al., 2015; Pai, Lee, & Yen, 2011). Ainda assim, há escassez de pesquisas relacionando práticas sexuais e contraceptivas ao autoconceito em universitários. Em função disso e da sobreposição etária entre adolescência e juventude, estudos investigando adolescentes foram revisados.

Um estudo que ilustra a questão foi realizado por Houlihan et al. (2008). Os autores conduziram um estudo longitudinal, durante cinco anos, a fim de investigar o autoconceito tanto como preditor quanto como consequência dos comportamentos sexuais de 773 adolescentes afro-americanos, que tinham de 10 a 12 anos na primeira fase do estudo. O autoconceito foi medido por meio da autoavaliação dos adolescentes em relação aos adjetivos: popular, smart, cool, good-looking, e boring (invertido), em uma escala de quatro pontos. Os resultados demonstraram que tornar-se sexualmente ativo associou-se ao aumento do autoconceito, principalmente para os meninos.

Também em um estudo longitudinal com a população adolescente, Salazar et al. (2004) investigaram 335 meninas adolescentes afro-americanas, buscando verificar a relação entre o autoconceito e a recusa ao sexo desprotegido e a mediação da comunicação com o parceiro sobre sexualidade nesse processo. O autoconceito foi composto pela autoestima, identidade étnica e imagem corporal. Para avaliar a comunicação, foi considerada a frequência de comunicação, o receio de negociar o uso de preservativo e a autoeficácia quanto a essa negociação. Adolescentes com autoconceito mais positivo reportaram maiores padrões de comportamentos protetivos, como recusas às relações sexuais desprotegidas, sendo que a existência de comunicação sobre sexualidade entre os parceiros facilitou esse processo.

Cabe lembrar que estratégias recentes para a promoção de saúde dos jovens têm enfatizado a perspectiva de favorecer a promoção de fatores protetivos para a saúde (Harden, 2014; Straub, 2012). Desta forma, a compreensão sobre os diferentes fatores psicológicos que se relacionam ao maior envolvimento de jovens em comportamentos protetivos torna-se fundamental para uma ciência que atue na prevenção em saúde.

O objetivo deste artigo é, portanto, investigar se as dimensões do autoconceito diferem de acordo com as práticas contraceptivas e sexuais de jovens universitários. A partir da literatura revisada, foram estabelecidas as seguintes hipóteses: a) haverá diferenças nas dimensões de autoconceito dos participantes de acordo com as práticas contraceptivas adotadas; b) haverá diferenças significativas entre as dimensões do autoconceito e a existência de conversas sobre métodos contraceptivos com o parceiro(a); e c) haverá diferenças no autoconceito de acordo com a idade de iniciação sexual dos jovens.

 

MÉTODO

PARTICIPANTES

Os participantes do estudo foram 295 universitários (58,4% do sexo feminino), de instituições de ensino públicas e privadas do sul do Brasil. As idades variaram de 18 a 24 anos (M = 21,08 anos, DP = 1,87) e a renda familiar variou de R$500 a R$30000 (M = 5461,76, DP = 5051,52). Quanto à etnia, 91,1% dos participantes consideraram-se brancos, 6,5% pardos, 1,7% negros e 0,7% orientais.

INSTRUMENTOS

Para avaliar as práticas contraceptivas dos jovens, foi utilizado um questionário contendo 32 questões sociodemográficas, de conhecimentos sobre métodos de contracepção e de práticas contraceptivas, desenvolvido especialmente para este estudo. As questões utilizadas neste estudo foram: "Com que idade você teve sua primeira relação sexual?", "Na sua primeira relação sexual, você usou algum método contraceptivo?", "No último ano, você usou algum método para evitar a gravidez?", "Você conversa com seu parceiro sobre métodos contraceptivos?", "Na sua primeira relação sexual, você usou algum método contraceptivo?", "No último ano, você usou algum método para evitar a gravidez?", "No último ano, você ou seu parceiro(a) usou camisinha?", "Na última vez que você transou, você ou seu parceiro(a) usou camisinha?" (para parceiro fixo e não fixo), "Você conversa com seu(sua) parceiro(a) sobre métodos contraceptivos?", "Com que idade você teve a sua primeira relação sexual?". Para essa última, as respostas foram categorizadas da seguinte forma: até 15 anos; 15 a 18 anos; mais de 18.

Para avaliar o autoconceito, foi utilizada a Escala Fatorial de Autoconceito (EFA; Tamayo, 1981; Tamayo et al., 2001). A EFA avalia o autoconceito por meio de seis dimensões. A "segurança pessoal" diz respeito à confiança em si mesmo, à estabilidade e à persistência; o "autocontrole" se refere ao domínio do indivíduo sobre seu comportamento; a "atitude social" avalia a atitude a respeito de outros e a autopercepção sobre a interação com os outros; a "receptividade social" é o grau de abertura aos outros e a capacidade de se comunicar socialmente; o "somático" representa uma avaliação do sujeito sobre seu corpo e sua aparência corporal. Por fim, a dimensão "ético-moral" expressa princípios de honestidade, justiça, prudência, autenticidade e lealdade. O instrumento original (Tamayo, 1981) possui 79 itens, porém, neste estudo foi utilizada uma versão reduzida de 51 itens (Tamayo et al., 2001), que apresentou bons níveis de consistência interna, com alfas de Cronbach variando de 0,81 a 0,91. Neste estudo, os alfas de Cronbach para as diferentes dimensões foram: segurança pessoal (α = 0,73), autocontrole (α = 0,84), atitude social (α = 0,77), receptividade social (α = 0,89), somático (α = 0,89) e ético-moral (α = 0,85).

PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi realizada em sala de aula, de forma coletiva, nos cursos de Administração, Ciências Contábeis, Direito e Psicologia de universidades privadas e uma universidade pública, em uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul. Os dados foram coletados durante o segundo semestre de 2012. Os cursos foram selecionados por conveniência, sendo excluídos os cursos da área da saúde, a fim de evitar vieses sobre o conhecimento e o uso de métodos contraceptivos. Os participantes foram informados dos objetivos e procedimentos do estudo e a confidencialidade dos dados foi assegurada. Em seguida, aqueles que concordaram em colaborar com a pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS

Foram realizadas análises descritivas, de frequências, médias, medianas e desvios-padrão, e utilizado o teste de Mann-Whitney para verificar diferenças no autoconceito em relação às práticas contraceptivas. Para a questão "Com que idade você teve a sua primeira relação sexual?" foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis, em função de haver mais de duas categorias de resposta. As diferenças entre as categorias de resposta foram analisadas com teste post hoc de Bonferroni, ao nível de significância de 0,05. Os testes não-paramétricos foram utilizados em função das diferenças nos tamanhos dos grupos e da distribuição não-normal dos dados. A normalidade dos dados foi testada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Os resultados para atitude social, D(273) = 0,075, p = 0,001; segurança, D(277) = 0,059, p = 0,02; autocontrole, D(270) = 0,076, p = 0,001; ético-moral, D(270) = 0,152, p <0,001; e receptividade social, D(271) = 0,065, p = 0,008 sugeriram que a distribuição dos dados não era normal. Apenas o fator Somático, D(267) = 0,051, p = 0,09 apresentou distribuição normal.

PROCEDIMENTOS ÉTICOS

Todos os princípios éticos de pesquisa com seres humanos foram observados, conforme a resolução 196/96 do Ministério da Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria sob o CAAE nº 03958712.0.0000.5346.

 

RESULTADOS

A média de idade de iniciação sexual dos participantes foi de 16,22 (DP = 1,87) anos. Com relação à situação de relacionamento, 50,2% (n = 148) dos participantes estavam namorando, 34,2% (n = 101) estavam sem relacionamento e apenas uma pequena parcela dos participantes referiu ter parceiro(a) eventual ou "ficante" (8,1%), ou ter companheiro(a) ou marido/esposa (6,8%). De um total de 295 participantes, 0,7% (n = 2) não forneceram informações sobre situação de relacionamento durante a pesquisa. Quanto à orientação sexual dos participantes, 94,7% se declararam heterossexuais, 2,6% homossexuais e 2,7% bissexuais.

No que diz respeito ao uso de contraceptivos na primeira relação sexual, de um total de 270 respondentes, a maioria dos jovens entrevistados (87,3%) referiu ter usado algum método contraceptivo em sua primeira relação sexual. No último ano, o uso de contraceptivos foi relatado por 93,8% dos jovens. Os resultados do teste de Mann-Whitney para questões sobre práticas contraceptivas e sexuais dos respondentes são apresentados na Tabela 1.

 

Tabela 1.
Diferenças no autoconceito de acordo com as práticas contraceptivas

 

Conforme a Tabela 1, participantes que relataram ter feito uso de métodos contraceptivos no último ano apresentaram medianas mais elevadas na dimensão ético-moral, enquanto que aqueles que relataram uso do preservativo no mesmo período apresentaram escores maiores na dimensão atitude social. Essa dimensão também apresentou diferenças no uso do preservativo com parceiros fixos na última relação sexual, além da dimensão autoconceito somático. No que diz respeito ao uso do preservativo na última relação sexual com parceiros não fixos, foram identificadas medianas mais altas nas dimensões segurança e ético-moral. Por fim, jovens que relataram conversar com o parceiro sobre métodos contraceptivos apresentaram mediana mais alta em autocontrole e na dimensão ético-moral do autoconceito. Diferente do esperado, não houve diferenças no autoconceito dos participantes de acordo com o uso de contraceptivos na primeira relação sexual.

O teste de Kruskal-Wallis, avaliando a diferença entre as dimensões do autoconceito por idade na iniciação sexual, indicou que houve diferenças entre os três grupos de idade (até 15 anos; 15-18 anos; 18-24 anos) para a dimensão receptividade social (χ²(22) = 8,115, p = 0,017). As medianas nesta dimensão foram de 5,15, 5,15 e 4,15 para as faixas etárias até 15 anos, 15-18 anos e 18-24 anos, respectivamente. Resultados do teste post hoc de Bonferroni indicaram que houve diferença significativa em receptividade social entre as faixas etárias até 15 anos e 18-24 anos (χ²(2) = 51,434, p = 0,013); e 15-18 anos e 18-24 anos (χ²(2) = 44,402, p = 0,036). Para as demais dimensões do autoconceito, atitude social (χ²(2) = 0,472, p = 0,790), segurança (χ²(2) = 4,634, p = 0,099), autocontrole (χ²(2) = 0,290, p = 0,865), ético-moral χ²(2) = 2,633, p = 0,268) e somático (χ²(2) = 2,747, p = 0,253), não houve diferenças significativas nos resultados com relação à idade de iniciação sexual.

 

DISCUSSÃO

Este estudo buscou investigar se as dimensões do autoconceito diferem de acordo com as práticas contraceptivas e sexuais de jovens universitários. Para tanto, foram analisadas as diferenças entre grupos de estudantes, divididos de acordo com o uso de métodos contraceptivos na primeira relação sexual e no último ano; a idade na iniciação sexual; o uso de preservativo no último ano e na última relação sexual, com parceiros fixos e não fixos; e a existência de conversas sobre contracepção com o companheiro, nas seis dimensões de autoconceito propostas por Tamayo (1981; Tamayo et al., 2001).

Houve diferenças nas dimensões ético-moral, atitude social, segurança e somático de acordo com o uso de métodos contraceptivos e do preservativo, corroborando a primeira hipótese de pesquisa. Especificamente, os escores na dimensão ético-moral foram maiores entre aqueles que relataram ter feito uso de algum método contraceptivo no último ano, Estudantes que usaram o preservativo na última relação sexual com parceiro não fixo pontuaram mais nas dimensões ético-moral e segurança, comparados àqueles que não usaram. A dimensão ético-moral diz respeito ao julgamento pessoal sobre o certo e o errado, e aos princípios de honestidade, justiça, prudência, autenticidade e lealdade (Tamayo, 1981; Tamayo et al., 2001). Assim, é possível que essas características contribuam para o julgamento pessoal sobre as consequências de manter relações sexuais desprotegidas, tanto para si como para os outros. Isso vai ao encontro dos achados de Paik (1992), em que adolescentes grávidas apresentaram menores escores na dimensão moral do autoconceito quando comparadas às adolescentes sem experiência de gestação.

As características da dimensão segurança, como a autoconfiança, a firmeza e a estabilidade (Tamayo, 1981; Tamayo et al., 2001) também podem contribuir para o uso do preservativo, especialmente com parceiros eventuais. Tendo em vista que o uso desse método pressupõe a capacidade de expor o próprio ponto de vista e negociar com o parceiro (Commendador, 2003; Houlihan et al., 2008; Hsu et al., 2015; Salazar et al., 2004), ser autoconfiante e firme na negociação pode facilitar a adesão ao preservativo. No mesmo sentido, a diferença encontrada em atitude social, ou seja, a atitude em relação aos outros e à autopercepção sobre a interação com os outros (Tamayo, 1981; Tamayo et al., 2001), e o uso do preservativo pode estar relacionada às habilidades sociais do jovem. Essas habilidades, quando bem desenvolvidas, auxiliam a exposição adequada e eficaz das necessidades do indivíduo, facilitando as relações interpessoais (Rocha, Del Prette, & Del Prette, 2013). Dessa forma, é possível que as características relacionadas à atitude social favoreçam a exposição das necessidades do indivíduo sobre o uso do preservativo com o parceiro.

Com relação àqueles que relataram fazer menos uso de preservativo ao longo do último ano, os resultados diferiram para a dimensão do autoconceito somático, que compreende a percepção do indivíduo sobre o próprio corpo e a maneira como seu corpo é percebido pelos outros (Tamayo, 1981; Tamayo et al., 2001). Similarmente, Houlihan et al. (2008) avaliaram o autoconceito, medido pela autopercepção sobre popularidade e aparência física do indivíduo, e encontraram que essas características se associaram com o maior número de parceiros, maior frequência de relações sexuais e de relações sexuais sem preservativo. Pode-se pensar que indivíduos mais confiantes sobre a própria aparência física e atratividade tenham maior facilidade para encontrar parceiros sexuais e, portanto, maior suscetibilidade a se engajarem em relações sexuais. Nesse sentido, é importante que esses jovens estejam devidamente instrumentalizados para aderir às práticas sexuais seguras.

No que diz respeito à primeira relação sexual, um dos motivos atribuídos ao não uso de contraceptivos é a falta de previsibilidade das relações sexuais e o consequente despreparo no momento em que ocorrem, especialmente na adolescência (Alves & Lopes, 2008). Por isso, diferenças nas dimensões autocontrole e ético-moral, cujas características se relacionam à prudência, ao planejamento e ao controle de impulsos (Tamayo, 1981; Tamayo et al., 2001), eram esperadas no que diz respeito ao uso de contraceptivos na primeira relação sexual. Contudo, as dimensões de autoconceito não diferiram conforme o uso de contraceptivos na iniciação sexual, neste estudo. É possível que isso tenha ocorrido em função do distanciamento dos jovens ao avaliar retrospectivamente a sua experiência.

A segunda hipótese, de que haveria diferenças entre as dimensões do autoconceito de acordo com a existência de conversas sobre métodos contraceptivos com o parceiro, foi apoiada para esta amostra. Foram identificadas diferenças nas dimensões autocontrole e ético-moral entre aqueles que conversam com o parceiro sobre o tema e aqueles que relataram não o fazer. Esse resultado vai ao encontro dos achados de Zietsch et al. (2010), que encontraram uma associação entre a impulsividade e os comportamentos sexuais de risco em adultos australianos. Conversar com o parceiro sobre métodos contraceptivos também indica a antecipação do ato sexual (Marinho, Aquino, & Almeida, 2009) e a preocupação sobre qual método utilizar, já que o uso de contraceptivos requer um certo nível de planejamento, como por exemplo, comprar preservativos ou utilizar contraceptivos orais antecipadamente (Widman et al., 2006). Assim, é plausível que indivíduos mais prudentes, com habilidades de planejamento e controle de impulsos (Tamayo, 1981; Tamayo et al., 2001) adotem mais esse tipo de providência.

Por fim, os resultados na dimensão receptividade social diferiram de acordo com a idade na iniciação sexual conforme o previsto na terceira hipótese de pesquisa. Especificamente, participantes que iniciaram a vida sexual dos 18 aos 24 anos foram menos receptivos em relação aos que o fizeram antes dos 18 anos. A receptividade social representa características como desinibição, sociabilidade, abertura, entrosamento e extroversão (Tamayo, 1981; Tamayo et al., 2001). Assim, é possível que os jovens mais inibidos, e menos sociáveis e entrosados tenham maiores dificuldades em encontrar um parceiro durante a adolescência, adiando, assim, a idade de iniciação da vida sexual ativa.

Tomando esses resultados em conjunto, nota-se que todas as dimensões do modelo de autoconceito proposto por Tamayo (1981) apresentaram diferenças em alguma das práticas contraceptivas investigadas. Especificamente, as características relacionadas aos aspectos ético-morais e a habilidades interpessoais, conforme percebidas pelos jovens parecem diferir consistentemente de acordo com as práticas contraceptivas. Presume-se que características como a prudência, a capacidade de expor o próprio ponto de vista de maneira firme e autoconfiante e de interagir com os outros tenham sido responsáveis por esses resultados.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os achados deste estudo indicam que as dimensões de autoconceito percebido diferem de acordo com as práticas contraceptivas adotadas por jovens universitários. No que diz respeito às práticas contraceptivas e uso do preservativo, houve diferenças nas dimensões ético-moral, atitude social, segurança e somático. Já a percepção dos jovens sobre as dimensões autocontrole e ético-moral apresentou diferenças quanto ao fato de conversar ou não com o parceiro sobre contracepção. Finalmente, a receptividade social diferiu de acordo com a faixa etária de iniciação sexual dos jovens. Considerando os resultados como um todo, os aspectos ético-morais e as habilidades interpessoais diferiram de maneira consistente ao longo das práticas contraceptivas investigadas.

Com base em interpretações dos dados obtidos no presente estudo, é possível sugerir que intervenções que favoreçam a adesão às práticas contraceptivas poderiam também investir no fortalecimento de posturas pessoais que correspondam aos valores ético-morais, como coerência, honestidade para com seus próprios princípios, prudência, justiça, e atitudes que favoreçam maior consciência sobre as consequências dos próprios atos. Além disso, aprimorar a autoconfiança, o autocontrole, as habilidades sociais, de comunicação e de planejamento dos jovens poderia contribuir para que essas intervenções sejam efetivas. Investir em variáveis psicológicas, para além da educação sexual e sobre contracepção, pode ser particularmente importante, tendo em vista que conhecer os métodos contraceptivos e seu funcionamento e estar ciente do risco associado às práticas sexuais desprotegidas não são suficientes para a adesão aos comportamentos sexuais seguros (Alvarez et al., 2014).

Algumas limitações podem ser identificadas nesse estudo. O fato de a amostra ser composta apenas por estudantes universitários, residentes em contexto interiorano, não permite fazer inferências sobre jovens em outros contextos e níveis de escolaridade, uma vez que estes podem ser fatores importantes para a adoção de práticas contraceptivas (Leite et al., 2007; Rozenberg et al., 2013). Além disso, ainda que os dados desta amostra possam ser considerados atuais, é importante levar em conta o fato de que as práticas sexuais e contraceptivas sofrem mudanças constantes entre os jovens, em função de aspectos sociais e culturais. Também com relação à amostra, novos estudos poderiam considerar possíveis diferenças entre padrões de práticas contraceptivas adotadas por jovens que mantêm relações sexuais homoafetivas (com parceiros(as) do mesmo sexo) e/ou heteroafetivas (com parceiro(as) do sexo oposto). Uma vez que 94,7% dos respondentes neste estudo relataram manter relações sexuais heteroafetivas, a generalização dos resultados para a população jovem que mantêm relações homoafetivas, neste momento, permanece limitada. Assim, os resultados deste estudo devem ser interpretados levando em conta o contexto e o período em que os dados foram coletados, além das características da amostra. Estudos futuros poderiam incluir considerações sobre diferentes públicos jovens e tipos de relações sexuais adotadas, de forma a complementar os achados deste estudo.

Por fim, o delineamento utilizado não permitiu estimar a contribuição de cada dimensão de autoconceito para a adesão ou não às práticas investigadas. Ainda assim, este estudo indicou dimensões do autoconceito que apresentaram diferenças e podem estar associadas à adesão às práticas contraceptivas. Novos estudos são necessários para verificar a consistência desses resultados em outras amostras e para investigar as contribuições específicas dessas dimensões para a adoção de comportamentos de contracepção.

 

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Endereço para correspondência
Marina Zanella Delatorre
E-mail: marina_mzd@yahoo.com.br

Recebido: 10/01/2017
Reformulado: 20/10/2017
Aceito: 18/11/2017

 

 

1 Marina Zanella Delatorre é doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 Helen Bedinoto Durgante é doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
3 Ana Cristina Garcia Dias é docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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