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Revista da SPAGESP
Print version ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.19 no.1 Ribeirão Preto Jan./Jun. 2018
ARTIGOS
Aproximações entre luto e adolescência
Similarities between mourning and adolescence
Similitudes entre el luto y la adolescencia
Alberto Antunes Medeiros1; Roberto Calazans2
Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei-MG, Brasil
RESUMO
O presente artigo aborda a temática da adolescência por um viés psicanalítico e seus possíveis diálogos e pontos de interseção com o processo de luto. A adolescência se configura como um período de perdas e transições que se impõem ao sujeito, como algo que é intrínseco à vida. O luto se apresenta como um fenômeno delicado que, tal como a adolescência, trata-se de algo que se impõe ao sujeito, convocando-o assim para ir de encontro às suas questões. A psicanálise, ao oferecer um tratamento possível através da fala, nos leva a uma possibilidade de abordagem dessas questões em que o adolescente possa se colocar no lugar de sujeito para elaborar suas perdas, assim como o sujeito enlutado.
Palavras-chave: adolescência; psicanálise; fala; luto.
ABSTRACT
This article addresses the issue of adolescence by a psychoanalytic bias and their possible dialogue and intersection points with the grieving process. Adolescence is configured as a period of losses and transitions that are imposed on the subject, as something that is intrinsic to life. Grief appears as a delicate phenomenon that, like adolescence, it is something that is imposed on the subject, calling it as well to meet with your questions. Psychoanalysis, by offering a possible treatment through speech, leads to a possibility of these issues approach in which the adolescent can be put in place subject to elaborate their losses as well as the subject mourner.
Keywords: adolescence; psychoanalysis; speech; grief.
RESUMEN
Este artículo aborda el tema de la adolescencia por un sesgo psicoanalítica y su diálogo y posibles puntos de intersección con el proceso de luto. La adolescencia se configura como un período de pérdidas y transiciones que se imponen sobre el sujeto, como algo que es intrínseco a la vida. El luto se presenta como un fenómeno delicado que, como la adolescencia, es algo que se impone sobre el sujeto, llamando también para reunirse con sus preguntas. El psicoanálisis, al ofrecer un tratamiento posible a través del habla, nos lleva a una posibilidad de tratar de esas cuestiones en que el adolescente pueda colocarse en el lugar de sujeto para elaborar sus pérdidas, así como el sujeto enlutado.
Palabras clave: adolescencia; psicoanálisis; habla; luto.
A adolescência é popularmente conhecida como um período de transição e adaptação do sujeito às novas demandas da vida. Tais mudanças podem ser causas para diversas condições que muitas vezes são entendidas como transtornos psicopatológicos ou comportamentais. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO), a adolescência é o período que abriga a transformação do sujeito, passando de criança para adulto, além também, de ser nesse período, que há o desenvolvimento final dos processos psicológicos e biológicos do sujeito (WHO, 2000).
Em estudos epidemiológicos realizados (Cicchetti & Toth, 1998), podemos notar que a depressão é um dos transtornos mais incidentes no meio dos adolescentes. Por se tratar de um período transicional, deve-se ressaltar que o sujeito passa a ter hábitos que não tinha antes e se posicionar frente ao mundo de maneiras diferentes da qual estava habituado. Esses hábitos podem ser facilmente confundidos com sintomas de depressão. É importante dizer que nenhum sintoma depressivo é critério único para diagnóstico de depressão.
Por se tratar de uma época essencial à formação de identidade do indivíduo e à sua projeção no mundo como sujeito, necessita-se de um maior suporte teórico para lidar com as situações advindas dessa população, apesar de tal necessidade, Bahls (2002), alega que há uma grande carência de estudos para abordar a epidemiologia do fenômeno. Nota-se determinada necessidade de abordar o tema da depressão na adolescência, deixando um pouco de lado as correntes biologicistas, uma vez que o foco social e psíquico tem se mostrado eficaz em trabalhos de saúde mental.
Canguilhem (2005), questiona o modelo reducionista de saúde, afirmando que não é possível – e nem necessário -, submeter a ideia de 'saúde' a uma relação estritamente mecânica e funcional. Ele afirma ainda que tal ideia não deve jamais ser submetida à avaliação de fórmulas e teoremas ditos científicos, pois ainda, segundo o autor, conceber um organismo vivo tal como uma máquina passível de padronização e uniformização, não se faz possível, uma vez que cada corpo – e consequentemente cada sujeito – é singular. O discurso padronizante e dito "científico", também é encarado pelo autor como um dispositivo da antiga medicina tradicionalista e higienista, usado com a finalidade de controle e regulamentação da vida alheia de indivíduos da sociedade, transformando assim, a ideia de "saúde", em um construto, influenciado diretamente por normas de economia e contabilidade. O problema se expande também no agir e no saber do médico ao ouvir as queixas do paciente. Algo que só pode ser interpretado e sentido pelo próprio sujeito ali em questão passa então a ser ouvido como simplórias informações que tem como única finalidade, preencher um quadro de informações para se chegar a um diagnóstico. Grosso modo, trata-se da generalização da singularidade dos indivíduos, como meio para o estabelecimento de determinadas normas de saúde, onde, o sujeito que não se encaixa ali, é tido como anormal, errado, debilitado.
Por esta razão, o objetivo desse artigo é justamente trabalhar os conceitos de luto e adolescência a partir da psicanálise para pensar uma interlocução outra com o tratamento do sujeito adolescente. O método escolhido para tratar da articulação aqui proposta foi o que Canguilhem (2012) chama de "trabalho de um conceito". Segundo o autor:
trabalhar um conceito nada mais é do que fazer variar sua extensão e sua compreensão, generalizá-lo pela incorporação dos traços de exceção, exportá-lo para fora de sua região de origem, tomá-lo como modelo ou, inversamente, procurar-lhe um modelo, em resumo, conferir-lhe, progressivamente, por transformações regradas, a função de uma forma (Canguilhem, 2012, p. 218).
Trabalhar os conceitos de luto e adolescência significa estender o conceito até seus limites, visando acompanhar que efeitos teóricos essa articulação teórica pode nos trazer. Partir dessa premissa metodológica significa lançar mão de uma epistemologia que afirma não haver possibilidade de tratar um fenômeno sem articulá-lo conceitualmente com outros fenômenos. Partindo dessa premissa, o luto e a adolescência serão articulados entre si dentro do referencial teórico psicanalítico.
ADOLESCÊNCIA E PUBERDADE
A adolescência consiste em um período de transição da vida infantil para a vida adulta e se configura como uma questão para diversos campos do saber, dentre eles, a psicanálise. Nessa condição a adolescência é, na verdade, uma resposta do sujeito frente às mudanças que lhe são impostas. Seu caráter de transição da vida infantil para a vida adulta pode ser visto, por exemplo, através de ritos em que o sujeito muitas vezes tem que se afastar da sua família, sofrer exposição prolongada ao frio ou calor, ou até mesmo punição física (Meira, 2009), em outras culturas, a independência financeira como meta se figura como uma espécie de rito informal.
Para pensarmos a adolescência através de um paradigma psicanalítico, antes de tudo é necessário traçar um paralelo entre outro fenômeno distinto, mas que se relaciona bastante com o tema do adolescer, a saber, a puberdade. Segundo Teixeira (2014) há uma
distinção entre puberdade e adolescência, numa abordagem histórica do conceito de adolescência e adolescente, o adolescente é vislumbrado como sujeito em passagem, tendo exigências psicossociais a cumprir na saída da infância e elaboração dos lutos a ela decorrentes, e aspiração, primeiramente no âmbito dos ideais sociais, às posições no espaço da família, do trabalho e da relação com a Lei e seus pares (Teixeira, 2014, p. 798).
Desse modo, podemos ver a puberdade da seguinte maneira: a irrupção de um real biológico e a convocação do sujeito para assumir sua posição frente à partilha dos sexos, fazendo uma escolha de objeto que prescinde da via incestuosa. Se na latência, a criança tem o próprio corpo como objeto de obtenção de prazer (Freud, 2009a), na puberdade, há um trabalho de redirecionamento do seu interesse sexual para outros objetos, que reafirma a renúncia do objeto edípico. Há aí um trabalho de circunscrição do sujeito ao registro simbólico, abrindo mão do gozo em função da promessa de um dia gozar.
Na psicanálise, podemos entender por puberdade a emergência da genitalidade que se dá pelo amadurecimento dos caracteres sexuais e do fluxo hormonal. Já por adolescência podemos entender a subjetivação desses eventos, ou seja, a maneira a qual o sujeito se posiciona frente essas mudanças. (Stevens, 2004), Outros psicanalistas também nos auxiliam ao pensar a adolescência. Rassial (1999) é preciso ao afirmar que na adolescência trata-se de uma mudança de estatuto do sujeito, não sendo uma simples passagem do micro ao macrossocial. Dessa maneira o autor afirma que a adolescência é por excelência algo da ordem de um posicionamento subjetivo. Lacadée (2011), por sua vez, nos demonstra como a adolescência pode ser um período em que o sujeito se encontra em uma situação de exílio em função das mudanças que lhe acometem nesse momento.
Além disso, devemos também pensar a adolescência como uma construção social. Lima (2015) nos aponta para o fato de que o construto "adolescência" trata-se, na verdade, de uma resposta do sujeito púbere frente a contemporaneidade, sendo que esta se caracterizaria por três aspectos importantes: declínio social da imago paterna; o empobrecimento das experiências compartilhadas; e a recusa do acolhimento da memória como significante da apropriação pelo sujeito da historicidade que o constitui. Em outras palavras, o adolescer é, na verdade, o tempo necessário ao sujeito para elaboração do enigma da puberdade (Ruffino, 2004). A partir desses pressupostos entendemos que trabalhar com o adolescente implica necessariamente em lhe oferecer um espaço de escuta e somente a partir de sua fala, teremos condições para que o adolescente reelabore suas questões.
A adolescência também pode ser definida como um período de mudanças afetivas em que o sujeito parte em busca de sua identidade ao mesmo tempo em que vivencia um processo de luto pelo corpo infantil que fora perdido em função das mudanças da puberdade (Frois, Moreira, & Stengel, 2011). A adolescência seria, por definição, um luto.
O que podemos ver então é que, devido a sua complexidade, a adolescência se torna objeto de muitos autores e até mesmo de muitos campos além da própria psicanálise, como por exemplo a saúde (Assis, 2014), o direito (Silva & Silva 2012) e a sociologia (Ponte, 2011). É exatamente a partir dessas coordenadas, da possibilidade de um dizer sobre, que a psicanálise se posiciona para pensar o fenômeno, tendo como norteador teórico as contribuições freudianas.
Com o processo de constituição do Eu e o desenvolvimento da libido, como descrito por Freud (2010a), o sujeito passa a se relacionar com os objetos que serão alvos de seu investimento libidinal. A constituição do Eu o coloca em um patamar em que ele pode eleger e distribuir seu investimento libidinal nos objetos que lhe são externos mediados por uma fantasia. O sujeito que antes se encontrava como uma criança que já nascia inserida na posição de objeto sexualizado pelos pais começa a se descobrir capaz de eleger seus próprios objetos sexuais. Sobre a dinâmica desses investimentos libidinais, Freud (2010a) aponta como possíveis enamoramentos com o objeto são inversamente proporcionais aos investimentos da libido no Eu, realizados pelo sujeito. O que Freud demonstra é que quão mais intenso for o estado de enamoramento do sujeito por seu objeto, isso é, seu investimento libidinal neste, menor será o investimento do sujeito no Eu. Ainda sobre essa escolha do objeto a ser investido libidinalmente, Freud (2009a) alega tratar-se de uma re-escolha do primeiro objeto perdido, uma vez que a relação com esse primeiro influenciaria diretamente nas escolhas objetais do sujeito. Trata-se de um encontro com objetos substitutos que atualizam a cena traumática do inconsciente.
Passado o primeiro tempo em que ocorre as primeiras manifestações sexuais da criança, tais posturas são, em geral, recalcadas pelo sujeito, como uma resposta para a cultura em que este se encontra. (Freud, 2009a). A esse período, Freud (2009a) chama de período de latência. O direcionamento das pulsões se volta para compromissos sociais, como, por exemplo, a escola. Trata-se aqui de uma imposição cultural sobre o sujeito, Freud afirma que a mesma se faz necessária, sendo que para que haja o convívio em sociedade, os indivíduos devem abrir mão do gozo desvairado que é proporcionado pelo acesso ao objeto que até então se encontrava ao alcance do sujeito (Freud, 2009a). A sexualidade na criança agora tem um freio que trata-se, na verdade, de um efeito das proibições e inscrição da norma, feito pelas imagos materna e paterna ou por aqueles que se ocupam dessa função.
O abandono forçado da sexualidade exacerbada das crianças tem seu fim com o início da puberdade. Agora o sujeito, dotado de uma nova configuração psíquica, começa a dar seus primeiros passos em relação ao que a comunidade, que está inserido, entende por maturidade. Sua nova organização psíquica o convoca ao encontro com o novo objeto, enquanto as mudanças biológicas possibilitam esse encontro. A falta de orientação frente a uma situação "nova" se configura como algo extremamente angustiante para o sujeito, que muitas vezes se vê sem as referências simbólicas e imaginárias necessárias para lidar com esta.
O adolescer traz consigo, por definição, uma espécie de luto. Ao iniciar sua passagem pelo processo de adolescer, o sujeito de certa maneira, tem que passar por um processo de luto, não só pelo seu corpo, que se encontra atravessado por mudanças físicas que simbolizam as cicatrizes de uma época passada, mas principalmente pelo lugar que o sujeito ocupava na sua família. Esse processo de ocupar um novo lugar coloca o adolescente frente a uma situação inaudita: as coordenadas que lhe regiam o mundo agora não lhe são mais suficientes, tampouco os discursos parentais que lhe envolviam. Cabe ao adolescente inventar algo novo dali em diante. Essa transição, esse lugar não-ocupado confere ao sujeito uma sensação de isolamento ou mesmo de exílio (Lacadée, 2011). Essa espécie de luto na adolescência será abordada num segundo momento deste artigo.
Os adolescentes podem lidar com esse exílio de várias maneiras possíveis. Interessa ao adolescente entender o lugar em que se situa frente ao Outro enquanto sujeito tal como o que este espera dele. As condutas de risco ficam, assim, facilmente compreensíveis se levarmos em conta essa necessidade do adolescente de se situar frente ao Outro, de testar os limites do Outro, exatamente numa tentativa de se estabelecer e de se encontrar enquanto sujeito (Lacadée, 2011).
Esse período é marcado pela tentativa do adolescente de reorganização de suas estruturas simbólicas e isso pode se dar das mais variadas maneiras. Tanis (2009) nos lembra como os adolescentes desenvolvem defesas específicas na tentativa de aliviarem o peso emocional do momento de suas existências. Ele reitera que essas defesas não devem ser encaradas como algo patológico, mas sim como uma tentativa do adolescente em lidar com as novas demandas que lhe são apresentadas. Entretanto, a não-elaboração de angústias e fantasias podem conferir a essas defesas um status patológico.
Para pensar essa elaboração, tanto Lima (2015) quanto Ruffino (2004) lançam mão da teoria de Lacan sobre o tempo lógico e afirmam que a travessia da adolescência consiste em três tempos distintos. De acordo com os autores, há num primeiro momento denominado instante de ver que diz respeito ao surgimento do real do sexo, em que o sujeito se encontra tomado por transformações em seu corpo e um gozo que se desconhece. Nesse momento o sujeito não consegue simbolizar esses eventos por insuficiência dos recursos imaginários e simbólicos constituídos ao longo da infância. No segundo momento se tem o que é conhecido como tempo para a compreensão. É neste momento em que o sujeito constrói os recursos simbólicos e imaginários que lhe são necessários para lidar com o real do sexo. Esse é o tempo de reconstrução da fantasia em um momento de desamparo estrutural. É através dessa fantasia que o sujeito vai ser relacionar com o Outro. O terceiro e último tempo diz respeito ao momento de conclusão do sujeito. É nesse momento que se dá o desligamento dos pais e a inserção definitiva do sujeito nos laços sociais. É nesse momento também que se faz presente as escolhas do sujeito, tal como a sua escolha de posição na partilha dos sexos. A partir desse momento, o sujeito se encontra capaz de eleger novos objetos e por fim, se responsabilizar pelas suas escolhas.
Podemos então notar, por esse breve percurso na literatura que a adolescência acaba se configurando como uma espécie de luto, pois diz respeito a um momento em que o sujeito passa por uma perda e, para se constituir enquanto sujeito, lhe é necessário a elaboração dessa perda para que a partir daí, possa seguir na sua caminhada. Aberastury e Knobel (2011) nos afirmam, por exemplo, que o adolescente acaba se deparando com três lutos simbólicos: luto referente à perda do corpo infantil; ao papel e identidades infantis; e aos pais da infância. O enfrentamento desses lutos é correlato à aceitação por parte do sujeito, do papel que as mudanças púberes lhe destinaram. Semelhante ao adolescer, o luto também tem essa necessidade de elaboração da perda para que o sujeito possa restaurar seus investimentos e, assim como o adolescente, seguir seu caminho.
Biazus e Ramires (2012) dizem que o luto pela imagem corporal e a necessidade de construção de uma nova imagem faz com que o adolescente perca suas referências e se sinta à deriva, isolado. Lacadée (2011) nessa mesma linha afirma que a não-ressignificação das mudanças e a pulsão de morte inerente ao próprio adolescer pode conduzir o sujeito às depressões. Meles (2014) afirma que em função de seus lutos necessários, a adolescência pode se configurar como uma fase de tristeza e solidão e aponta as consequências do luto na adolescência.
O que podemos perceber então é que luto e adolescência são temas que merecem nossa atenção. Se a adolescência é por si só um tema controverso, pensá-la articulada ao luto implica em maior delicadeza do tema, uma vez que um processo pode influenciar o outro de maneira a conservar o sujeito em uma posição de gozo. Meles (2014) é bem clara ao dizer que "o sentimento de raiva pode fazer parte do luto em adolescentes. Quando a elaboração não ocorre, juntamente com a expressão da raiva, este sentimento transforma-se em violência, agressividade, desafio a figuras de autoridade e abuso de drogas" (Meles, 2014, p. 62). Façamos então um breve percurso sobre a noção psicanalítica de luto para vermos como articulá-lo com a adolescência.
UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO LUTO
Data de 1917 o escrito freudiano que tratava do que era conhecido pela psiquiatria como Psicose Maníaco-Depressiva. Neste texto, Freud (2010b) distingue dois aspectos diferentes no que era tratado pela psiquiatria e medicina como Psicose Maníaco-Depressiva, sendo eles o luto e a melancolia. Ambos apresentam grande semelhança - se comparados fenomenologicamente - e podem ser confundidos. Freud define luto como algo que se trata de uma reação a uma perda de uma pessoa, ou a abstração que ocupa esse lugar, como por exemplo, a pátria, a liberdade ou os ideais. Esse processo não deve ser considerado patológico, pois tal reação trata-se na verdade de uma adaptação do sujeito frente uma experiência de perda objetal, sendo tal experiência de angústia necessária para que o sujeito consiga lidar e re-elaborar a situação de luto vivenciada. A melancolia apresenta um quadro parecido com o luto. O sujeito passa a demonstrar um enorme abatimento, desânimo em atividades, etc. Há, portanto, uma diferença entre um processo e outro: no processo de melancolia, além dos sintomas em comum com o luto, o sujeito apresenta uma baixa autoestima e um enorme abatimento nas coisas que dizem respeito a si mesmo, como pessoa. Freud tratará ao longo do texto como a identificação e internalização de um objeto perdido. Já no processo do luto, que é o que nos interessa no presente momento, Freud fala da perda de um objeto amado, que tem como consequência o sofrimento do sujeito na retirada de investimentos libidinais do objeto perdido.
Freud aponta para o fato de que a angústia pela qual o sujeito passa durante o processo de luto ser resultado de um trabalho de remanejo do seu investimento libidinal. Trata-se aqui de um objeto que era alvo de determinado investimento libidinal, mas que em algum momento, por alguma circunstância adversa, se foi, dando início ao luto. Todo o investimento libidinal feito pelo sujeito naquele objeto deverá ser retirado e direcionado para outro objeto.
Para lidar com essa situação, Freud (2010b) diz que é a relação entre as representações de coisas e representação das palavras que funcionará como saída possível do processo de luto. Entretanto, é exatamente essa capacidade de se relacionar com a linguagem que vai permitir que o luto seja, futuramente, re-elaborado e o sujeito possa dar seguimento à vida. Uma vez que os investimentos libidinais são re-direcionados para novos objetos e o sujeito se confronta com a ideia de que o seu objeto se perdeu e não voltará mais, o processo de luto começa a tomar forma e é somente através desse doloroso exercício que o sujeito será capaz de superar a perda. Essa dinâmica não se aplica no caso do sujeito melancólico que, por questões estruturais, tem um funcionamento diferente (Quinet, 2013). Na melancolia há uma espécie de barreira entre as representações de coisas e as representações de palavras, específica da Psicose. A foraclusão do Nome-do-Pai, apontada por Lacan (1985) e a consequente não simbolização da Lei, tributárias do conflito edipiano seriam as instâncias responsáveis pela maneira que o sujeito melancólico se relaciona com o objeto perdido e agora internalizado no Eu.
Nessa ótica, o processo de luto apresenta grandes semelhanças com o adolescer. O sujeito adolescente se depara com uma espécie de vazio, se afastando assim, dos laços sociais. Ao mesmo tempo, é um sujeito que passa por uma transição. A transição, por definição, diz respeito a uma perda. Diz respeito à vivência de uma perda de um lugar previamente ocupado, um luto por uma posição antiga que o sujeito perdeu ou fora forçado a abandonar. A situação do sujeito enlutado se assemelha com o sujeito adolescente; ambos só avançarão para um outro tempo, isso é, o luto só será superado e o exílio adolescente só será plenamente atravessado uma vez que o sujeito elabore sua vivência através de vias simbólicas, sendo a fala, uma dessas principais vias.
Dizer que a solução para perturbações transitórias ou patológicas se encontra na fala pode ser algo que soa estranho ao leitor que não está familiarizado com a prática psicanalítica, entretanto trata-se de algo que já fora trazido por Freud, no seu texto "Tratamento psíquico". Segundo Freud (2009b):
Tratamento – seja de perturbações anímicas ou físicas – por meios que atuam, em primeiro lugar e de maneira direta, sobre o que é anímico no ser humano. Um desses meios é, sobretudo, a palavra, e com efeito as palavras são a ferramenta essencial do tratamento anímico. O leigo por certo achará difícil compreender que as perturbações patológicas do corpo e da alma possam ser eliminadas através de 'meras' palavras. Achará que lhe estão pedindo para acreditar em bruxarias. E não estará tão errado assim: as palavras de nossa fala cotidiana não passam de magia mais atenuada (Freud, 2009b, p. 176).
Em outros termos, o que Freud nos diz acima sobre o modo elaboração de uma experiência traumática – o encontro com a castração - por meio da fala. A fala, manifestada através da associação livre, surge como ferramenta para o sujeito lidar com a sua perda, para processá-la e enfim elaborá-la. Ao situarmos a perda como um evento traumático para o sujeito, ao qual este deverá encontrar uma maneira própria de lidar, podemos concluir que os problemas adolescentes são também respostas a uma perda. O adolescente, na tentativa constante de testar os limites do Outro e entender como se apresenta para este, lança mão de diversos artifícios que, em um primeiro momento, podem ser considerados irregulares por instituições socioeducativas e educacionais. Partindo dessa perspectiva da provocação, do teste, enfim, da exploração do Outro, podemos compreender os chamados "problemas adolescentes' tais como as toxicomanias, a delinquência, as condutas de risco e, principalmente, o que é tratado pela psiquiatria descritiva como transtornos depressivos. Pensar a adolescência como uma resposta à uma perda nos fornece recursos para compreendermos os fenômenos que os adolescentes protagonizam mas que são frequentemente punidos ou em alguns casos, medicados. Os diagnósticos de depressão - que apresentam incidência significativa em adolescentes (Baptista, Baptista, & Dias, 2001) - por exemplo, podem ser interpretados por uma perspectiva diferente da perspectiva descritivista-estatística. A dificuldade de alguns pedagogos e psiquiatras de entenderem a adolescência como um período de busca pelo sujeito do objeto amado perdido os cega para a compreensão de como o sujeito lida com sua perda.
A discordância supostamente natural do adolescente frente às pessoas que lhe cercam não deve ser rechaçada ou condenada imediatamente. Ele, assim como o sujeito enlutado, passa por um momento de afastamento dos laços sociais e tal afastamento se faz necessário para a elaboração de novos laços e, tal como no luto, o sujeito deve passar por uma reestruturação a nível simbólico do objeto perdido.
Sobre a depressão, Kehl (2009) ainda nos diz de como os sujeitos depressivos assumem uma postura de covardia frente à rivalidade fálica que a vida lhes impõe. Enquanto um sujeito neurótico tenta lidar da sua maneira estrutural com o vazio proveniente da diferença sexual, o sujeito em quadro depressivo não sustenta seu desejo, abrindo mão deste. Em termos edipianos, o sujeito depressivo não enfrenta o pai e acaba ocupando um lugar de sujeito indefeso e inofensivo, sendo sua proteção cabível à mãe. Por fim, se encontra sem proteções contra uma mãe poderosa que pode tomá-lo unicamente como objeto sexual. Essa configuração tem um ponto importante: devido à postura de covardia do sujeito depressivo, em relação aos outros no que diz respeito ao seu desejo, a autora teoriza a respeito da possibilidade de o saber sobre o seu mal-estar do sujeito depressivo estar muito mais acessível do que aos outros sujeitos, em função da sua covardia moral (Lacan, 2003). Sua postura ofereceria, assim, menos resistência ao analista.
A FALA COMO SAÍDA POSSÍVEL
Como até o presente momento estamos estabelecendo aproximações entre adolescência e luto, precisamos levar em consideração uma diferença entre eles: se no luto podemos falar de uma covardia do sujeito em sustentar o seu desejo, na adolescência acontece o contrário. O sujeito está a todo momento colocando o Outro a prova, testando seus limites, tentando se constituir enquanto sujeito e se validar frente ao Outro.
Embora não possamos esquecer que se fala aqui de dois fenômenos diferentes, sendo um relativo a um período de transição e emergência do sujeito, em que este parte para o encontro com um novo objeto de amor e outro relativo ao processo de elaboração de uma perda, não podemos ignorar o fato de os dois processos terem uma saída comum: a elaboração de experiência de perda através da fala. O doloroso processo do luto é, na verdade, uma espécie de agenda a ser cumprida pelo sujeito. É claro que a determinação do seu tempo não é possível, entretanto, é só através do cumprimento dessa agenda, que a simbolização do objeto perdido se realiza. Nos anos cinquenta, Lacan (1998) já nos falava de como o sujeito necessita passar por um processo de simbolização para a resolução de seus conflitos e seus sintomas:
(...) se para admitir um sintoma na psicopatologia psicanalítica, seja ele neurótico ou não, Freud exige o mínimo de sobredeterminação constituído por um duplo sentido, símbolo de um conflito defunto, para-além de sua função, num conflito presente não menos simbólico, e se ele nos ensinou a acompanhar, no texto das associações livres, a ramificação ascendente dessa linhagem simbólica, para nela detectar, nos pontos em que as formas verbais se cruzam novamente, os nós de sua estrutura, já está perfeitamente claro que o sintoma se resolve numa análise linguajeira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem, por ser a linguagem cuja fala deve ser libertada (Lacan, 1998, p. 270, grifo do autor).
Ainda sobre o luto, Leader (2011) e Kehl (2009) trazem inúmeros relatos de ritos de determinadas tribos que tem como finalidade uma espécie de re-estruturação simbólica daquela comunidade, mostrando como essa se (re)organiza em função de uma vivência a ser elaborada. A comunidade se (re) organiza a partir das novas coordenadas simbólicas que o luto a submeteu.
Em sua metapsicologia do luto, Freud (2010b) é bem claro ao dizer que o luto consiste em um trabalho sem tempo pré-determinado e que não deve ser patologizado, uma vez que ao fim do trabalho, o sujeito se encontra apto novamente a realizar novos investimentos libidinais e consequentemente novos laços sociais. Isso nos indica como o luto tem não apenas um caráter subjetivo, clínico, mas também um caráter sociológico, marcando a importância do fenômeno para o convívio coletivo, tal como a adolescência.
A adolescência, assim como o luto, também é dotada de um caráter social. Desde o início do século XIX, já permeava entre as pessoas, a imagem do adolescente como um vagabundo, alguém que sempre causa problemas, em resumo, alguém que a sociedade burguesa da época tentava enquadrar e dominar nos discursos que a regiam naquele momento histórico, tentando calar o sujeito envolvido na questão que buscava por novas experiências e novas significações para a sua própria vida (Lacadée, 2011). É interessante vermos como algumas comunidades tratam tanto o sujeito enlutado quanto o adolescente em transição como um problema social. Em uma tribo africana, quando algum ente de algum membro morre, os membros daquela tribo disparam xingamentos contra o enlutado, para que este não se culpe pela perda e possa conseguir elaborar seu processo de luto, uma vez que a ambivalência de sentimentos é uma das grandes dificuldades na elaboração do luto (Freud, 2010b).
Sendo coincidência ou não, o enlutado e o adolescente apresentam algumas semelhanças no que diz respeito à superação de suas questões: Leader (2011) fala de como alguns sonhos que sujeitos que enfrentam um processo de luto não demandam uma interpretação. Esses sonhos são geralmente auto-explicativos e é comum a presença de elementos que remetam à simbolização propriamente dita, como, por exemplo, uma moldura, ou um palco (elementos que traçam o limite entre o real e o fictício) e de como esse processo de simbolização avança nos sonhos à medida que o sujeito vai substituindo o objeto perdido por novos objetos.
A adolescência é, por excelência, uma fase de perda. Como já descrito acima, o sujeito perde suas referências simbólicas, perde o lugar que ocupava na família, os discursos parentais não lhe dizem respeito mais, ao menos não como antes e cabe ao adolescente sair em busca de um novo lugar, como diz Lacadée (2011). A adolescência tanto o luto configuram-se, por definição, como uma perda de objeto. A partir dessa perda, o adolescente parte à procura de novos objetos para serem eleitos como objetos de amor. Assim como no processo de luto, trata-se de uma espécie de troca objetal, ainda que nenhuma delas tenha sido voluntária. Na adolescência, o encontro com esse objeto pode acabar não se dando da melhor maneira possível, ou pode acabar não se dando. Tal situação acarreta sentimentos de fracasso no adolescente, o que pode ser correlato a uma depressão.
As aproximações entre o luto e a adolescência também se dão em outro âmbito. Se a adolescência se caracteriza também por um momento de luto a ser vivenciado pelo sujeito, isso pode acarretar uma série de implicações. Meles (2014) nos demonstra como os adolescentes vivenciam episódios de raiva e agressividade durante o luto. A autora traz relatos de adolescentes que se sentem desnorteados frente à perda. Além disso, a autora ainda nos aponta a existência de situações em que o adolescente não é capaz de elaborar a perda e se expressa através da raiva. Essa raiva se manifesta através de xingamentos e comportamentos agressivos, além de desafios à figuras de autoridade e uso de substâncias químicas. Desse modo, um lugar de fala sobre a perda, seja em grupos de partilha ou no próprio seio familiar se faz interessante, na medida em que pode ajudar o trabalho de luto.
O encontro com esse novo objeto só será possível se o adolescente encontrar um lugar de onde falar dessas perdas, desses novos lugares ocupados, enfim, do processo de luto que se configura como adolescência. Cabe ao analista apenas o lugar de quem escuta o outro e intervém sob transferência, a fim de direcionar o tratamento para uma elaboração da perda vivenciada pelo sujeito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É a partir da fala como saída para o luto e a adolescência que a psicanálise nos surge então como uma proposta interessante para se pensar o fenômeno da adolescência. Ao operar a partir da lógica do caso a caso, sempre orientada pela regra fundamental da associação livre, a psicanálise confere ao sujeito em sofrimento um lugar onde sua demanda possa ser acolhida e transformada. Portanto, surge daí a grande possibilidade de contribuição da psicanálise em relação aos demais saberes construídos.
Como perspectiva futura, o presente trabalho nos serve como orientação teórica para a implantação de um dispositivo da conversação em uma escola do Estado de Minas Gerais. Trata-se de um trabalho voltado para o tema da adolescência e suas questões contemporâneas, como, por exemplo, as depressões, delinquências, parcerias sintomáticas, toxicomanias, passagens ao ato, dentre outras.
O dispositivo de conversação permite um trabalho onde o profissional orientado pela psicanálise promove uma escuta apurada, fazendo intervenções mínimas, sempre procurando liberar a palavra para os outros participantes, enfim, fazer a palavra circular, tendo como meta a vacilação do sintoma através da fala (Pereira, 2016).
A fala é então, ferramenta que possibilita ao sujeito uma posição ética sobre o seu desejo. É exatamente através desta fala que o sujeito pode dar voz ao seu sofrimento e, a partir dali, construir um saber sobre o que lhe aflige. Ainda sobre isso, a relação entre o sujeito, seu sofrimento e a fala, Quinet (2013) nos diz que o sujeito "para que, ao se confrontar com os impasses do desejo, ele não fique triste e acovardado, mas queira saber, decifrar, criar. E do saber formalizado sobre seu desejo, fazer poesia; do matema fazer poema. Ética do bem-dizer." (Quinet, p. 171, 2013)
Ao oferecer uma escuta do sujeito, a psicanálise nos fornece também ferramentas possíveis para a compreensão deste que vão além de técnicas pré-moldadas e questionários estruturados. Ao se interessar pelo discurso daquele que está em sofrimento, a psicanálise se interessa exatamente por aquilo que falha e foge à regra e à normalidade. Curiosamente é essa noção de normalidade que tem permeado o mundo do adolescente contemporâneo. Em nível educacional, por exemplo, exigem-se condutas e desempenhos escolares máximos de modo que quem não se orienta por essas coordenadas está literalmente excluído. Pensar a adolescência a partir da psicanálise significa então exatamente isso: ouvir o discurso daquele que foge à regra, do sujeito errante que deve se haver com as vicissitudes do seu desejo.
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Endereço para correspondência
Alberto Antunes Medeiros
E-mail: alberto.medeiros@live.com
Recebido: 25/05/2016
Reformulado: 28/07/2016
Aceito: 28/08/2016
1 Alberto Antunes Medeiros é graduando em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Bolsista do Programa Primeiros Passos na Ciência (PPC), financiado pela FAPEMIG.
2 Roberto Calazans é professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei.