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Psicologia Hospitalar

On-line version ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.7 no.1 São Paulo  2009

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Um novo olhar sobre a cirurgia bariátrica e os transtornos alimentares

 

A new look at bariatric surgery and eating disorders

 

 

Petra Paim Ehrenbrink1; Elzimar E. Peixoto Pinto2; Fernanda Loureiro Prando3

Faculdade Brasileira - UNIVIX

 

 


RESUMO

Esta pesquisa aborda o aumento significativo dos transtornos alimentares, em especial, o comer compulsivo e sua relação com a cirurgia bariátrica. Objetiva investigar as possíveis mudanças ocorridas após a realização da cirurgia bariátrica, destacando a história de ganho de peso e a realização, ou não, de acompanhamento psicológico. Os dados foram coletados por entrevistas e avaliados pela análise de conteúdo. Consta o estudo que os efeitos posteriores à realização da cirurgia bariátrica são similares aos efeitos produzidos por alguns transtornos alimentares. Conclui sinalizando que muitas vezes as pessoas, com o objetivo de livrar-se da obesidade, acabam não atentando para possíveis consequências psicológicas da realização da cirurgia.

Palavras-chave: Efeitos psicológicos; Transtornos alimentares; Cirurgia bariátrica.


ABSTRACT

This research approaches the significant increase of eating disorders, especially the binge eating and its relation to bariatric surgery. Aims to investigate the possible changes after bariatric surgery, highlighting the history of weight gain and the realization, or not, of psychological accompaniment. Data were collected by interviews and evaluated by content analysis. It said that the effects after bariatric surgery are similar to effects produced by some eating disorders. In conclusion signalizes that people often, in order to get rid of obesity, just not pay attention to possible psychological consequences of surgery.

Keywords: Psychological effects; Pating disorders; Bariatric surgery.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais (DSM-IV, 2002), os transtornos alimentares são caracterizados por severas alterações no comportamento alimentar, podendo causar tanto a perda extrema, quanto o ganho excessivo de peso. Existem inúmeros transtornos alimentares, no entanto o presente artigo pretende discutir três deles: o transtorno do comer compulsivo, a bulimia nervosa e a anorexia nervosa, dando ênfase ao primeiro.

Ballone (2007) e Cordás, Lopes e Segal (2004) caracterizam o transtorno do comer compulsivo, também conhecido como binge eating disorder, por episódios de descontrole no comportamento de comer, assim como uma alta ingestão de calorias em um curto tempo, acompanhado de sentimento de culpa e tristeza. Entretanto, esses pacientes não possuem uma preocupação extrema com o peso e nem apresentam comportamentos compensatórios como geralmente é feito na bulimia, por meio da utilização de métodos purgativos. A maioria deles é obesa e, geralmente, apresenta comorbidades psiquiátricas mais sérias do que outros pacientes classificados como obesos. Os portadores do transtorno de comer compulsivo têm episódios de alta ingestão de alimentos, comendo depressa e às escondidas. Durante esses episódios, as pessoas comem muito mais rapidamente que o normal. Comem até se sentirem desconfortavelmente empanzinadas; é comum comerem sozinhas com vergonha da quantidade. Esses pacientes, em geral, apresentam histórico de fracassos anteriores em dietas para emagrecimento (Dobrow, Kamenetz, & Devlin, 2009).

A culpa, com relação ao comer excessivo, manifesta-se diferentemente nos diversos tipos de transtornos. Enquanto que no comer compulsivo, a pessoa se sente culpada e deprimida; na bulimia, que também é caracterizada por episódios de comer compulsivo, ingerindo uma alta quantidade de calorias, os pacientes, para aliviar-se do peso (literalmente) de ter consumido altas quantidades calóricas, muitas vezes às escondidas, utilizam-se de métodos purgativos, como vômitos voluntários, uso de laxantes e diuréticos (Appolinário & Claudino, 2009; Ballone, 2007; Nakamura, 2004; Cordás et. al, 2004).

Observa-se, ainda, que os pacientes portadores de bulimia se preocupam extremamente com a comida e com o controle do peso, independente do Índice de Massa Corporal (IMC) que possuem. Ou seja, esses pacientes podem ter o IMC abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde, entretanto muitos deles possuem o IMC acima do preconizado, mas como não estão magros, dificilmente são identificados como portadores de bulimia.

Destaca-se que outras complicações podem ser observadas em função do hábito de provocar vômitos. Pode existir erosão do esmalte dentário e até mesmo perda dos dentes, além de ulcerações no dorso das mãos, denominadas Sinal de Russel, provocadas pela ação corrosiva do suco gástrico. Esses sintomas são acompanhados de tristeza, depressão, sentimentos de culpa e ódio de si mesmo. Geralmente, os pacientes com bulimia nervosa apresentam como características impulsividade, comportamentos de risco, além de baixa autoestima e autoavaliação negativa (Appolinário & Claudino, 2009; Ballone, 2007; Nakamura, 2004; Cordás et. al., 2004).

Na anorexia nervosa, assim como na bulimia nervosa, existe uma grande preocupação com o peso e um medo constante e intenso de engordar. Enquanto na bulimia há episódios de comer compulsivo, na anorexia, a ingestão de alimentos calóricos é evitada. Comem-se, poucos alimentos, com dietas restritivas e exclusão de alimentos calóricos. Há também culpa pela ingestão de alimentos, excesso de exercícios físicos, junto a uma extrema perda de peso, geralmente em curto tempo. Acompanhando esses sintomas, observa-se uma constante distorção da imagem corporal, isto é, a pessoa se vê gorda por mais magra que esteja. Existem também alterações hormonais, como amenorreia, excessiva sensibilidade ao frio e mudanças drásticas de humor, como irritabilidade, tristeza, insônia, entre outras. Esses pacientes apresentam como características: obsessividade, perfeccionismo, passividade e introversão (Ballone, 2007; Busse & Silva, 2004).

O senso comum usualmente considera os transtornos alimentares como fenômenos próprios da vida moderna, interpretando-os como uma resposta às exigências estéticas atuais. Não ignorando a importância das influências sociais, muito pelo contrário, reforçando-as, podemos observar que essas influências não são atuais, elas remontam a alguns séculos. Como exemplo, lembramos os extensos jejuns de purificação que eram fortemente estimulados pela Igreja Católica:

Santa Colomba de Rieti morreu por desnutrição severa auto-imposta e Santa Verônica não ingeria alimento algum, exceto às sextas-feiras, dia em que permitia-se mastigar cinco sementes de laranja em nome das cinco feridas de Jesus. Esta santa fazia jejuns severos e, quando forçada a comer, provocava vômitos. Considerava os alimentos como tentações do diabo, às quais deveria resistir, sendo, no entanto, freqüentemente surpreendida comendo, às escondidas, grandes quantidades de alimentos (Behar citado por Weinberg, Cordàs & Munoz., 2005, p.52).

No começo do séc. XX, o modelo estético socialmente valorizado eram as silhuetas rechonchudas e os corpos arredondados que davam a impressão de mulheres com fartura de alimentos, saudáveis e férteis. Relatos apontam que, na África Ocidental, os homens ricos mandavam suas filhas para "casas de engorda", onde elas permaneciam comendo sem se exercitar para ficar pálidas e rechonchudas (Polhemus, 1978, citado por Nakamura, 2004 p. 20).

Com isso, podemos observar a grande influência que as contingências socioculturais têm sobre o comportamento, contribuindo para que surjam transtornos alimentares, seja na Idade Média com a rígida moral cristã, seja nos dias atuais com a alta exigência estética.

Ainda buscando compreender um pouco mais sobre as razões socioculturais envolvidas no aumento do número dos transtornos alimentares e da obesidade nos dias de hoje, precisamos voltar um pouco ao período da Segunda Guerra Mundial, quando os homens, nos Estados Unidos, foram mandados para a guerra e, com falta de mão de obra e grande necessidade de produção bélica, as mulheres saíram para trabalhar nas fábricas de armas, deixando de lado seus lugares como donas de casa e, consequentemente, o cuidado e a preparação da própria alimentação e da alimentação dos filhos (Hobsbawn, 1994). Na cultura ocidental, o tempo passou a ser dinheiro, e essas pessoas procuraram então comer o que fosse de mais rápido preparo e ingestão, diminuindo, assim, o tempo, a qualidade dos alimentos e aumentando sua quantidade calórica. Concomitantemente a esses acontecimentos, os corpos mais magros (mas ainda curvilíneos) eram valorizados, com as Pin-ups4, e ícones de beleza, como Marilyn Monroe. A silhueta das mulheres consideradas como modelo de beleza foi ficando cada vez mais fina. Como podemos observar nos dias atuais, há casos de modelos que são proibidas de desfilar por apresentarem um índice de massa corporal considerado abaixo do mínimo esperado para garantir a saúde.

Atualmente estamos vivendo em uma sociedade que preza a produtividade e a valorização da imagem, o que acaba, muitas vezes, ultrapassando os limites entre a beleza física e a saúde, transformando-se em motivo de sofrimento psíquico.

A boa forma corporal vem sendo associada à ideia de pessoas saudáveis, atraentes e bem sucedidas. Ao contrário disso, as pessoas com sobrepeso são vistas como fracassadas e perdedoras. A sociedade exige que as pessoas sejam produtivas e também que tenham tempo de cuidar do corpo e se alimentar adequadamente. Esse é um desafio muitas vezes impossível de se alcançar.

Buscando atingir um modelo estético socialmente valorizado, tendo até que trabalhar em jornada dupla e sem ter tempo de cuidar do corpo, muitas pessoas, tentando alcançar esse padrão, acabam desenvolvendo transtornos alimentares, ou, ainda, quando as tentativas de emagrecimento já não são eficazes, acabam procurando a cirurgia bariátrica.

A obesidade e a cirurgia bariátrica

A obesidade é uma doença que vem aumentando progressivamente em níveis de epidemia em todo o mundo, principalmente nos países industrializados. Acredita-se que 2% a 8% dos gastos destinados à saúde em vários países do mundo sejam designados ao tratamento da obesidade (Fandiño, Benchimol & Appolinário, 2004). Segundo informações publicadas no site do Ministério da Saúde, o número de cirurgias de redução de estômago realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aumentou 542% no Brasil em sete anos, saltando de 497 cirurgias, em 2001, para 3.195 em 2008.

Um dos fatores determinantes da obesidade é o IMC, que é calculado dividindo-se o peso corporal, em quilogramas, pelo quadrado da altura, em metros. Deve-se estar atento quando o IMC se encontra entre 30 e 34,9, situação em que a obesidade grau I é caracterizada. Quando o resultado está entre 35,0 e 39,9, considera-se obesidade grau II. Com o resultado acima de 40, pode-se avaliar como obesidade grau III, também chamada de obesidade mórbida (Segal & Fandiño, 2002).

Em razão de a obesidade ser uma doença crônica e de etiologia multifatorial, seu tratamento também envolve vários tipos de abordagens: tratamento dietético, programação de atividades físicas, uso de medicamentos antiobesidade. Esses tratamentos são os principais e os primeiros a se recorrer diante da necessidade de emagrecer.

O tratamento cirúrgico é indicado para pacientes com obesidade grau III, ou pacientes portadores da obesidade grau II, com comorbidades, por exemplo: hipertensão arterial, diabetes tipo 2, hipercolesterolemia, apneia do sono, insuficiência cardíaca, artroses, obstrução arterial etc.

Os candidatos ao tratamento cirúrgico devem passar pelo tempo mínimo de cinco anos de evolução da obesidade e história de falência dos tratamentos convencionais citados. As intervenções cirúrgicas não são indicadas para pacientes com pneumopatias graves, insuficiência renal, lesão acentuada do miocárdio e cirrose hepática, além de existirem algumas contraindicações psiquiátricas como: psicoses, alcoolismo, atraso mental, bulimia nervosa, compulsão alimentar, abuso ou dependência de substâncias, estados maníacos e ideação suicida. A existência de alterações psicopatológicas ou de personalidade é descrita como fatores que podem comprometer o tratamento (Travado, Pires & Martins, 2004).

O processo cirúrgico demanda uma intensa adesão dos pacientes no período pós-operatório, pois implica modificações de hábitos alimentares, comportamentais e de estilo de vida. Portanto, é preciso que se tome cuidado com a crença que alguns pacientes têm no milagre cirúrgico, procurando um tratamento eficaz e passivo, podendo colocar em risco o êxito do tratamento, pela desresponsabilização que essa situação pode causar por parte do paciente.

Após a cirurgia bariátrica, com a necessidade de mudanças drásticas nos hábitos alimentares, sociais e comportamentais, além da mudança de sua imagem corporal, surgem, muitas vezes, dificuldades de adaptação à nova vida e de adesão ao tratamento, podendo, assim, colocar em risco o sucesso da cirurgia. Nesse sentido, o paciente deve ser avaliado e acompanhado pela equipe multidisciplinar que estará envolvida no tratamento, em intervalos regulares, para monitorar o seu funcionamento psicológico (Fandiño et al., 2004).

Alguns pacientes podem apresentar, como efeito posterior à cirurgia, vários transtornos: transtornos da ansiedade, compulsões, como abuso de substâncias e gastos excessivos, além de comportamentos de risco (por exemplo: envolvimento extraconjugal e direção perigosa), transtornos de humor e até mesmo alguns transtornos alimentares, como bulimia nervosa e anorexia nervosa (Leal & Baldin, 2007).

Sobre as mudanças psicológicas ocorridas durante o tratamento da cirurgia bariátrica, Oliveira (2006) cita fases pelas quais esses pacientes passam. Segundo a autora, a primeira fase que esses pacientes atravessam (aproximadamente no terceiro mês após a cirurgia) é a mais preocupante, pois o período de "lua-de-mel", em que se perde muito peso em muito pouco tempo, termina, e o paciente entra em contato com o enfrentamento de sua nova realidade, percebendo conflitos antes não visualizados, visto que todos eles, anteriormente, eram justificados pelo excesso de peso que os mascaravam. À medida que o paciente vai perdendo peso, ele percebe que nem todos os problemas podem ser resolvidos emagrecendo. Na fase seguinte (do sexto ao oitavo mês), o paciente já perdeu por volta de 30% do seu peso e passa a ser notado pela família e pela sociedade. É uma fase de grande euforia com a nova imagem. Na terceira etapa, quando os pacientes completam um ano de cirurgia, o peso já está estabilizado, mas algumas pessoas se sentem insatisfeitas por não terem alcançado certos objetivos, alheios à cirurgia, como metas profissionais, relacionamentos amorosos, além de ainda não conseguirem ter uma imagem positiva do corpo. Nesse momento, muitos pacientes procuram auxílio psicoterápico para reorganizar a vida e trabalhar alguns aspectos dessa nova identidade.

 

2. OBJETIVOS

O objetivo da presente pesquisa é investigar as possíveis mudanças psicológicas ocorridas após a realização da cirurgia bariátrica, destacando a história de ganho de peso desses pacientes e a realização de acompanhamento psicológico antes, durante e após a cirurgia.

 

3. METODOLOGIA

Esta pesquisa foi realizada com uma amostra de cinco pacientes, participantes de um Grupo de Apoio aos Pacientes da Cirurgia Bariátrica em um centro de referência para a realização de tal cirurgia no Estado do Espírito Santo. Os pacientes foram selecionados aleatoriamente e convidados a participar da pesquisa. Os dois únicos critérios exigidos foram: ter realizado a cirurgia nos últimos cinco anos e ter idade entre 20 e 45 anos.

Os dados foram coletados por meio de uma entrevista semiestruturada com o objetivo de obter informações relativas a mudanças psicológicas ocorridas no pós-operatório. Essas entrevistas foram realizadas individualmente, gravadas com autorização dos participantes, conforme assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e, posteriormente, transcritas na íntegra. A análise dos dados foi realizada pela técnica de análise de conteúdo, descrita por Bardin (1977) como um conjunto de técnicas de apreciação das comunicações de forma a sistematizar os procedimentos, criando indicadores objetivos que possibilitem a abordagem dos conhecimentos obtidos para a melhor percepção dessas mensagens.

Durante a leitura cuidadosa das entrevistas, foram produzidas as categorias de análise, tendo como elementos norteadores dois eixos previamente estabelecidos: descrição da história de ganho de peso e mudanças físicas e psicológicas após a realização da cirurgia.

 

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Descrevendo sobre a história de ganho de peso

O contexto em que se inicia o agravamento e a dificuldade com o peso é um aspecto relevante a ser tratado, quando tentamos investigar a respeito da história de ganho de peso e de como esses pacientes começaram a ter dificuldades com a alimentação. Dos cinco entrevistados, três relataram que sempre estiveram acima do peso, desde a infância; dois deles referiram fatores como hereditariedade e o ganho de peso acentuado na adolescência; e três dos participantes também citaram as contribuições da alimentação como influência no ganho de peso.

Eu sempre fui gorda na infância, mas os fatores que pesam mais são a hereditariedade. Ninguém é gordo por acaso, é gordo porque come errado. Eu acho que o fator mais sério é a alimentação errada (Participante 1).

Sempre fui um pouco acima do peso (...) e depois que eu peguei minha adolescência [sic], fui engordando. Dali eu fui engordando até que cheguei a uns 80 kg (Participante 3).

Verificamos, na literatura, vários autores destacando a obesidade como uma doença crônica e de origem multifatorial (Dâmaso & Siegfried, 2003; Fadiño et al., 2004, Oliveira, 2006, & Cade et al., 2009). Podemos constatar que as pessoas tentam explicar a origem do seu ganho de peso indicando mais de um fator agravante. Muitos participantes citam também a alimentação inadequada como um fator determinante para engordar.

Nakamura (2004) afirma que os alimentos são mais do que meramente fontes de nutrição. Eles assumem vários papéis na sociedade, relacionados com fatores socioeconômicos e culturais, estabelecidos de forma particular em cada sociedade.

Entre as principais estratégias utilizadas pelos pacientes para enfrentar a obesidade, foram citadas: tratamentos ineficazes, fator indicado por todos os participantes; dietas sem indicação médica; tratamentos com medicamentos para emagrecer; além de consultas com nutricionistas e endocrinologistas. A ineficácia desses tratamentos, aliada aos problemas de doença e à baixa qualidade de vida, levou os entrevistados a optar pela realização da cirurgia bariátrica.

Foi eu já ter ganhado [sic] os meus 15kg tudo de novo que eu demorei um ano e meio para perder, e em seis meses eu já estava com aquilo tudo de novo e desanimei, voltei ao endocrinologista e tentei a dieta de novo, mas já tentei com a sibutramina, só que ela não estava dando resultado, porque eu já estava com 93kg [IMC de 35] e já tava me impossibilitando de caminhar, de fazer atividade física devido ao peso e foi daí que eu procurei o cirurgião (Participante 3).

Esse relato nos remete à literatura, quando os autores esclarecem que os pacientes com obesidade grau III, muitas vezes, até conseguem algum resultado com tratamentos ditos "convencionais" (dietas, medicamentos e exercícios físicos), embora se observe que 95% deles recuperam seu peso inicial em até dois anos (Segal & Fandiño, 2002).

Considerando alguns relatos sobre as dificuldades encontradas por pessoas obesas em seu cotidiano, podemos comprovar o que Assunção Jr. (2004, p. 11) aponta:

Entramos em um novo século, no qual a beleza sintética e pré-fabricada, segundo cânones econômicos difundidos pela mídia, definem o que é harmonia, regularidade e estética. Quem sabe quantos anos se passarão até que todos, uniformizados segundo um modelo pré-estabelecido, poderão tentar ser felizes ao atingir um modelo de aparência ideal, do ponto de vista estético, e, sobretudo econômico.

Podemos constatar um exemplo dessa afirmação na fala a seguir:

Ah, eu acho que nenhum gordo é feliz, não! Nada é pra gente! Roupa não é pra gente, cadeira não é pra gente. No mundo não tem nada que sirva pra gente (Participante 1).

Descrevendo sobre as mudanças psicológicas e físicas

Sabemos que, durante o processo da cirurgia bariátrica, ocorrem muitas mudanças físicas que podem vir acompanhadas de mudanças psicológicas.Quando perguntados a respeito do acompanhamento psicológico, todos os participantes disseram não tê-lo realizado no período de ganho de peso. Três deles buscaram o psicólogo somente para a obtenção do laudo psicológico, que é um dos pré-requisitos para a realização do procedimento cirúrgico. Um dos participantes relatou ter sentido falta de acompanhamento psicológico e três afirmaram não ter sentido falta. Dois deles disseram ter sido aconselhados pelo médico a procurar acompanhamento psicológico, entretanto não o fizeram.

Não, só fui à psicóloga uma vez antes da cirurgia, depois nunca mais voltei. Foi a única vez que fui ao psicólogo ( Participante 4)..

Eu senti um pouco de falta, principalmente no começo, porque muda toda sua rotina, sua alimentação, e você não tem ninguém pra falar, ninguém pra ajudar, e eu fiquei desesperada ( Participante 5).

(...) agora, há pouco tempo, que o médico falou que eu deveria ter tratado a cabeça primeiro, que eu não tratei ( Participante 4. Sujeito teve um reganho de peso de 15 quilos ).

Podemos constatar na literatura que a etiologia da obesidade é influenciada por fatores biológicos, psicológicos e sociais. Esses fatores caminham juntos para o possível ganho ou perda de peso, portanto o tratamento deve ser interdisciplinar, a fim de que os resultados almejados sejam alcançados com sucesso. O enfoque multidisciplinar é importante para o reconhecimento de questões relacionadas com a adesão do tratamento pelo paciente (Zilberstein & Carreiro, Nakamura, 2004).

Sobre os possíveis efeitos físicos ocorridos após a cirurgia bariátrica, todos os participantes citaram efeitos físicos positivos e três participantes citaram, também, efeitos físicos negativos. A seguir, depoimentos enfatizando o aspecto positivo:

Hoje subo o morro brincando e conversando, antes se eu falasse não subia o morro (Participante 2).

A pressão nunca mais foi alta, questão de saúde principalmente, no meu caso tinha um agravante que era pressão alta, hoje eu não tenho mais (Participante 1).

Cade et al. (2009) afirmam que os aspectos positivos do emagrecimento geralmente levantados pelos pacientes são: elevação da autoestima, disposição para o trabalho, sensação de corpo leve, melhores condições de saúde, como podemos comprovar nas falas acima.

Meu cabelo caiu, cai muito até hoje (...). Unha quebra fácil, a pele ficou ruim, feia, caiu. Eu não posso comer doce que eu passo mal. E eu tive um pouco de dificuldades na saúde, tive problemas de anemia, eu tenho que tomar sempre vitamina (...). Às vezes eu me sinto fraca, com sono. Dizem que é problema da cirurgia, pode ser! Deve ser (...) eu acho, porque eu nunca tive isso antes(...) (Participante 5).

Fandiño e colaboradores (2004) citam algumas condições complicadoras no pós-operatório tardio, dentre as quais, má absorção de vitaminas, má absorção de sais minerais, colelitíase (que pode causar icterícia), diarreia, neuropatias periféricas e anemias. Podemos ver essas condições sendo explicitadas pelo Sujeito 5, ao dizer que teve anemia, que precisa sempre fazer reposição vitamínica e que apresenta queda de cabelos e unhas fracas, condições estas muito parecidas e muito vistas nos quadros de anorexia nervosa.

Busse e Silva (2004), ao descreverem alguns efeitos da anorexia, citam pele seca e amarelada, cabelos finos e quebradiços, além de descalcificação óssea, aumento do espaço entre os sulcos cerebrais e, em alguns casos, atrofia cerebral, assim como hipovitaminoses e anemias graves.

Cordás e colaboradores (2004) relatam um caso de uma paciente que, após a cirurgia bariátrica, desenvolveu algumas mudanças semelhantes a uma pessoa com anorexia nervosa, apesar de essa paciente não apresentar um peso abaixo do normal, o que não a enquadrava nos sintomas de anorexia nervosa, sendo levada a um diagnóstico de transtorno alimentar não especificado.

Diante dos dados coletados, podemos ver que quatro participantes relataram alguns efeitos psicológicos positivos e apenas dois disseram ter tido efeitos psicológicos negativos, como podemos observar nas falas a seguir:

Mudou, mudou humor, comportamento, tudo! Hoje eu estou mais bem amada, mais feliz! (Participante 1).

(...) hoje estou mais segura, hoje falo com mais segurança, me autoafirmo (...) (Participante 2).

Fiquei mais tímida (...) enquanto eu era gorda ninguém me notava, então eu não tinha que aparecer bonita, porque ninguém ia me notar. Ninguém ia olhar! As pessoas olham como se fosse um monstro. ‘Olha lá a gorda entalada na roleta’. Ninguém olha com interesse, e hoje, às vezes, noto uns olhares e aí eu fico com muita vergonha! Hoje eu ando olhando pro chão, com vergonha, eu nunca fui acostumada a ter olhares para mim! (Participante 5).

Ao contrário do que é comumente visto, podem ser também encontrados muitos efeitos psicológicos negativos aliados às mudanças físicas após a cirurgia bariátrica. Todavia, verifica-se, na fala acima, que o sujeito descreve fatores como timidez, o que Oliveira (2006) aponta como uma possível dificuldade em aceitar as mudanças do corpo. Entre outros efeitos negativos que a autora cita, estão: crises de identidade, busca por novos relacionamentos, necessidade de reaprender a se alimentar, dificuldade em assumir um olhar "normal" sobre o corpo, de aceitar as mudanças do corpo, além de um permanente monitoramento da alimentação.

Dentre outros efeitos psicológicos negativos, uma participante não afirmou diretamente ter desenvolvido transtornos alimentares, mas citou a ocorrência de vômitos constantes. O médico indicou que procurasse um tratamento psicológico, o que podemos perceber no trecho de sua fala abaixo:

(...) eu pago o preço, pois prefiro a morte do que engordar! Pra mim, ser gordo é a pior coisa do mundo. Então, por mais que eu passe mal, vá pro hospital com carência de vitamina, vomite todos os dias, é muito melhor isso do que você entrar numa loja e nada te servir. No começo, você se arruma toda, vai pra um lugar e você vomita você borra a maquiagem, você se sente mal! Mas você tem que ver, borrou a maquiagem, faz de novo! Pelo menos a roupa está servindo! (Participante 1).

Olha, o acompanhamento psicológico, na verdade, o médico aconselhou eu fazer. Quando eu tinha uns dois anos de operada, eu continuava a vomitar muito e ele me falou que essa questão de vomitar muito é culpa! Perguntou se eu me sentia culpada por comer, eu falei que acho que sim, eu acho que ele falou mais ou menos uma bulimia, só que acho que a grande maioria tem, tem essa culpa! Aí ele me mandou que eu procurasse [tratamento psicológico], mas eu não vou procurar, não. Não tenho dinheiro pra isso não (Participante 1).

Vargas, Rojas-Ruiz, Román e Salín-Rascuaal (2003), analisando os casos de surgimento de bulimia após a cirurgia bariátrica, verificaram que pacientes com antecedentes de desordens psicológicas foram encaminhados para tratamento psiquiátrico previamente à cirurgia bariátrica e essa indicação não foi seguida. Podemos ver que um dos participantes da nossa pesquisa conta que, mesmo antes da cirurgia, durante sua adolescência, demonstrava alguns sinais de transtornos alimentares, no caso, de anorexia nervosa, como podemos ver no trecho abaixo:

Mas eu vou contar. Na minha adolescência, foi muito mais traumatizante, eu realmente ficava sem comer durante muito tempo, malhava quatro horas todo dia, só à base de refrigerante. Eu não comia nada, nada, nada. Minha mãe dava bolinho de carne, me obrigava a comer e eu dava pra cachorra. Por várias vezes na adolescência eu fui internada por não comer por medo, eu cheguei a ser magra na adolescência, mas na base da gelatina diet.

Novamente citamos Vargas et al. (2003), ressaltando a importância de uma minuciosa avaliação psicológica antes da cirurgia, para o conhecimento de algumas possíveis alterações psicológicas que possam dificultar a adesão e o seguimento do tratamento pós-cirúrgico do paciente, aumentando, assim, a probabilidade de um melhor resultado em longo prazo.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o aumento da obesidade em graus de pandemia e a cirurgia bariátrica como o tratamento mais eficaz em longo prazo para a obesidade grau III, nos últimos anos, vem crescendo cada vez mais o número de cirurgias bariátricas realizadas, atingindo um aumento de 542% destas cirurgias no Sistema Único de Saúde do Brasil em sete anos.

No entanto, os efeitos negativos, geralmente, são pouco estudados ou citados. Uma possível razão para essa omissão talvez esteja no fato de que a cirurgia bariátrica produz um resultado rápido e efetivo contra a obesidade, o que reforça um desejo presente na sociedade de buscar uma "cura milagrosa" para essa doença que, na maioria das vezes, traz comorbidades e baixa qualidade de vida. Assim, muitos fecham os olhos para os efeitos negativos desse procedimento não acreditando que ele possa trazer possíveis prejuízos.

Quando pensamos em cirurgia bariátrica e anorexia, logo nos voltamos para a disparidade e na completa oposição entre as duas: na anorexia, o paciente perde a saúde por não comer; na cirurgia bariátrica, o paciente precisa parar de comer para restabelecer a sua saúde. No entanto, as duas são muito similares quanto aos efeitos em longo prazo, como anemias, faltas de vitamina, enfraquecimento de cabelos e unhas, descalcificação óssea, entre outras. Efeitos esses que, muitas vezes, são ignorados pela sociedade, que vê na cirurgia bariátrica a solução do problema mundial da obesidade.

No decorrer deste estudo, ficamos nos perguntando: caso as pessoas tivessem tido acompanhamento psicológico durante o ganho de peso e tivessem feito um tratamento para transtornos alimentares, por exemplo, o comer compulsivo, elas teriam chegado à obesidade e a cirurgia bariátrica teria sido realmente necessária?

Outra reflexão importante diz respeito ao acompanhamento psicológico posterior à cirurgia, observando se tem relação direta com o "reganho" de peso, como na fala do Participante 4, relatando que o médico explica o fato de ganhar novamente peso por não ter "tratado a cabeça" antes da cirurgia.

Entre os fatores que podem ter influenciado na concepção de sucesso ou insucesso do tratamento, um fator já citado, e denominado de "lua-de-mel", ocorre nos primeiros meses de cirurgia, quando os pacientes perdem muito peso em pouco tempo. Observamos, então, que os pacientes submetidos à cirurgia há menos tempo veem somente os benefícios, citando apenas efeitos positivos, o que faz com que eles se mostrem mais motivados na adesão ao tratamento.

É preciso que se tome muito cuidado com a ilusão que alguns pacientes têm de que a cirurgia bariátrica pode resolver todos os seus problemas, inclusive aqueles alheios à cirurgia e à obesidade. Alguns deles acabam achando que, após a cirurgia, problemas emocionais, sociais e profissionais, entre outros, vão se resolver por terem se libertado da obesidade, o que acaba levando a uma possível frustração diante de desejos não conquistados pela cirurgia e perda de peso.

Verificamos que, após a cirurgia bariátrica, os pacientes constantemente voltam a seus médicos para fazer exames diversos para acompanhar os efeitos físicos. No entanto, os efeitos psicológicos, que são tão importantes para o sucesso do tratamento e para a manutenção do peso do paciente, são deixados de lado. Ressaltamos, assim, a importância de acompanhar os efeitos psicológicos, que muitas vezes são pouco monitorados.

 

REFERÊNCIAS

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1 Graduanda em Psicologia - Faculdade Brasileira - UNIVIX.
2 Mestre em Psicologia e Docente da Faculdade Brasileira - UNIVIX.
3 Graduanda em Psicologia - Faculdade Brasileira - UNIVIX.
4 Pin up costuma ser uma gravura de garota atraente (geralmente em calendário ou pôster de propagada), relativo à garota de propaganda atraente, sensual, pode ser pendurado ou colocado na parede. (Houaiss, 1982).

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