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Psicologia USP

On-line version ISSN 1678-5177

Psicol. USP vol.2 no.1-2 São Paulo  1991

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Investigação de aspectos da clientela e sistema de atendimento de um ambulatório de saúde mental

 

Patiente evaluation and attendance system of a mental health center

 

 

Nicolau Tadeu Arcaro

 

 


RESUMO

O presente trabalho consiste num estudo descritivo a respeito de características da clientela e do atendimento prestado por um ambulatório de saúde mental do serviço público do Estado de São Paulo. Utilizou-se um sistema de análise de conteúdo, constituído por 15 itens referentes a aspectos do conteúdo dos prontuários e folhas de triagem da instituição. Foram construídos conjuntos de categorias para a descrição quantitativa de 12 desses ítens e, em três deles, onde não se aplicava tal método, foram utilizadas outras formas sistemáticas de descrição. Os resultados apresentam informações de interesse sobre a clientela e permitem uma análise crítica do sistema de atendimento, sugerindo mudanças produtivas. Levantaram-se questões e hipóteses visando a futuras investigações. A análise envolveu, ainda, referências a contradições da política de saúde mental do governo, com respeito ao sistema de atendimento. Enfatizou também a necessidade de ações políticas e sociais para resolver muitos dos problemas apresentados pela clientela.

Descritores: Saúde mental comunitária. Psicologia comunitária. Programas de saúde mental. Serviços de saúde mental.


ABSTRACT

A descriptive study is developed concerning patients and intendance process in a Menial Health State Center of São Paulo, city (Brazil). A content analysis system is employed which consists of 15 items, 12 as sets of categories for quantitative descriptions, and three as other forms of sistematic description, concerning some aspects of the population and attendance process that could not be adequately grouped into categories. The results present valuable information concerning the target population and allow for a critical analysis of the attendance process, suggesting productive changes. The study raises questions and hypotheses considering future investigations. It also points out the contradictions of the present government mental health policy and attendance process. The analysis emphasizes the need for social and political action to solve many of the problems presented by the target population.

Index terms: Communitary Mental Health. Communitary Psychology. Mental Health Programs. Mental Health Services.


 

 

A assistência psicológica, tradicionalmente orientada para a avaliação individual e atuação psicoterapêutica em consultórios particulares, está-se voltando cada vez mais, nas últimas décadas, para ações de maior amplitude social, de âmbito comunitário. Nos Estados Unidos, segundo Kelly e col., (1977), tal processo vem ocorrendo desde a segunda guerra mundial, tendo-se intensificado a partir da década de 60. Esta preocupação, que não é exclusiva da psicologia, abrange a saúde mental como um todo. Parece dever-se, fundamentalmente, ao reconhecimento da necessidade de se prestar uma melhor assistência aos estratos sócio-econômicos menos favorecidos da população, tendo em vista a variedade e ampla disseminação de suas problemáticas (Reiff, 1966), bem como o insucesso dos modelos tradicionais em lidar com muitas delas (cf. Hersch, 1968).

Esta mudança de direcionamento envolveu a elaboração de inúmeros programas de atuação (p. ex. Cowen e col., 1971; Reiff, 1966;Tanabe, 1982; Wolcon e col., 1982) e gerou extensa discussão sobre diversas questões dela decorrentes, como papel do profissional (Cowen e col., 1971; Hersch, 1968; Kelly, 1966; Kelly e col., 1977; Reiff, 1966; Smith and Hobbs, 1966; Wolcon e col., 1982), formação e treinamento do profissional (Cowen e col., 1971; Kelly e col., 1977; Reiff, 1966; Smith and Hobbs, 1966; Wolcon e col., 1982), possibilidades de prestação de serviços (Hersch, 1968; Kelly e col., 1977; Reiff, 1966; Smith and Hobbs, 1966), necessidade de um enfoque a nível social (Hersch, 1968; Kelly, 1966; Kelly e col., 1977; King, 1978; Reiff, 1966; Ryan, 1971) e necessidade de avaliação e pesquisa com respeito às estratégias de atuação implementadas (Cowen e col., 1971; Smith and Hobbs, 1966; Wolcon e col., 1982).

Pode-se observar, também no Brasil, uma mudança de perspectiva do mesmo genero. No âmbito da psicologia, certos autores salientam a necessidade de uma formação profissional mais ampla, abrangendo o nível comunitário e envolvendo alternativas à assistência tradicional e maior familiaridade com a atuação junto a populações de baixa renda (Carvalho, 1985; Figueiredo & Schivinger (1981); Silva (1988); Winge & D'Ávila Neto (1976). Também há preocupação com um maior conhecimento sobre características de populações mais carentes Arcaro & Stirbulov (1985); Arcara et al. (1988); Bosi (1971); Carvalho (1981); Flores (1984); Mari (1987); Mello (1985); Montoya (1983); Smith (1985), interesse por trabalhos de intervenção comunitária "in loco" junto a tais populações Abreu (1987); Arcaro (1984); Arcaro (1985); Carvalho (1985); Centro de Estudos de Assistência à Família (1984); Landin & Lemgruber (1980); Sampaio (1981); Winge & D'Ávila Neto (1976) e preocupação com a assistência institucional prestada as mesmas Figueiredo & Schivinger (1981); Mejias (1987); Silva (1988) Winger & D'Ávila Neto (1976).

Com referência, mais especificamente, à saúde mental, também surgiram novas propostas de assistência, decorrentes de tentativas de reformulação do serviço público de assistência à saúde, que começaram a ocorrer no final da década de 70 (Paim, 1983). Tais propostas são em grande parte, coerentes com as formuladas pelos serviços de saúde mental norte-americanos e com as preocupações da psicologia nacional em voltar-se para o nível comunitário. Entre outros pontos, enfatizam a grande disseminação dos distúrbios emocionais e necessidade de uma concepção mais ampla a seu respeito, abrangendo fatores familiares e sócio-econômicos, ao invés da ênfase dada, tradicionalmente, a fatores internos. Prescrevem, nesse sentido, a integração da saúde mental a rede pública de assistência à saúde, tendo em vista a relação entre distúrbios de ordem física e emocional e buscando um maior alcance da saúde mental junto à população. Também enfatizam a necessidade de evitar a separação do paciente de seu ambiente social, vista como fator de cronificação dos distúrbios, procurando-se reduzir ao máximo as internações, valendo-se, para tanto, da assistência ambulatorial. Além disso, opõem-se a uma postura medicalista, mais tradicional, recomendando que se evite ao máximo o uso de medicação. Nesse sentido, salientam a necessidade fundamental e preponderante de atuação multiprofissional, objetivando lidar com os problemas em sua diversidade de fatores, e instituem a psicoterapia como uma das principais formas de atuação. Por fim, ainda é importante mencionar que, dentre as referidas propostas, está o incentivo à atividade de pesquisa, visando a um maior conhecimento sobre os distúrbios apresentados pela população e ao aperfeiçoamento dos métodos de atuação.

Não obstante o discurso sobre a necessidade de pesquisa, esta tem sido, concretamente, pouco incentivada. O conhecimento, no serviço público de saúde mental, parece provir, salvo raras exceções, da experiência prática de trabalho de algumas pessoas, sendo, dessa forma, impreciso e pouco generalizável. Há necessidade, portanto, de estudos mais abrangentes e controlados, que podem ser realizados por pessoas de diversas áreas do conhecimento. Uma oportunidade valiosa, nesse sentido, apresenta-se aos profissionais integrantes das equipes multiprofissionais de atendimento, dada sua maior proximidade da área de atuação, bem como a possibilidade que têm de adquirir uma visão mais ampla que a de um profissional isolado, em função das oportunidades de atuação que o trabalho multiprofissional permite. A presente investigação insere-se nesse âmbito. Consiste num estudo descritivo sobre características da clientela e do atendimento prestado por um ambulatório de saúde mental do serviço público do estado de São Paulo, realizado por um psicólogo que integrou o quadro profissional do mesmo. Seus objetivos foram a obtenção de informações visando a aumentar os conhecimentos sobre alguns aspectos da clientela atendida e a permitir uma avaliação e possíveis reformulações de estratégias de atendimento.

 

MÉTODO

Características gerais da instituição

O ambulatório era responsável pelo atendimento da população de uma região da periferia da cidade de São Paulo, situando-se próximo a esta região. A demanda era bastante alta, uma vez que a área abrangida pela assistência da instituição contava com cerca de um milhão de habitantes.

A instituição estava instalada, provisoriamente, numa casa de três pavimentos, um sobrado com uma espécie de porão, este último dividido em várias salas. As acomodações eram muito precárias pois, além do estado de conservação do prédio ser bastante ruim, não havia espaço suficiente para todos trabalharem. Nos horários de maior movimento era comum profissionais ficarem sem sala disponível para seu atendimento. Esta situação só veio a se alterar depois da coleta de dados para esta pesquisa, ou seja, após dois anos e meio de funcionamento da instituição, quando lhe foi designado um novo imóvel construído especialmente para seu funcionamento.

Na época da coleta de dados, a equipe multiprofissional era composta por: cinco médicos psiquiatras, quatro psicólogos, três assistentes sociais, duas fonoaudiólogas, duas terapeutas ocupacionais, uma farmacêutica, uma enfermeira, um auxiliar de enfermagem e uma auxiliar de farmácia. O tamanho e composição da equipe eram ligeiramente variáveis dada a alta rotatividade de seus integrantes, provocada pela baixa remuneração e precárias condições de trabalho.

 

PROGRAMAS DE TRABALHO

Tendo como fundamento orientações da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Secretaria da Saúde (1982/83), os trabalhos costumavam ser divididos em três setores básicos: triagem, diagnóstico e procedimentos terapêuticos. Além disso, no ambulatório em questão, era feita uma divisão da clientela segundo sua faixa etária. Havia a clientela considerada infantil, menor de 18 anos, e a adulta, com 18 anos ou mais. Tal divisão era utilizada em todos os setores de atendimento.

A proposta básica de trabalho era a mesma para todos os ambulatórios, mas havia diferenças no funcionamento de cada um, devidas a diferenças na composição específica das equipes de cada unidade, bem como nas características das clientelas atendidas por elas. Mesmo dentro de uma mesma unidade costumavam ocorrer algumas alterações nas estratégias de atendimento com o decorrer do tempo, ditadas por revisões dessas estratégias e alterações na composição da equipe. Sendo assim, o abaixo descrito consiste, especificamente, na maneira do ambulatório trabalhar em determinado momento de seu funcionamento.

Triagem

A triagem infantil era realizada uma vez por semana, quando eram agendados quatro pacientes, atendidos individualmente. No caso dos adultos, era atendido um grupo semanal de oito pessoas, além dos casos considerados de urgência (adultos em sua grande maioria), que eram atendidos individualmente assim que procuravam o ambulatório. Eram considerados como urgência os egressos de hospitais psiquiátricos e demais pessoas que, em função da intensidade de suas problemáticas, não podiam prescindir de uma assistência imediata. Além desses casos, ocasionalmente, eram aceitos, para diagnóstico ou tratamento, alguns pacientes já triados em centros de saúde da região.

Diagnóstico

Havia um grupo diagnóstico infantil mensal, onde se alternavam pacientes de diferentes faixas etárias, e que seguia uma orientação básica de psicodiagnóstico. Também havia diagnóstico infantil individual realizado pelos diferentes tipos de profissionais da instituição. Além disso, havia um grupo diagnóstico mensal de adultos e diagnóstico individual realizado pela maioria dos profissionais da equipe.

Procedimentos terapêuticos

O tratamento infantil abrangia grupos de ludoterapia de diversas faixas etárias, grupo de psicoteria de adolescentes (de 14 a 17 anos), grupos de fonoaudiologia de diferentes faixas etárias, grupo de terapia ocupacional (crianças até seis anos), grupo de terapia ocupacional de estimulação (crianças de até sete anos) e grupo de aprendizagem (crianças de sete a 12 anos). O atendimento em tais grupos era semanal. O tratamento individual envolvia ludoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e acompanhamento psiquiátrico. No tocante aos adultos, havia três grupos semanais de psicoterapia, um de adultos com até cerca de 27 anos e dois de adultos mais velhos, atendimento familiar e atendimento breve de casais, cuja freqüência das sessões era variável, programa de intensidade máxima para psicóticos (duas vezes por semana), grupo de epilépticos (mensal), grupo de alcoólicos (mensal), grupos de familiares ou responsáveis pelos pacientes infantis ou com alto grau de comprometimento emocional (simultâneos ao atendimento dos pacientes em questão de psicóticos agudos (semanal), grupo de psicóticos crônicos (semanal), grupo de neuróticos adultos1 (semanal) e grupo de idosos (semanal). Também havia atendimento individual em psicoterapia, acompanhamento psiquiátrico com ou sem a prescrição de medicação, terapia ocupacional para psicóticos agudos e crônicos e atendimento com assistente social.

 

MATERIAL ESTUDADO

Foram utilizados 10% dos prontuários da instituição, e suas respectivas folhas de triagem, selecionados aleatoriamente, perfazendo um total de 164 prontuários e folhas de triagem.

A folha de triagem consistia num impresso de uma página, preenchido por ocasião da triagem. Dele constavam: dados de identificação (nome, idade, sexo, local de residência, telefone, filiação, naturalidade, ocupação e, em alguns casos, cor e escolaridade); dados sobre a problemática (queixa principal, fonte de encaminhamento, histórico de tratamentos psiquiátricos, psicológicos ou neurológicos anteriores e número de internações psiquiátricas); dados sobre a vinculação previdenciária; dados sobre o encaminhamento feito a partir da triagem; data de preenchimento do impresso e profissional que o preencheu.

O prontuário consistia numa pasta, com capa impressa e folhas internas, também impressas, onde eram registradas todas as informações colhidas sobre o paciente, bem como sobre o atendimento realizado pela instituição. Além disso, eram enexados ao prontuário a folha de triagem, cópias de cartas de convocação para atendimento e de encaminhamento para a realização de exames em outras instituições, testes psicológicos aplicados, resultados de exames, enfim, qualquer material relativo ao atendimento. As principais informações que continha eram as seguintes: dados de identificação (os mesmos da folha de triagem); dados sobre a problemática (descrição detalhada da mesma, histórico dos problemas emocionais, eventos associados a eles, tratamentos realizados com o intuito de solucioná-los, descrição da família ou pessoas com quem o paciente morava, sendo mencionados casos de distúrbios emocionais ou neurológicos ocorridos na família e observações sobre o comportamento do paciente durante a avaliação); diagnóstico (categoria diagnóstica atribuída à problemática e seu número de código, retirados da "Classificação Internacional de Doenças" São Paulo (Estado). Secretaria da Saúde (1979); procedimentos terapêuticos prescritos ao paciente pelo profissional que realizou a avaliação: nome do profissional que preencheu o prontuário e dados sobre a evolução e encerramento do atendimento (datas de atendimento, comparecimentos e faltas do paciente, resumos de sessões, data e tipo de encerramento, etc.).

 

PROCEDIMENTO DE ANÁLISE

Os dados foram analisados através de um sistema de análise de conteúdo que consistia de 15 itens referentes a aspectos do conteúdo dos prontuários e folhas de triagem. Foram construídos conjuntos de categorias para a descrição quantitativa de 12 desses itens e, em três deles, onde tal procedimento não se mostrava produtivo, foram utilizadas outras formas sistemáticas de descrição. Os itens foram divididos em três grupos: aspectos objetivos da clientela, aspectos da problemática da clientela, conforme identificados pela instituição, e aspectos do atendimento da instituição.

Aspectos objetivos da clientela

Idade: As faixas etárias foram divididas utilizando-se critérios maturacionais e sociais comumente aceitos, bem como critérios da própria instituição para o encaminhamento para atendimento. A idade foi dividida em dois grupos etários básicos:

- Infantil (até 17 anos);

- Adultos (a partir de 18 anos).

Tais grupos foram subdivididos em grupos etários mais específicos:

- Até seis anos;

-Sete a 13 anos;

- 14 a 17anos;

- 18 a 27 anos;

- 28 a 49 anos;

- 50 anos a mais.

Sexo

Procedência: Local de nascimento do paciente. Foi dividido em:

- Cidade de São Paulo;

- Interior de São Paulo;

- Minas Gerais;

- Nordeste (qualquer estado abrangido por esta região)

- Outras (procedências não compreendidas pelas categorias acima, cuja baixa frequência de aparição não justificou a formação de categorias especificas).

Escolaridade:

-Nula

- Primário incompleto (entre 1ª e 4ª série incompleta do 1º grau);

- Primário completo (entre 4ª série completa e 8ª série incompleta);

- Primeiro grau completo (entre 8ª série completa e última série do 2º grau incompleta);

- Outras.

Ocupação: Foi feita uma descrição envolvendo os tipos de ocupação, profissional ou não, encontradas entre os pacientes da amostra ou pessoas economicamente responsáveis por eles, bem como a freqüência dessas ocupações.

Vinculação ao trabalho e recebimento de rendimentos: Leva em conta a situação de trabalho e de onde provinham os rendimentos econômicos responsáveis pela subsistência das pessoas. Estes dois aspectos foram analisados conjuntamente por estarem bastante relacionados, o tendo em vista a observação de algumas nuances importantes de seu interrelacionamento. As categorias formuladas foram:

- Trabalha com remuneração;

- Não trabalha mas recebe rendimentos (aposentados e pessoas em licença de saúde);

- Desempregado;

- Economicamente dependente (pessoas que não trabalhavam ou que realizavam trabalho não remunerado);

- Não consta informações a respeito (não havia informações sobre o assunto no prontuário).

Estado civil: Foi utilizado o estado civil de fato, e não o meramente legal. Foi dividido em:

- Solteiro;

- Casado;

- Separado;

- Viúvo.

Fonte de encaminhamento: Órgãos, entidades, profissionais ou pessoas relacionadas ao paciente que o tivessem encaminhado para a instituição. Foi dividida em:

- Posto de saúde;

- Centro de Saúde;

- Pronto socorro;

- Ambulatório de saúde mental2;

- Hospital geral;

- Hospital psiquiátrico;

- Escola;

- Paciente do próprio ambulatório;

- Parente ou conhecido;

- Órgão do INAMPS;

- Outras;

- Fonte de encaminhamento não identificada.

Aspectos da problemática da clientela, conforme identificados pela instituição

Problemática identificada: As categorias foram formuladas a partir das classificações diagnósticas encontradas nos prontuários. Tais classificações foram agrupadas segundo critérios de afinidade, formando as seguintes categorias;

- Psicose (diagnósticos de psicose3 de diversos tipos, execto Psicoses alcoólicas);

- Distúrbio emocional não psicótico (distúrbios ligados a padrões peculiares de comportamento e reação emocional do indivíduo - sua "estrutura de personalidade" -, cuja intensidade, ou qualidade, não justificassem um diagnóstico de psicose -abrangia diversos códigos diagnósticos);

- Problemática situacional (distúrbios devidos, predominantemente, a situações de vida problemáticas, a nível familiar, social, econômico, etc. - abrangia diversos códigos diagnósticos);

- Epilepsia (diagnósticos de epilepsia de diversos tipos);

- Alcoolismo (diagnósticos de síndrome de dependência do álcool e psicoses alcoólicas);

- Deficiência mental (diagnósticos de oligofrenias de diversos tipos);

- Distúrbios de fala (diagnósticos de transtorno de desenvolvimento da fala ou linguagem);

- Dificuldade escolar (problemática ligada a baixo rendimento escolar, não envolvendo questões emocionais, de conduta e situacionais significativas e excluindo os casos de deficiência mental - abrangia diagnósticos de diversos tipos de retardos específicos do desenvolvimento);

- Outras.

Duração da problemática: Era contada a partir do primeiro fato, relativo à problemática, que fosse encontrado nos registros. Os dados foram descritos em termos da possibilidade de se especificar ou não a duração da problemática, a partir dos registros, e, com relação às durações especificadas (88 casos), foi determinada sua amplitude de variação, a duração mediana e as marcas dos 1º e 3º quartis, para que se tivesse uma noção da tendência central e variabilidade das mesmas.

Histórico de tratamentos anteriores: Tratamentos já realizados pelo indivíduo com o propósito de solucionar os problemas que o haviam levado à instituição. As categorias foram:

- Mais de uma internação psiquiátrica (acompanhada ou não de outros tratamentos):

- Uma internação psiquiátrica (acompanhada ou não de outros tratamentos);

- Tratamento psiquiátrico ou psicológico (exceto internações);

- Outros tratamentos (visando lidar com problemas considerados emocionais ou neurológicos);

- Nenhum tratamento.

Aspectos do atendimento da instituição

Tipo de profissional que realizou a avaliação: Referia-se a quem realizou a avaliação e a classificação diagnóstica, bem como prescreveu os procedimentos terapêuticos a serem implementados. As categorias foram:

- Médico psiquiatra;

- Psicólogo;

- Fonoaudióloga;

- Avaliação multiprofissional;

- Outros.

Procedimentos terapêuticos utilizados: Tendo em vista um exame mais minucioso, foram elaborados dois conjuntos de categorias; o primeiro do ponto de vista dos profissionais participantes e o segundo do ponto de vista dos tipos de atendimento mais específicos.

Primeiro conjunto:

- Nenhum procedimento (pacientes em fase de avaliação, reencaminhados, a partir da avaliação, para atendimento fora do ambulatório, que tiveram alta ou abandonaram o atendimento a partir da avaliação e que estavam em fila de espera para tratamento);

- Acompanhamento psiquiátrico com medicação;

- Acompanhamento multiprofissional;

- Outros.

Segundo conjunto:

- Nenhum procedimento;

- Acompanhamento psiquiátrico com medicação;

- Psiquiatria grupal;

-Atendimento com assistente social;

- Outros procedimentos.

Tipo de vinculação ou desligamento do paciente: Etapa de atendimento em que o paciente estava inserido ou o tipo de seu encerramento. As categorias elaboradas foram:

- Em avaliação;

- Em tratamento (quando o paciente estava sendo submetido a procedimentos terapêuticos específicos);

- Reencaminhado a partir da avaliação (quando, a partir da avaliação, o paciente foi encaminhado para atendimento fora da instituição);

- Alta;

- Abandono a partir da avaliação (durante ou ao final da fase de avaliação);

- Abandono durante o tratamento;

- Outros.

Duração do atendimento: Período desde a data de preenchimento da triagem até a de encerramento do atendimento. Foram utilizados, desta forma, apenas os pacientes cujo atendimento havia se encerrado (95 casos). À semelhança do item Duração da problemática, foi determinada sua amplitude de variação, a mediana e os 1º e 3º quartis.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em primeiro lugar, a caracterização da clientela, propriamente dita, mostrou que esta era composta por um maior número de adultos que de menores de 18 anos (57% e 43%, respectivamente), sendo as freqüências de crianças mais jovens, com menos de sete anos, e de adultos mais velhos, com idade a partir de 50 anos, bastante reduzidas (10% e 4%, respectivamente). Observou-se também, dentre os menores de 18 anos, uma freqüência consideravelmente maior de pessoas do sexo masculino (69%). Embora seja pouco provável que tal diferença tenha ocorrido por acaso, não foi possível descobrir nenhuma explicação definitiva para ela. É possível que diferenças nos papéis sociais e nas expectativas nutridas com relação a ambos os sexos sejam as causas de uma maior incidência de distúrbios entre os meninos ou de que seus distúrbios se mostrem de maneira mais evidente. Por outro lado, também é possível que, em função das mesmas diferenças, haja uma preocupação maior e, portanto, uma maior tendência de se encaminhar para tratamento, com relação aos meninos, sendo a incidência do distúrbios semelhante nos dois sexos. Como quer que seja, estas são apenas duas hipóteses dentre as possíveis.

Com relação à procedência, a maioria dos menores de 18 anos (73%) era natural da própria cidade de São Paulo. Os adultos, na maior parte (80%), eram procedentes de outras localidades, principalmente Minas Gerais e estados da região nordeste, sendo que, tomando-se a amostra como um todo, a freqüência dos provenientes de fora da cidade era maior (57%). Tal fato tanto pode ser indício de que a população da região atendida pelo ambulatório era constituída, em maior parte, por migrantes, como de que os migrantes, por dificuldades na adaptação à cidade, apresentavam maior índice de distúrbios.

O nível de escolarização dos pacientes era baixo, a grande maioria não chegando a completar o primeiro grau (91%). Havia indicativos de altos índices de reprovação escolar. Por outro lado, o fato de que a maioria dos menores de 18 anos (62%) estudava evidencia uma preocupação com a escolarização.

Foi encontrada, também, diversificada gama de ocupações entre os pacientes e seus responsáveis. O nível de remuneração da maioria delas parecia ser baixo, uma vez que não envolviam muita especialização, cargos de responsabilidade e grau de instrução elevado. A maior parte dos adultos tinha trabalho remunerado (57%), sendo que os que não o tinham eram, em sua maioria, mulheres voltadas para os afazeres domésticos. Isto revela que as problemáticas apresentadas geralmente não chegavam ao ponto de incapacitar as pessoas para o trabalho, embora pudessem diminuir seu rendimento no mesmo. Por outro lado, a maior parte dos menores de 18 anos não trabalhava (90%), sendo sua principal ocupação a atividade escolar. Dessa forma, embora o nível baixo de rendimentos provavelmente auferido na maioria das ocupações encontradas, e alguns outros indicativos, levassem a crer que o nível sócio económico da clientela fosse, em geral, baixo, o fato do muitos dos menores não trabalharem e de haver uma parcela significativa de mulheres voltadas exclusivamente para o serviço doméstico indicavam que tal nível não era tão baixo a ponto de exigir que as crianças e as mulheres (em uma parte dos casos) trabalhassem fora.

Com relação ao estado civil, ficou clara uma tendência das pessoas de não se casarem cedo, uma vez que nenhum dos menores chegara a se casar e mais da metade dos adultos com menos de 28 anos também não o fizera (57%). Esta constatação contraria uma expectativa, que muitas vezes se tem, de que as pessoas desse tipo de população tendem a casar-se cedo. Há a possibilidade, é claro, de que se casassem mais tarde por causa das problemáticas apresentadas, sendo tal fato restrito à clientela do ambulatório e não abrangendo a população em geral. Entretanto esta hipótese parece menos provável, uma vez que as problemáticas não costumavam chegar a impedir um comportamento social normal. Por outro lado, a maioria dos adultos mais velhos era casada (73%).

Finalmente, no tocante à fonte de encaminhamento, observou-se alta frequência de pessoas encaminhadas, por diversos órgãos de assistência à saúde (61%), sendo os hospitais psiquiátricos a principal fonte de encaminhamento de adultos (22% dos casos). Tais fatos vão ao encontro de duas importantes propostas de funcionamento da saúde mental, quais sejam a integração com a assistência a saúde em âmbito mais amplo e a redução do número de internações psiquiátricas através da assistência ambulatorial. Entretanto, a baixa freqüência de encaminhamentos feitos por leigos da população (10%) e a ausência de iniciativa própria em procurar os serviços da instituição revelam que a população estava pouco informada a respeito dos mesmos, tendo sido observado que sua expectativa, ao chegar ao ambulatório, era, frequentemente, a de encontrar assistência médica nos moldes tradicionais. Tal expectativa, inclusive, constituía-se num dos obstáculos à implantação das novas propostas de atendimento. Muitos pacientes chegavam em busca de uma medicação que resolvesse seus problemas e a constatação de que o tratamento não poderia ser realizado dessa forma podia levar alguns deles até a abandonar o atendimento. Mesmo que isso não ocorresse, era necessário fazer-se um cuidadoso esclarecimento sobre o que era uma problemática emocional ou situacional e sobre as maneiras de se lidar com ela, o que, muitas vezes, o paciente tinha dificuldade em aceitar ou compreender, tornando-se frágil seu vínculo com a instituição.

A caracterização da problemática, conforme identificada pela instituição, indicou, em primeiro lugar, um viés, da parte dos profissionais, no sentido de atribuírem os problemas encontrados predominantemente a fatores intrapessoais. Isto pode ser constatado pelo exame da Figura 1. Observa-se, nessa figura, elevadas frequências nas categorias distúrbio emocional não psicótico e psicose, perfazendo um total de 44% dos pacientes da amostra, sendo que, em tais categorias, a problemática é considerada essencialmente emocional e interna. Além disso, pode-se observar frequências relativamente baixas na categoria problema situacional, que é a que melhor caracteriza a ocorrência de distúrbios devidos a fatores externos. Tal fato estava em desacordo com a proposta de uma visão mais ampla, ventilada com relação aos distúrbios emocionais, que salientava a importância de fatores familiares e sócio-econômicos em tais tipos de distúrbios. Uma provável explicação para tal viés é a de que ele fosse devido a limitações na formação dos profissionais, que estariam mais familiarizados com a visão tradicional de distúrbios internos que com uma visão mais moderna e abrangente. Também se pode observar uma alta freqüência, entre os adultos, de problemas identificados como alcoolismo, predominantemente na clientela masculina, constituindo-se, desta forma, no problema mais frequentemente identificado com relação aos homens que procuravam a instituição. Tal fato demonstra a gravidade deste problema no que se referia à população atendida.

 

 

Constatou-se ampla variação no tocante à duração da problemática, sendo que as durações tendiam a ser longas (cm 75% dos casos eram de, no mínimo, um ano e em 50% deles de, no mínimo, cinco anos). O tipo de problemática estava relacionado não só a sua duração, como a possibilidade de especificar esta duração. Nesse sentido, a categoria alcoolismo estava associada as maiores durações, distúrbio emocional não psicótico à maior parte das durações não especificadas, distúrbio de fala e deficiência mental a casos de pessoas que sempre haviam tido o problema e psicose, distúrbio emocional não psicótico e problema situacional às menores durações. Isto parece indicar, em princípio, que tipos diferentes de problemática, de maneira geral, tendem a Ler durações diferentes. É preciso observar, entretanto, que a identificação da problemática baseava-se, em muitos casos, numa avaliação subjetiva, sendo que o levantamento de sua duração podia influir na identificação de seu tipo. Sendo assim, o mais provável parece ser que, nos casos em que a problemática podia ser identificada de maneira mais objetiva, a primeira explicação seja a correia. Já nos casos em que a identificação era mais subjetiva, a segunda explicação também parece plausível.

Com relação ao histórico de tratamentos anteriores, a maior freqüência era a de indivíduos que nunca haviam realizado tratamento (48%). Havia relação entre tal histórico e a duração da problemática, no sentido de que a freqüência de pessoas que nunca haviam realizado tratamento, entre os de problemática de curta duração4, era maior que tal freqüência entre os de problemática de longa duração (respectivamente 57% e 34%). Constatou-se, ainda, que a maioria das pessoas com problemática de longa duração, que nunca haviam realizado tratamento, era de indivíduos identificados como alcoólatras (23% dentre os 34%), normalmente resistentes à busca de tratamento.

No tocante à caracterização dos aspectos do atendimento, uma primeira constatação foi a de haver tendência excessiva em se atribuir, unicamente, a necessidade de cuidados médicos à clientela adulta. Como se pode perceber pelas figuras 2 e 3 há freqüências extremamente elevadas de avaliações psiquiátricas e acompanhamentos psiquiátricos com uso de medicação como formas exclusivas de avaliação e tratamento para tais indivíduos. Além do mais, as freqüências de avaliações e procedimentos terapêuticos multiprofissionais, empregados com tais pacientes, são bastante baixas. Estes fatos revelam, novamente, uma discordância entre as propostas oficiais de atuação e a prática efetivamente empregada. Dessa forma, embora se propusesse uma visão mais ampla de distúrbio emocional e uma atuação que utilizasse ao máximo os recursos da equipe, com ênfase no atendimento multiprofissional e reduzindo-se ao mínimo o uso de medicação, a prática ainda estava, no tocante aos pacientes adultos, fundamentalmente calcada numa concepção e atendimento tradicionais. Aqui também a explicação mais plausível pareceu ser a de que a formação dos profissionais fosse limitada, no sentido de permitir-lhes uma visão mais ampla dos problemas e a utilização de modelos de atuação alternativos. Além disso, é preciso se levar em conta que, conforme já exposto, havia a expectativa dos pacientes no sentido de receberem tratamento tradicional. Tal fato, provavelmente, exercia uma cena pressão sobre os profissionais para que encaminhassem os pacientes para tal tipo de tratamento. O mesmo não foi observado relativamente ao atendimento prestado à clientela infantil. Neste caso se, por um lado, a concepção dos distúrbios continuava excessivamente vinculada a fatores intrapsíquicos, por outro, o atendimento estava predominantemente associado a práticas multiprofissionais, como se pode constatar nas figuras 2 e 3, o que indicava uma coerência claramente maior com as propostas de atuação. É possível que esta diferença entre o atendimento infantil e o de adultos se devesse às características dos próprios modelos teóricos tradicionalmente utilizados nos trabalhos com crianças e adultos. Em primeiro lugar, mesmo num tratamento tradicional, é bem menos comum o uso de medicação com crianças. Além disso, enquanto que, com relação aos adultos, as visões teóricas mais difundidas enfatizam o papel de fatores internos nos distúrbios emocionais, com relação as crianças existe ênfase em questões do relacionamento familiar e é muito comum a prática de lidar também com os pais no tratamento, o que implica numa estratégia de atuação mais abrangente, favorecendo, assim, a utilização de recursos multiprofissionais. Também é importante mencionar que havia, no atendimento infantil, uma organização dos serviços e integração entre os profissionais melhores que no de adultos, o que possivelmente facilitava a harmonização com as propostas de atuação.

 

 

 

 

Constatou-se, também, um elevado número de abandonos do atendimento, muito maior que o número de altas, como se pode observar na Figura 4. Os abandonos, como também se pode observar nessa figura, ocorriam não só no período de tratamento, como na própria fase de avaliação. E provável que isso deve-se à inadequação do modelo tradicional de atendimento em satisfazer as necessidades de uma clientela como a do ambulatório. É importante mencionar também, a esse respeito, que, além dos profissionais possuírem uma formação limitada no tocante a atendimentos alternativos, sua maioria não possuía habilitação suficiente para realizar atendimentos mais complexos, como, por exemplo, psicoterapia grupal e familiar, o que consiste em mais um fator que comprometia a adequação do atendimento. O fato dos abandonos ocorrerem, com freqüência, na fase de avaliação, parece ser indicativo, ainda, de que as formas tradicionais de atuação implicavam numa dificuldade em estabelecer, já inicialmente, um vínculo satisfatório com a clientela. Uma explicação plausível, para tanto, seria a de que a clientela necessitasse de procedimentos de atuação mais diretivos e com possibilidade de oferecerem alguns resultados mais imediatos (cf. Figueiredo & Schivinger, 1981), o que não era o caso dos procedimentos tradicionais. Apesar do grande número de abandonos, observou-se que estes muito raramente ocorriam em fila de espera para tratamento, contrariamente a uma hipótese inicial de que tal espera, às vezes longa, fosse uma de suas principais causas. Finalmente, foi constatado que a duração do atendimento era, em geral, relativamente curta (em 75% dos casos de no máximo cinco meses). Uma vez que o principal motivo de seu encerramento era o abandono, isto constitui-se em mais um indício de que tal atendimento não atingia a eficiência que seria desejável. Observou-se, ainda, que, com relação a clientela infantil, não só a duração dos atendimentos era maior, como a freqüência de abandonos era menor que no referente aos adultos. Isto leva a crer que, em função da melhor organização de seus trabalhos e da maior coerência dos mesmos com as propostas de atuação, o atendimento infantil apresentava uma maior eficiência.

 

 

De maneira geral, pode-se dizer, portanto, que o atendimento da instituição mostrava-se de acordo com algumas das propostas elaboradas para seu funcionamento e em desacordo com outras. Estava de acordo com a proposta de integração da saúde mental à estrutura mais ampla de assistência à saúde, uma vez que grande parte dos encaminhamentos era feita por órgãos de assistência a saúde. Além disso, também estava de acordo com a proposta de procurar conter as internações através da assistência ambulatorial, uma vez que a principal fonte de encaminhamentos de adultos era os hospitais psiquiátricos. Ainda, no tocante ao atendimento infantil, as altas frequências de avaliações e procedimentos terapêuticos multiprofissionais revelam coerência com a proposta de valer-se ao máximo dos recursos da equipe, principalmente através de ações multiprofissionais. Por outro lado, também observou-se uma tendência excessiva em se atribuir as problemáticas a causas internas, bem como, no caso dos adultos, o emprego predominante de assistência psiquiátrica medicamentosa como forma exclusiva de atuação, o que contrariava a concepção de distúrbio mental e o modo de atuação proposto. É provável que a dificuldade em atingir padrões de eficiência satisfatórios se devesse, em boa medida, a fatores como estes.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

Foi levantada uma série de indícios apontando para o fato de que o atendimento não demonstrava a eficiência desejada, sendo os principais desses indícios o grande número de abandonos e o pequeno número de altas concedidas a pacientes da amostra. As limitações do atendimento foram atribuídas, principalmente, a insuficiências na formação dos profissionais que atendiam, tanto no sentido de carência de uma visão suficientemente ampla das problemáticas e situação de vida dos pacientes atendidos, como no sentido de não possuírem recursos "técnicos que lhes permitissem a implementação de procedimentos de atuação alternativos, mais condizentes com os problemas que se lhes apresentavam. Além de não possuírem recursos para a utilização de tais tipos de procedimentos, a maioria dos profissionais não possuía habilitação suficiente para a adequada condução de formas de atendimento mais complexas. Entretanto, é preciso se levar em conta que o modelo de atendimento proposto pelos órgãos oficiais era inovador, encontrando-se nas fases iniciais de implementação, sendo normal que os profissionais apresentassem dificuldades em se adaptar perfeitamente a ele. É necessário tempo para que uma nova visão e uma nova estratégia de atuação sejam plenamente assimiladas pelos profissionais, ainda condicionados, apesar de seus esforços, a um tipo de atitude mais conservadora. Há que se considerar, ainda, que os recursos oferecidos no sentido de facilitar tal assimilação, como supervisões e cursos de extensão eram bastante limitados, o que contribuía para a demora no redimensionamento dos serviços de assistência. Um outro ponto a considerar é que havia pressões político-administrativas no sentido de priorizar o aspecto quantitativo do atendimento, o que consistia em mais um obstáculo à melhoria da qualidade dos serviços, além do fato de que havia pressão da própria clientela no sentido de receber assistência médica nos moldes tradicionais, o que dificultava ainda mais a implantação de um novo modelo de atuação. Finalmente, é preciso levar-se em consideração que muitos dos problemas apresentados pela clientela extrapolavam o nível de atuação do ambulatório, estando ligados, sobretudo, a questões de ordem político-social mais ampla.

Como se pode perceber pelo exposto acima, havia uma série de fatores que, independentemente da capacidade individual dos profissionais, dificultavam a utilização de novas propostas assistenciais. Aliás, as próprias propostas apresentavam certas limitações que comprometiam a eficiência do atendimento. Embora tais propostas tivessem o mérito de transcender uma visão estritamente médica, passando a abranger uma concepção de cunho psicológico e procurando chamar a atenção para fatores sócio-econômicos envolvidos nos distúrbios apresentados pela população, ainda estavam associadas a uma atuação a nível predominantemente individual e em moldes tais que não se adaptavam facilmente a população atendida. Isto é claramente exemplificado pelo fato de ter-se proposto a psicoterapia como uma das modalidades fundamentais de atendimento. Embora, indubitavelmente, isto consista num aperfeiçoamento, dentro de uma prática que utilizava quase que exclusivamente recursos módicos, não se pode deixar de levar em conta que se trata, ainda, de uma modalidade de atuação focalizada no nível individual, que exige muita mão de obra em sua utilização e, nos seus moldes tradicionais, não é adequada ao trabalho com certos estratos sócio-econômicos bastante amplos da população. Sua prática, adotada em âmbito da saúde mental no serviço público, vem sendo, inclusive, questionada há vários anos em países onde sua utilização generalizada é mais antiga Hersch, (1968). Sendo assim, embora as novas propostas constituam um passo importante no que se refere à modernização e maior eficiência dos serviços de assistência, parece necessário que se apresentem propostas ainda mais inovadoras, que direcionem efetivamente a atuação para o âmbito comunitário, de modo a lidar concretamente com fatores sócio-culturais, como é o caso das propostas e estratégias de intervenção utilizadas por diversos autores já citados neste trabalho (Abreu, (1987); Arcara (1984); Arcaro (1985); Carvalho (1985); CEAF Centro de Estudos de Assistência à Família (1984); Cowen & Col. (1971); Figueiredo & Schivinger (1981); Hersch (1968); Kelly (1966); Kelly et al. (1977); King (1978); Landin & Lemgruber (1980); Mejias (1987); Reiff, (1966); Ryan (1971); Sampaio (1981); Silva, (1988); Smith & Hobbs (1966); Tanabe (1982); Winge & D'Ávila Neto (1976); Wolcon et al. (1982). Além do mais, para que se possa lidar de maneira mais efetiva com os problemas de saúde mental da população, parece clara a necessidade de as intervenções não se restringirem estritamente a esta área de atuação, devendo necessariamente estar envolvidas em ações de cunho social e político mais amplo, pois não se pode esperar que as pessoas sejam sãs em um ambiente físico e social com condições muito adversas.

Um último ponto a considerar diz respeito ao procedimento de análise utilizado. Parece ao autor que as contribuições deste trabalho não se restringem às informações obtidas através de seus resultados e às questões levantadas a partir da análise dos mesmos, mas o próprio procedimento de categorização pode constituir-se numa contribuição de alguma relevância para a área. Isto porque, além de permitir o levantamento de dados que parecem bastante significativos para a caracterização da população e para o entendimento de como funciona o sistema de atendimento da instituição, está elaborado de forma a permitir sua utilização em qualquer órgão assistencial que utilize prontuários semelhantes. Dessa forma, possibilita a eventual verificação de em que medida os dados obtidos são generalizáveis ou apresentam diferenças significativas em diversos tipos de instituição e junto a diversas populações. Além do mais, trata-se de um procedimento de utilização relativamente fácil e rápida, não exigindo muito tempo ou qualquer habilitação especial em sua utilização, além de envolver operações estritamente objetivas, o que permite que tal utilização seja feita por uma só pessoa, sem a necessidade de qualquer teste de fidedignidade.

Em suma, as informações obtidas através da presente investigação, parecem permitir, em conformidade com suas propostas iniciais, uma melhor visualização tanto da população atendida como do funcionamento da instituição, podendo abrir caminho para pesquisas mais pormenorizadas a respeito de questões que foram tratadas de maneira mais genérica ou hipóteses que foram levantadas no decorrer do processo de análise. Investigações como esta parecem importantes no sentido de abrir possibilidades de mudança para o aperfeiçoamento do tipo de atendimento em questão.

Agradecimento

O autor deseja registrar seus agradecimentos à Drª Nilce Pinheiro Mejias por seu auxílio na elaboração deste relato e por ter orientado a realização do projeto de pesquisa a que ele se refere.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Este grupo destinava-se a pacientes com quadros mais agudos, para os quais a psicoterapia não se adequava, sendo realizado sob a condução de terapeuta ocupacional.
2 Como o atendimento dos ambulatórios respeitava critérios de regionalização, quando um indivíduo da região coberta pelo ambulatório procurava o ambulatório de outra região, era reencaminhado para o primeiro.
3 Os termos e expressões em negrito consistem em códigos da "Classificação Internacional de Doenças" São Paulo (Estado). Secretaria da Saúde. (1979).
4 Para efeito desta análise, a duração da problemática foi dividida em duas categorias problemática de curta duração (duração inferior ou igual a mediana das durações) e problemática de longa duração (igual ou superior à mediana).