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Revista Brasileira de Orientação Profissional
On-line version ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.4 no.1-2 São Paulo Dec. 2003
ARTIGOS
Maturidade vocacional e gênero: adaptação e uso do inventário brasileiro de desenvolvimento profissional
Vocational maturity and gender: adaptation and use of the brazilian professional development inventory
Madurez vocacional y género: adaptación y uso del inventario brasileño de desarrollo profesional
Carmem Regina Poli Sayão LobatoI * 1 2; Sílvia Helena KollerII **
I Universidade de Passo Fundo / Passo Fundo – RS
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Porto Alegre – RS
RESUMO
O objetivo deste estudo foi investigar a maturidade vocacional de estudantes do Ensino Médio, em função do gênero e do sexo. Noventa e oito indivíduos (50 mulheres e 48 homens), entre 17 e 19 anos responderam ao Inventário Brasileiro de Desenvolvimento Profissional (IBDP), adaptado para uso no Brasil e que avalia a maturidade vocacional e ao Bem Sex Role Inventory, que avalia o gênero. Uma ANOVA revelou que há diferenças de sexo [F(1,97)=4,065; p<0,02] e de gênero [F(2,96)=5,024; p<0,03] na maturidade vocacional. Mulheres buscam mais informações sobre o mundo do trabalho do que os homens que, em contrapartida, planejam melhor suas carreiras. O planejamento da carreira, neste grupo, faz-se de acordo com os papéis sociais: masculino ou feminino. Os resultados revelam, ainda, que o Inventário de Desenvolvimento Profissional adaptado pode ser considerado um instrumento confiável para ser utilizado em pesquisa, para o planejamento e avaliação de orientação vocacional individual e grupal.
Palavras-chave: Orientação vocacional, Maturidade vocacional, Gênero, Instrumentos de medida.
ABSTRACT
The aim of the study was to investigate the vocational maturity, among high school students, considering the gender and sex. Ninety-eight individuals (50 females and 48 males), aged seventeen to nineteen years old, answered the Brazilian Professional Development Inventory (BPDI), adapted to Brazil, to measure their vocational maturity, and the Bem Sex Role Inventory to assess their gender. An ANOVA revealed sex differences [F(1,97)=4,065; p<0,02], and gender differences [F(2,96)=5,02; p<0,03] in the vocational maturity. Women search for more information about the working world, but on the other hand, men plan their career better. Planning a career in this group has something to do with social masculine and feminine roles. The results also showed that the adapted BPDI may be considered a reliable instrument to be used in research, for the planning and assessment of individual and grouping vocational orientation.
Keywords: Vocational counseling, Vocational maturity, Gender, Measurement.
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue investigar la madurez vocacional de estudiantes de la Enseñanza Media, en función del género y del sexo. Noventa y ocho individuos (50 mujeres y 48 hombres), entre 17 y 19 años, respondieron al Inventario Brasileño de Desarrollo Profesional (IBDP), adaptado para uso en Brasil que evalúa la madurez vocacional y al Bem Sex Role Inventory, que evalúa el género. Una ANOVA reveló que hay diferencias de sexo [F(1,97)=4,065; p<0,02] y de género [F(2,96)=5,024; p<0,03] en la madurez vocacional. Las mujeres buscan más informaciones sobre el mundo del trabajo que los hombres que, en contrapartida, planean mejor sus carreras. La planificación de la carrera, en este grupo, se hace de acuerdo con los papeles sociales masculino o femenino. Los resultados revelan, aun, que el Inventario de Desarrollo Profesional adaptado se puede considerar un instrumento confiable para ser utilizado en investigación, para la planificación y evaluación de orientación vocacional individual y grupal.
Palabras clave: Orientación vocacional, Madurez vocacional, Género, Instrumentos de medida.
O tema da orientação vocacional reveste-se de importância no mundo atual, visto que, cada vez mais cedo, os jovens ingressam no mercado de trabalho e/ou no mundo universitário, escolhendo seu futuro profissional. Conforme afirma Lassance (1987), a escolha profissional é uma decisão difícil, acentuada pela valorização e idealização de tantos modelos profissionais veiculados na mídia e de estereótipos profissionais, que determinam divisões e hierarquias entre etnias, sexos, gêneros e padrões socioeconômicos.
Escolher o que queremos ser no futuro implica reconhecer quem fomos, quem somos e que influências sofremos desde a mais tenra infância. O que esperamos para o futuro está carregado de afetos, esperanças, medos e inseguranças, não somente da própria pessoa, mas, também, daqueles que os rodeiam, tais como os pais, avós, irmãos, professores, etc. Construir um projeto profissional é decidir com que problemas e desafios concretos queremos nos defrontar diariamente (Maciel, Fumagalli & Lassance, 1994).
A realização profissional capacita-nos como adultos, cumprindo as tarefas desta faixa de idade e tornando-nos membros ativos e produtivos na sociedade, capazes de gerar bens, sustentarmos nossos dependentes e participarmos ativamente da sociedade. É através do trabalho que colocamos em prática o que temos de melhor e de mais criativo. Idealmente, é pelo trabalho que podemos estar próximo dos outros seres humanos e, pela interação, aprendermos cada vez mais sobre nós mesmos e ensinarmos sobre os outros. O compromisso com o trabalho é nosso principal elo com a realidade socioeconômica e a nossa segunda fonte de identificação. Quando nos apresentamos a alguém, por exemplo, em primeiro lugar falamos nosso nome e, em seguida, mencionamos nossas atividades. O tipo e o status do trabalho, para muitos, representam a qualidade pessoal do indivíduo. A vinculação destes aspectos está, também, profundamente ligada aos estereótipos sociais relacionados aos papéis sexuais e às expectativas com relação a eles. Tendo presente a importância desses aspectos na vida de um indivíduo e por se saber que a identidade de gênero influencia sobremaneira na sua resposta às expectativas sociais de ser humano, este estudo teve por objetivo verificar diferenças entre adolescentes (estudantes de terceiro ano do Ensino Médio) quanto à maturidade vocacional e ao gênero. Para tal, foram aplicados dois instrumentos, por meios dos quais se mediram aspectos afetivos e cognitivos dos primeiros estágios do desenvolvimento vocacional, principalmente dos períodos exploratório e o de estabelecimento. O primeiro instrumento baseou-se no IDP - L’Inventaire de Développement Professionnel (Dupont & Marceau, 1982), que é uma adaptação do CDI – Career Development Inventory, (Thompson, Lindeman, Super, Jordaan & Myers, 1981), tendo sido adaptado para uso no Brasil nos aspectos relativos à cultura e ao sistema educacional. Para avaliação de gênero, utilizou-se o BSRI – Bem Sex Role Inventory (1974, 1977), adaptado por Oliveira (1983), revisado e readaptado por Hutz & Koller (1992).
Este estudo apresenta um instrumento para avaliar o estágio em que se encontram as pessoas que procuram orientação profissional e, também, através dos dados obtidos quando de sua aplicação, obter informações para pesquisar e planejar processos de orientação, bem como a planificação de carreira. Associados a esses dados, buscamos também averiguar se haveria diferenças em relação ao gênero e à maturidade vocacional.
A preocupação com questões vocacionais e de orientação profissional há muito tempo estão presentes na literatura psicológica. A partir da década de 50, estas questões têm sido tratadas sob um enfoque evolutivo. Em 1957, Super definiu desenvolvimento vocacional como um processo de crescimento e aprendizagem, que resulta no aumento e na modificação do repertório pessoal de comportamentos vocacionais. Vários estudos realizados (Ginzberg, Ginsburg, Axelrad & Herma, 1951; Super, 1957; Super, Starishevsky, Matlin & Jordaan, 1963) sustentam que o desenvolvimento vocacional é um processo que se constrói durante todo o ciclo vital.
Desde 1933, Buehler (citado por Super, 1957), em um dos primeiros trabalhos a enfocar o desenvolvimento vocacional como uma seqüência de estágios no ciclo vital, preocupou-se em identificar a natureza das tarefas tipicamente encontradas em cada um deles. Super e colaboradores (1957) redefiniram as idéias de Buehler nos cinco estágios que se seguem:
Embora definido em termos cronológicos, o desenvolvimento vocacional não pode ser confundido com o amadurecimento físico. A maturidade para a escolha profissional não se acha, na verdade, vinculada à idade, mas à necessidade de tomar um determinado tipo de decisão. Para fazer uma escolha profissional aproximada aos interesses e ao seu nível de escolaridade, o indivíduo deve ter acumulado informações relativas ao seu meio e a si mesmo para, depois, elaborar uma representação organizada das ocupações e de si próprio, a que Pelletier, Noiseux e Bujold (1982), chamaram de cristalização.
Super e colaboradores (1963) incrementaram a teoria de desenvolvimento vocacional Buehler, de 1933, incluindo a variável autoconceito. Sugerem que, “quando um indivíduo expressa sua preferência vocacional, está colocando em termos ocupacionais o tipo de pessoa que pensa ser. Assumindo determinada profissão, ele busca atualizar seu autoconceito. Portanto, a ocupação torna possível ao indivíduo desenvolver um papel apropriado ao conceito que tem de si mesmo” (p. 1). Super e colaboradores enfatizam a importância de identificar os processos através dos quais o autoconceito (AC) estrutura-se, pois é através de sua implementação, quando o indivíduo ingressa no mundo do trabalho, que pode ocorrer um ajustamento vocacional. O processo de formação do autoconceito começa na infância relacionado ao desenvolvimento do senso de identidade, que lhe permite ver a si próprio como pessoa distinta e, ao mesmo tempo, semelhante a outras pessoas. O processo de tradução do autoconceito em termos ocupacionais ocorre mediante identificações com modelos de adultos ou, ainda, experimentando papéis nos quais é aprendido que determinados atributos são convenientes a determinadas ocupações (Super, 1969, citado por Pelletier, Noiseux & Bujolds, 1982). O processo de implementação ou realização do autoconceito é o resultado de todos os processos anteriormente descritos, ocorrendo quando o indivíduo ingressa no mundo do trabalho.
No entanto, antes que o indivíduo esteja pronto para se inserir no mercado de trabalho, ou mesmo de definir uma escolha profissional, deve apresentar um período de busca e planejamento que antecipe a tomada de decisão tão importante para o seu futuro. Estas tarefas ocorrem, em geral ma adolescência, que tem sido qualificado como um período exploratório do desenvolvimento vocacional. Para Jordaan (1963), o comportamento exploratório pode ocorrer em qualquer estágio de vida e, principalmente, durante os períodos que antecedem à entrada em um novo estágio, caracterizando-se como miniciclos. Surge, também, quando ocorrem mudanças em nível biológico, social ou ocupacional em um indivíduo. O autor define o comportamento exploratório vocacional como:
“Atividades mentais ou físicas, empreendidas com o maior ou menor propósito consciente, ou expectativa de prover informações sobre o próprio sujeito ou ambiente, ou de verificar ou encontrar uma base para conclusões ou hipóteses que auxiliem a escolher, preparar, assumir, ajustar- se ou progredir numa ocupação”. (p. 59)
Tendo a adolescência como um período essencialmente exploratório, seguido por um período no qual uma relação afetiva estável e uma carreira são as maiores preocupações, o estudo longitudinal Career Pattern Study (Estudo de Padrões de Carreira) de Super (1955) focalizou a questão da prontidão do jovem em tomar as decisões de carreira que a escola, as famílias e os empregadores esperavam que eles fizessem. Dessa forma, nasceram os termos maturidade vocacional ou estrutura de carreira, que são agora termos consagrados na Educação e na Psicologia Vocacional.
Super (1955) havia introduzido o termo maturidade vocacional como a forma de determinar o lugar que a pessoa alcançou em um continuum do desenvolvimento vocacional. O momento e a maneira como o indivíduo se desincumbe das tarefas evolutivas revelam sua maturidade vocacional. Se o desenvolvimento vocacional ocorre em continuum e a maturidade vocacional é um ponto nesse continuum, isso demonstra a importância da dimensão na qual o desenvolvimento vocacional toma lugar e no qual a maturidade vocacional é medida. Super e colaboradores (1995) definiram a maturidade vocacional recentemente, compreendendo-a como “um construto psicossocial, que denota o grau de desenvolvimento vocacional de um indivíduo, ao longo de um continuum dos estágios e sub-estágios, do crescimento até a retirada”. (p. 124)
Em 1980, Super procurou expandir o termo carreira, originalmente usado para referir-se à seqüência de trabalho relacionada à vida de uma pessoa, incluindo “a combinação e a seqüência de papéis vividos pela pessoa durante sua vida” (p. 282). Sugeriu, ainda, que cada decisão ocupacional deveria sempre ser considerada em referência ao passado e ao futuro. A noção de pré-requisitos evolutivos já estava presente no construto de maturidade vocacional, essencial para Super (1977, p. 294), como “uma prontidão para arcar com as tarefas evolutivas de um estágio de vida, para tomar decisões profissionais requeridas socialmente, e arcar apropriadamente com as tarefas pelas quais a sociedade confronta o jovem e o adulto”.
Todos estes aspectos relacionados com a escolha de uma carreira e o desenvolvimento da maturidade vocacional ocorrem impregnados da cultura na qual o indivíduo se desenvolve. Uma das questões mais importantes nestas tarefas são aquelas relacionadas ao gênero do indivíduo. Segundo Lassance (1995), lidar com a questão de gênero implica entrecruzar categorias naturais como sexo, raça e geração com categorias impregnadas de significados políticos, ideológicos e culturais, inevitavelmente distribuídos em termos de hierarquias, privilégios e desigualdades. De acordo com Lassance & Magalhães (1997), a aquisição da identidade de gênero origina-se na questão diferenciadora entre os sexos masculino e feminino.
O termo identidade de gênero refere-se à possibilidade de coexistir masculinidade e feminilidade no desempenho de papéis sociais em um indivíduo, significando que ambas as dimensões são encontradas em todas as pessoas, mas em formas e em graus diferentes. Segundo Mussen, Conger, Kagan & Huston (1995), as qualidades masculinas ou femininas não são mutuamente exclusivas. Uma mulher pode adorar cozinhar e ainda se interessar por consertos de carros. Um homem pode ser tanto independente, quanto sensível. Em cada caso, a identidade com o gênero básico da pessoa como feminino e masculino permanece sólida. Um homem ou uma mulher que combina qualidades psicológicas femininas com atributos masculinos é descrito psicologicamente como andrógina (Bem, 1974). O andrógino enfrenta o cotidiano social, suas regras e normas com maior fluidez e segurança, libertando-se de estereótipos e demonstrando maior flexibilidade quanto aos papéis sexuais e às questões morais (Bem, 1977; Oliveira, 1983; Spence, Helmreich & Stapp, 1975).
Entre diversos estudos realizados para analisar a psicologia do gênero (Bem, 1974; Koller, Vinas & Biaggio, 1992; Strey, Blanco, Wendling, Ruwer & Borges, 1997), os estudos de Bem (1974, 1977) trouxeram várias contribuições, como a introdução de novas categorias de gênero (tipificados, andróginos e indiferenciados) e evidências empíricas de que masculinidade e feminilidade não são construtos unidimensionais e bipolares. Recente revisão da literatura sobre Psicologia do gênero define esta variável como atribuição psicológica, social e cultural dada ao indivíduo, enquanto homem ou mulher. Nestes estudos, o instrumento comumente utilizado para aferir papel sexual foi o BSRI (Bem Sex-Role Inventory), desenvolvido por Bem (1974, 1977). Este instrumento, readaptado por Koller & Hutz, em 1992, passou a apresentar uma nova lista de adjetivos para compor três subescalas: masculinidade, feminilidade e neutra, que servem para avaliar gênero, representando as estereotipias culturais de ambos.
Nossa cultura e muitas outras definem uma série de interesses, atributos pessoais e comportamentos como “femininos” ou “masculinos”. O processo de tipificação sexual descreve as maneiras nas quais o gênero biológico e suas associações culturais são incorporados nas autopercepções e no comportamento da criança. A variável psicológica ‘gênero’ refere-se às características que o indivíduo desenvolve e internaliza em resposta às expectativas sociais com relação a ele e ao seu sexo biológico. Não explica apenas que as diferenças se dão porque homens e mulheres são diferentes, ou porque a diferença entre os indivíduos é o sexo. Esta variável pode ser um preditor de comportamento mais importante do que a variável psicológica (Unger, 1979).
A identidade profissional pode ser definida como a organização particular que uma pessoa faz de seus autoconceitos, composta de elementos centrais ou vitais, constituindo-se uma organização mutável, em função da dinamicidade das relações entre o indivíduo e a cultura. A tradução do autoconceito em termos vocacionais depende muito mais do modo como o indivíduo interpreta suas características, inclusive gênero, e as das profissões que conhece, do que as características que possam realmente ter tais ocupações (Lassance, 1995). Sendo o trabalho o conjunto de expectativas de papel por parte da sociedade, a “identidade profissional” seria, então, a “autopercepção, ao longo do tempo, em termos de papéis ocupacionais” (Bohoslavsky, 1977, p.55).
Sabe-se, hoje, que a mulher insere-se no mercado de trabalho e no ensino de forma cada vez mais significativa, talvez produzindo novos códigos interpretativos relativos à identidade de gênero. Entretanto, Lassance, em outro estudo de 1994, relata que as mulheres pesquisadas continuam a relatar o mesmo formato de integração ao social, ‘dando conta de tudo’, mas sempre privilegiando a esfera doméstica. O diferencial foi a percepção que estas mulheres tinham de estar colocando o feminino num universo masculino.
Os estudos de Bem (1974, 1977) são referenciais para a teoria e a pesquisa sobre gênero. Em seu estudo, os indivíduos são classificados segundo três alternativas de papel sexual: andrógino, tipificado e indiferenciado. Os sujeitos tipificados e andróginos diferem quanto as suas crenças na factibilidade dos estereótipos de gênero. Sujeitos não tipificados sexualmente podem se descrever como assertivos ou sentimentais, sem que isto implique em conceitos de masculinidade e feminilidade.
O indivíduo andrógino desconsidera a dicotomia masculino-feminino ao processar informações, sendo que a realidade não lhe aparece compartimentada em termos de gênero. Em vista desta flexibilidade, o papel sexual andrógino tem se mostrado mais adaptativo no contexto da sociedade moderna (Bem, 1974; Magalhães & Koller, 1994), pois teria mais facilidade de colocar-se no lugar do outro. Androginia seria, portanto, um amálgama da masculinidade e feminilidade (Koller, 1990).
Tendo em vista o desenvolvimento da maturidade vocacional e a importância deste aspecto na realidade de indivíduos adolescentes, este estudo visa a investigar a maturidade vocacional de estudantes do Ensino Médio, levando em conta os aspectos contemporaneamente enfatizados com relação ao gênero e ao sexo. Associado a esse objetivo, o estudo apresenta um instrumento para uso no Brasil criado a partir de outros instrumentos utilizados internacionalmente com populações de culturas e idiomas inglês e francês.
MÉTODO
Participantes
Participaram dessa pesquisa 98 estudantes da terceira série do Ensino Médio, sendo quarenta e oito do sexo masculino e cinqüenta do sexo feminino, de escolas públicas e particulares, da cidade de Passo Fundo/RS, com idades entre dezessete e dezenove anos.
Instrumentos e procedimentos
Para este estudo foi criado o Inventário Brasileiro de Desenvolvimento Profissional – IBDP (Anexo 1), versão brasileira adaptada do L’Inventaire de Développement Professionnel (IDP, Dupont & Marceau, 1982) organizada para uso no Canadá. Esse inventário foi construído com base no Career Development Inventory, criado inicialmente para uso nos Estados Unidos (CDI, Thompson, Lindeman, Super, Jordaan & Myers, 1981). O objetivo deste instrumento é avaliar a maturidade vocacional. Como as diferenças entre os aspectos relativos à cultura e ao sistema educacional são importantes entre estes países e o Brasil, a versão brasileira foi criada levando em conta a realidade da cultura e do sistema educacional e de ensino brasileiro.
O IBDP é composto de uma escala total (ABCD) que é a soma das quatro subescalas seguintes de avaliação do desenvolvimento profissional: Planificação (A), Exploração (B), Tomada de Decisão (C), Informação (D). Além destes cinco escores, são gerados outros dois escores compostos, um deles de Atitudes (AB), somando os escores das subescalas de Planificação (A), Exploração (B), e o outro de Conhecimentos e Habilidades (CD), somando os escores das subescalas Tomada de Decisão (C) e Informação (D). As duas primeiras subescalas (subescala A e B, com 23 e 22 itens respectivamente) são atitudinais e se constituem numa medida da qualidade das atitudes exploratórias. As duas últimas (subescala C e D, com 17 e 23 itens respectivamente) avaliam aspectos cognitivos e a habilidade para aplicar os princípios da tomada de decisão, a tomada de consciência da carreira e o conhecimento das profissões na escolha vocacional.
Para avaliar a variável gênero foi utilizado o Bem Sex Role Inventory – BSRI (Bem, 1974, 1977). Este instrumento foi adaptado para o Brasil por Oliveira (1983) e readaptado por Koller & Hutz (1992), consistindo numa lista de sessenta adjetivos, sendo que vinte compõem a escala masculina, outros vinte a escala feminina e os vinte restantes a escala neutra. O gênero é definido através dos escores obtidos e classificados de acordo com regras pré-estabelecidas (ver Koller, 1990 e Koller & Hutz, 1992, para maiores detalhes). Ambos os instrumentos foram aplicados em sessões grupais nas escolas de origem dos participantes, mediante consentimento livre e esclarecido sobre os objetivos da pesquisa.
Resultados e Discussão
Os resultados obtidos na amostra brasileira com o IBDP foram, inicialmente, avaliados por uma análise de correlação linear de Pearson, para comparar os dados obtidos com a escala da versão utilizada no Canadá (IDP). Os resultados das escalas originais do IDP foram obtidos através de uma simulação linear com os resultados das escalas do IBDP. A Tabela 1 apresenta as correlações entre ambas as escalas. Os valores encontrados na correlação entre as escalas originais e as subescalas adaptadas, Planificação (A), Exploração (B), Tomada de Decisão (C), Informação (D), composta Atitudes (AB) e Total (ABCD) foram de r= 1,00 e para a composta Conhecimentos e Habilidades (CD) foi de r= 0,99. Estes valores representam, portanto, correlações perfeitas e positivas, demonstrando o quão estreitamente as escalas originais e adaptadas são relacionadas.
Tabela 1
Correlação Linear Simples entre as Escalas do IDP original (A, B, C, D, AB,CD, ABCD) e as Escalas do IBDP – Versão Brasileira (AW, BW, CW, DW, ABW,CDW,ABCDW)*
* Planificação (A; AW), Exploração (B; BW), Tomada de decisão (C, CW), Informação D, DW), composta Atitudes (AB, ABW), composta Conhecimentos e Habilidades (CD, CDW) e Total (ABCD, ABCDW)
A Tabela 2 apresenta os resultados da análise estatística descritiva das escalas do IBDP. Nas subescalas Planificação e Exploração, os valores das respostas poderiam variar de um a cinco pontos, perfazendo totais máximos de cento e quinze pontos para a Escala Planificação e de cento e dez para a Escala Exploração. A subescala Planificação (X= 66,48; DP= 15,46) e a subescala Exploração (X= 65,36; DP= 12,72) apresentaram respostas homogêneas, indicando que os jovens apresentam comportamento exploratório e de planificação semelhante entre eles. Este resultado confirma que a fase de exploração ocorreu, conforme postulado teoricamente, nesta faixa etária, ou seja, desde a adolescência (quatorze anos) até o início da vida adulta (vinte e quatro anos). Neste estágio, os indivíduos deparam-se com as tarefas evolutivas de cristalização, especificação e implementação de uma escolha ocupacional. Super e colaboradores (1963) também concentraram sua pesquisa neste estágio, fixando sua atenção mais especificamente na forma como os indivíduos, crescem em prontidão para fazer escolhas vocacionais. Estes resultados confirmam que, nesta amostra, é também nesse estágio que os indivíduos, através da exploração das ocupações, completam a tarefa de especificar uma opção ocupacional, traduzindo seu autoconceito em escolhas vocacionais. As tarefas relacionadas ao estágio exploratório do desenvolvimento vocacional, segundo Super e colaboradores (1963), envolvem a cristalização e a especificação de uma preferência vocacional, que são tarefas evolutivas tipicamente encontradas desde o início até o final da adolescência.
Tabela 2
Estatística Descritiva do Inventário Brasileiro de Desenvolvimento Profissional (N = 98)
O mesmo ocorreu em relação às subescalas Tomada de Decisão (X= 8,27; DP= 2,34) e Informação (X= 12,3; DP= 3,81), nas quais os valores das respostas variavam de zero a um, perfazendo totais máximos de quinze pontos para a Escala Tomadade Decisão e de dezessete pontos para a Escala Informação. Nas respostas às subescalas, os participantes responderam de forma homogênea aos problemas de orientação que são apresentados, demonstrando que para fazer uma escolha profissional aproximada aos interesses e ao nível de sua escolaridade, o jovem deve ter acumulado informações relativas ao seu meio e a si mesmo para, depois, elaborar uma representação organizada das ocupações e de sua própria pessoa, o que corresponderia a fase de especificação. A especificação de uma preferência vocacional ocorre no período que vai da metade até o final da adolescência. É esperado, aqui, que o jovem transforme sua escolha geral em uma escolha específica, comprometendo-se a ingressar no estágio seguinte, num programa educacional, ou num trabalho inicial, como porta de entrada para o campo escolhido (Super e colaboradores, 1957).
A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva do IBDP estratificada por gênero. Os resultados mostram que os andróginos (X= 60,73; DP= 18,2) responderam à Escala Planificação de forma mais heterogênea dos que os indiferenciados (X= 64,46; DP= 13,7) e tipificados (X= 68, 37; DP= 15,7), o que não ocorreu nas outras três subescalas (Exploração, Tomada de Decisão e Informação). Isto se confirma no somatório dos escores compostos pela subescala de Planificação e Informação (Escala Atitude - AB). Como o andrógino desconsidera a dicotomia masculino-feminino ao processar informações, a heterogeneidade nas respostas pode ter ocorrido em função de a subescala Planificação ser uma escala de atitudes. Esta subescala referese aos projetos de carreira que podem ser feitos ou o quanto se está engajado na escolha da carreira, demonstrando que a categoria andrógino planifica de forma diferente sua carreira. A tradução do autoconceito em termos vocacionais, que é realizada nesta fase, depende muito mais do modo como o indivíduo interpreta suas características, inclusive gênero, e as das profissões que conhece, do que as características que possam realmente ter tais ocupações (Lassance, 1995). Isto indica que a categoria andrógino, na amostra pesquisada, interpreta de forma diferente as suas características e as das profissões.
Tabela 3
Estatística Descritiva do Inventário Brasileiro de Desenvolvimento Profissional Estratificada por Gênero (N = 98)
A Tabela 4 apresenta a estatística descritiva do IBDP estratificada por sexo. Os resultados demonstram que os homens apresentaram média superior (X= 69,98; DP=15,97) em relação à subescala Planificação do que as mulheres (X= 63,12; DP=14,31). Isto parece indicar que os homens planejam mais suas carreiras, engajando-se de forma mais ativa na escolha da profissão (Dupont & Marceau, 1982). Em contrapartida, as mulheres obtiveram médias superiores (X= 65,86; DP=13,01) na subescala Exploração. Este dado corrobora a literatura, revelando que as mulheres coletam mais informações sobre as profissões e as utilizam de forma mais adequada, permitindo-lhes maior consciência sobre o mundo do trabalho e menor indecisão em relação às escolhas a serem feitas (Malmberg, 1996). É neste estágio que os indivíduos, através da exploração das ocupações, completam a tarefa de especificar uma opção ocupacional, traduzindo seu autoconceito em escolhas vocacionais. As mulheres, na amostra pesquisada, especificam melhor sua opção ocupacional, demonstrando terem maiores informações sobre si mesmas e sobre as profissões.
Tabela 4
Estatística Descritiva do Inventário Brasileiro de Desenvolvimento Profissional Estratificada por Sexo (N = 98)
A Tabela 5 apresenta os resultados da análise de variância entre a variável maturidade vocacional e gênero. Os resultados revelam diferença significativa entre os gêneros na subescala Informação, F (1,97) = 4,065, p= 0,02, demonstrando que as categorias andrógino (X = 14,33; DP= 2,87), tipificado (X = 11; DP = 4,41) e indiferenciado (X = 12,53; DP = 3,31) buscam informações sobre o mundo do trabalho de forma diferenciada entre si. Em pesquisa realizada em 1993, Strey e colaboradores concluíram que a tarefa feminina de escolher uma profissão está imbricada num plano de vida maior, que inclui constituir família e ter filhos, podendo se contrapor à tarefa de planejar uma carreira. A tarefa masculina é, por sua vez, facilitada, pois além de sobressair-se no mercado de trabalho, a identificação com o modelo masculino pai-profissional permite um maior apoio por parte da família. Como os tipificados mostram uma média bem maior (X = 68,37; DP= 15,7) em relação aos outros gêneros na Escala Planificação, deduz-se que o planejamento da carreira, neste grupo, faz-se de acordo com os papéis sociais masculino ou feminino, estando de acordo com McGoldrick (1995) quando afirma que separação, autonomia e diferenciação foram consideradas características definidoras de maturidade, ligadas ao desenvolvimento masculino. Valores como cuidado, apego, interdependência, relacionamento e atenção ao contexto, características ligadas ao desenvolvimento feminino, foram desvalorizadas como características que afastariam o indivíduo de uma maturidade ideal.
Tabela 5
Resultados da Análise de Variância entre a Variável Maturidade Emocional e Gênero (N = 98; gl = 2,96)
A Tabela 6 apresenta os resultados da análise de variância entre a variável maturidade vocacional e sexo. Os resultados revelam diferença significativa na subescala Planificação, F(2,96)= 5,024, p= 0,02, entre os sexos, indicando que os homens (X= 69,98; DP= 15,97) e mulheres (X= 63,12; DP= 14,31) apresentam planejamento diferenciado para suas carreiras. Isto mostra que as mulheres responderam de forma mais homogênea à escala e obtêm maiores informações sobre a estrutura do mundo do trabalho. Corrobora o que foi analisado, anteriormente, na estatística descritiva por sexo (Tabela 4). Também ocorreu uma diferença significativa na Escala Atitudes, F(1,97) = 3,44; p = 0,04, e isto pode ter ocorrido em função de esta escala ser uma combinação das Escalas Planificação e Exploração, que têm correlação entre elas e estão saturadas de fatores comuns. Isto aumenta a fidelidade das medidas de planificação e exploração de carreira.
Tabela 6
Resultados da Análise de Variância entre a Variável Maturidade Emocional e Sexo (N = 98; gl = 2,96)
Em suma, o Inventário Brasileiro de Desenvolvimento Profissional adaptado, reservando-se outros estudos de validação, configura-se como um instrumento adequado para medir aspectos da maturidade vocacional. O Inventário Brasileiro de Desenvolvimento Profissional foi construído com o objetivo de avaliar maturidade vocacional, através de atitudes, comportamentos e conhecimentos que habilitem a uma pessoa a fazer escolhas escolares e/ou profissionais, de forma sensata. O presente estudo revelou que, na amostra pesquisada, os participantes não estão todos igualmente prontos a fazer suas escolhas. Os homens estão mais interessados em planificar suas carreiras do que as mulheres, enquanto que essas buscam mais informações sobre as profissões e conhecem melhor do que os homens a estrutura do mundo do trabalho (Malmberg, 1996).
O objetivo final de uma orientação vocacional é ajudar o indivíduo a fazer boas escolhas e a tomar boas decisões, evitando-se dificuldades futuras. Em razão disto, a versão adaptada do IBDP, por apresentar resultados como os da Tabela 1, que revela a consistência interna e a correlação positiva entre as escalas do IBDP original e o adaptado, pode ser usada para orientar as pessoas sobre seus objetivos e sobre as condições necessárias para fazer escolhas sensatas. O Inventário de Desenvolvimento Profissional - IBDP busca instrumentalizar o orientador vocacional, visando a otimizar seu trabalho de colaboração não-diretiva, promovendo uma imagem não conflitiva da identidade profissional do jovem.
Embora a teoria de desenvolvimento profissional preveja diferenças mínimas entre os sexos, experiências prévias relatam que as mulheres tendem a ter escores mais altos nas escalas cognitivas do que os homens (Thompson, Lindeman, Super, Jordaan & Myers, 1981). Isto ocorreria porque a função que melhor discrimina homens e mulheres é essencialmente cognitiva. Outros estudos tendem a mostrar os escores dos homens mais altos na escala Planificação de Carreira e das mulheres nas escalas Exploração de Carreira. Neste estudo, isto se confirmou nos escores mais altos apresentados pelas mulheres na escala atitudinal Exploração de Carreira.
Os achados deste estudo demonstraram que o Inventário Brasileiro de Desenvolvimento Profissional é um instrumento confiável para ser utilizada, em associação com outros métodos em avaliação do desenvolvimento da carreira e da maturidade profissional, demonstrando seu valor para a orientação individual, para orientação de grupos e para o planejamento de programas de orientação vocacional. Corroborando os dados do instrumento original (Dupont & Marceau, 1982), o exame dos resultados sobre o IBDP fornece uma informação significativa sobre o plano psicológico das necessidades do indivíduo, em termos de desenvolvimento profissional. Nas avaliações de programas de orientação, o IBDP pode servir de pré-teste e pós-teste, medindo o impacto dos mesmos. Enfim, este estudo buscou trazer algumas contribuições para o trabalho exercido pelos orientadores vocacionais, âmbito de atuação cada vez maior na Psicologia. Entretanto, mais do que apontar conclusões, este estudo abre novas possibilidades e mostra novos caminhos para outras pesquisas, que busquem aprofundar e ampliar os estudos sobre o desenvolvimento vocacional de adolescentes e adultos.
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Recebido: 02/04/2003
Revisado: 30/06/2003
Aceite final: 07/07/2003
1 Endereço para correspondência: Rua Teixeira Soares, 1403 apto 102, CEP: 99010-081 Fone: (0xx54)312-4367. E-mail: carmeml@annex.com.br.
2 Esse estudo faz parte da Dissertação de Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS) da primeira autora, orientada pela segunda autora.
Sobre os autores
* Carmem Regina Poli Sayão Lobato é psicóloga, mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora da Universidade de Passo Fundo. Coordena o Serviço de Orientação Profissional/UPF.
** Sílvia Helena Koller é psicóloga, pesquisadora do CNPq e professora do Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora do Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua (CEP-RUA/UFRGS).