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Revista Brasileira de Orientação Profissional
On-line version ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.7 no.2 São Paulo Dec. 2006
ARTIGOS
Questionário de educação à carreira: propriedades psicométricas da versão brasileira e comparação transcultural1
Career education questionnaire: psychometric properties of the brazilian version and cross-cultural comparison
Cuestionario de educación sobre la carrera: propiedades psicométricas de la versión brasileña y comparación transcultural
Marcos Alencar Abaide BalbinottiI II * 2; Bernard TétreauIII **
I Université de Sherbrooke, Canadá
II Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil
III Université de Montréal, Canadá
RESUMO
O propósito deste estudo é apresentar algumas importantes propriedades métricas da versão brasileira do Questionário de Educação à Carreira e comparar estes resultados com aqueles das versões canadense e espanhola. O estudo com uma amostra de 890 estudantes do Ensino Médio brasileiro (391 masculinos e 499 femininos) serviu para se verificar tais propriedades. Os resultados das análises de itens, correlações inter-escalas e da estrutura fatorial exploratória obtida com esta amostra corroboraram fortemente aqueles obtidos pelas amostras canadense e espanhola. Pesquisas são ainda necessárias a fim de criar normas para utilização clínica desta versão no Brasil.
Palavras-chave: Educação à carreira, Propriedades métricas, Questionário, Adolescentes.
ABSTRACT
The purpose of this study was to present some psychometric properties of the Brazilian version of the Career Education Questionnaire, and to compare the results with those for the Canadian and Spanish versions. The study with a Brazilian sample of 890 high school students (391 male and 499 female) was used to establish the psychometric properties of this version. Results of item analysis, inter-scale correlations, and exploratory factorial structure obtained from that sample strongly corroborated the results obtained from the Quebec and Spanish samples. Future studies are needed to create norms for clinical use of this version in Brazil.
Keywords: Career education, Psychometric properties, Questionnaire, Adolescents.
RESUMEN
El propósito de este estudio es presentar algunas características métricas de la versión brasileña del Cuestionario de Educación sobre la Carrera y comparar estos resultados con los de las versiones canadiense y española. Una muestra brasileña de 890 estudiantes de la enseñanza media (391 varones y 499 mujeres) se utilizó para establecer las características métricas de esta versión del instrumento. Los resultados de los análisis de los ítem, las correlaciones entre las escalas y de la estructura factorial exploratoria obtenida con esta muestra corroboran fuertemente los obtenidos con las muestras de Canadá y España. Aún son necesarios estudios para crear normas para la utilización clínica de esta versión en Brasil.
Palabras clave: Educación sobre la carrera, Propiedades métricas, Cuestionario, Adolescentes.
A falta de preparação dos jovens à vida profissional é uma preocupação em escala mundial (Communauté Économique Européenne, 1991a, 1991b; Herr, 1997; UNESCO, 1993). Por exemplo, no Canadá (notadamente no Québec), diversos estudos (Conseil Supérieur de l’Éducation, 1996, 1999; Deblois & Corriveau, 1994; Gingras, 1995; Hrimech, Théorêt, Hardy & Gariépy, 1993; Ministère de l’Éducation, 1996) apresentam taxas elevadas de abandono, desinteresse, falta de compromisso e atraso (reprovação) escolar, tanto no nível médio quanto no universitário. Segundo Balbinotti e Tétreau (2002), estes problemas contribuem para o agravamento da problemática associada à inserção dos jovens no mundo do trabalho.
Para enfrentar tais problemas, Hoyt (1975, 1987) operacionalizou o conceito “Educação à Carreira”. Identificou certas habilidades (por exemplo, aquelas associadas à capacidade do jovem para encontrar e conservar um emprego), conhecimentos (fundamentalmente aqueles associados ao mundo do trabalho) e atitudes (ligadas ao pensamento e ação, como interesse e iniciativa, entre outras) que acredita serem elementos indispensáveis à Educação dos jovens, notadamente aqueles que visam ingressar no mundo do trabalho. Para este último autor, tais elementos não poderiam ficar de fora de um aconselhamento profissional adequado, e ainda deveriam ser considerados como parte importante na criação dos objetivos associados a esse conceito. Se por um lado, Dupont, Gingras e Gonzalez (1993) acreditam na pertinência desses elementos como indispensáveis à educação à carreira dos jovens, por outro lado, as autoras afirmam que este conceito também se funde nas teorias do desenvolvimento de carreira, notadamente aquela de Super, que sistematizou o estudo das noções de “Autoconceito” (Super, 1957), “Maturidade Vocacional” (Super, Savickas & Super, 1996) e “Valores do Trabalho” (Super & Šverko, 1995).
Para Super e seus colaboradores (Super, 1957; Super e colaboradores, 1996), a carreira é um processo contínuo, que pode ser descrito em termos de uma sucessão de etapas de vida constituídas de tarefas de desenvolvimento que caracterizam cada etapa. O momento ou a maneira pela qual as pessoas exercem essas ações ou tarefas revela, precisamente, sua maturidade profissional; qualidade essencial para a escolha e a adaptação à carreira. Alguns dos principais conceitualizadores de modelos e de programas de educação à carreira (Herr, 1997; Hoyt, 1987; Jesser & Vanier, 1974) inspiraram-se claramente nestas noções de etapas (estados) de vida e tarefas de desenvolvimento para formular objetivos de aprendizagem suscetíveis de favorecer a maturidade profissional de jovens e/ou para elaborar instrumentos e estratégias que permitam avaliá-los e atingi-los.
Efetivamente, vários instrumentos já foram elaborados para se poder avaliar a maturidade profissional, e assim, de uma forma ou de outra, se poder atingir objetivos de aprendizagem previamente propostos. Entre os mais conhecidos mundialmente, pode-se citar o “Career Development Inventory” (CDI) (Super, Thompson, Lindeman, Jordaan & Myers, 1979), o “Career Maturity Inventory” (CMI) (Crites, 1978) e o “Cognitive Vocational Maturity Test” (CVMT) (Westbrook, 1971). Todos já validados, a partir de amostras independentes, e largamente utilizados em vários países e/ou contextos sociais e culturais diferenciados (Dean, 1982; Descombes, Frischknecht, Dupont & Huter, 1977; Dupont & Marceau, 1982; Ferreira & Caeiro, 1981; Kelly & Cobb, 1991; Henry, Bardo & Henry, 1992; Kuhlman-Harrison & Neely, 1980; Landro, 1983; Leong, 1993, 1995a, 1995b; Leong & Brown, 1995; Leong & Hartung, 1997; Mello, 1983; Moreno, 1987; Punch & Sheridan, 1985; Seifert & Eder, 1985; Smallman & Sowa, 1996; Super, 1973, 1977; Super & Thompson, 1979; Super & Zelkowitz, 1974; Tilden, 1976; Watson, Stead & Jager, 1995; Ward, 1982; Westbrook & Mastie, 1973; Westbrook & Sanford, 1991). Entre aqueles de caráter mais local, pode-se destacar o “Inventário de Desenvolvimento Profissional” (IDP) (Dupont & Marceau, 1982), inventário canadense, e a “Escala de Maturidade para a Escolha Profissional” (EMEP) (Neiva, 1999), uma escala brasileira. Embora de caráter mais local, não são menos valorizados por isso, diga-se, são importantes instrumentos de avaliação da maturidade.
Entretanto, estes instrumentos não permitem uma avaliação pontual de alguns elementos específicos associados ao conceito “Educação à Carreira” (conhecimentos, atitudes e habilidades), o que poderia gerar certas dificuldades de ordem teórica e/ou metodológica. Assim, mesmo nos casos específicos dos instrumentos IDP e EMEP, que não sofrem dos possíveis graves problemas originários de traduções e adaptações à população de outros países (pois foram desenvolvidos em seus países de origem), existem, ainda, lacunas pontuais que deveriam ser observadas. Destaca-se aquela no plano da ausência de dimensões específicas tais como “Crenças Relativas ao Trabalho” e “Pesquisa e Conservação do Emprego”, importantes dimensões atitudinais que, em concordância com Balbinotti e Tétreau (2002), não poderiam ser esquecidas, portanto deveriam ser incluídas em instrumentos de educação à carreira.
Aos fins de identificar estratégias de educação e de orientação suscetíveis à melhor responder as necessidades dos jovens e de avaliar aspectos essenciais relativos à sua inserção no mundo do trabalho (“Importância Acordada ao Trabalho”, “Preparação à Carreira” e “Conhecimento do Mundo do Trabalho”) foi que Dupont e Gingras (1990) elaboraram o Questionário de Educação à Carreira (QEC).
Caminho feito pode-se, agora, esclarecer que o objetivo deste estudo é apresentar algumas importantes propriedades métricas da versão brasileira do Questionário de Educação à Carreira (QEC), de Dupont e Gingras (1990), e comparar seus resultados com aqueles das versões canadense (Coallier, 1992; Coallier, Diop & Dupont, 1995; Dupont & Gingras, 1990, 1991a, 1991b; Dupont, Gingras & Marceau, 1991, 1992; Gingras, 1990) e espanhola (Gonzalez, 1992, 1997).
O QEC, de Dupont e Gingras (1990), foi precisamente elaborado como um instrumento de avaliação das necessidades de educação à carreira de alunos do ensino médio, no Québec (Canadá). Os autores acreditam que a “Educação à Carreira” deve conduzir o jovem a um duplo desenvolvimento: aquele de uma significação e de uma valorização do trabalho (e neste sentido as autoras construíram a escala “Sentido e Importância do Trabalho”) e aquele de uma preparação à vida profissional (e nesse sentido as autoras construíram a escala “Preparação à Carreira”, dividida em duas grandes partes: a “Planificação de Carreira” e a “Exploração de Carreira”).
Se a primeira escala é concebida como unitária, diga-se, unidimensional (Coallier, 1992), a segunda comporta seis subescalas (“Passos Efetuados”, “Fatores Considerados”, “Profissão Preferida”, “Pesquisa e Conservação de Emprego”, “Pessoas e Fontes Consultadas” e, por fim, “Atividades Realizadas”). As quatro primeiras sub-escalas compõem uma medida de “Planificação de Carreira”; as duas últimas avaliam a “Exploração de Carreira”. A estas duas escalas (de atitudes e habilidades) inclui-se uma terceira, de viés mais cognitivo, chamada “Conhecimento do Mundo do Trabalho”. Considerando, por um lado, o fato de que esta terceira escala supõe um nível de conhecimento próprio dos alunos canadenses (principalmente quando se leva em conta as experiências típicas da interlocução escola-trabalho) e, por outro lado, considerando que as propriedades métricas das duas primeiras escalas são mais estáveis (e satisfatórias) que as medidas cognitivas, reter-se-á, neste estudo, apenas as duas primeiras escalas, conforme sugestão de Coallier e colaboradores (1995) e das próprias autoras (Dupont & Gingras, 1991a, 1991b).
Os índices das propriedades métricas da versão original foram obtidos com a ajuda de duas amostras independentes de alunos do ensino médio do Québec. A primeira foi constituída de 1022 estudantes de ambos os sexos (Dupont & Gingras, 1991a); a segunda, constituída de 336 estudantes de diversas origens étnicas, também de ambos os sexos (Coallier e colaboradores, 1995). A tradução espanhola contou com a colaboração de 2997 estudantes de ambos os sexos, e de mesmo nível escolar (Gonzalez, 1997) que as amostras do estudo original. Todos estes estudos comprovaram que o QEC possui satisfatórias propriedades métricas gerais.
Mais especificamente, no plano das análises (validade) de construto, Gingras (1990) e Gonzalez (1992) efetuaram análises fatoriais exploratórias com solução em 2 e 7 fatores. Os resultados indicaram a aceitação de um modelo em 2 fatores correspondentes às duas escalas avaliadas, isso tanto no Canadá quanto na Espanha. As análises fatoriais com solução em sete fatores não se mostraram totalmente estáveis, deixando entender que a melhor solução fatorial seria em cinco fatores. Com efeito, as sub-escalas “Fatores Considerados” e “Profissão Preferida”, da escala “Preparação à Carreira”, revelaram-se um único fator; o que foi também o caso das subescalas “Pessoas e Fontes Consultadas” e “Atividades Realizadas”, desta mesma escala.
Mesmo tendo sido observado esse fenômeno, as sete escalas (ou melhor, uma escala e outras seis sub-escalas) estão em correlação apenas moderada entre elas a mediana das correlações apresentada por uma das amostras canadenses é de 0,33 (Dupont & Gingras, 1991a) e a da amostra espanhola é de 0,35 (Gonzalez, 1992) o que revela tratar-se de dimensões relativamente independentes entre si. Considerando este fato, e sabendo das vantagens teóricas que comporta um agrupamento em 7 fatores correspondendo às sete escalas, Gingras (1990), e em seguida Gonzalez (1992), sugeriram manter o agrupamento em sete dimensões ou fatores.
Os coeficientes de consistência interna para as sete dimensões em análise variaram de 0,66 a 0,92 para a versão canadense, e de 0,71 a 0,94 para a versão espanhola. Coeficientes de estabilidade teste-reteste para os dois estudos canadenses foram de 0,68 e de 0,71, obtidos com uma sub-amostra de 60 estudantes, de ambos os sexos (Gingras, 1990). No que concerne à análise de conteúdo, Gingras (1990) a estabeleceu com ajuda de 5 professores (doutores) de reconhecido saber na área em questão. Foi de consenso uníssono que os itens são representativos, adequados e apropriados para avaliar os diferentes aspectos do conceito “Educação à Carreira”. A autora ainda obteve índices satisfatórios de validade concorrente (0,49 a 0,66), no caso das correlações entre os escores do QEC e do CDI.
Segundo manifestação das próprias autoras, pesquisas são ainda necessárias em vista de se poder prosseguir a validação deste promissor instrumento, para poder-se, quem sabe, generalizar sua aplicação a diferentes populações, e em particular à população de adolescentes do Brasil.
MÉTODO
Procedimento
Os sujeitos foram recrutados no enquadramento de uma pesquisa maior e continuada concernente ao desenvolvimento de carreira de adolescentes brasileiros. Apresentou-se a pesquisa aos estudantes de cada classe, convidando todos a participar, mas sublinhando que eles eram livres de não participar, se assim o desejassem. Paralelamente a este procedimento, pediu-se aos responsáveis de dispensar, sem penalidades, os estudantes que não quisessem participar. Nenhum pediu dispensa. Os professores (no papel de responsável) assinaram os consentimentos pelos menores de idades. Os maiores assinaram em próprio punho.
Participantes
A amostra compôs-se de 391 estudantes do sexo masculino (43,9%) e 499 do sexo feminino (56,1%), com idades variando de 14 a 18 anos (M=16,3; DP=1,1), de ensino médio, dos setores público (50,4%) e privado (49,6%), provenientes da capital (53,2%) e do interior (46,8%) do estado do Rio Grande do Sul.
Instrumento
Versão brasileira do QEC. As duas escalas do QEC (Anexo A) utilizadas para esse estudo comportam 96 enunciados (itens) repartidos em sete dimensões. A primeira escala “Sentido e Importância do Trabalho” (22 itens) visa identificar as crenças relativas ao sentido e a importância que o jovem atribui ao trabalho e aos trabalhadores (por exemplo: “trabalhar é um objetivo importante na vida”). A segunda escala “Preparação à Carreira” tem por objetivo suas atitudes de planificação e de exploração relativamente às tarefas de seu desenvolvimento de carreira. Ela é dividida em seis sub-escalas. As quatro primeiras avaliam, precisamente, as tarefas de planificação, isto é: os “Passos Efetuados” (13 itens) para fazer suas escolhas escolares e profissionais (por exemplo: “consultei diferentes fontes de informação para tomar uma decisão referente à minha carreira futura”), os “Fatores Considerados” (17 itens) para efetuar suas escolhas de carreira (por exemplo: “O que é importante para ti no trabalho”), a “Profissão Preferida” (9 itens) ou o tipo de profissão ou emprego que mais lhe interessa (por exemplo: “as tarefas exercidas”) e, finalmente, as competências (ou habilidades) que ele acredita possuir em matéria de “Pesquisa e Conservação de Emprego” (11 itens), tanto no nível dos métodos quanto das técnicas para procurar, encontrar, conseguir e conservar um emprego (por exemplo: “como se apresentar a uma entrevista de emprego”). As duas últimas sub-escalas concernem às tarefas de exploração, isto é, as informações que o jovem obteve junto às “Pessoas e Fontes Consultadas” (11 itens) (por exemplo: “teus pais”) e por meio de “Atividades Realizadas” (13 itens) por ele mesmo (por exemplo: “visitas às empresas ou indústrias”). Para se poder avaliar suas atitudes em relação a estas diferentes dimensões de sua preparação à vida profissional, utiliza-se uma escala de tipo Likert graduada em 4 pontos, indo de “completamente em desacordo” a “completamente de acordo”, ou de “nunca” a “freqüentemente”, ou ainda de “conheço pouquíssimo” a “conheço muitíssimo” e, finalmente, de “pouquíssimo” a “muitíssimo”; segundo cada uma das dimensões específicas. Obtém-se, assim, um escore separado por cada uma das sete dimensões. As autoras não estimulam o uso de um escore total para o conjunto de todas as medidas, entretanto, também sugerem a possibilidade de utilizar-se um escore para cada uma das duas escalas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Procedeu-se com a adaptação brasileira do QEC em conformidade com os princípios propostos por Vallerand (1989). Após a tradução da versão original francesa para o português (Balbinotti, 1998), o instrumento foi retraduzido às cegas do português para o francês por um professor de psicologia brasileiro, poliglota, que viveu mais de dez anos na sociedade canadense (Québec), onde o instrumento original foi elaborado. Comparou-se, em comitê, as duas versões francesas do QEC, a fim de verificar sua equivalência. Para se assegurar da clareza dos itens, um pré-teste foi realizado junto a 65 estudantes do ensino médio, dos dois sexos. Após alguns ajustamentos menores no plano de seu conteúdo, o instrumento pôde ser utilizado com a amostra deste estudo. Procedeu-se com as análises das propriedades métricas do QEC segundo os princípios norteadores aceitos na literatura especializada (Cronbach, 1951; Cronbach & Meehl, 1955; Dassa, 1999; Field, 2005; Guttman, 1954; Nunnally, 1978; Pasquali, 1999, 2003; Pestana & Gageiro, 2003). Os resultados e discussões estão apresentados de forma sistemática e sucessiva: resultados das análises de consistência interna, a matriz de correlação entre as escalas, a estrutura fatorial das versões canadense, espanhola e brasileira do QEC.
Consistência Interna
As correlações item-total obtidas neste estudo (entre 0,12 e 0,69) mostram-se similares àquelas obtidas nos dois estudos canadenses (entre 0,14 e 0,69) e no estudo espanhol (entre 0,18 e 0,74). As pequenas discrepâncias nos valores tornam desnecessária uma explicação mais detalhada (Howard & Forehand, 1962), entretanto, vale salientar o fato de que todas as correlações mostraram-se positivas (independente do estudo) e que a variabilidade encontrada entre os índices correlacionais é extremamente próxima. Pode-se interpretar esses resultados de forma positiva: os itens do questionário estão positivamente relacionados com a escala total, independente da amostra em estudo. Extrapolando, pode-se pensar que os itens são compreendidos e respondidos de uma forma semelhante por adolescentes canadenses, espanhóis e brasileiros, o que pode ser entendido como um possível preditor positivo da consistência interna do QEC, entendido dentro de uma perspectiva transcultural.
Após estes resultados preliminares, os coeficientes Alpha de Cronbach foram calculados. Variaram de 0,66 a 0,94, segundo as três versões do QEC (canadense, espanhola e brasileira). A Tabela 1 apresenta os resultados para as 7 escalas (e/ou sub-escalas) das três versões do QEC que estão em estudo. Além de serem índices que variaram entre aceitáveis, satisfatórios e desejáveis, são fortemente comparáveis entre si. Entretanto, como se pode observar, são um pouco mais fracos na dimensão “Pessoas e Fontes Consultadas”, também independente do estudo. Parece que um outro comportamento comum entre os adolescentes destas diferentes nacionalidades é o fato deles não explorarem, de forma igualitária, os 11 recursos de exploração apresentados pelo QEC nesta subescala (afinal, a sub-escala “Pessoas e Fontes Consultadas”, dimensão associada à escala “Preparação para a Carreira”, é composta de 11 itens). Parece que os escolares adolescentes elegem algumas fontes de consulta, “esquecendo” que existem outros recursos não menos importantes e que eles poderiam beneficiar-se com essa diversificação, se adequadamente explorados. Esses resultados devem ser interpretados com cautela, afinal de contas, nem todos os jovens brasileiros possuem reais condições de explorar as várias possibilidades oferecidas pelo QEC. Mas por outro lado, por ter sido um comportamento de resposta similar nos três países, parece que pode ser generalizado, ao menos para os países implicados. Extrapolando, trata-se de um cuidado que os orientadores educacional-profissionais e psicólogos escolares devem ter em mente: estimular seus jovens clientes a buscar diferentes fontes de consulta a fim de tornálos mais preparados para o ingresso no mundo do trabalho, e conseqüentemente mais maduros profissionalmente (no sentido de facilitar que os adolescentes ampliem suas tarefas de desenvolvimento associadas à sua atual etapa de vida).
Tabela 1
Coeficientes Alpha para as versões canadenses (v.c. a, v.c.b), espanhola (v.e.c) e brasileira (v.b.d) do QEC, e matriz das correlações para a versão brasileira
v.c.a (n = 1022); v.c.b (n = 336); v.e.c (n = 2997); v.b.d (n = 890); * p < .001
Nota: Esta tabela foi retirada do estudo de Balbinotti e Tétreau (2002) com expressa autorização da Associação Internacional de Orientação Escolar e Profissional Springer Science and Business Media (Special Licensing Department - 2006/129/BVS).
Matriz de Correlação entre as Escalas
A Tabela 1 expõe, igualmente, a matriz das correlações inter-escalas. A correlação mediana obtida (0,32) para as sete dimensões da versão brasileira é comparável com a obtida (0,33) por Gingras (1990) e a obtida (0,35) por Gonzalez (1992). De maneira geral, a matriz de correlação também é essencialmente similar nos três países. Além desses dados poderem demonstrar que se tratam de dimensões moderadamente independentes (o que é interpretado como satisfatório, pois se está avaliando um único conceito subjacente) revelam, mais uma vez, o potencial valor de equivalência do instrumento nos países em análise. Ainda, considerando o fato de que esses adolescentes parecem possuir comportamentos similares de resposta ao QEC (deixando parecer que os jovens em estudo, nos três países, possuem necessidades semelhantes de educação à carreira), destaca-se a possibilidade de que modelos e programas de educação à carreira desenvolvidos em um dos três países possam ser utilizados nos outros dois. Isso abre uma possibilidade importante para os orientadores educacional-profissionais e psicólogos escolares destes países. Ao desenvolverem seus modelos e programas de educação, e certamente este é um dos papéis destes profissionais, estes poderão ser avaliados pelo mesmo instrumento, e consequentemente comparar seus resultados. Trata-se de uma possibilidade interessante e econômica; mas é claro que necessita ser testada empiricamente essa hipótese. Não se pode esquecer que algumas diferenças, devido às características singulares de cada cultura, devem ser levadas em consideração.
No mais, duas outras constatações podem ser observadas a partir dos dados da Tabela 1. Em primeiro lugar, as fracas correlações entre a escala “Sentido e Importância do Trabalho” e as seis outras sub-escalas confirmam sua relativa independência, o que exclui a possível hipótese dos dados estarem avaliando um único fator. Dessa forma, pode-se entender que, mesmo tendo ocorrido unicamente correlações positivas (o que é favorável), não se pode aceitar o conceito “Educação à Carreira” como um pressuposto unidimensional. Apenas esse resultado já é uma importante contribuição à teoria. Como fora dito pelas próprias autoras, o QEC deve permitir, por um lado, uma avaliação do significado e do valor que o jovem atribui ao trabalho e, por outro lado, uma avaliação do nível de preparação à vida profissional que o jovem se encontra (Dupont & Gingras, 1990; Dupont e colaboradores, 1993). Em segundo lugar, as correlações mais elevadas [aquelas entre “Fatores Considerados” e “Profissão Preferida” (0,66) e entre “Pessoas e Fontes Consultadas” e “Atividades Realizadas” (0,60)] permitem prever que os resultados das análises fatoriais poderão revelar apenas dois fatores, como foi o caso das versões canadense e espanhola. Alguns estudos e/ou publicações em psicometria (Balbinotti, 2005; Dassa, 1999; Field, 2005; Pasquali, 2003) têm deixado bastante clara a idéia de que se houver correlações elevadas entre variáveis, possivelmente estas se tornarão um único fator, sendo o contrário também verdadeiro, pois as correlações são as bases das análises fatoriais. A fim de esclarecer este ponto, e verificar sua equivalência com os dados dos dois outros estudos, a estrutura fatorial foi testada.
Estrutura Fatorial
Antes de se proceder às análises fatoriais propriamente ditas, estatísticas preliminares são requeridas a fim de poder-se melhor confiar em seus resultados (Balbinotti, 2005; Dassa, 1999). Sendo assim, o coeficiente Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,90) foi estimado e o teste de esfericidade de Bartlett (p < 0,0001) foi aplicado. Seus respectivos valores indicam que as correlações entre os itens são suficientes, e até mesmo desejáveis, para que se possa proceder com um modelo de análise fatorial exploratória.
Solução em 7 fatores
Caminho feito, uma análise fatorial, seguida de uma rotação oblíqua (respeitando as correlações entre os itens e dimensões), serviu para examinar a estrutura métrica do construto adjacente aos itens da versão brasileira do QEC, conforme fora conduzido em estudos empíricos anteriores (Dupont & Gingras, 1991a, 1991b; Coallier e colaboradores, 1995; Gonzalez, 1992). Desta análise inicial, vinte e cinco fatores, tendo uma raiz latente (eigenvalue) superior a 1, foram extraídos. Eles explicam 58,6% da variância. Mesmo tendo tido comunalidades superiores a 0,41, esta solução fatorial mostrou-se pouco satisfatória. Com efeito, diversos itens saturaram em diversos fatores, e o número de itens que formam vários destes fatores são insatisfatórios. Conseqüentemente, duas outras análises foram efetuadas. Agora, fixando, previamente, o número de fatores em “sete” e “dois”. Esses números correspondem às duas escalas do instrumento (sendo uma, notadamente a segunda, constituída de seis sub-escalas).
No caso da solução em sete fatores, menos itens saturaram em mais de um fator. Eles explicaram 34,5% da variância. Os resultados encontrados com os dados brasileiros estão de acordo com a estrutura fatorial encontrada para o instrumento original (canadense), bem como, bastante similar à versão espanhola. A Tabela 2 sintetiza as estruturas fatoriais obtidas nas três versões do QEC, com uma solução em sete fatores.
Tabela 2
Apresentação dos fatores, raízes latentes e porcentagem de variância explicada por fator (solução em 7 fatores) para as amostras canadense, espanhola e brasileira
CE = Passos Efetuados | PCE = Pesquisa e Conservação de Emprego |
SIT = Sentido e Importância do Trabalho |
Como se pode observar na Tabela 2, bem que a ordem de emergência dos fatores seja ligeiramente variável, os fatores são essencialmente os mesmos para as três amostras e explicam porcentagens de variância totais similares. Inicialmente, pode-se remarcar que a primeira escala do instrumento (“Sentido e Importância do Trabalho”) se encontra sob a forma de um único fator distinto (fator SIT), para as três amostras comparadas. Em seguida, podese ver que as seis sub-escalas da segunda escala (“Preparação à Carreira”) se encontram, efetivamente, sob a forma de seis fatores, sendo quatro bem distintos: “Passos Efetuados” (fator CE), “Pesquisa e Conservação de Emprego” (fator PCE), “Profissão Preferida” e “Fatores Considerados” (fator PP/FC), e “Pessoas e Fontes Consultadas” e “Atividades Realizadas” (fator PFC/AR). Como se pode notar, estes dois últimos fatores distintos cobrem, cada um deles, os itens de duas dimensões teóricas relacionadas, conforme fora previsto pelos índices correlacionais. Este comportamento dos dados foi similar nas três amostras. Embora esse fenômeno não tenha sido explicado por nenhum dos estudos anteriores (Dupont e Gingras, 1991a, 1991b; Coallier e colaboradores, 1995; Gingras, 1990; Gonzalez, 1992), o mínimo que pode ser dito é que aqui, mais uma vez, o QEC mostrouse um instrumento estável nas três culturas avaliadas, e, nesse caso, sob o viés do construto, importante propriedade métrica.
Na realidade, os próprios itens do QEC (Anexo A) permitem uma tentativa de explicação para o fenômeno do agrupamento de duas dimensões em um único fator. O caso das dimensões “Pessoas e Fontes Consultadas” e “Atividades Realizadas” (fator PFC/AR) parece ser mais fácil de ser explicado: ambas as dimensões apresentam os únicos itens de “exploração de carreira” disponíveis no QEC. A “exploração de carreira” tem sido entendida como um dos estados do ciclo vital e compreende idades que normalmente variam entre 14 a 25 anos (Super, 1957, 1990; Super e colaboradores, 1996). Como explica Super (1990) e seus colaboradores (Super e colaboradores, 1996), este estado do ciclo vital é dividido em três sub-estados: o “provisório”, o de “transição” e o de “tentativas”, tendo como tarefas de desenvolvimento, respectivamente, a “cristalização”, a “especificação” e a “atualização”. Considerando a teoria e os itens do QEC, poder-se-ia dizer que os itens constitutivos da dimensão “Pessoas e Fontes Consultadas” estariam localizados em algum ponto entre a “cristalização” e a “especificação” (mas, bem mais próximos desta última tarefa, pois a cristalização ainda muito se mescla com a “planificação de carreira”, etapa anterior da exploração). Já os itens da dimensão “Atividades Realizadas” estariam melhor localizados em algum ponto entre a “especificação” e a “atualização” (mas, ainda, bem mais próximo da “especificação”, até mesmo em função da faixa etária da amostra em relação à faixa etária proposta para o estado de exploração). Devido ao fato desses dois pontos ficarem próximos, diga-se, em torno da tarefa de desenvolvimento “especificação”, pode ser uma explicação para o fenômeno do agrupamento destas duas dimensões em um único fator, ao mesmo tempo em que justificaria o fato de que, teoricamente, trata-se de conteúdos diferentes, mas relacionáveis.
Dentro desta mesma linha de raciocínio pode estar uma das possíveis explicações para o fenômeno do agrupamento das dimensões “Fatores Considerados” e “Profissão Preferida” em um único fator (fator PP/FC); embora mais complexa que no fator PFC/AR, pois neste caso, estas não são as únicas duas dimensões apresentadas no QEC para avaliar a “planificação de carreira”. Outras duas dimensões servem para esse fim: “Passos Efetuados” e “Pesquisa e Conservação de Emprego”. Estas últimas revelaram-se fatores claramente distintos (ver Tabela 2), sem uma maior necessidade de explicação detalhada (Balbinotti, 2005; Dassa, 1999). A título de exemplificação, poder-se-ia tentar entender a planificação de carreira como se fosse uma parte de uma linha maior, horizontal e contínua. A dimensão “Passos Efetuados” estaria localizada à esquerda dessa parte (desta linha), o que significa que os jovens devem, inicialmente, refletir sobre seu plano de carreira e pensar em meios de como “chegar lá” (diga-se, como obter sucesso em uma profissão). Após essa primeira etapa da planificação, devem ser colocados em consideração diversos aspectos (dimensão “Aspectos Considerados”) para se efetuar escolhas adequadas, com vistas à vida profissional; e parece que é neste momento que os jovens pensam em uma profissão (ou grupo de profissões) que lhes interessa (dimensão “Profissão Preferida”). Sendo assim, parece que esses dois pontos dessa parte da linha horizontal (pode-se dizer que localizados perto do centro), embora distintos, estão efetivamente próximos, relacionados, quase que indissociados, razão pela qual integram um único fator, embora, teoricamente, tratam-se de conteúdos teóricos diferentes (ver anexo). Quer-se destacar ainda que os dados se comportaram de forma similar nos três estudos em questão (ver Tabela 2), revelando, mais uma vez, o potencial valor de equivalência do instrumento nos países em análise. Agora, uma discussão teórica poderia ser oportuna para que se possa entender em que sentido essa tentativa de explicação encontra respaldo na teoria.
Super (1969, 1990) propôs uma concepção de escolha profissional com base em conceitos (maturidade, interesses, valores etc.) que indicam um processo de desenvolvimento [originalmente sugerido por Buehler (1933), e que contrastava com a simples teoria de traços e fatores de Parsons (1909)]. Integrou alguns modelos que, segundo ele próprio e seus colaboradores (Super & Sverko, 1995; Super e colaboradores, 1996), explicariam melhor a complexidade do comportamento profissional de um indivíduo. Seriam, então, ao todo, quatro modelos que, juntos, teriam a árdua tarefa de desvendar, ao menos em parte, este comportamento. São eles: o modelo de perspectiva diferencial, o modelo socioeconômico e ambiental, o modelo de desenvolvimento e, por fim, o modelo fenomenológico. Balbinotti (2003) apresenta uma descrição mais detalhada e objetiva desses modelos. Aqui, vale discutir apenas o terceiro modelo, aquele relativo ao desenvolvimento, associado à maturidade vocacional-profissional.
Conforme Bujold (1989) e Bujold e Gingras (2000), o nome de Super é mais popularmente associado ao modelo da psicologia das carreiras, dentro do viés das abordagens de desenvolvimento. Para Super (1984), essa abordagem propõe que o desenvolvimento vocacional-profissional é um processo contínuo desde a infância até a velhice. O desenvolvimento é, geralmente, ordenado e previsível, assim como dinâmico no sentido de que ele resulta da interação entre as características do indivíduo e as demandas da cultura, o que torna claro também o fato de tratar-se de um processo psicossocial. No decorrer desse processo, o indivíduo deve cumprir certo número de tarefas de desenvolvimento. A natureza precisa dessas tarefas e a maneira pela qual ele as cumpre, revela, precisamente, sua “maturidade vocacional”. Dentro dessa ótica, pode-se dizer que um indivíduo é maduro à medida que ele, depois de educado, está pronto para tomar as decisões e para assumir os comportamentos característicos de seu estado do ciclo vital. Como foi afirmado, alguns dos principais conceitualizadores de modelos e de programas de educação à carreira (Herr, 1997; Hoyt, 1987; Jesser & Vanier, 1974) inspiraram-se claramente nestas noções de etapas de vida e tarefas de desenvolvimento, para formular objetivos de aprendizagem suscetíveis de favorecer a maturidade profissional de jovens e/ou para elaborar instrumentos e estratégias que permitam avaliá-los e/ou atingi-los. O instrumento em estudo se adequaria, mais objetivamente, como uma estratégia que permite avaliar os objetivos de aprendizagem supracitados.
Por fim, vale comentar que a distinção encontrada nos cinco primeiros fatores não pôde ser encontrada nos dois últimos (fatores 6 e 7) (ver Tabela 2). Dois fatores pequenos, com poucos itens, foram encontrados. Tratam-se de itens que, embora com baixa correlação com sua dimensão de origem, contribuem em nível do conteúdo de suas próprias dimensões (Gingras, 1990). Sendo assim, diga-se, considerando que o conteúdo dos itens implicados e o fato de que o corte conceitual e teórico original proposto pelas autoras apresentam vantagens práticas no nível da interpretação dos resultados individuais, optou-se, segundo os estudos de Gingras (1990) e Gonzalez (1992), manter o agrupamento em dimensões distintas.
Solução em 2 fatores
Quanto à solução em dois fatores, uma estrutura fatorial diferente das versões canadense e espanhola se revelou a partir dos dados deste estudo. No caso das amostras canadense e espanhola, os dois fatores estão fundamentalmente de acordo com as duas escalas originais do QEC (“Sentido e Importância do Trabalho” e “Preparação à Carreira”). No caso da amostra brasileira, os itens que correspondem à escala “Sentido e Importância do Trabalho” não saturam de forma importante (Carga Fatorial < 0,30) nem sobre o primeiro, nem sobre o segundo fator. Com efeito, o primeiro fator é constituído com a grande maioria dos itens (aqueles que saturaram de forma importante Carga Fatorial > 0,30) das sub-escalas “Aspectos Considerados”, “Profissão Preferida” e “Pesquisa e Conservação de Emprego”, que representam três das quatro sub-escalas correspondentes às tarefas de “Planificação de Carreira”. O segundo fator é constituído com a maioria dos itens (aqueles que saturaram de forma importante Carga Fatorial > 0,30) das sub-escalas “Passos Efetuados”, “Pessoas e Fontes Consultadas” e “Atividades Realizadas”; representando assim, uma mistura das tarefas de planificação e de exploração de carreira, o que não corresponde às formulações teóricas sobre o desenvolvimento de carreira segundo as quais “planificação” e “exploração” referemse a atitudes diferentes (Super, 1990) e tarefas de desenvolvimento (embora, sem dúvida, conexas) distintas (Jordaan & Heyde, 1979; Super & Overstreet, 1960; Super e colaboradores, 1996; Thompson, Lindeman, Super, Jordaan & Myers, 1984). Posto que essa solução fatorial não possa ser considerada equivalente com os estudos anteriores, conduziu-se, como recurso emergencial e original deste estudo, uma terceira análise fatorial, agora com uma solução em 3 fatores.
Solução emergencial em 3 fatores
Os resultados obtidos com esta última análise revelam uma maior conformidade dos dados brasileiros à estrutura do instrumento, tal como concebido por suas autoras. Assim, obteve-se, efetivamente, três fatores distintos: o primeiro correspondendo à escala “Sentido e Importância do Trabalho”; o segundo compreendendo, fundamentalmente, os itens das quatro sub-escalas correspondentes às tarefas de “Planificação de Carreira” (“Passos Efetuados”, “Aspectos Considerados”, “Profissão Preferida” e “Pesquisa e Conservação de Emprego”); e, finalmente, o terceiro engloba as duas sub-escalas que representam as tarefas de “Exploração de Carreira” (“Pessoas e Fontes Consultadas” e “Atividades Realizadas”). Finalmente, as saturações fatoriais obtidas com a solução em três fatores respondem a adequadas correlações inter-itens; resultados bem mais satisfatórios do que aqueles obtidos com a solução em 2 fatores.
CONCLUSÃO
O objetivo deste estudo empírico foi apresentar algumas importantes propriedades métricas da versão brasileira do Questionário de Educação à Carreira, de Dupont e Gingras (1990), e de comparar seus resultados com aqueles das versões canadense e espanhola. Os resultados das análises psicométricas mostraram um excelente grau de equivalência. O que mais se destaca é que as propriedades métricas da versão brasileira do QEC são fortemente satisfatórias e, em grande parte das vezes, comparáveis às outras duas versões deste mesmo instrumento. Sendo assim, no que concerne aos índices Alpha de Cronbach, algumas vezes eles se mostraram mais elevados que nas versões canadense e espanhola. Pode-se dizer que a versão brasileira do QEC possui propriedades métricas que justificam sua utilização com a população de estudantes de nível médio a qual é destinada.
Os coeficientes de correlação entre as sete escalas e/ou sub-escalas do QEC assim como os resultados das análises fatoriais exploratórias obtidos com a amostra brasileira tenderam a corroborar a divisão em sete fatores originalmente propostos pelas autoras. Assim,, mesmo que as sub-escalas “Profissão Preferida” e “Fatores Considerados”, de uma parte, e as sub-escalas “Pessoas e Fontes Consultadas” e “Atividades Realizadas, de outra parte, possam ser distintas no plano conceptual (Gingras, 1990), as análises fatoriais e correlações mostram que esses construtos se imbricam substancialmente, resultando em um único fator para cada um desses pares de dimensões. Acredita-se ter podido discutir a teoria, integrando-a à realidade dos índices obtidos a partir dos cálculos realizados.
Quanto à análise fatorial exploratória, aquela previamente definida em dois fatores, correspondentes às duas escalas do QEC, os resultados obtidos com a amostra brasileira não são similares àqueles obtidos por Gingras (1990) e Gonzalez (1992). Com efeito, nenhum dos itens concernentes à escala “Sentido e Importância do Trabalho” satura de forma importante (< 0,30) em nenhum dos dois fatores. Nossa terceira análise, aquela de caráter emergencial com uma solução em três fatores, corresponde vantajosamente à estrutura teórica assumida pelas autoras. Na realidade, elas construíram o instrumento como sendo constituído de duas escalas, mas a segunda, dividida em duas outras: “Planificação de Carreira” e “Exploração de Carreira”. Para tanto, a solução em três fatores aplicada às correlações inter-itens no caso da amostra brasileira, correspondeu, fundamentalmente, a uma estrutura considerando essas três dimensões.
Concluindo, os resultados obtidos neste estudo são bastante satisfatórios e permitem que se disponha de uma versão brasileira do QEC que, além de ser interessante para pesquisadores, pode vir a ser utilizado como instrumento de ajuda aos adolescentes brasileiros em sua conquista de inserção social e profissional, e particularmente aos adolescentes que enfrentam dificuldades relativas ao desinteresse e atraso escolar. Concretamente, na ótica de aplicações pedagógicas junto a esta população, este instrumento pode servir como ponto inicial de trabalho dos conselheiros, psicólogos e educadores para orientar os jovens na busca de uma melhor apreciação do sentido e da importância do trabalho, bem como de diversos componentes de uma preparação eficaz à carreira, notadamente aqueles de “planificação” e de “exploração”. Os resultados deste estudo e daqueles obtidos previamente no Canadá e na Espanha levam, com efeito, a uma conclusão fatual: o QEC pode ser utilizado vantajosamente junto aos jovens do ensino médio para ajudá-los a bem planificar sua orientação e a se engajar nas tarefas de exploração pertinentes. No que concerne à planificação, o instrumento pode, concretamente, tornar-se um meio de ajudar os jovens a tomarem consciência dos fatores a considerar e dos passos a efetuar em vista de suas escolhas escolares e profissionais. Ainda, com ajuda do QEC, os jovens podem melhor refletir acerca do tipo de profissão ou de emprego que lhes interessa e pensar sobre técnicas para procurar, encontrar, obter e conservar um emprego. No plano da exploração, o QEC pode, também, ser aproveitado no sentido de mostrar aos jovens várias formas de obter informações (pessoas, fontes de documentação e/ou atividades pertinentes), algumas, possivelmente, já conhecidas e obtidas, outras ainda não.
Em estudos futuros, seria oportuno dedicar uma atenção particular na realização de outras etapas do procedimento de validação transcultural propostas por Vallerand (1989), as quais este estudo não abordou, tais como: estabilidade temporal e o estabelecimento das normas para a população alvo. Por exemplo, um estudo descritivo, por dimensão e por fator, poderia ser útil para se criar normas que apoiariam o uso clínico do QEC no Brasil. A aplicação de uma medida de desejabilidade social (Hays, Hayashi & Stewart, 1989; Jacobsen, Brown & Ariza, 1983) permitiria, talvez, tirar-se conclusões mais precisas, notadamente no caso das respostas aos itens da primeira escala, que abordam os valores associados ao trabalho.
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Recebido em: 17/07/2006
1ª Revisão: 17/10/2006
Aceite Final: 20/10/2006
1 Este artigo é uma atualização (com expressa permissão do Editor da Associação Internacional de Orientação Escolar e Profissional autorização de Springer Science and Business Media) daquele originalmente publicado, pelos mesmos autores, no ano de 2002, na revista International Journal for Educational and Vocational Guidance, sob o título “Une étude brésilienne de la validité transculturelle du Questionnaire sur l’éducation à la carrière”, vol. 2, n. 2, p. 101-114.
2 Endereço para correspondência: 7 rue de l’Artiste, Kirkland (QC) Canada, H9J 4B6. E-mail: mbalbinotti@videotron.ca.
Sobre os autores
* Marcos Alencar Abaide Balbinotti, Ph.D. em Psicologia pela Universidade de Montreal, Canadá. Professor-pesquisador da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e coordenador do Núcleo de Orientação Vocacional, na mesma Universidade. Desenvolve estudos em desenvolvimento e educação de carreira, e psicometria. Pesquisador do Centro de Pesquisas Interuniversitárias sobre a Educação e a Vida no Trabalho (CPIEVT), órgão canadense. Atualmente desenvolve trabalhos pós-doutorais sobre abordagem orientante, preocupações de carreira em adultos e interesses profissionais na Université de Sherbrooke, no Canadá.
** Bernard Tétreau, Ed.D. em Psicologia do Aconselhamento pela Universidade de Columbia, Estados Unidos. Professor Titular-Honorário da Universidade de Montreal, Canadá. Desenvolve estudos sobre a Psicologia dos Interesses Profissionais e do Desenvolvimento de Carreira. Elaborou o Teste Visual de Interesses Tétreau-Trahan, utilizado em diversos estudos brasileiros. Pesquisador do Centro de Pesquisas Interuniversitárias sobre Educação e a Vida no Trabalho (CPIEVT), órgão canadense. Atualmente co-dirige um projeto que visa avaliar os intereses profissionais de pessoas que necessitam cuidados especiais.
Questionário sobre educação à carreira
Sentido e Importância do Trabalho: que importância e que sentido você acorda ao trabalho?
Para cada uma das frases que seguem, indique até que ponto você está em “acordo” ou em “desacordo”!
(1) Completamente em desacordo; |
1. ( ) Trabalhar é um objetivo importante na vida;
2. ( ) Trabalhar é ter a chance de realizar realmente alguma coisa;
3. ( ) Para mim, o trabalho será um bom meio de me realizar;
4. ( ) O trabalho influencia toda a vida de uma pessoa;
5. ( ) É importante procurar satisfação em um trabalho;
6. ( ) Eu devo escolher um emprego (ou uma profissão) que seja importante para mim;
7. ( ) Graças ao trabalho, eu posso utilizar meus talentos;
8. ( ) Eu sempre posso fazer uma ou outra coisa que eu goste não importando o trabalho que eu faça;
9. ( ) Um emprego (ou uma profissão) deverá me permitir ser útil aos outros;
10. ( ) É importante de compreender de que maneira cada emprego (ou profissão) é útil para a sociedade;
11. ( ) Todo o trabalho tem um papel importante na economia de uma região, de uma nação;
12. ( ) O trabalho é necessário para resolver os problemas de nossa sociedade;
13. ( ) Meu sucesso num emprego ou numa profissão dependerá, em boa parte, de minha maneira de ver o trabalho;
14. ( ) Para obter sucesso num emprego ou numa profissão eu devo desenvolver bons hábitos de trabalho;
15. ( ) O sucesso no trabalho depende muito do interesse que a gente tem;
16. ( ) É importante de se ter o sentimento de bem fazer seu trabalho;
17. ( ) Para ser feliz em um trabalho, é necessário inicialmente se interessar por uma ou várias razões;
18. ( ) É necessário tentar ver o lado positivo do trabalho;
19. ( ) Eu desejo ser considerado como um bom trabalhador;
20. ( ) Deve-se tentar sempre melhorar seu trabalho;
21. ( ) É necessário dar o melhor rendimento possível em seu trabalho;
22. ( ) É necessário se esforçar para ser um trabalhador eficaz;
Passos efetuados: Você já refletiu sobre seu plano de carreira? Você já pensou em meios de se chegar lá?
Indique o que você planeja fazer para efetuar as melhores escolhas escolares e profissionais.
(1) Nunca; |
23. ( ) Me informar sobre o maior número de profissões possíveis;
24. ( ) Consultar diferentes fontes de informações para tomar decisões sobre minha carreira;
25. ( ) Informar-me sobre as tarefas à realizar no emprego (ou na profissão) que me interessa;
26. ( ) Discutir meus projetos de orientação profissional com uma pessoa que me conheça bem;
27. ( ) Tentar descobrir meus gostos, minhas capacidades, minhas forças e minhas fraquezas através dos meus cursos;
28. ( ) Relacionar resultados escolares e meus projetos futuros;
29. ( ) Participar de diferentes atividades para melhor me conhecer;
30. ( ) Considerar meus interesses e minhas atitudes em todas as minhas escolhas ligadas a minha carreira;
31. ( ) Pensar em algumas profissões que tem a ver com meus gostos, minhas atitudes e qualidades;
32. ( ) Analisar minhas capacidades, interesses, valores etc., a fim de tomar boas decisões;
33. ( ) Identificar o que poderia me impedir de alcançar meus objetivos profissionais;
34. ( ) Ficar aberto a diversas possibilidades, planificando meus estudos e minha carreira;
35. ( ) Pensar em formas de ultrapassar os obstáculos encontrados relacionados a minha escolha profissional.
Aspectos Considerados: Diversos aspectos devem ser colocados em consideração para se efetuar boas escolhas
com vistas a carreira ou sua vida de trabalho. Indique em que medida tu pensas conhecer:
(1) Pouquíssimo conhecimento; |
36. ( ) Minha personalidade;
37. ( ) Minhas qualidades e defeitos;
38. ( ) O que é importante para mim no trabalho;
39. ( ) Meus gostos e interesses;
40. ( ) Minhas habilidades e talentos;
41. ( ) As possibilidades de estudo que são acessíveis para mim, depois do segundo grau;
42. ( ) A formação necessária para realizar meus projetos de orientação;
43. ( ) Um bom número de possibilidades de formação profissional depois do segundo grau;
44. ( ) As leis e os regulamentos do trabalho;
45. ( ) O funcionamento da economia em relação ao mercado de trabalho;
46. ( ) A influência das mudanças tecnológicas sobre minha carreira futura;
47. ( ) As tendências atuais e futuras do emprego nos diversos setores do mercado de trabalho;
48. ( ) Os meios de enfrentar uma situação de desemprego no curso de uma vida de trabalho;
49. ( ) A experiência necessária para diversos empregos;
50. ( ) As profissões e os empregos que me interessam,
51. ( ) As profissões e os empregos que melhor me convém;
52. ( ) As exigências de admissão nos programas ou escolas onde eu poderei ir no próximo ano;
Profissão preferida: Até este momento você ainda não escolheu, definitivamente, tua profissão (ou curso superior). |
(1) pouquíssimo conhecimento; |
53. ( ) As tarefas exercidas;
54. ( ) O nível de formação exigido;
55. ( ) As necessidades de mão de obra;
56. ( ) As habilidades requeridas;
57. ( ) Os interesses necessários;
58. ( ) As qualidades pessoais exigidas;
59. ( ) As condições de trabalho;
60. ( ) O salário de base oferecido;
61. ( ) As possibilidades de progresso;
Pesquisa e conservação de emprego: Uma boa preparação à vida de trabalho exige certos conhecimentos a fim de
procurar, encontrar, obter e conservar um emprego. Em que medida você tem esses conhecimentos?
(1) Pouquíssimo conhecimento; |
62. ( ) Onde procurar um emprego;
63. ( ) Como preencher um formulário de pedido de emprego;
64. ( ) Como escrever uma carta de pedido de emprego;
65. ( ) Como preparar meu currículo;
66. ( ) Como me preparar para uma entrevista de emprego;
67. ( ) Como me apresentar à uma entrevista de emprego;
68. ( ) Como os empregadores fazem para contratar alguém;
69. ( ) O que os empregadores esperam do novo funcionário;
70. ( ) Quais são as qualidades pessoais que os empregadores consideram as mais importantes para contratar alguém;
71. ( ) O que pode influenciar o sucesso e o progresso de uma pessoa em um emprego;
72. ( ) O que deve fazer um funcionário para conservar seu emprego;
Pessoas e fontes consultadas: Em que medida você obteve ajuda e/ou informação das seguintes pessoas e fontes?
(1) Nenhuma ajuda e/ou informação; |
73. ( ) De meus pais;
74. ( ) De meus amigos;
75. ( ) De outros membros de minha família;
76. ( ) De um conselheiro de orientação profissional;
77. ( ) De um professor de educação à carreira;
78. ( ) De outros professores;
79. ( ) De responsáveis de outras escolas;
80. ( ) De livros, brochuras ou jornais;
81. ( ) De vídeos, de filmes ou emissões de televisão;
82. ( ) De banco de informações escolares e profissionais em computadores (internet);
83. ( ) De programas ou anuários escolares (ou universitários);
Atividades realizadas: Em que medida você obteve ajuda e/ou informação das atividades de explorações seguintes?
(1) Nenhuma ajuda e/ou informação; |
84. ( ) De conversas com trabalhadores exercendo diferentes empregos;
85. ( ) De encontros com empregadores;
86. ( ) De conferências de representantes do mundo do trabalho;
87. ( ) De meus cursos em diferentes matérias;
88. ( ) De cursos de educação à carreira;
89. ( ) De minhas atividades paralelas à escola;
90. ( ) De atividades como “um-dia-de-trabalho” ou de seções de informações profissionais;
91. ( ) De visitas em escolas, colégios ou universidades;
92. ( ) De minhas experiências de trabalho em casa;
93. ( ) De minha experiência de trabalho fora;
94. ( ) De estágios em lugares de trabalho;
95. ( ) De visitas em empresas ou indústrias;
96. ( ) De minhas observações de pessoas no trabalho;
Agradecimentos
Os autores agradecem à Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS) e o Conseil de Recherches en Sciences Humaines (CRSH) do Canadá, pelo apoio financeiro.