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Pensando familias

Print version ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.18 no.1 Porto Alegre June 2014

 

ARTIGOS

 

Paternidade adolescente e o envolvimento paterno na perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano

 

Teenage fatherhood and involvement in paterno bioecological perspective of human development

 

 

Márcia Elisa Jager1, I; Ana Cristina Garcia Dias2, II

I Professora no curso de Psicologia no Centro Universitário Franciscano (Santa Maria/RS)
II Docente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é discutir, através da teórica bioecológica do desenvolvimento humano, o envolvimento paterno de adolescentes com as práticas de cuidados do bebê. Para tal, realizou-se uma revisão narrativa da literatura, organizada em dois eixos norteadores: (a) A teoria bioecológica do desenvolvimento humano guiando o entendimento de envolvimento paterno e (b) “Ser pai”, envolvimento e participação nas práticas de cuidados ao bebê na paternidade adolescente. O primeiro eixo discute os fatores capazes de interferir na relação pai-bebê e na participação paterna em práticas de cuidados oferecidas à criança. O segundo eixo discute os fatores que influenciam na participação paterna nas práticas de cuidados ao bebê no contexto da paternidade adolescente. Destaca-se a importância de se conhecer os pais adolescentes, suas características pessoais, os padrões familiares existentes, projetos de vida e como se constituem suas relações sociais nos diferentes ambientes dos quais participam.

Palavras-chave: Paternidade, Adolescência, Práticas de cuidados, Gravidez na adolescência, Teoria bioecológica.


ABSTRACT

The main goal of this study is to discuss teenage father involvement in child care through the bioecological theory of human development. To achieve this, it was conducted a narrative literature review, organized according two guiding principles: (a) The bioecological theory of human development leading the understanding of parental involvement and (b) "Being a parent", involvement and participation in child care in adolescent parenthood. The first discusses the factors which can affect the parent-infant relationship and paternal participation in care practices offered to the child. The second discusses the factors that influence paternal involvement in infant care in the context of adolescent parenthood. It is of utmost importance to know the teenage parents, their personal characteristics, existing family patterns, life projects and how they constitute their social relations in different environments in which they participate.

Keywords: Fatherhood, Adolescence, Child care, Teenage pregnancy, Bioecological theory.


 

 

Introdução

A paternidade, seja ela uma experiência vivida na fase adulta ou adolescente, implica em um papel que transcende o ato de procriar. Ser pai é exercer, de fato, a função paterna, é envolver-se efetivamente com o filho por meio da realização de cuidados diretos e indiretos (Houzel, 2004). Uma revisão sistemática da literatura nacional realizada por Jager e Dias (2012) indica que a relação pai-bebê perpassa diferentes variáveis, tais como: idade em que se torna pai, desejo pela gestação, características do bebê, situação conjugal, rede de apoio, condições de trabalho do pai e características da relação entre o pai e o bebê/criança. Essas variáveis influenciam o envolvimento paterno do pai com seu filho.

O envolvimento paterno pode ser compreendido de diferentes maneiras (Bolli, 2002). Entretanto, destaca-se a compreensão desenvolvida por Lamb, Pleck, Charnov e Levine (1987), uma vez que esta parece ser comumente utilizada em pesquisas sobre a interação pai-filho em diferentes contextos e fases do desenvolvimento infantil (Bolli, 2002). Este modelo entende que o envolvimento paterno acontece de forma sistemática, podendo se apresentar através de três diferentes dimensões: acessibilidade, responsabilidade e engajamento/interação. A acessibilidade refere-se à presença paterna e à disponibilidade do pai para atender as necessidades da criança. A responsabilidade contempla a responsabilidade pelo bem-estar e segurança do filho. Já a dimensão engajamento/interação se refere à participação paterna nos cuidados diretos e indiretos despendidos à criança, como por exemplo: cuidados com a alimentação, a troca de fraldas e participação em atividades de lazer (Lambet al., 1987).

Especialmente nos primeiros anos de vida, o desenvolvimento psicológico da criança é impulsionado pelo seu envolvimento em interações recíprocas com pessoas com quem estabelece relação emocional mútua e permanente: comumente, os pais (Bronfenbrenner, 2011). Nos seis primeiros meses, o bebê precisa de alguém que atenda suas necessidades biológicas e fisiológicas. Práticas de cuidados que atendam estas necessidades, quando acompanhadas de um investimento afetivo por parte dos pais, são responsáveis pela construção do apego. Assim, a maneira como os pais cuidam do bebê vai eliciar determinados comportamentos na criança que, por sua vez, retroalimenta o comportamento dos pais. Este processo determina a relação parental e padrões relacionais futuros (Brazelton & Cramer, 2002).

Nesse sentido, entender como ocorrem essas relações iniciais cuidador-criança é uma forma de atuar na prevenção e promoção da saúde e do desenvolvimento humano, uma vez que os padrões de relações ainda estão sendo estabelecidos (Macarini, Martins, Minetto, & Vieira, 2010). No contexto da paternidade adolescente, o estudo voltado para pais e bebês pode embasar intervenções precoces, visando à promoção do desenvolvimento da criança e da família como um sistema. Por essas razões, este estudo tem como objetivo discutir, através da teórica bioecológica do desenvolvimento humano, o envolvimento paterno de adolescentes com as práticas de cuidados ao bebê.

 

Método

Foi realizada uma revisão narrativa de literatura. As revisões de literatura são uma forma de pesquisa que utiliza fontes de informações bibliográficas ou eletrônicas para obtenção de resultados de pesquisa de outros autores, com o objetivo de fundamentar teoricamente um determinado objetivo (Rother, 2007). A revisão narrativa da literatura, especialmente, apresenta uma temática mais aberta, na qual dificilmente parte de uma questão específica bem definida. A busca das fontes de dados é menos abrangente e a seleção dos artigos é arbitrária. Essa revisão se constitui, basicamente, de análise da literatura publicada em livros, artigos de revista impressas e/ou eletrônicas na interpretação e análise crítica pessoal do autor (Bernardo, Nobre, & Janete, 2004). Assim, os artigos de revisão narrativa são publicações amplas, apropriadas para discutir um determinado assunto sobre um ponto de vista teórico ou contextual. Este tipo de revisão é importante uma vez que possibilita a construção e atualização do conhecimento sobre um determinado tema em um viés científico particular (Rother, 2007). Por isso, optou-se por este tipo de estudo teórico, uma vez que se buscou discutir sobre o envolvimento paterno de adolescentes levando em consideração o ponto de vista da teoria bioecológica do desenvolvimento humano. Para tal, lançou-se mão de artigos publicados em bases de dados eletrônicas e livros que discutissem o assunto em questão.

A discussão da literatura é apresentada de acordo com dois eixos temáticos: (a) A teoria bioecológica do desenvolvimento humano guiando o entendimento de envolvimento paterno e (b) “Ser pai”, envolvimento e participação nas práticas de cuidados ao bebê na paternidade adolescente. Esses eixos temáticos foram construídos para facilitar a apresentação de alguns pressupostos da teoria bioecológica, a discussão de como eles podem ser utilizados para entender o processo de envolvimento paterno e como podem servir de base para a compreensão da relação pai-bebê e sua participação nas práticas de cuidados, na adolescência.

A teoria bioecológica do desenvolvimento humano guiando o entendimento do envolvimento paterno

Esta seção exibe, de forma breve, alguns dos principais pressupostos da teoria bioecológica do desenvolvimento humano, idealizada por Urie Bronfenbrenner. Em seguida, discutem-se fatores capazes de interferir na relação pai-bebê e na participação do pai em práticas de cuidados que são oferecidas à criança, articulando-se com as ideias apresentadas sobre a teoria.

Na perspectiva da teoria bioecológica, o desenvolvimento humano acontece, principalmente, através de quatro componentes interdependentes, representado pelo modelo P-P-C-T (Processo – Pessoa - Contexto – Tempo). Este modelo compreende o desenvolvimento humano como resultado de mudanças de ordem biológica, psicológica e social. Essas mudanças são influenciadas pelo desenvolvimento biológico da pessoa e pelas relações que ela estabelece em diferentes ambientes sociais dos quais faz parte ao longo de seu ciclo vital (Bronfenbrenner, 2011).

Especificadamente, o componente “Processo” refere-se aos papéis e atividades diárias da pessoa em desenvolvimento. Os processos podem ocorrer tanto no meio imediato à pessoa quanto no mais distante e são denominados processos proximais. Estes processos acontecem através de interações recíprocas duradouras e em períodos estendidos de tempo entre sistemas de díades, tríades, etc. e suas manifestações geram significativas influências que possibilitam o desenvolvimento recíproco. No entanto, nem todos os processos podem ser considerados como proximais. Além da continuidade ao longo do tempo, a interação deve ser resultado de uma intenção (desejo de fazer), ser resistente à interrupção (desistência), apresentar reciprocidade, ocorrer em níveis progressivamente complexos e apresentar um significado aos sujeitos envolvidos. A participação nos processos de interação recíproca ao longo do tempo que são progressivamente complexos gera a capacidade, a motivação, o conhecimento e a habilidade necessária para exercer essas atividades com outras pessoas e consigo mesmo (Bronfenbrenner, 2011).

Para Bronfenbrenner e Morris (1998), os processos proximais são como máquinas ou motores para o desenvolvimento e ocorrem na mente humana. Dessa maneira, as relações recíprocas entre pessoas, objetos e símbolos que acontecem no ambiente externo por um determinando período de tempo geram percepções, cognições, emoções e motivações frente a determinadas situações e influenciam comportamentos futuros. Assim, os conteúdos das relações recíprocas externas duradouras se tornam representações mentais internas, ao mesmo tempo em que as relações recíprocas externas são influenciadas pelas representações mentais internas. Este processo bidirecional caracteriza o processo proximal (Bronfenbrenner, 2011).

O componente “Pessoa” considera as características pessoais capazes de influenciar o curso do desenvolvimento psicológico (Bronfenbrenner, 2011). Nesse componente, existem três principais grupos de características que influenciam nos processos proximais: disposição, recurso e demanda. A disposição contempla características generativas (curiosidade, iniciativa...) e características inibidoras (timidez, insegurança...) que colocam e mantêm os processos proximais em ação. O recurso refere-se às capacidades físicas, mentais e intelectuais que irão permitir que a pessoa se engaje em processos proximais. A demanda, por sua vez, são atributos pessoais (aparência física, simpatia, idade, cor da pele, gênero...) que podem solicitar ou impedir reações do ambiente social (Bronfenbrenner, & Morris, 1998; Bronfenbrenner, 2011).

Já o componente “Contexto” traz os diferentes ambientes nos quais os processos proximais podem ocorrer. Estes processos ocorrem em sistemas ecológicos que caracterizam o meio imediato à pessoa (microssistema) ou em um meio mais distante (mesossistema, exossistema e macrossistema) (Bronfenbrenner, 2011). Esses quatro sistemas ecológicos interagem mutuamente entre si, em diferentes níveis de reciprocidade, e são capazes de sustentar ou sufocar o desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1996).

O microssistema compreende o local imediato no qual o sujeito em desenvolvimento está inserido (Bronfenbrenner, 1996) e é neste ambiente onde ocorre a maioria dos processos proximais (Bronfenbrenner, 2011). Nesse local (casa, escola e/ou trabalho) o sujeito se relaciona com diferentes pessoas e desempenha distintos papéis (Bronfenbrenner, 2011). O mesossistema refere-se à interação entre dois ou mais microssistemas dos quais a pessoa participa ativamente (por exemplo, para os adultos, vínculos entre família, trabalho e vida social) (Bronfenbrenner, 1996). O exossistema traz a ligação entre dois ou mais ambientes, onde em um deles não existe a pessoa em desenvolvimento, mas nele acontecem eventos que influenciam os processos no contexto imediato a que essa pessoa pertence (por exemplo, para uma criança, a relação entre a casa o local de trabalho de pais) (Bronfenbrenner, 2011). O macrossistema agrupa as características presentes em todos os outros ambientes e compreende os padrões culturais gerais de uma sociedade (Bronfenbrenner, 1996). Ainda, inclui sistemas sociais instigadores de crenças, recursos, riscos, estilos de vida, oportunidades estruturais e opções de projetos de vida (Bronfenbrenner, 2011).

O componente “Tempo” envolve dimensões da temporalidade. Este componente envolve mudanças nos eventos em curto ou longo prazo e podem ser entendidas em três níveis: microtempo, mesotempo e macrotempo. No micro e mesotempo é possível compreender como uma experiência particular ou de transição de vida influencia o desenvolvimento de um mesmo grupo de pessoas. Já o macrotempo, por exemplo, permite entender as mudanças ocorridas ao longo de gerações (Bronfenbrenner & Morris, 1998; Bronfenbrenner, 2011). Um exemplo disso pode ser a maneira de se perceber a paternidade ao longo do tempo e as diferenças atribuídas ao papel do pai na família e educação dos filhos (Souto & Jager, 2013). A retrospectiva histórica mostra que no, período colonial norte-americano, no qual as atividades rurais familiares predominavam, o pai aparecia como uma figura pouco afetiva. Era representado como o patriarca, figura de autoridade, exercendo um forte poder sobre a família. Durante esse período, o pai era responsável pela formação do juízo e valores dos filhos, sendo suas ordens inquestionáveis (Goetz & Vieira, 2011). Já atualmente, o pai aparece desempenhando uma função mais igualitária com a mãe, assumindo responsabilidades nos cuidados e na educação dos filhos (Ramires, 1997).

A paternidade e o envolvimento paterno nas práticas de cuidado ao bebê podem ser entendidos a partir do modelo P-P-C-T descrito. Este modelo possibilita reconhecer que o envolvimento que o pai adolescente estabelece com seu bebê e sua participação nas práticas de cuidados podem ser influenciados por características pessoais (suas e de seu bebê) (Pessoa) e por suas relações recíprocas duradouras com outras pessoas (Processos) nos diferentes contextos do qual faz parte (micro, meso, exo e macro), ao longo do tempo (Tempo). Essas relações recíprocas resultam em processos proximais que irão determinar as transformações e as mudanças nos papéis e comportamentos dos adolescentes frente à paternidade e à relação com seus filhos (práticas de cuidados).

Essa forma de compreender o envolvimento e a participação do pai nas práticas de cuidado do bebê possibilita considerar, conforme sugere Bronfenbrenner (2011), as particularidades que envolvem a construção do vínculo pai-bebê: características individuais do pai, idade com que se torna pai, nível de escolaridade, características individuais da criança, relação que o sujeito que vive a paternidade hoje teve com seu próprio pai, qualidade da relação conjugal, características do emprego, rede de apoio disponível, identificação quanto ao próprio papel de gênero, entre outras (Bonney, Kelly, & Levant, 1999). Conforme os pressupostos da teoria bioecológica (Bronfenbrenner, 2011), os quatro primeiros fatores constituem alguns aspectos do elemento “Pessoa”. Os aspectos psicológicos e pessoais do pai e da criança poderão (ou não) movimentar, sustentar e encorajar seus processos de interações recíprocas com as outras pessoas nos diferentes contextos.

Os elementos seguintes constituem alguns aspectos do elemento “Contexto”: as relações com o próprio pai e a qualidade da interação conjugal constituem elementos do microssistema, contexto imediato onde a maioria das relações recíprocas acontece. Estas relações constituem-se como processos proximais e determinam a maneira como o pai vive e percebe sua paternidade. As características do emprego do pai se referem ao mesossistema, onde as condições de trabalho e as relações estabelecidas neste local interferem no tempo disponível do pai para o estabelecimento de relações recíprocas pai-bebê, pai-mãe, pai-mãe-bebê. A rede de apoio disponível ao jovem pai ilustra os elementos do exossitema que influenciam no apoio recebido para superar as situações adversas que pode enfrentar. A identificação quanto ao papel de gênero na família e na sociedade constitui-se como elemento do macrossistema, determinado pelas características sociais, históricas e culturais do contexto no qual o pai está inserido (Bronfenbrenner, 2011).

Ainda, as atitudes maternas precisam ser consideradas para compreender o envolvimento e o nível de participação paterna nas práticas de cuidados do bebê (Bronfenbrenner, 2011). Dentre essas atitudes, destacam-se: incentivo e abertura para participação em práticas de cuidados, apoio para o desenvolvimento das habilidades masculinas para o cuidado e disponibilidade para o acolhimento das dificuldades encontradas pelos pais (Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes, & Tudge, 2012).

Entretanto, é necessário reconhecer que algumas mulheres podem não querer que os pais se envolvam mais com os filhos do que eles normalmente o fazem. Isso porque as mães podem não perceber seus companheiros como competentes para cuidar do bebê, ou até mesmo se sintam ameaçadas pela perda do lugar (ideal) da única pessoa capaz de cuidar bem de um filho. Assim, os comportamentos maternos podem incentivar ou inibir o envolvimento do pai com a criança, na medida em que oferecem a possibilidade para o pai desenvolver habilidades de cuidados ou não (Parke, 1996).

O papel da mãe no processo de inserção do pai nos cuidados do bebê é importante para que este se sinta capaz de realizá-los. A relação que o pai estabelece com a mãe durante a prática de cuidados do bebê pode constituir-se em uma díade observacional – uma pessoa observa (com interesse) a outra durante a realização de alguma atividade (Bronfenbrenner, 1996) e contribuir para a participação paterna. Considerando a perspectiva bioecológica, é possível que o pai, através da díade observacional, apresente um crescente envolvimento nas práticas de cuidados do bebê ao prestar atenção à atividade que a mãe desenvolve com a criança (Bronfenbrenner, 1996). Mas também é necessário que a mãe permita, reconheça e valorize a participação paterna para que o pai se sinta motivado a participar e envolver-se continuamente, por longos períodos de tempo, nas atividades com o bebê (Bronfenbrenner, 2011).

Uma variável importante para ser levada em consideração quando se busca compreender a vivência da paternidade é a idade com que o indivíduo se torna pai (Bonney et al. 1999). Pesquisas buscam investigar a existência de diferenças na vivência da paternidade entre pais adolescentes e adultos (Levandowski & Piccinini, 2006) e diferenças no envolvimento e participação paterna nas práticas de cuidados do bebê nestes mesmos participantes (Levandowski & Piccinini, 2002). No que se refere especialmente à interação pai-bebê na adolescência, o interesse é decorrente da crença de que o adolescente seria emocional e cognitivamente imaturo para lidar com algumas situações e responsabilidades que o papel paterno exige. Essa imaturidade dificultaria o reconhecimento das necessidades do filho e prejudicaria sua capacidade de auxiliar nos cuidados diretos e indiretos da criança (Lamb & Elster, 1986). Entretanto, parece que a idade não é necessariamente um fator determinante da responsividade do pai em relação ao bebê. De fato, pais adolescentes podem apresentar-se tão responsivos ao bebê quanto os pais adultos. Os fatores que determinam o nível e qualidade dessa responsividade são de ordem biopsicossocial (Levandowski & Piccinini, 2002; Lamb & Elster, 1986). A partir do exposto, é possível considerar que a vivência da paternidade e a qualidade da relação entre pai e bebê, bem como a disponibilidade do pai em engajar-se em atividades de cuidado, podem ser explicadas pelo modelo P-P-C-T (Bronfenbrenner, 2011) apresentado nesta sessão.

“Ser pai”, envolvimento e participação nas práticas de cuidados ao bebê no contexto da paternidade adolescente

Esta sessão destaca a necessidade do reconhecimento de fatores do contexto pessoal, familiar, social e cultural como capazes de influenciar as vivências dos adolescentes. Problematiza-se a paternidade adolescente e reflete-se sobre os fatores que influenciam a participação do pai nas práticas de cuidados do bebê. Os pressupostos da teoria bioecológica orientam as discussões.

No que se refere ao período etário que define a adolescência, é comum a referência ao critério definido pela Organização Mundial de Saúde (idade entre 10 e 19 anos) ou ao Estatuto da Criança e do Adolescente (idade entre 12 e 18 anos). Contudo, na sociedade ocidental industrializada, problematiza-se o fato de que o jovem, ao completar 20 anos, não seja mais considerado um adolescente (Orlandi & Toneli, 2008). Isso porque uma compreensão historicocultural da adolescência tem ganhado espaço, guiando discussões na área (Bock, 2007).

Dessa maneira, comportamentos percebidos como característicos da adolescência dependem, em grande medida, das vivências, exigências e expectativas da cultura onde eles estão inseridos, revelando a influência do macrossistema sobre seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 2011). Na perspectiva da teoria bioecológica, o adolescente, como qualquer pessoa, apresenta características próprias – individuais, psicológicas e biológicas - além de uma forma própria de lidar com suas experiências de vida. Para Orlandi e Tonelli (2008), essa diversidade faz com que seja incoerente pensar a adolescência e os fenômenos que acontecem durante o período como algo universal.

Nesse contexto, a experiência da parentalidade pode assumir diferentes significados para o jovem. Isso porque essa experiência é permeada diretamente por algumas variáveis, tais como as questões de gênero, classe social e contextos socioculturais, fazendo com que cada adolescente viva a experiência de ser pai ou mãe de forma diferenciada. Realmente, é através da diversidade contextual na qual a adolescência é produzida (Bock, 2007) que a parentalidade durante este período é significada, aceita e reconhecida (González, 2009; Levandowski & Piccinini, 2002; Luz & Berni, 2010; Utiamada, 2010).

As diferenças em perceber a vivência da maternidade ou paternidade na adolescência considerando, por exemplo, sua vivência em diferentes classes sociais, bem como a maneira de perceber a adolescência atualmente como um período impróprio para a vivência dessas experiências revelam características do macrossistema sobre o desenvolvimento do adolescente (Bronfenbrenner, 2011). As características do macrossistema (características culturais, crenças, comportamentos socialmente esperados, papéis e relações sociais predominantes em determinada cultura) influenciam os demais contextos (micro, meso e exo) dos quais o adolescente faz parte, afetando suas vivências e comportamentos estabelecidos nas relações recíprocas duradouras. Assim, considerando a perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano postulada por Bronfenbrenner (1996; 2011), a experiência de ser pai pode motivar um desenvolvimento positivo do adolescente. Isto ocorre, especialmente, em contextos culturais nos quais a paternidade adolescente não se configura como uma experiência necessariamente negativa (Fagan, Bernd, & Wihteman, 2007; Levandowski & Piccinini 2002; Jager, 2014; Venturini, 2010) e onde a cultura promove redes de apoio que estejam dispostas a auxiliar o pai adolescente no desempenho de suas atividades (Costa et al. 2005; Fagan, Bernd, & Wihteman, 2007; González, 2009; Jager, 2014; Venturini, 2010; Utiamada, 2010)

Nessa perspectiva, é necessário destacar que alguns pais adolescentes são capazes de envolverem-se nas experiências da gestação de suas companheiras de forma positiva (Costa et al. 2005; Lamb & Elster, 1986; Levandowski & Piccinini, 2006; Utiamada, 2010). Da mesma forma, eles podem apoiar e participar dos cuidados com o bebê após o nascimento (Costa et al. 2005; Levandowski & Piccinini, 2002; Jager, 2014; Levandowski & Piccinini, 2006; Utiamada, 2010). A criança pequena necessita de pais disponíveis que lhe apóiem, que respondam a suas demandas e que sejam continentes com suas necessidades. Dessa maneira, a paternidade não pressupõe somente entender as necessidades paternas, mas também as necessidades da criança pequena e as implicações disso no adolescente pai (Lyra, 2002). Assim, demonstra-se a influência recíproca da relação pai-bebê. Na medida em que ambos interagem, ambos se desenvolvem. As atividades que um realiza com o outro determinam comportamentos e estes, por sua vez, vão eliciar novas condutas, determinando os padrões relacionais duradouros da díade (Bronfenbrenner, 2011). Entender as implicações que o cuidar de um bebê têm para o pai, seja ele adolescente ou não, implica em reconhecer que não é só o pai que influencia no desenvolvimento infantil, mas também o bebê tem o poder de influenciar no desenvolvimento do pai (Brazelton & Cramer, 2002).

De fato, diferentes aspectos interferem na qualidade da relação do pai adolescente com seu bebê. O desenvolvimento da relação entre a díade e o vínculo construído passa por interferências contextuais na medida em que os comportamentos de envolvimento paterno e cuidados com a criança são incentivados e reforçados pelo contexto familiar, social e cultural no qual o pai adolescente está inserido (Costa et al. 2005; Fagan, Bernd, & Whiteman, 2007; Gutiérrez, 2011; Utiamada, 2010). A possibilidade de os pais apresentarem um desempenho efetivo em seus papéis na educação dos filhos dentro da família depende das exigências de papéis, do estresse e o apoio recebido de outros ambientes. Como exemplo, pode-se citar a flexibilidade de horários de trabalho, a presença de amigos e vizinhos que possam ajudar em situações adversas, a rede de apoio disponível, a qualidade dos serviços de saúde, entre outros (Bronfenbrenner, 2011). Ainda, a demanda social atual sobre o lugar do pai e da mãe na cultura ocidental influencia o envolvimento paterno. O lugar do pai (lugar afetivo no desenvolvimento dos filhos) está sendo repensado, uma vez que não é mais possível sustentar uma visão de pai apenas como provedor. No entanto, discutir o lugar do pai envolve, diretamente, discussões do lugar da mãe, uma vez que, historicamente e socialmente, o afeto e saber sobre os filhos foram atribuídos a ela (Cúnico & Arpini, 2013). Estes aspectos alcançam as discussões sobre a vivência da paternidade adolescente, e, neste caso, especialmente levando em consideração relações micro (relações familiares) e macrossistêmicas (demandas sociais sobre os papéis parentais) (Jager, 2014).

A existência de relações positivas e que estimulem a participação paterna nos cuidados ao bebê são importantes para que o envolvimento paterno em práticas de cuidados aconteça. A partir do momento que a mãe ou outros membros familiares incentivam a participação do pai nos cuidados ao bebê e reconhecem seu papel e empenho para engajar-se nas atividades compartilhadas, é possível que o pai, aos poucos, consiga desempenhar atividades mais complexas com a criança, dividindo responsabilidade com a mãe e fortificando seu vínculo com o bebê. Estas interferências revelam a força das relações recíprocas estabelecidas nos quatro sistemas contextuais (micro, meso, exo e macrossistema) sobre a relação pai-bebê e seu envolvimento nas práticas de cuidados (Bronfenbrenner, 2011).

Ainda, a interação do pai adolescente com o bebê, bem como sua participação nas práticas de cuidados, pode ser influenciada por outros fatores. Esses fatores podem contemplar o nível de desenvolvimento cognitivo do adolescente, que pode dificultar o reconhecimento correto das necessidades do bebê; o desejo por ser pai naquele momento da vida, que vai interferir na maneira como este jovem irá viver sua paternidade e relacionar-se com seu filho; o nível de conhecimento do pai sobre desenvolvimento infantil e o quanto esse pai é capaz de perceber as mudanças que ocorrem com o seu bebê ao longo de seu desenvolvimento; o nível de estresse parental, a qualidade da relação conjugal e o apoio social recebido (Lamb & Elster, 1986). Esses são alguns aspectos pessoais e de relações recíprocas duradouras com outras pessoas nos diferentes contextos do qual faz parte (micro, meso, exo e macro), que se mostram capazes de diminuir (ou não) a sensibilidade do pai e interferir na vivência da paternidade, afetando na sua participação nos cuidados ao bebê e no vínculo estabelecido entre o adolescente e seu filho (Bronfenbrenner, 2011).

 

Conclusão

Este estudo destaca as principais ideias da teoria bioecológica do desenvolvimento humano e como seus pressupostos podem guiar a compreensão da paternidade adolescente. Este estudo valorizou, especialmente, as interações recíprocas ocorridas no microssistema e a influência do macrossistema sobre a vivência da paternidade. Os conceitos e as ideias trabalhadas neste estudo podem contribuir para a prática clínica com famílias. A visão sistêmica do atendimento familiar pode, por vezes, não reconhecer, a influência dos elementos do modelo PPCT sobre a vivência da paternidade adolescente e sobre as relações familiares constituídas. O reconhecimento destes aspectos pode oferecer ao terapeuta a possibilidade de trabalhar a família adolescente em uma perspectiva para além do contexto familiar nuclear e extenso. Ou seja, trabalhar em uma perspectiva que considere também a influência de variáveis pessoais, histórias e sociais sobre as práticas parentais.

Este estudo buscou relacionar a participação paterna em práticas de cuidados ao bebê com a teoria bioecológica apenas teoricamente e valorizando somente alguns aspectos. Este objetivo, embora tenha contribuído para reflexões a respeito da paternidade durante a adolescência, se configura também como uma limitação deste estudo. Sugerem-se estudos empíricos que busquem mostrar como os pressupostos bioecológicos podem realmente guiar o entendimento do envolvimento paterno em práticas de cuidados no contexto da paternidade adolescente, dando destaque para outros fatores trabalhados pela teoria. Ainda, pesquisas ecológicas, com pesquisadores inseridos no contexto estudado e interagindo com as ações e pessoas que dela participam, podem trazer resultados interessantes para a compreensão da paternidade adolescente e relação pai-bebê.

Outra limitação deste estudo se refere ao método utilizado (revisão narrativa da literatura). Este tipo de metodologia inviabiliza a reprodução dos dados e não traz respostas quantitativas sobre aspectos específicos. Sugere-se a realização de revisões sistemáticas da literatura que busquem caracterizar os estudos sobre paternidade adolescente na perspectiva bioecológica. Este tipo de revisão pode oferecer um retrato das pesquisas científicas sobre o tema e identificar as lacunas que podem ser explorados por pesquisadores da área.

 

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Endereço para correspondência
Márcia Elisa Jager
E-mail: marciajager@yahoo.com.br

Enviado em: 26/03/2014
1ª revisão em: 23/06/2014
Aceito em: 30/06/2014

 

 

1 Psicóloga. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente trabalha como professora no curso de Psicologia no Centro Universitário Franciscano (Santa Maria/RS) e trabalha em consultório clínico privado.
2 Psicóloga. Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Docente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria.