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Pensando familias

Print version ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.24 no.2 Porto Alegre Jul./Dec. 2020

 

ARTIGOS

 

Prática em educação parental: impacto das intervenções na visão de mães1

 

Parental education practice: impact of interventions on mothers' view

 

 

Ana Claudia Pinto da Silva2, I, II ; Paula Argemi Cassel3 ; Naiana Dapieve Patias4, III ; Josiane Lieberknecht Wathier Abaid5, III

I Universidade Franciscana (UFN)
II Probex-UFN
III Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho teve como objetivo verificar a percepção de mães sobre o impacto de um grupo de educação parental em suas práticas educativas, e avaliar padrões de educação das cuidadoras na relação com filhos. Participaram deste estudo cinco cuidadoras de crianças de seis a oito anos. Os instrumentos utilizados para coleta dos dados foram uma entrevista inicial com as famílias e um diário de campo. Foi realizada análise de conteúdo e os principais resultados indicam que, no geral, houve mudanças significativas no manejo parental das mães com os filhos após as intervenções grupais, conforme suas percepções. Conclui-se que a intervenção de educação parental foi fundamental neste grupo, pois é dentro do contexto familiar que as crianças aprendem a relacionar-se com as outras pessoas e com o mundo. Desse modo, atuar junto às cuidadoras é uma forma de modificar contingências responsáveis pela inscrição de comportamentos indesejáveis.

Palavras-chave: Crianças, Mães, Práticas Educativas.


ABSTRACT

This study aimed to verify the mothers 'perception about the impact of a parental education group on their educational practices, and to evaluate caregivers' education standards in their relationship with their children. Five caregivers of children aged six to eight years participated in this study. The instruments used for data collection were an initial interview with families and a field diary. Content analysis was carried out and the main results indicate that, in general, there were significant changes in the parental management of mothers with their children after group interventions, according to their perceptions. It is concluded that the intervention of parental education was fundamental in this group, because it is within the family context that children learn to relate to other people and the world. Thus, working with caregivers is a way of modifying contingencies responsible for registering undesirable behaviors.

Keywords: Children, Mothers, Educational practices.


 

 

Introdução

A concepção sobre o conceito de família vem sofrendo alterações ao longo dos séculos, caracterizando-se pela complexidade das relações, por meio de diferentes formas de composição e de responsabilidade frente aos papéis de cuidado das crianças (Cassoni, 2013). Especificamente, nesse também ocorreram transformações nas relações de pais e filhos, sejam eles biológicos ou não. No entanto, a família continua exercendo função fundamental frente à socialização dos indivíduos, demarcando influências para o desenvolvimento cognitivo, comportamental e social das crianças (Tavares, 2015).

A família é considerada a primeira instituição de relação afetiva e social, a qual tem a função de assegurar um ambiente saudável e proporcionar bem-estar os componentes desse grupo (Cassoni, 2013) sendo fonte geradora de experiências, valores, princípios e crenças que vão modulando, juntamente com as manifestações genéticas, temperamentais, e transgeracionais, a criança até o processo final de amadurecimento cerebral, em vida adulta, por meio da execução de práticas educativas dos cuidadores. Nesse sentido, a criança sofrerá influência dos diversos padrões de educação parental, chamados de estilos parentais. Esse padrão pode ser rígido e punitivo, permissivo ou assertivo, sendo que cada padrão influenciará o comportamento e desenvolvimento de crianças e adolescentes (Sá, 2017).

Os estilos parentais constituem-se em grandes padrões gerais sobre a forma como os pais e outros cuidadores educam, sendo que as práticas educativas são as estratégias que os pais utilizam de acordo com cada comportamento infantil. Os estilos e as práticas educativas parentais que os pais e cuidadores utilizam vão depender de aspectos da criança, tais como idade, gênero, temperamento; dos pais, tais como escolaridade, humor e transgeracionalidade e, ainda, aspectos culturais como crenças gerais sobre a educação dos filhos (Macarini et al., 2010).

No que diz respeito, especificamente, a forma como os cuidadores foram educados, os esquemas e as crenças demarcam aspectos importantes, pois os mesmos são resultados das experiências vivenciadas na infância, e referem-se aos padrões emocionais, cognitivos e comportamentais, no qual podem ser funcionais ou disfuncionais. Sendo assim, esse padrão inicia-se na primeira infância e tende a se repetir ao longo da vida do indivíduo (Young et al., 2008). Partindo desse pressuposto, as ligações que os cuidadores exercem com seus filhos partem de relações já experienciadas, produzindo uma tendência à reprodução das vivências com seus cuidadores no comportamento parental. Entende-se, portanto, que as práticas educativas dos cuidadores possuem atravessamentos epigenéticos e transgeracionais (Fava et al., 2018).

Considerando a complexidade de fatores que influenciam a forma como pais e outros cuidadores educam seus filhos e o impacto da educação no desenvolvimento de crianças e adolescentes, as propostas de intervenções em educação parental podem contribuir para a prevenção e promoção de saúde emocional de pais e filhos. Da mesma forma, busca investir em aspectos comportamentais, cognitivos e afetivos dos responsáveis legais pelas crianças. Sendo assim, as intervenções com pais estão voltadas para reforçar as ações parentais saudáveis, bem como auxiliar os pais a perceberem práticas disfuncionais na educação familiar dos seus filhos, elaborando assim novas estratégias de educação, no qual pressupõe o apoio e a orientação aos cuidadores para o exercício das competências educativas (Bettencourt, 2017).

Dessa forma, as intervenções em parentalidade tendem a estimular as famílias para o engajamento na educação dos seus filhos, promovendo maior envolvimento dos membros da conjuntura familiar, o que amplia a qualidade no desempenho dos papéis de cada pessoa envolvida na educação familiar do filho. Na modalidade grupal, os familiares compartilham e trocam experiências com outras famílias acerca das funções parentais. Esse espaço possibilita a ampliação e a elaboração das percepções e dos conhecimentos dos cuidadores sobre a importância de uma parentalidade ativa (Bortolatto, et al. 2017).

As intervenções de educação parental realizadas com cuidadores possuem campo psicológico ainda restrito, o que indica a necessidade de maiores investimentos em pesquisas empíricas ou ensaios clínicos no Brasil. Dessa forma, é fundamental a realização de estudos de efetividade e eficácia, com enfoque principal na análise e avaliação das respostas da intervenção. As investigações de efetividade levam em consideração estruturas semelhantes à vivência do participante no seu dia a dia, fazendo com que se obtenham resultados mais fidedignos à realidade própria dos indivíduos (Peuker, et al, 2009).

Esse artigo teve como intuito verificar a percepção de mães sobre o impacto de um grupo de educação parental em suas práticas educativas, bem como avaliar os padrões de educação das cuidadoras envolvendo aspectos transgeracionais, investigar as crenças e os esquemas cognitivos das cuidadoras na educação dos filhos.

 

Método

Participantes

Foram convidadas cinco famílias, cujas mães tinham entre 28 a 42 anos e seus cônjuges entre 28 a 39 anos, que tinham filhos na lista de espera para atendimento psicológico em um Laboratório de Prática em Psicologia situado na região central do Rio Grande do Sul. Tais participantes foram selecionados mediante a lista de triagem do local. Sendo assim, ambos os cuidadores foram convidados a participar dos encontros, porém as figuras masculinas participaram da entrevista inicial, assim como as mães, na pré-fase de intervenção. Da continuidade do projeto, apenas as mães participaram de todas as intervenções grupais, por iniciativa delas. Desse modo, os critérios de inclusão foram demandas que se referiam a problemas relacionados à aprendizagem e de comportamento internalizantes e externalizantes dos filhos. Além disso, os encaminhamentos ao referido Laboratório foram realizados pelas respectivas escolas das crianças, cujas idades variaram de seis a oito anos. Portanto, esta amostra foi constituída por conveniência.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados pré-intervenção e durante a mesma foram dois: entrevista inicial com as famílias na (pré-intervenção) e diário de campo (durante as intervenções). A entrevista, elaborada pelas autoras para esta pesquisa, abordava questões sociodemográficas como o grau de escolaridade, estado civil e renda familiar. Além disso, tinha o enfoque no mapeamento do nível de entendimento de ambos os cuidadores frente aos aspectos que envolviam a infância no geral e aquela apresentada pelos seus filhos, bem como fazer uma retrospectiva das vivências desses pais sobre as suas próprias infâncias.

Já o diário de campo foi realizado semanalmente por três coordenadoras do grupo, acadêmicas do curso de psicologia. O mesmo é um dispositivo de registros sobre as vivências e experiências apresentadas pelos pesquisadores e participantes. Esse instrumento permite que sejam realizados relatos das observações, reflexões e comentários, por meio dele se busca a exatidão dos fatos diários do processo e de todas as etapas que compõem a pesquisa (Freitas & Pereira, 2018).

Considerações éticas e procedimentos

Essa pesquisa fez parte de um projeto de extensão intitulado “Educação parental junto à educação básica: promoção das relações familiares positiva” (Abaid & Costenaro, 2019). O mesmo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob registro do CAAE: 08975619.6.0000.5306, n. 3.224.190 em 2019.

No primeiro momento foi feito o convite à clínica escola de Psicologia de uma Universidade particular, após o aceite por meio do Termo de Concordância da instituição, foi realizado o convite as cuidadoras para participarem do projeto de educação parental, onde foram informadas dos riscos, benefício e da voluntariedade para a participação da pesquisa por meio do Termo de Consentimento Livre Esclarecido-TCLE. Após a assinatura do TCLE, foram realizadas entrevistas iniciais com as famílias das crianças, para que se pudesse fazer o levantamento das demandas e necessidades dos cuidadores, assim como verificar dados sociodemográficos. Após esse primeiro encontro de pré-fase, iniciou-se os seis encontros de intervenção e o último encontro denominado pós-fase foi direcionado para as devoluções e encerramento das atividades.

Intervenção

O protocolo idealizado por Wainer e Wainer (2011), com técnicas comportamentais, cognitivas e da terapia do esquema, é composto por 12 encontros, em que estabelecem sessões de uma hora e meia cada, com periodicidade semanal. Nesse protocolo, são abordados temas referentes a transtornos disruptivos em crianças, tais como Transtorno de Conduta (TC) e Transtorno Desafiador de Oposição (TDO), assim como o manejo parental dos cuidadores dessas crianças. Para o presente estudo, o protocolo foi composto por oito encontros, sendo o primeiro de pré-fase e o último de pós-fase de intervenção. Cada encontro tinha duração de uma hora e ocorria semanalmente. A escolha pela redução dos encontros e do tempo se deu mediante ao perfil das famílias, que não estavam habituadas a frequentar grupos de longa duração. Na pré-fase realizou-se a explanação do projeto de educação parental, bem como apresentação das coordenadoras e das participantes. No 1° encontro: trabalhou-se com a influência da família no desenvolvimento dos filhos.  2° encontro: foi abordado sobre “por que as crianças se comportam mal?” e qual o entendimento das cuidadoras sobre esse assunto. 3°encontro: realizou-se a aplicação do questionário dos Esquemas de Young - forma reduzida YSQ - S2. 4° encontro: trabalhou-se com os esquemas cognitivos associados aos processos emocionais e ao modo de ser e agir das mães.  5° encontro: foi feita a aplicação do questionário de Estilos Parentais de Young. 6° encontro: foi realizada a discussão sobre a influência dos estilos parentais na educação dos filhos e aspectos transgeracionais. Assim como, o papel da educação parental na mudança de comportamentos dos filhos.  E por fim, na pós-fase de intervenção foram realizadas sugestões e avaliações das cuidadoras frente os encontros, devolução e encerramento dos mesmos.

Análise dos Dados

Os dados foram analisados por meio da entrevista inicial com as famílias, no qual foram descritas no diário de campo pela dupla de pesquisadoras que as realizaram, uma vez que os participantes não aceitaram gravar as entrevistas.  O diário de campo foi analisado, quanto ao seu conteúdo qualitativo por meio da análise de conteúdo de Bardin (2016).  A validação da análise de conteúdo se deu mediante a extração de categorias, que foram submetidas a duas juízas que não faziam parte da pesquisa, assim como não possuíam conhecimentos prévios do estudo, para avaliarem as categorias pré-estabelecidas pelas pesquisadoras. Desse modo, seis categorias e duas subcategorias foram descritas e listadas por unidades de análise para que as juízas fizessem as classificações. Sendo assim, houve 85% de concordância entre as análises realizadas pelas juízas. As categorias em que não houve concordância inicial foram reformuladas quanto à definição.

 

Resultados

Perfil das Participantes

A partir da entrevista inicial com as famílias, foi possível identificar o perfil sociodemográfico. As mães que participaram do grupo possuíam idades entre 28 e 42 anos de idade (M= 37; DP= 5,92). No que se refere ao nível de escolaridade das mães uma delas possuía ensino fundamental completo, três delas tinham ensino médio completo e a outra tinha curso técnico em análises clínicas.  A participante P5 exercia exclusivamente atividades domésticas e cuidados dos filhos, já as outras quatro mães, além da função de dona de casa, realizavam outras ocupações fora do ambiente doméstico. A mãe P2 era cuidadora de idosos, a P3 atuava como técnica de análises clínicas em um laboratório, a P4 realizava atividades de diarista e a P1 trabalhava como secretária em uma loja comercial.

Em relação à renda familiar variou de um a dois salários-mínimos, sendo que de três a cinco pessoas eram dependentes desse valor mensal. Quanto ao estado civil das participantes quatro das mães estavam casadas ou viviam com companheiro e uma estava em processo de divórcio. Desse modo, frente às figuras de cuidados das crianças apenas uma das quatro mães que estavam casadas o marido não era o pai biológico do menino, mas o mesmo conservava o contato com a figura paterna e a outra participante que estava em processo de separação mantinha-se a guarda do filho, sendo assim o pai não possuía o contato com o mesmo.

Verificou-se, por meio da entrevista inicial com as famílias, que quando as mães dividem os cuidados dos filhos com um parceiro, segundo os relatos das mulheres, perceberam que os filhos não apresentam problema de comportamento quando estão com eles. Mas, sabe-se que as crianças muitas vezes passam a obedecer pelo medo e não porque realmente entenderam que aquele comportamento é inadequado.

No entanto, pode-se verificar pelas verbalizações das mães que esses cuidadores exercem a parentalidade seguindo padrões e postura rígida e severa, assim como demostravam pouco afeto. Do mesmo modo, esses pais reservam tempo reduzido com os filhos, devido a inúmeros fatores como a dedicação à vida profissional, pessoal, conjugal e a função parental acaba sendo exercida de forma mais expressiva, pelas mães. Isso leva as cuidadoras maternas a uma sobrecarga frente à educação parental dos filhos, pois há um investimento unilateral, no que se refere ao manejo de práticas educativas.

Devido aos sentimentos de sobrecarga frente à educação das crianças, pode-se perceber um maior engajamento das cuidadoras, pois buscavam muitas vezes no grupo a solução dos problemas, além de um ambiente de acolhimento das necessidades emocionais que não estavam conseguindo dar conta ou novas formas para educar seus filhos. Portanto, o grupo por si só produziu aconchego.

Um exemplo é quando em determinado momento uma das participantes relatava alguma situação difícil, as demais mencionavam estar passando pelo mesmo ou falavam palavras de acolhimento. As intervenções nesses grupos aparecem como uma potência para fortalecer vínculos, com ampliação da comunicação por outros canais, além do contato que mantinham no grupo de educação parental.

No que se refere ao diário de campo foi utilizado para avaliar o impacto do grupo de educação parental, assim como averiguar os padrões de educação das cuidadoras envolvendo aspectos transgeracionais e investigar as crenças e os esquemas cognitivos das cuidadoras na educação dos filhos.  A análise de conteúdo de Bardin (2016) ocorreu segundo os três passos, a saber: organização do material (pré-análise), exploração do material (codificação) e tratamento dos resultados obtidos (categorização). É válido mencionar que as mães foram nomeadas de P1 a P5, conforme a ordem de preenchimento do TCLE.

Com base em seis categorias, sendo que a última se divide em duas subcategorias temáticas: 1) demanda; 2) apoio na prática educativa; 3) crenças e esquemas das mães; 4) estilos maternos; 5) aspectos transgeracionais; 6) impacto do grupo: 6.1) mudança da mãe no manejo parental; 6.2) mudança da criança em relação ao seu antigo comportamento. Desse modo, as categorias e subcategorias foram derivadas do diário de campo e da entrevista inicial com as famílias.  A seguir será apresentada cada categoria e subcategoria com as suas respectivas descrições e os relatos das cuidadoras.

Demanda

Esta categoria diz respeito às demandas das cuidadoras em relação à educação parental de seus filhos. No geral, as cuidadoras trouxeram em suas falas, no primeiro encontro, a apreensão em relação ao uso exagerado de tecnologias por parte das crianças. De acordo com elas, esse dispositivo estava influenciando diretamente no comportamento inadequado dos filhos, sendo que elas não conseguiram colocar regras claras e concisas frente à utilização desses aparelhos pelas crianças. Assim, a demanda maior era uma preocupação com o que fazer com o uso exagerado da tecnologia (descrito no diário de campo, como tendo sido mencionado pelas cuidadoras P2, P3, P5), mas por outro lado, pode-se perceber que as cuidadoras também não possuem limite para o uso das tecnologias, assim como escutam com frequência de seus filhos.

Todas as mães participantes relataram que as crianças apresentavam problemas de comportamento no contexto familiar e na escola, bem como tinham dificuldades frente ao processo de ensino e aprendizagem. Por fim, uma das mães trouxe em seu discurso a necessidade de ser uma mãe melhor, onde pudesse atender às dificuldades da filha de forma mais adequada e afetiva: “tenho o desejo de tornar-me uma mãe melhor” (P4, conforme o relato do diário de campo).

Apoio na Prática Educativa

Esta categoria se refere ao apoio no cuidado parental que as cuidadoras recebem por parte de seus maridos, assim como de outros familiares. De modo geral as cuidadoras referiam que em quase todos os momentos tinham alguém para ficar com as crianças caso elas não pudessem cumprir com essa função por vários motivos. Algumas delas verbalizaram que os cônjuges auxiliam nas atividades domésticas e nos cuidados dos filhos (P2, P4, conforme o diário de campo). Porém, mesmo tendo essa parceria do casal parental ainda elas sentem que a maior parte das ações educativas ficam sob a sua responsabilidade. Quatro participantes mencionaram que isso fica visível quando olham para o lado e veem somente mulheres frequentando o grupo de pais(P1, P2, P3, P4, conforme o diário de campo).

As mães também destacaram que existem outras pessoas da família extensa que ajudam nos cuidados das crianças, como se pode ler em: “minha mãe fica com meu filho quando não posso cuidá-lo” (P1, conforme o diário de campo), assim como os filhos maiores também contribuem com essa tarefa de cuidado: “meu filho mais velho me ajuda com o cuidado dos irmãos mais novos” (P5, conforme o diário de campo).

Crenças e Esquemas das Mães

Esta categoria aborda as crenças e os esquemas cognitivos das mães. As crenças são caracterizadas como conceitos enraizados sobre si, sobre os outros e sobre o mundo, conforme Young et al. (2008). Nesse sentido, uma mãe relata: “tenho dificuldades extremas de lidar com a minha difícil e dolorosa infância” (P5, conforme o diário de campo). Outra mãe disse quefoi educada por meio de chineladas e isso não lhe fez mal, pelo contrário, fez ser a pessoa que é hoje (P3, conforme o diário de campo). Já outra mãe menciona que sua mãe deixou marcas dolorosas e inesquecíveis (conforme destacado no diário de campo das pesquisadoras sobre P4).

O processo terapêutico pode proporcionar a reformulação das crenças, desse modo uma das participantes relata que teve a oportunidade de repensar as construções que havia aprendido quando crianças em relação a sua infância sofrida (conforme destacado no diário de campo das pesquisadoras sobre P2). Uma das mães verbalizou que “[...] o modo de ser e agir frente à educação parental foi aprendido em minha infância e de certa forma ainda sustentam as minhas ações parentais [...](P4, conforme o diário de campo).

Estilos Maternos

Esta categoria apresenta os estilos de cuidado das mães. Os estilos maternos podem ser definidos como um conjunto de atitudes parentais e educativas podendo seguir um padrão de autoridade com imposição de regras rígidas e punitivas (Weber, 2012). Uma das falas que pode indicar as práticas educativas coercitivas é: “eu não concordo com a teoria do diálogo e sim com a prática de bater, castigar, pois sei o que é melhor pro meu filho” (P3, conforme o diário de campo). Outra fala que evidencia tal prática foi em: “se ele desobedeceu, eu bato” (P5, conforme o diário de campo).

Por outro lado, também houve mães que indicavam fazer uso de práticas responsivas, que combinam diálogo e afeto, bem como mães que indicam haver ausência de diálogo e também de limites. As falas da P2 e P4 exemplificam esses aspectos, desse modo o que ficou nítido é que duas das mães tentavam dar tudo aquilo que não tiveram a seus filhos, sendo bastante indulgentes. Os filhos ganhavam muitos brinquedos e não havia regras e limites claros frente à educação parental, porém eram afetivas (conforme destacado no diário de campo das pesquisadoras sobre as falas de P2, P4).

Aspectos Transgeracionais

Esta categoria diz respeito às práticas educativas das mães que foram aprendidas com seus cuidadores, e que de certa forma acabam reproduzindo em suas relações com seus filhos. Uma das cuidadoras, em relação à principal lembrança da sua infância, mencionou que ensina o que seus pais lhe ensinaram: “o mal está em não dar limites, eu dou limites para tudo” (P3, conforme diário de campo).

Por outro lado, existem cuidadoras que buscam por novos tipos de manejo parental quando discordam da maneira de como foram criadas. Partindo dessa perspectiva uma das mães tenta dar ao filho o que não teve: “tento fazer tudo diferente. Mostro para o meu filho os privilégios que ele possui” (P1, conforme diário de campo). Percebeu-se que há cuidadoras que acabam por repetir alguns extremos frente à educação parental, conforme o seguinte trecho do diário de campo: [...] que as algumas cuidadoras quererem agir de forma bem distinta com os seus filhos, mas em alguns momentos acabam por cair em outro externo de educação parental. E já em outras situações segundo suas falas agem de maneira semelhante, isso se refere ao fato de que elas ainda não conseguem monitorar o seu funcionamento e perceberem o quanto suas infâncias estão vivas frente ao relacionamento com os filhos [...] (pesquisadoras sobre P2, P4).

Impacto do Grupo

Esta categoria se refere ao impacto que o grupo de educação parental produziu nas práticas educativas das mães, bem como nos próprios filhos, pois entende-se que se as figuras de cuidados mudarem suas práticas educativas, há uma grande probabilidade de seus filhos mudarem também o comportamento inadequado. Esta categoria tem duas subcategorias que são “mudança da mãe no manejo parental” e “mudança da criança em relação ao seu antigo comportamento”.

Mudança da Mãe no Manejo Parental

Esta subcategoria está relacionada às mudanças nas práticas educativas das mães, por meio das intervenções do grupo de educação parental: o que ficou foram os agradecimentos e o quanto o grupo foi produtivo para elas, desse modo estão revendo a cada dia suas práticas na educação dos filhos(pesquisadoras sobre P2, P4, P5). Nesse mesmo sentido uma das mães mencionou: “antes era muito castigo e agora é muita conversa e juras de dedinhos” (P1, conforme diário de campo).

Mudança da Criança em Relação ao Seu Antigo Comportamento

Esta subcategoria diz respeito às mudanças do antigo comportamento dos filhos, segundo as percepções das mães. A partir de novas práticas de educação, através da comunicação não violenta, utilização do diálogo e de ações parentais assertivas, a seguir o relato de uma das mães: a mãe relatou que o filho melhorou em relação à disciplina com os horários e o uso do celular (pesquisadoras sobre P2). Já outra mãe verbalizou: que a filha mudou em vários aspectos, tais como, as dificuldades de relacionamentos com os colegas, de querer ser sempre a primeira e nos processo de ensino aprendizagem(P4, conforme diário de campo).

 

Discussão

Os resultados do presente estudo apresentaram o perfil das cuidadoras de crianças e as análises qualitativas, onde há relatos dos sentimentos e percepções das mães frente ao conjunto de fatores que envolvem a educação parental. Alguns dos principais achados da pesquisa são discutidos no seguimento do texto.

A participação única de mulheres (mães) no grupo de intervenção indica um perfil que vai ao encontro do estudo realizado por Toni e Pazzetto (2018) onde abordam evidências acerca das mudanças frente ao papel desempenhado pela mãe e pelo pai, mas que ainda é, em muitos lares, delegado os cuidados e responsabilidades dos filhos à figura materna, enquanto que a figura paterna continua sendo vista como o provedor da casa.

Em relação à idade e o grau de escolaridade das participantes se equivalem aos achados de Bortolatto et al. (2017), que apresentam que as mães tinham idades entre 30 a 40 anos, assim como a maioria delas havia completado o ensino médio. No que se refere ao estado civil das mães e a renda das famílias que participaram das intervenções condiz com Maia e Soares (2019), no qual há semelhanças nos dados sobre a maioria serem casadas e a renda familiar de um a dois salários-mínimos.

Assim, no que tange o perfil da mulher/mãe pode-se verificar mediante a literatura que cuidadoras com pouca escolaridade, renda mensal baixa e mães que exercem a parentalidade sozinhas encontram-se desfavorecidas em relação a uma educação parental adequada no manejo com os filhos (To et al., 2014; Toni & Pazzetto, 2018). Muitas vezes, elas acabam por agir por meio de práticas coercitivas devido a uma sobrecarga, no que se refere à dupla jornada de atividades e em outros casos por desconhecimentos de práticas parentais ativas e afetivas na relação de cuidado para com as crianças (Marturano & Elias, 2016).

Sobre as demandas apresentadas pelas cuidadoras uma de suas angústias era referente ao uso sem limite dos dispositivos eletrônicos, sendo que as mesmas estavam percebendo alterações e reproduções de comportamentos inadequados pelos filhos. Desse modo, Inácio et al., (2019) apontam que o uso indiscriminado das tecnologias pode vir a desencadear prejuízos na saúde física, emocional, cognitiva e psicológica das crianças. No entanto, a resolução dessa problemática não se refere em coibir o uso dos meios digitais, mas sim é preciso haver limites para esse uso tanto para as crianças quanto para os pais. Assim como, é imprescindível a supervisão por parte dos responsáveis, frente aos conteúdos que os filhos acessam (Spizzirri et al., 2017).

As cuidadoras também apontaram em seus discursos que os filhos apresentavam problemas de comportamento e aprendizagem no contexto familiar e escolar. Estudos nacionais mostram que crianças identificadas com dificuldades no processo ensino aprendizagem possuem uma elevada probabilidade de manifestarem problemas emocionais e de comportamento associados. Entende-se que existem vários fatores que levam a criança a desenvolver essas dificuldades, por isso é preciso levar em consideração o meio familiar e escolar que a criança está inserida (Marturano & Elias, 2016).  Desse mesmo modo, outro estudo enfatiza que a criança não é o “problema”, mas que o meio familiar, escolar e outros atravessamentos, tais como, genéticos, sociais e contextuais auxiliam na predisposição e manutenção de dificuldades no comportamento e aprendizagem em crianças (Leonardo et al., 2016).

Quanto ao apoio na prática educativa, as mães verbalizaram que quando não podem cuidar dos filhos por algum contratempo, elas dispõem de uma rede de apoio que lhes auxiliam. Desse modo, as pessoas que fazem parte dessa rede são da família extensa e os pais das crianças. Esses pais, no entanto, são percebidos pelas participantes como rede de apoio, mas não como cuidadores principais. Relataram que mesmo tendo com quem contar ainda sentem que a maior parte da educação fica sobre seus ensinamentos. No que se referem aos estudos publicados na literatura, estes mostram que o papel da figura paterna vem se modificando ao longo das décadas e na contemporaneidade o homem vem assumindo novas funções frente ao cuidado dos filhos, mas ainda tem muito a avançar, pois existem muitas famílias cuja responsabilidade perante a criação se encontra sobre os preceitos das mães. Isso acaba por desenvolver sobrecarga física e psíquica (Bernardi, 2017).

Quanto à categoria crenças e esquemas das mães, suas vivências sofridas podem ter produzido um funcionamento rígido com marcas dolorosas. Os esquemas cognitivos são desenvolvidos desde a infância, no qual envolvem um processo complexo abrangendo múltiplos fatores, tais como, eventos ambientais, genéticos, sociais e familiares. São os esquemas que irão influenciar a maneira como o indivíduo interpretará e reagirá frente aos acontecimentos diários (Young et al., 2008).

Os mesmos moldam o funcionamento e o modo de pensar e agir dos indivíduos, podendo então ser funcional ou disfuncional, quando há essa disfuncionalidade acaba por trazer muitos prejuízos, sejam eles a própria pessoa como nas relações com outros indivíduos. Já as crenças referem-se às representações dos esquemas são manifestadas por meio de princípios, normas e regras que fazem a pessoa se comportar mediante essa estrutura aprendida. Desse mesmo modo, as crenças são construções cognitivas disfuncionais, expressas em forma de regra, norma ou atitude que a pessoa adota em sua conduta, bem como em sua prática parental (Nabinger, 2016).

O estilo materno das cuidadoras mostrou padrões de educação bem distintos. As concepções que cada cuidador tem sobre a educação dos filhos é muito particular, pois envolvem vivências desde sua própria infância, bem como as interferências da sociedade atual (Fava et al., 2018).

Desse modo, os estilos de cuidado das mães possuem marcas da transgeracionalidade, ou seja, algumas delas acabam por reproduzir na educação dos filhos muito do que aprenderam. Já outras se empenham para não repetir os mesmos padrões, de modo a não reeditar as falhas percebidas em suas infâncias. Conforme Botton et al., (2015) os fenômenos transgeracionais podem ser denominados como um sistema de transmissão familiar por meio de aspectos positivos ou negativos inscritos durante o desenvolvimento infantil. Nesse sentido, os cuidadores, muitas vezes, reproduzem formas de cuidado que aprenderam com seus pais e em outras situações buscam por novas práticas de educação.

É importante destacar que esses cuidadores que agem através de pressupostos aprendidos onde educam por meio da autoridade e da imposição geralmente não possuem a dimensão de suas implicações na educação de seus filhos. No entanto, os pais não assumem determinado estilo por quererem, mas sim por que isso foi lhe apresentado e ensinado em suas infâncias. Em contrapartida, aqueles cuidadores que buscam por uma educação consciente, respeitosa e afetiva em geral são cuidadores mais informados e com grau de escolaridade maior, com isso procuram por novos recursos mediante cursos, leituras e estudos sobre a temática (Fava et al., 2018).

E por fim, sobre o impacto do grupo de educação parental, o mesmo proporcionou mudanças no manejo parental das mães, bem como mudança frente ao antigo comportamento das crianças. Segundo a pesquisa de To et al. (2014), esses autores verificaram efeitos significativos por meio das ações em grupos na pré e pós-fase de intervenção, desse modo os pesquisadores perceberam melhoria quanto à satisfação dos cuidadores, mudanças nas práticas educativas e melhor conectividade na relação pais e filhos. Sabe-se que quando os cuidadores modificam suas atitudes parentais e buscam por práticas mais positivas e assertivas na educação dos filhos, os mesmos passam a ter mudanças significativas nos comportamentos e no desenvolvimento infantil (Schmidt et al., 2016).

Igualmente, uma clínica escola de Psicologia, localizada no interior do Paraná, também se dedicou a criação de um grupo de orientação parental, sendo que algumas das queixas eram as mesmas apresentadas por este artigo, filhos com problemas de aprendizagem e comportamento. Nesse estudo houve resultados importantes frente aos encontros, onde os cuidadores apresentaram melhoras nas práticas educativas e no relacionamento com as crianças. Ainda, ao final dos grupos os pais optaram por retirar os nomes dos filhos da lista de espera, pois já estavam conseguindo colocar em prática uma educação parental positiva e afetiva, bem como visualizaram uma melhora considerável frente às demandas iniciais das crianças (Toni & Pazzetto, 2018). Assim as intervenções no campo da parentalidade são fundamentais frente ao manejo de educação dos cuidadores repercutindo de forma positiva no comportamento dos filhos.

 

Considerações Finais

Este estudo buscou analisar o impacto do grupo de educação parental nas práticas educativas das mães, bem como avaliar os padrões de educação das cuidadoras envolvendo aspectos transgeracionais e investigar as crenças e os esquemas cognitivos das cuidadoras na educação dos filhos. Obtiveram-se resultados significativos em relação às mudanças das cuidadoras perante suas ações educativas, assim como se percebeu melhor interação na dupla, mãe e filho. Frente às mudanças no manejo das mães com os filhos notou-se diminuição dos problemas de aprendizagem e de comportamentos inadequados.

As intervenções na modalidade grupal proporcionaram um espaço potente para as participantes fazerem compartilhamentos e possibilidades de trocas sobre as vivências. Igualmente, houve muitos relatos de experiências, alguns com similaridades outros nem tanto, em relação às demandas. Portanto, cada encontro favoreceu a elaboração de planos de mudanças, no que se refere ao manejo parental. Da mesma forma que serviu para que as cuidadoras pudessem ressignificar suas crenças e esquemas cognitivos aprendidos em suas relações com seus cuidadores.

Os encontros também auxiliaram para que as mães pudessem dar-se conta que seus padrões de cuidado estavam atrelados aos ensinamentos e a educação que receberam quando pequenas de seus pais. Isso diz respeito aos aspectos transgeracionais que todas as famílias passam e pode causar-lhes sofrimento por essas influências. Salienta-se que, independentemente de classificação como sendo bom ou ruim, as cuidadoras possuem marcas significativas no que corresponde ao entendimento do papel da figura feminina na educação dos filhos e na sociedade.

Entende-se que a Terapia Cognitivo-Comportamental e a Terapia do Esquema possuem inúmeras contribuições no que tange a temática da educação parental. Dentre as dificuldades encontradas para esse estudo, destaca-se o tamanho da amostra e o curto tempo das intervenções semanais.  Além disso, como a educação parental ainda é restrita no Brasil sugere-se que sejam realizados mais estudos sobre parentalidade.

Seria importante que mais cuidadores conseguissem ter o acesso a grupos de educação parental, e estes serem estudados de forma longitudinal, para que se possa avaliar a eficácia e a efetividade das intervenções nas famílias em longo prazo. Desse mesmo modo, propõe-se que existam mais formações e cursos para profissionais psicólogos com ênfase nas práticas educativas dos cuidadores, bem como de implantações de programas dessa natureza em escolas, por exemplo, o que poderia trazer maior alcance nas mudanças em práticas educativas e transmissão transgeracional dos estilos parentais.

 

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Endereço para correspondência
Josiane Lieberknecht Wathier Abaid
E-mail: josianelwathier@gmail.com

Enviado em: 30/07/2020
1ª revisão em: 24/11/2020
2ª revisão em: 10/12/2020
Aceito em: 17/12/2020

 

 

1 Artigo derivado do Trabalho Final de Graduação da primeira autora, orientada pela última. O projeto teve auxílio de bolsa de extensão da Universidade Franciscana.
2 Acadêmica do Curso de Psicologia pela Universidade Franciscana (UFN) e bolsista Probex-UFN.
3 Psicóloga (UFSM). Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS).
4 Doutora em Psicologia (UFRGS), Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
5 Orientadora. Doutora em Psicologia (UFRGS), Docente do Curso de Psicologia e do Mestrado em Saúde Materno Infantil da Universidade Franciscana (UFN).

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