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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.5 no.1 Rio de Janeiro July 2005

 

Artigo Científico

 

Aspectos da manifestação prosódica em relação com os processos de ativação cognitiva no português

 

Prosodic manifestation aspects related to the cognitive activation processes in portuguese

 

 

Cirineu Cecote Stein

Laboratório de Fonética Acústica, Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


RESUMO

A ativação cognitiva de um termo, ou a sua não-ativação, relaciona-se diretamente à noção de foco. Tradicionalmente, postula-se que um termo marcado por proeminência prosódica, especialmente a elevação da curva melódica (Fo), mostra-se em foco, caracterizando um novo dado inserido no contexto discursivo. Utilizando um corpus espontâneo, este artigo tem por objetivo analisar a manifestação do foco a partir do contraste entre o julgamento efetuado por falantes nativos do Português Brasileiro, baseado na audição de segmentos conversacionais, e a marcação prosódica efetiva desses mesmos segmentos, com o auxílio de programa computacional de análise prosódica. Os resultados obtidos evidenciaram que: a) a proeminência prosódica não é marca necessária de foco; b) é possível haver ativação de foco em segunda ocorrência discursiva; c) a ativação pode se relacionar com a contigüidade semântica; d) há ativação de foco por extensão metafórica. Os dados evidenciam, também, aspectos relacionados à duração da memória de trabalho. © Ciências & Cognição 2005; Vol. 05: 02-18.

Palavras-chave: ativação cognitiva; foco; prosódia; proeminência prosódica


ABSTRACT

The cognitive activation of a term, or its non-activation, is directly connected to the notion of focus. Traditionally, it is assumed that a term, which is marked by prosodic prominence, is in focus, especially by the elevation of the melodic contour (Fo). This characterizes new information inserted in the discourse context. Using a natural corpus, this article aims to analyze the focus manifestation on the basis of the contrast between the judgment realized by native speakers of Brazilian Portuguese, who listened to conversational segments, and the effective prosodic marks of these same segments. This last procedure was realized with the aid of prosodic analysis software. The results obtained showed that: a) the prosodic prominence is not a necessary indication of focus; b) the focus activation in a second discourse occurrence is possible; c) activation can be related to semantic contiguity; d) there is focus activation by metaphoric extension. The data evidenced aspects related to the duration of the working memory as well. © Ciências & Cognição 2005; Vol. 05: 02-18.

Keywords: cognitive activation; focus; prosody; prosodic prominence


 

 

1. Introdução

A interação comunicativa lida sempre com pressupostos, nos mais variados níveis. Quando se pensam os aspectos do que se constitui como informação nova a ser transmitida, em oposição a uma informação dada, ou seja, que já é do domínio do receptor, pensa-se, necessariamente, o aspecto cognitivo relacionado ao embate que se dá entre os interlocutores. Chafe (1976), ao caracterizar "Given (or old) information is that knowledge which the speaker assumes to be in the consciousness of the addressee at the time of the utterance. So-called new information is what the speaker assumes he is introducing into the addressee's consciousness by what he says.", deixa bem clara a noção de que, na interação comunicativa, é o falante que monitora, segundo suas próprias expectativas, o que está na mente do ouvinte. Não é difícil perceber, em situações reais de comunicação, momentos em que um enunciador produz uma referência anafórica que não é dominada pelo receptor, e este, então, precisa indagar do que trata a sentença pronunciada.

Os estudos de Kuno (Chafe, 1976; Lambrecht, 1994) são tomados como referência para caracterizar, no japonês, as partículas wa, para a noção de dado, e ga, para a noção de novo. Nesse caso específico, a noção de informação dada ou nova não é sugerida por meios prosódicos, não permitindo, ainda, dúvidas quanto à intenção do enunciador. Nas línguas em que não há esse recurso fonológico, a noção da informação dada é manifestada, como no caso do português, pela falta de proeminência prosódica sobre o vocábulo em questão, ou, então, pela referência ao conceito já dado por via pronominal.

A falta de proeminência prosódica faz que o vocábulo entoado não se destaque junto aos demais da mesma enunciação. Caso algum destaque prosódico seja conferido a esse vocábulo, a atenção, tanto do enunciador quanto do receptor, será direcionada para ele. Isso implica a alteração do status cognitivo desse vocábulo: não estar destacado significa estar já ativado, ou seja, estar na memória de trabalho dos envolvidos na interação comunicativa; estar destacado pode significar, por exemplo, estar sendo ativado naquele momento, ou seja, passar a fazer parte dos conceitos necessários para a manutenção da comunicação. Os pronomes, como não comportam um significado específico, como ocorre no caso dos substantivos, quando são usados indicam, necessariamente, que seu referente já está ativado na comunicação, concretizando o processo de retomada anafórica. Casos em que um pronome seja usado sem que essa ativação se mostre efetiva geram problemas de interação.

Lambrecht (1994) sugere que a ativação é o único estado cognitivo que pode ser expresso sem ambigüidade por meios gramaticais em inglês. A intenção deste trabalho é iniciar uma investigação sobre esse fato em relação ao português brasileiro, com uma sustentação empírica que, talvez pretensiosamente, abandona as frases de laboratório para utilizar como corpus fragmentos tomados em uma interação comunicativa real.

 

2. Aspectos Teóricos

O início da discussão envolvendo aspectos de ativação de um constituinte se situa no escopo da aquisição do status de referente discursivo por uma proposição, segundo Lambrecht (1994). Para que isso se processe, é indispensável que o enunciador assuma que a proposição já seja do conhecimento do receptor. Em caso contrário, o enunciador se manifestará discursivamente de forma a introduzir, na situação comunicativa, o novo conceito relacionado a essa proposição. Tendo a proposição assumido esse status de referente discursivo, sua representação mental poderá, então, ser armazenada no registro junto com as demais representações de entidades.

Os conceitos de identificabilidade e de ativação se relacionam diretamente aos mecanismos de memória e de consciência. Chafe (1976) sugere que o termo "identificável" seria melhor que "definido", uma vez que depende da capacidade do receptor o reconhecimento do referente dentro de um conjunto de possíveis referentes designados por uma dada expressão lingüística e a sua identificação com o que o falante tem em mente. No entanto, a tradição do rótulo "definido" sobrepuja a implantação de "identificável". Um referente é identificável discursivamente a partir do momento em que já se situe na memória dos interlocutores e, para ser usado diretamente na comunicação, deve estar alocado na memória de trabalho. Caso esse referente não esteja nesse nível de memória, haverá a necessidade de ativá-lo, ou seja, fazer que passe para o nível de consciência do interlocutor. Paralelamente, as noções de tópico e foco devem ser vistas como categorias relacionais, ou seja, estão em relação direta com as relações pragmáticas entre o que é denotado e as proposições em determinados contextos (Lambrecht, 1994). Eady e colaboradores (1986), por exemplo, caracterizam o foco lingüístico como a tendência a acentuar ou destacar porções de uma sentença por razões relacionadas ao sentido, evidenciando, portanto, o valor pragmático da noção de foco.

Lambrecht (1994), refazendo essa noção de Chafe, aponta, para o contraste definido/indefinido, uma questão de sim ou de não. Sob o ponto de vista gramatical, um artigo não teria como se mostrar mais ou menos definido. Ou é definido ou não é definido. A identificabilidade, por outro lado, seria um problema de grau, uma vez que, dependendo de inúmeros fatores psicológicos que interferem na situação comunicativa, um referente pode ser mais ou menos identificável. Quanto mais ativo estiver esse referente, mais facilmente identificável ele será. Assim, para esse alto nível de ativação, deverão ser considerados o nível de consciência, o potencial da memória de trabalho e a própria memória de longo-prazo.

Um item se mantém ativo caso esteja acionado na consciência, e essa ativação pode cessar a partir do momento em que outro item seja acionado. Isso se relaciona diretamente com os aspectos da memória de trabalho. Portanto, a ativação imediata de um referente depende de que ele seja trazido da memória de longo-prazo para a de trabalho. Caso uma dada informação não seja do domínio do receptor, não haverá ativação do referente; ao contrário, será necessária a construção desse referente na mente do receptor. Por outro lado, é comum que seguidores de determinadas seitas não consigam se abster de suas concepções religiosas durante a interpretação de um texto, fazendo que a mensagem transmitida pelo texto assuma contornos direcionados para os seus interesses dogmáticos (Stein, 2003). Nesses casos, a construção de um novo referente é inviabilizada.

É necessário observar que há uma diferença quanto à marcação prosódica no inglês e no português. A língua inglesa tem suas marcações de proeminência prosódica estabelecidas especialmente com a modulação da freqüência fundamental (Fo), o que significa dizer que o comportamento melódico dos segmentos da enunciação oferece um valor distintivo intenso, e à duração dos segmentos não se aplica o mesmo nível de importância. No português, estudos demonstram que tanto a modulação da freqüência fundamental quanto a duração segmental atuam de forma parecida, desempenhando, em nível de semelhança, o mesmo papel no destaque prosódico (Moraes, 1995a, 1995b).

O aspecto de ativação de um referente, diretamente relacionado às manifestações prosódicas dos constituintes de uma sentença, se estende à noção de contraste que, de acordo com Chafe (1976), relaciona-se a três fatores: o conhecimento de fundo, que pressupõe o conhecimento, por parte do receptor, do que está envolvido na situação comunicativa; o conjunto de possíveis candidatos envolvidos na situação de contraste; e a afirmação de qual candidato é o correto, o que, em última instância, é o objetivo maior de uma sentença contrastiva. Chafe cita que Bolinger (1961) sugeriu que, em sentido amplo, qualquer pico semântico seria contrastivo: em uma frase casual, como "Vamos fazer um piquenique.", o contraste não estaria estabelecido entre o piquenique e um jantar, mas entre a idéia de fazer um piquenique ou qualquer outra coisa. Chafe se opõe a essa noção, sugerindo que sentenças contrastivas seriam qualitati-vamente diferentes das que apenas fornecem informação nova a partir de um conjunto ilimitado de possibilidades. Nessa linha, o próprio foco de contraste poderia ser dado ou novo, mas a informação não pode ser considerada nova, no sentido de um referente recentemente introduzido na consciência do receptor.

E como uma última questão levantada neste trabalho, o aspecto da duração, na memória de trabalho, do referente ativado. Chafe (1976) levanta esse questionamento, sugerindo que esse tipo de julgamento apresenta um elevado nível de dificuldade. Uma propriedade inquestionável da consciência é a de ser sua capacidade muito limitada. Uma proposta de estudo estaria, então, na identificação desses limites.

 

3. Metodologia

Um dos grandes desafios na pesquisa relacionada ao comportamento prosódico está na transição de um corpus constituído por frases de laboratório para um em que a conversação espontânea seja o substrato principal de dados. Indiscutivelmente, enunciações produzidas segundo critérios de ambientação específica (quantidade de sílabas por grupo tônico, fronteiras fonéticas etc.) e contextualização simplificada (eliminação de informações secundárias que possam interferir no conjunto semântico das sentenças, por exemplo) permitem uma análise mais apurada, isolando-se determinados pontos que podem ser contrastados mais claramente com outros de importância relevante. Embora o senso comum permita a sugestão de que, em contextos reais de interação comunicativa, os resultados obtidos a partir desses dados de laboratório se apliquem, permanece a indagação quanto a quão fidedignos esses resultados possam realmente ser.

O objetivo principal deste trabalho é tentar observar como se processa o foco em relação com suas manifestações prosódicas em um corpus de conversação espontânea. A fonte dos dados é uma entrevista realizada no dia 20 de outubro de 2004, no Laboratório de Fonética Acústica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As condições de isolamento acústico e do equipamento utilizado na gravação permitiram que os segmentos isolados para a constituição do corpus fossem analisados com qualidade superior. A duração total da entrevista foi de 24 minutos, sendo a temática principal a elaboração de sintetizadores da voz. Embora a maior parte da entrevista tenha se processado em um tom que se poderia chamar de "professoral", o que, de certa forma, poderia comprometer a naturalidade da interação, o resultado final deixou perceber que, especialmente para o propósito da análise pretendida neste trabalho, as elocuções se mostraram satisfatórias.

Desse total de 24 minutos de gravação, foram selecionados 12 trechos, totalizando 2 minutos e 12 segundos. O fragmento de duração mínima contou com 3,19 segundos e o máximo, 18,53 segundos, sendo que a média dos 12 trechos foi de 10,59 segundos.

Foi montado um teste de percepção em um único arquivo sonoro, em mídia digital (CD). Cada fragmento foi ouvido pelos juízes duas vezes, com um intervalo de 2,5 segundos entre uma e outra audição, sendo que, ao final de cada grupo de fragmentos, houve um intervalo de transição para o fragmento seguinte de 3 segundos. Foi solicitado aos juízes que assinalassem, segundo o seu ponto de vista, o que o falante estaria focalizando como particularmente importante, sendo permitido assinalar mais do que um destaque em cada enunciação (metodologia inspirada em Eady et al., 1986). Evidentemente, essa abordagem permite confusões entre o que seja caracterizado como tópico, como foco, ou ainda como acento de ativação em oposição a acento de foco (Lambrecht, 1994), especialmente para o falante do português, que não observa na estrutura de sua língua uma marcação estabelecida diretamente pela elevação da curva de freqüência fundamental, como se dá na língua inglesa. No entanto, uma vez que a intenção primária deste trabalho é observar como se dá a inter-relação entre os processos de ativação e as suas manifestações prosódicas, a preferência da análise seguirá a abordagem para foco de Eady e colaboradores (1986), mencionada anteriormente. O teste principal foi aplicado em uma turma do sétimo período do curso de Inglês-Literaturas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, contando com 25 juízes, todos falantes nativos adultos do Português. Foram realizados dois testes-piloto antes da aplicação do teste principal - um, com quatro juízes habituados à percepção de comportamentos prosódicos; outro, com 13 juízes durante uma aula de pós-graduação inserida em um curso dedicado a tópicos avançados em pragmática - com o objetivo de contrastar os resultados. Embora tenha havido algumas discrepâncias entre os três blocos de resultados obtidos, os vocábulos considerados neste trabalho contaram com um percentual de reconhecimento cuja importância se mostrou relevante, sendo que mais de 50% deles tiveram reconhecimento numericamente muito próximo nos três grupos.

 

4. Análise dos Resultados

Dos 12 fragmentos utilizados na testagem de reconhecimento, foram selecionados 8 que, por sua estruturação frasal e pelos resultados obtidos, apresentam dados que, de alguma forma, podem contribuir para uma visão mais clara sobre o fenômeno da ativação no português brasileiro.

Esses fragmentos foram analisados no programa WinPitch versão V.1.92, que permite a mensuração da intensidade, da duração e da freqüência fundamental (Fo) de elocuções orais. Assim, não se leva em consideração apenas a intuição dos juízes, como falantes nativos da língua, mas também a análise dos componentes prosódicos relacionados a cada fragmento, possibilitando uma comparação mais eficaz entre a percepção e os dados físicos.

Como exposto na metodologia, o teste cujos resultados foram considerados contou com 25 juízes. Para a notação utilizada em cada um dos fragmentos abaixo, os vocábulos em itálico indicam aqueles que, no teste, obtiveram um percentual de reconhecimento igual ou superior a 40%, ou seja, pelo menos 40% dos juízes identificaram os vocábulos em itálico como focalizados pelo enunciador. As setas sobrepostas indicam que, com base na análise do programa WinPitch, os vocábulos foram prosodicamente marcados, quer pela elevação da freqüência fundamental (representada, após a seta, por "Fo") quer pela duração (representada, após a seta, pela letra "d").

 

4.1. Proeminência prosódica não é marca necessária de foco

1

...chegando de (Fo)Israel e aí... ele (Fo)tinha interesse ele já tinha trabalhado lá...um pouco com essa

área de (Fo)processamento digital(Fo) da voz né:... que é uma área que teve bastante:: né:::...

pr(Fo)odutiva éh(Fo): por aí aqui na U(d)FRJ na PUC também

 

Figura 1 - A

Figura 1 - B

 

 

Figura 1, A e B - Análise prosódica de "chegando de Israel e aí... ele tinha interesse ele já tinha trabalhado lá... um pouco com essa área de processamento digital da voz né:... que é uma área que teve bastante:: né:::... produtiva éh:: por aí aqui na UFRJ na PUC também".

 

Os vocábulos que foram reconhecidos como focalizados na testagem - "produtiva" (72%) e "UFRJ" (52%) - também apresentam uma marcação prosódica significativa. Enquanto a média da Fo, no fragmento, é de 101Hz, o pico da Fo em "produtiva" está em 140Hz. "UFRJ" tem a duração temporal estendida. A ativação, tanto de um quanto de outro, confirma a noção da introdução de um novo elemento discursivo como marcador de um novo foco. Um outro ponto que deve ser observado são as fronteiras para "produtiva". De acordo com Wells (1986), um recurso utilizado na marcação de foco são as possíveis pausas delimitando o vocábulo. Nesse caso, especificamente, embora as pausas sejam significativas, houve também uma elevação bastante considerável da curva melódica. A co-ocorrência desses dois fatores parece ter contribuído para o alto índice de reconhecimento desse vocábulo como estando em foco.

No entanto, a observar o conteúdo semântico dessa enunciação, seria de esperar que os juízes reconhecessem o grupo "processamento digital da voz" como focalizado, o que não se deu de forma expressiva (os vocábulos-núcleo obtiveram 24%, 16% e 20% de reconhecimento, respectivamente). A expectativa estabelecida por ser esse grupo o detentor da principal informação contida em todo o fragmento não é atingida, evidenciando que a proeminência prosódica não caracteriza, necessariamente, marcação de foco (Lambrecht, 1994).

 

4.2. O foco contrastivo

2

(

C: ele se graduou em l(Fo)etras?

J: não... engenharia...

C: en(Fo)genharia...

 

Figura 2

Figura 2 - Análise prosódica de "C: ele se graduou em letras? / J: não... engenharia... / C: engenharia...".

 

No segundo arquivo de audio2, pelo menos dois efeitos prosódicos são significativos: o valor contrastivo e a produção de eco.

Os dois vocábulos destacados tanto pelos juízes quanto pela marcação prosódica - "letras" (48%) e "engenharia" (32%, exceção ao limite de 40% estabelecido como referencial para este trabalho) - não permitem uma mesma análise. Considerando-se apenas as duas primeiras linhas transcritas, a relação de foco estabelecida é a de contraste.

O valor contrastivo, assumido por Ertenschik-Shir (1999) como metalingüístico, não apresenta uma manifestação prosódica bem marcada. Segundo esse autor, os focos metalingüísticos apresentam uma marcação diferente da de outros focos: nas sentenças com foco metalingüístico, os acentos entonacionais dos outros focos são suprimidos. A regra de destaque reflete, assim, o fato de que o falante enfatiza aquilo que pretende que seja percebido com mais destaque pelo ouvinte. Nas caracterizações de perguntas totais, o padrão melódico se dá com o ataque da Fo apenas na última sílaba tônica, como ocorre na primeira linha do segundo fragmento2, com uma curva ascendente-descendente. A possível resposta do entrevistado seria "sim/não" (resposta à pergunta total), simplesmente, ou a indicação, em contraste, de uma outra graduação, como foi o caso ("engenharia"). Segundo Moraes (1984), pode haver até duas marcações prosódicas em uma mesma interrogação, deslocando o foco de atenção do último vocábulo para um outro. No exemplo em questão, a ênfase poderia recair ou sobre "ele" ou sobre "graduou", sendo que a elevação da Fo na última sílaba tônica sempre se faz necessária por força da caracterização da enunciação como interrogativa. Assim, não haveria, em princípio, uma estruturação prosódica específica para a noção de foco contrastivo.

A curva da Fo em "engenharia", na resposta dada pelo entrevistado, está aproximadamente 50% mais baixa do que a de "engenharia" pronunciada pelo entrevistador. Observe-se, também, que se encontra no mesmo nível do vocábulo "não", resposta do entrevistado. Essa nivelação entre a Fo de "não" e a de "engenharia" (resposta do entrevistado) indica que não houve marcação prosódica de foco da parte do entrevistado, muito embora o teste de reconhecimento tenha caracterizado esses dois vocábulos como focalizados (44%, em ambos). A explicação para esse rebaixamento da Fo se dá por se tratar de um final de assertiva, num fluxo de informação. A tendência prosódica, nessas situações, é o início da enunciação com a Fo num nível mais elevado, com ligeira queda até o final (como se observa na Figura 1, desde o início da enunciação até "não"). Essa tendência seria rompida nas situações em que, por desejo do enunciador, algum vocábulo posicionado ao final da frase fosse destacado, o que acarretaria a elevação da curva melódica e, conseguintemente, a marcação de foco. De acordo com o teste, os juízes reconheceram ambos os vocábulos proferidos pelo entrevistado como focalizados, o que confirma a noção de que o foco não é necessariamente marcado prosodicamente.

Na última linha transcrita no segundo fragmento de áudio2, dá-se um fenômeno que apresenta uma explicação não-prosódica, mas relacionada a uma possível superativação. O entrevistador, ao repetir o vocábulo "engenharia", produz um eco, caracterizador, nesse caso específico, de uma informação compartilhada. Sócio-discursivamente, esse fenômeno se manifesta como forma de polidez, estando o entrevistador concordando com a resposta proferida por seu entrevistado. Portanto, embora tenha havido tanto marcação prosódica efetiva quanto reconhecimento dos juízes como focalizado, o que se processa nesse último vocábulo não deve ser entendido a partir da noção de foco.

 

4.3. A manutenção da ativação cognitiva na memória de trabalho (a)

3

eu não me lembro nem quem era era um

ó(Fo)rgão grande tipo... tipo assim Pet(d)robrás ou

eu não me lembro (Fo)quem tava interessado em

comprar naquela a(Fo)ltura esse sistema... né de

de de s(Fo)íntese mas era... ou era um banco

g(d)rande eu não me lembro muito bem mas ele

foi (Fo)lá algumas (Fo)vezes...

 

Figura 3 - A

Figura 3 - B

Figura 3, A e B - Análise prosódica de "eu não me lembro nem quem era um órgão grande tipo... tipo assim Petrobrás ou eu não me lembro quem tava interessado em comprar naquela altura esse sistema... né de de de síntese mas era ou era um banco grande eu não me lembro muito bem mas ele foi lá algumas vezes..."

 

Uma das formas de marcação de foco é o aumento na duração do vocábulo pronunciado, sem, necessariamente, a elevação da curva melódica (Fo) (Eady et al., 1986). No fragmento acima, esse recurso se verifica em duas situações: em "Petrobrás", a sílaba tônica se alonga, produzindo uma maior duração total do vocábulo, o mesmo ocorrendo na última manifestação de "grande".

Fora da abrangência de destaque fornecida pela testagem, há dois dados, no terceiro fragmento3, que talvez possam contribuir para a questão do estabelecimento de até que ponto da enunciação um campo se mantém em foco, não necessitando de nova ativação. Em princípio, uma vez que se dê a ativação de um valor semântico, com marcação prosódica expressiva, as referências seguintes a esse mesmo campo semântico apresentarão comportamento prosódico não-marcado, ou, no nível fonológico, referenciação por meio de pronomes (Lambrecht, 1994). No entanto, para que esse elemento se mantenha cognitivamente ativo, é necessário, em princípio, que esteja na memória de trabalho. Lambrecht (1994) comenta que é significativamente diferente a ativação de um vocábulo como "mãe" e a de um grupo como "o encontro hoje à noite" O primeiro, por força do imaginário coletivo, conta com uma ativação permanente, sendo que a ativação do segundo se dá apenas para um discurso particular.

A última ocorrência de "grande", destacada prosodicamente pela sua duração (1023mseg.), não contou com um reconhecimento expressivo dos juízes na testagem efetuada (20%). A primeira ocorrência apresentou uma duração de 722mseg., tendo sido reconhecida como em foco, também inexpressivamente, por 24% dos juízes. O ponto inicial a ser considerado é a não-indicação, pelo programa computacional, da primeira ocorrência de "grande" como estando em foco: a proeminência prosódica recai sobre "órgão". A explicação para esse fenômeno está na constituição de um único grupo, "órgão grande", com a extensão da marcação prosódica do primeiro vocábulo ao segundo, num nível de importância significativa. Assim, é razoável considerar que essa primeira ocorrência de "grande" também esteja em foco (pelo menos, do ponto de vista do enunciador). Dessa forma, a noção de se tratar de alguma instituição "grande" já está ativada logo no início do fragmento. No entanto, 29 vocábulos (ou, mais exatamente, 18449mseg.) após, a segunda ocorrência de "grande" apresenta uma duração 41% maior que a primeira, o que estaria sugerindo uma nova ativação desse conceito. A análise do quarto e do oitavo fragmentos4, 8, a seguir, evidenciará que a reativação se mostra em relação gradiente, não parecendo ser a duração do intervalo entre as manifestações do conceito cognitivo a principal responsável pela manutenção do status de ativação.

 

4.4. A manutenção da ativação cognitiva na memória de trabalho (b)

4

Fo

e depois na última (Fo)fase teve mais dois...

d

...bo(d)lsistas que não eram mais bolsistas porque não era mais ligado enfim mas que a

d

gente pa(d)gava acho enfim não era uma bolsa

Fo

mas como se fosse assim b(Fo)olsistas pra ajudar

Fo

no tra(Fo)balho mais braçal né

(

 

Figura 4

Figura 4 - Análise prosódica de "e depois na última fase teve mais dois... bolsistas que não eram mais bolsistas porque não era mais ligado enfim mas que a gente pagava acho enfim não era uma bolsa mas como se fosse assim bolsistas pra ajudar no trabalho mais braçal né".

 

Segundo o teste de reconhecimento, apenas dois vocábulos foram identificados significativamente como estando em foco: a primeira ocorrência de "bolsistas" (60%) e "pagava" (44%). Embora a noção de pagamento, de certa forma, já esteja embutida na de bolsistas, uma vez que eles devem ser remunerados, a ativação de "pagava" provavelmente se relaciona com a noção de quem estaria efetuando esse pagamento - no caso, não um órgão de fomento, mas os próprios pesquisadores. Essas duas ativações, portanto, não despertam maior curiosidade.

No entanto, as três manifestações de "bolsistas", em inter-relação, podem contribuir um pouco mais para a questão da permanência de um elemento ativado na memória de trabalho. Embora a primeira ocorrência e a última tenham sido prosodicamente marcadas de formas diferentes, uma com maior duração total do vocábulo, outra com elevação da freqüência fundamental, é interessante observar a duração total das três ocorrências do vocábulo. A primeira foi de 1606mseg.; a segunda, de 1104mseg.; a terceira, de 1284mseg.

Embora a terceira ocorrência tenha sido prosodicamente marcada como em foco, os juízes não a reconheceram como tal (12% de votos), o que significa dizer que, de uma forma geral, do ponto de vista dos ouvintes, as duas últimas ocorrências de "bolsistas" teriam mantido a ativação promovida pela primeira ocorrência. O dado relevante, aqui, talvez seja a percepção não da maioria dos votantes, mas da minoria. Esses 12% de votos, que correspondem a 3 juízes, indicam que, em algum momento, há a possibilidade concreta de essa terceira ocorrência ser percebida como nova ativação, possivelmente por conta de um distanciamento em relação à primeira ocorrência. Entre a primeira e a segunda ocorrências há 4 vocábulos e um intervalo de 1043mseg.; entre a segunda e a terceira, 22 vocábulos (sendo um deles a segunda ocorrência de "bolsistas") e um intervalo de 10158mseg.; entre a primeira e a terceira, 28 vocábulos e um intervalo de 12406mseg. A comparação com os dados apresentados na análise do terceiro item3, acima, deixa perceber que a duração do intervalo entre a primeira e a terceira ocorrência de "bolsistas" (12406mseg.) é significativamente menor que a do intervalo entre as duas manifestações de "grande" (18449mseg.). No entanto, o mesmo fenômeno de reativação se processou sob o ponto de vista do enunciador.

 

Figura 5

Figura 5 - Análise prosódica de "então eu me lembro que a gente fez né... uma um algoritmo pra determinar a taxa de declination da fra:se... quanto que ia cair então já tinha... essa declinação né depois eu me lembro que a gente pês o alongamento final..."

 

Esses dados talvez não contribuam para uma análise em relação ao ponto de vista do receptor (no caso, os juízes do teste), mas parecem ser interessantes sob o ponto de vista do enunciador (o entrevistado). A interseção entre o comentário estabelecido sobre os 12% de votos, no parágrafo anterior, e a marcação prosódica de foco produzida pelo enunciador, sugere dois pontos significativos: sob a perspectiva do enunciador, houve a necessidade, devido a esse intervalo entre a primeira e a terceira ocorrências de "bolsistas", de uma nova ativação; sob a perspectiva do receptor, parece começar a haver essa necessidade (se a quantidade de votos tivesse sido mais expressiva, a necessidade de reativação seria evidente). Assim, percebe-se, nesse caso específico, a diminuição do intervalo necessário para reativação de um conceito na memória de trabalho.

 

4.5. Ativação de foco em segunda ocorrência

5

então eu me lembro que a gente fez né... uma

um algoritmo pra determinar a t(Fo)axa de

dec(Fo)lination da (Fo/d)fra:se... quanto que ia cair

então já tinha... essa de(Fo)clinação né depois eu

me lembro que a gente (Fo)pôs o alongamento

(Fo)final...

No quinto fragmento5, há dois pontos que merecem uma observação mais atenta. Inicialmente, dos três vocábulos que foram reconhecidos na testagem como em foco, dois não apresentam proeminência prosódica, nem quanto à freqüência fundamental nem quanto à duração. Por outro lado, cinco outros vocábulos que apresentam essa proeminência não foram reconhecidos significativamente como em foco. Isso confirma o que Lambrecht (1994) postula: enquanto a ausência da proeminência prosódica em um constituinte necessariamente indica o status ativo do referente codificado ou denotado, a presença da proeminência não tem função distinguidora análoga.

O outro ponto de interesse está no par "declination"/"declinação". Parece razoável desconsiderar, inicialmente, o fato de que o primeiro vocábulo é inglês e o segundo português, uma vez que a testagem principal foi realizada junto a um grupo de alunos prestes a concluir a graduação em Inglês-Literaturas, tornando-se evidente o conhecimento do significado da palavra inglesa. Na testagem, 24% reconheceram "declination" como em foco, percentual que, para os níveis adotados no experimento, foi considerado insuficiente. No entanto, a modulação da Fo nesse vocábulo foi bastante expressiva, o que, do ponto de vista prosódico, caracteriza a sua posição em foco. No entanto, "declinação", além de apresentar proeminência prosódica, foi também reconhecido como em foco pelos juízes.

Do ponto de vista do receptor, trata-se de uma situação em que apenas a segunda manifestação do conceito é cognitivamente ativada, numa sugestão de que, provavelmente, a primeira ocorrência já estaria ativa. A hipótese de que "declination" não estaria, realmente, em foco, não parece razoável, primeiramente por ser a primeira vez, no fragmento, em que se faz menção a esse conceito, e também por estar prosodicamente marcado. A hipótese de reativação de "declinação" por conta do distanciamento entre uma e outra manifestações também não parece razoável, uma vez que o intervalo de tempo entre um vocábulo e outro é de 6464mseg. Em termos comparativos, por exemplo, o intervalo entre as duas ocorrências de "área", no primeiro fragmento1, acima analisado, é de 6163mseg., um pouco menor, o que desabilita essa segunda hipótese. Resta, então, uma incógnita a ser decifrada.

 

4.6. A topicalização

6

depois éh:...a int(F)ensidade eu não tenho (Fo)certeza

se a gente fez ou (Fo)não um componente de

atenuação de i(Fo)ntensidade... isso eu não me lembro...

 

Figura 6

Figura 6 - Análise prosódica de "depois éh:... a intensidade eu não tenho certeza se a gente fez ou não um componente de atenuação de intensidade... isso eu não me lembro..."

 

A estruturação da língua portuguesa permite que se dê destaque a um conceito de várias formas. O processo de focalização, como já discutido, normalmente utiliza a proeminência prosódica, quer no nível melódico quer no nível de duração.

Os juízes, em uma votação bastante expressiva - 96% - indicaram a primeira manifestação de "intensidade", no sexto fragmento6, como estando em foco. A segunda ocorrência recebeu apenas 16% dos votos, o que indica que, para a grande maioria, esse conceito permaneceu ativo até essa nova ocorrência. O fenômeno que se verifica, nesse caso, relaciona-se menos aos aspectos prosódicos do vocábulo que ao seu posicionamento sintagmático. A elocução foi produzida de forma a topicalizar o conceito de "intensidade", o que, por situá-lo em posição inicial, confere-lhe um destaque expressivo, que independe de sua manifestação prosódica. Em outros termos, mesmo que a primeira ocorrência de "intensidade" não contasse com a elevação da Fo registrada (média no fragmento: 115Hz; pico no vocábulo: 136Hz), a tendência seria a de os juízes indicarem esse vocábulo como em foco.

 

4.7. Ativação e contigüidade semântica relacional

7

a pont(Fo)uação... de maneir(Fo)a geral vai marcar

rupturas si(Fo)ntáticas e determinadas (Fo)modali-

dades como (Fo)ponto de interrogação ponto de

Fo Fo

ex(Fo)clamação... né éh r(Fo)eticências e:... enfim ponto final.

 

Figura 7

Figura 7 - Análise prosódica de "a pontuação... de maneira geral vai marcar rupturas sintáticas e determinadas modalidades como ponto de interrogação ponto de exclamação... né éh retic¨ências e:... enfim ponto final"

 

O sétimo segmento7 apresenta uma situação em que a ativação cognitiva de um conceito se mantém distributivamente ao longo da enunciação. Conforme as setas indicam, sete vocábulos foram marcados prosodicamente, via elevação da freqüência fundamental, o que, do ponto de vista do enunciador, caracteriza a ativação cognitiva desses conceitos. Do ponto de vista do recep-tor, 88% dos juízes indicaram "pontuação"

como em foco, e o julgamento dos outros destaques prosódicos foi

inexpressivo ("geral" atingiu 20% e os demais, votação inferior a esse percentual).

Desconsiderando-se "geral" e "sintáticas" que, semanticamente, não estão relacionados à noção de "pontuação", os outros vocábulos nucleares do fragmento se relacionam a esse conceito: "modalidades", contextualmente, estabelece relação com os tipos de pontuação; "ponto", "exclamação", "reticências" e a última ocorrência de "ponto" e "final" (estes dois últimos não marcados prosodicamente) colocam-se como desdobramentos do conceito de "pontuação". Parece razoável postular a extensão de ativação cognitiva (da parte do receptor) por meio de uma contigüidade semântica relacional. A ativação do conceito de "pontuação" se distribui relacionalmente aos outros vocábulos dentro do mesmo domínio referencial, em sintonia com o que Lambrecht (1994) caracteriza como "ancoragem sem âncora": a entidade pode ser identificável uma vez que é percebida como inserida numa relação de frame, sendo esta outra entidade identificável ou não.

 

4.8. Ativação por extensão metafórica

A manutenção da ativação cognitiva na memória de trabalho (c)

8

portanto tem que (Fo)ter de todo jeito um tempi-

nho aí... um e(Fo)spaço que pode ser (Fo)mínimo

lógico... d(Fo)epois que(Fo) ocê bate o ponto... (d)final...

seja eu tô chamando ponto final seja um de exclamação seja um de interrogação seja um

ponto (Fo)simples... aí é que cê vai poder

sin(Fo)tetizar o que... né começou l(Fo)á então tem que ter esse tempo mesmo...

 

Figura 8-A

Figura 8-B

Figura 7 - Análise prosódica de "portanto tem que ter de todo jeito um tempinho aí... um espaço que pode ser mínimo lógico... depois que ocê bate o ponto... final... sseja eu tô chamando ponto final seja um de exclamação seja um de interrogação seja um ponto simples... aí é que cê vai poder sintetizar o que... né começou lá então tem que ter esse tempo mesmo..."

 

Dos três vocábulos que foram indicados na testagem como em foco, o primeiro ("espaço") e o último ("final") suscitam comentários relevantes. O que se processa com "final" é o mesmo fenômeno verificado no processo de distribuição relacional da ativação de conceito caracterizada para o sétimo fragmento7, acima. Observe-se que a segunda ocorrência de "final" e as ocorrências de "exclamação", "simples" (marcados prosodicamente), "interrogação" e "ponto" (não-marcados prosodicamente) mantêm uma relação semântica com a noção de "ponto final". No caso, o enunciador explica o que está caracterizando como ponto final e, nessa caracterização, dá-se a extensão da ativação promovida para esse conceito.

Quanto a "espaço", o fenômeno observado mostra-se consideravelmente mais complexo. Em primeiro lugar, é preciso observar que a noção de "espaço" está em paralelo com a de "tempinho", que a precede na enunciação. A notação utilizada indica ter havido marcação prosódica em e identificação dos juízes para "espaço" como em foco. No caso de "tempinho", não houve marcação prosódica e não houve reconhecimento satisfatório dos juízes para o vocábulo como em foco, segundo o padrão de 40% de votos estabelecido para este trabalho. No entanto, a diferença para que a votação atingisse esse patamar foi mínima (36%), diferença que, para a análise relacional dos dois vocábulos, talvez possa ser considerada inexpressiva, se tomado o ponto de vista do receptor (os juízes). Se a atenção for direcionada exclusivamente à marcação prosódica, no entanto, o ponto de vista do enunciador revelará um comportamento que talvez possa ser estendido para o do receptor.

Cognitivamente, é preciso que se entenda a associação entre "tempinho" e "espaço" como dentro de um domínio metafórico. A noção de espaço se apresenta ao ser humano como um referencial mais concreto, mais visualizável que a de tempo, tornando-se mais palpável ao entendimento a relação de espaço a tempo, na sugestão de que tempo é espaço (Lakoff et al., 1980). Do ponto de vista do enunciador, parece ter havido a necessidade de, imediatamente após "tempinho", estabelecer a noção metafórica de "espaço", de forma a tornar o conceito mais evidente sob os aspectos cognitivos. Essa ativação se deu, como já comentado, com a ativação prosódica de "espaço".

A ativação desse domínio cognitivo se mantém até o final do fragmento, incorporando, explicitamente, a extensão metafórica verificada entre "tempinho" e "espaço". Observe-se que há uma nova ocorrência do conceito de tempo ao final do fragmento, não-marcada prosodicamente, o que, em princípio, a caracteriza como já ativada. A título de comparação com a análise efetuada para o terceiro e o quarto segmentos3, 4, o intervalo de tempo entre "espaço" (que, mesmo metaforicamente, é o vocábulo em que recai a ativação por meio da proeminência prosódica) e "tempo" é de 24954mseg., com 47 vocábulos.

 

5. Conclusão

Os dados levantados neste trabalho parecem, de uma certa forma, contrariar a asserção de Lambrecht (1994), citada na introdução, quando transferida para o português. De acordo com os resultados obtidos na testagem efetuada, comparativamente aos dados fornecidos pelo programa computacional de análise prosódica, parece poder haver alguma ambigüidade quanto ao status da ativação como estado cognitivo, em suas expressões gramaticais. Embora não tenha sido discutida a questão dos pronomes presentes nos fragmentos em estudo, alguns dos contrastes verificados entre as ativações prosódicas e a identificação de vocábulos como em foco deixam perceber a existência de outros fatores cognitivos que interferem substancialmente na questão do "novo" em contraste com o "já-dado".

Embora tenham sido levantados dados mais expressivos em apenas três fragmentos (3º, 4º e 8º), a questão da determinação da capacidade da memória de trabalho parece evidenciar ainda mais a sua complexidade, uma vez que a duração do intervalo entre o referente e sua retomada posterior oscilou bastante. Uma vez que se trata do discurso de um mesmo entrevistado sendo analisado, postular simplesmente que a capacidade da memória de trabalho oscila de indivíduo para indivíduo não parece ser satisfatório: no caso, houve oscilação de fragmento discursivo para fragmento discursivo de um mesmo indivíduo.

Como último ponto, há a discussão de Lambrecht (1994) de duas versões sobre a questão da visão de correlação entre "foco" e "novo". Segundo a versão forte, qualquer constituinte com acento expressa um referente ou denotatum novo ao discurso; segundo a fraca, qualquer referente ou denotatum que seja novo ao discurso requer proeminência prosódica do constituinte correspondente. Lambrecht indica que a versão forte da correlação foco-novo não pode ser sustentada, acreditando que a versão fraca seja a essencialmente correta. Quando se transpõe essa relação para o português brasileiro, há indícios de que essa versão fraca não se sustente. A observação dos dados obtidos com o julgamento do quinto fragmento5 indica que o vocábulo "algoritmo" foi reconhecido como em foco pelos juízes (48%), não havendo, segundo o programa computacional, marcação prosódica sobre ele. Trata-se, portanto, de um referente novo ao discurso que não apresentou proeminência prosódica de seu constituinte. É preciso verificar, com novos estudos, até que ponto essa relação se mantém.

 

 

6. Referências Bibliográficas

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Endereço para Correspondência

C.C.Stein está se doutorando na área de Língua Portuguesa, com concentração em Prosódia. Sua pesquisa procura caracterizar as estruturas prosódicas como sendo significativas, da mesma forma que as estruturas sintáticas comportam uma significação. O enfoque de seu trabalho é direcionado também para a problemática da leitura. E-mail para correspondência: cirineustein@uol.com.br.

 

 

Notas

(1) Arquivo de som disponível em www.cienciasecognicao.org/audio/c&c_vol5_m12541_audio1.mp3

(2) Arquivo de som disponível em www.cienciasecognicao.org/audio/c&c_vol5_m12541_audio2.mp3

(3) Arquivo de som disponível em www.cienciasecognicao.org/audio/c&c_vol5_m12541_audio3.mp3

(4) Arquivo de som disponível em www.cienciasecognicao.org/audio/c&c_vol5_m12541_audio4.mp3

(5) Arquivo de som disponível em www.cienciasecognicao.org/audio/c&c_vol5_m12541_audio5.mp3

(6) Arquivo de som disponível em www.cienciasecognicao.org/audio/c&c_vol5_m12541_audio6.mp3

(7) Arquivo de som disponível em www.cienciasecognicao.org/audio/c&c_vol5_m12541_audio7.mp3

(8) Arquivo de som disponível em www.cienciasecognicao.org/audio/c&c_vol5_m12541_audio8.mp3

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