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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas
On-line version ISSN 1806-6976
SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.15 no.4 Ribeirão Preto Oct./Dec. 2019
https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2019.150254
ARTIGO ORIGINAL
Drogas: uma análise semântica dos estudos brasileiros
Drogas: un análisis semántico de los estudios brasileños
Alexandre Vianna MontagneroI; Gabriel BassanII; Laura VelosoIII
IUniversidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG, Brasil
IIUniversidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG, Brasil
IIIUniversidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: realizar uma análise semântica dos principais elementos discursivos presentes em publicações nacionais sobre drogas ilícitas.
MÉTODO: foram utilizados 336 trechos de resumos retirados de 58 artigos publicados em revistas brasileiras entre 2004 e 2014. Quando submetidos ao programa gratuito Iramuteq®, obteve-se a frequência e a classe das palavras, que revelaram os principais elementos discursivos sobre a temática "drogas".
RESULTADOS: os dados se estruturaram em cinco classes divididas em dois grupos, que revelam a frequência do corpus de palavras analisadas: Dados e Usuário, de modo que o grupo "Dados" foi composto pelas classes: a) Epidemiologia (17,5%) e b) Método de pesquisa (31,4%). Já o grupo "Usuário", pelas classes: c) Atenção em saúde (19,1%); d) Consequências do abuso (16,1%); e) Aspectos sociais (15,9%).
CONCLUSÃO: os discursos presentes nas perspectivas dos autores apontam a preferência pelas pesquisas investigativas, pela utilização do método quantitativo e as pesquisas relacionaram a temática das drogas a aspectos sócio-políticos e à necessidade de novos planejamentos dos serviços de atenção em saúde.
Descritores: Drogas Ilícitas; Assistência à Saúde; Pessoal de Saúde.
RESUMEN
OBJECTIVO: realizar un análisis semántico de los principales elementos discursivos presentes en publicaciones nacionales sobre drogas ilícitas.
MÉTODO: se utilizaron 336 extractos de resúmenes retirados de 58 artículos publicados en revistas brasileñas entre 2004 y 2014. Cuando se sometieron al programa gratuito Iramuteq®, se obtuvo la frecuencia y la clase de las palabras, que revelaron los principales elementos discursivos sobre la temática 'drogas'.
RESULTADOS: los datos se estructuraron en cinco clases divididas en dos grupos, que revelan la frecuencia del corpus de palabras analizadas: Datos y Usuario, de modo que el grupo "Datos" fue compuesto por las clases a) Epidemiología (17,5%) yb) Método de investigación (31,4%). El grupo "Usuario", por las clases c) Atención en salud (19,1%); d) Consecuencias del abuso (16,1%); e) Aspectos sociales (15,9%).
CONCLUSIÓN: los resultados indicaron que los discursos presentes en las perspectivas de los autores apuntan la preferencia por las investigaciones investigativas, por la utilización del método cuantitativo, y las investigaciones relacionaron la temática de las drogas a aspectos socio-políticos ya la necesidad de nuevos planificamientos de los servicios de atención en salud.
Descriptores: Drogas Ilícitas; Prestación de Atención de Salud; Personal de Salud.
INTRODUÇÃO
O consumo de drogas se insere na cultura humana como uma prática milenar e se manifesta de forma universal. Independendo da nacionalidade, a busca pelo uso de substâncias com a finalidade de provocar alterações na consciência é uma prática que se generaliza entre as culturas conhecidas. O estatuto do proibicionismo separou as drogas de acordo com a finalidade de seu uso, sendo legalizadas as atividades mercantis para drogas dos tipos farmacêuticas e lícitas, disseminadas legalmente pelas indústrias farmacêuticas, de tabaco e álcool. As drogas classificadas como ilícitas, ilegais, são comercializadas clandestinamente e têm como consequência a criminalização sociopolítica do usuário(1).
Durante o século XX a atividade mercantil de drogas se apresentou relativamente maior, enquanto a proibição oficial do comércio de substâncias psicoativas aumentava, observando que até o daquele século o uso de drogas não era proibido de maneira legal e institucional internacionalmente. O estatuto do proibicionismo separou as drogas de uso farmacêutico e as indústrias de tabaco e álcool do comércio das drogas ilícitas, sendo estas ilegais e comercializadas clandestinamente, formando um mecanismo que hipertrofia o lucro do comércio ilegal de drogas interditas(1).
Estudos que realizam levantamentos sociodemográficos apontam que as principais vítimas de todo contexto envolvido no comércio e no uso das drogas pertencem às camadas mais pobres da população, pois moram e convivem em locais que são focos do comércio de substâncias ilícitas e se encontram em uma posição mais vulnerável ao abuso de poder por parte da polícia e de outros órgãos judiciários. É direito constitucional de qualquer indivíduo receber assistência integral do Estado, seja ela em saúde ou segurança, mas quando inseridos em um contexto de drogadição há um rompimento das autoridades com esse indivíduo, passando a julgá-lo como um criminoso. A política de combate às drogas é difundida pelos veículos de informação e contribui para a mistificação do tema, relacionando os índices de marginalidade com o aumento da presença e do uso das drogas no território nacional. Dessa forma, a população que mais carece de recursos financeiros é também a que deve ser colocada no centro das práticas e políticas a serem desenvolvidas nessa área, que se destaca por sua problemática(2).
O uso de drogas acarreta, entre seus efeitos, dependências biológicas e psicológicas e, segundo o I Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas feito em 1997 no Brasil, 2,3% da amostra apresentaram dependência de cocaína e 11,2%, dependência de álcool. Entre 1988 e 1999, estudos realizados no Brasil apontaram um aumento na internação de usuários de cocaína em detrimento de outras drogas(3).
O aumento do número de dependentes no Brasil sugestiona a necessidade de pesquisas científicas sobre o assunto, com fins de aprimorar ideias já estabelecidas no campo científico e de estabelecer novos programas de intervenção, assumindo que os impactos fisiológicos provocados pelo consumo de entorpecentes são mais conhecidos do que os psicológicos. A oportunidade de avaliar os discursos publicados por diferentes pesquisadores em diferentes áreas do conhecimento pode gerar reflexões necessárias para mudanças positivas no cenário da drogadição.
Este trabalho permite investigar os discursos produzidos pela comunidade científica acerca do uso abusivo de drogas e suas problemáticas. Identificando os principais elementos discursivos podemos realizar uma análise semântica para compreender a direção que as novas produções estão seguindo em relação às teorias, aos serviços de assistência em saúde e às políticas referentes. Além disso, é possível apontar quais as carências nas produções analisadas quando comparadas umas às outras, confrontando diferentes variáveis pertencentes à análise como o tipo de estudo, as revistas de publicação e as áreas do conhecimento.
Método
Coleta de dados
A pesquisa tem como método a revisão bibliográfica. As bases de dados consultadas foram Pepsic, Scielo, Periódico Capes e Google Acadêmico. Os descritores utilizados foram: droga, abuso, ilícita. Para acesso aos elementos discursivos dos pesquisadores brasileiros em relação à temática das drogas de abuso, foram utilizados trechos dos resumos dos artigos. O resumo foi escolhido, pois sintetiza a proposta teórica dos objetivos, métodos e reflexões do autor quanto aos resultados encontrados, criando assim condições para analisar sua linha discursiva de maneira mais sucinta e objetiva que a análise do artigo inteiro. Isso favorece a aquisição de resultados que evidenciam os discursos acadêmicos produzidos sobre a temática das drogas, apesar de que esse recorte limita a amplitude dos resultados, tornando necessárias pesquisas para avaliar a equidade de resultados em relação a ambos os métodos.
Inicialmente foram selecionados 102 artigos, sendo os critérios para inclusão: a publicação em revistas nacionais nos últimos dez anos (2004-2014), escritos na língua portuguesa e com a temática do uso de drogas ilícitas de abuso. Destes, 47 foram descartados, pois tratavam do abuso de drogas lícitas, o que não interessava aos objetivos da pesquisa, ou então tratavam das drogas ilícitas explorando aspectos de sua composição, mas sem problematizar as variáveis relacionadas ao consumo. Como o delineamento desta pesquisa não se caracteriza como uma revisão sistemática de literatura, os pesquisadores advertem que outros filtros ou métodos chegariam a um número diferente de artigos. O importante para este tipo de análise era obter uma amostra que representasse de maneira geral como os pesquisadores têm entendido e comunicado os achados e reflexões no campo do uso de drogas ilícitas.
Análise de dados
O estudo foi composto por 58 artigos. Para formar o corpus textual foram selecionados 336 trechos retirados dos resumos. Estes, de modo geral, continham em sua estrutura informações sobre o referencial teórico, o objetivo, o método e a discussão dos resultados. Em seguida, os resumos foram classificados de acordo com o tipo de estudo, área do conhecimento e revista publicada. Após esse processo, eles foram submetidos ao programa Iramuteq® (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), o qual permitiu a administração dos resumos como variáveis independentes.
O programa Iramuteq® viabiliza a análise de corpus textuais e analisa estatisticamente a frequência em que as palavras aparecem, ferramenta que é denominada lexicografia básica. A Análise de Similitude que fornece uma árvore de coocorrências permitindo identificar a conexão entre as palavras e a estrutura de representação dos dados textuais advindos dos resumos. A Classificação Hierárquica Descendente (CHD) oferece a categorização das palavras por meio de contextos (classes lexicais) de um vocabulário que se relaciona com determinados segmentos(4).
A CHD, além de permitir uma análise lexical do material textual, oferece contextos (classes lexicais), caracterizados por um vocabulário específico e pelos segmentos de textos que compartilham esse vocabulário (4). Os segmentos de texto são classificados em função dos seus respectivos vocabulários e o conjunto deles é repartido em função da frequência das formas reduzidas. As classes geradas a partir da classificação hierárquica descendente representam o contexto de sentido das palavras e podem apontar representações sociais ou elementos de representações sociais sobre o objeto social estudado (4). Os resultados encontrados a partir da análise de similitude e da classificação hierárquica descendente foram analisados e utilizados para construir os elementos para a discussão.
Destaca-se que o programa Iramuteq® pode ser adquirido gratuitamente na internet, possuindo fonte aberta e dicionário léxico em permanente ampliação.
Resultados
A totalidade do campo temático drogas ilícitas foi dividido em unidades de contexto elementares (UCE). O programa reconheceu a separação do corpus em 1.741 agrupamentos de textos. A CHD realiza uma análise pós-fatorial definitiva que reteve 1.464 segmentos de textos, 84,09% do total se dividiu no corpus em cinco classes. O campo temático "Drogas" que corresponde à totalidade do corpus se dividiu em duas ramificações, uma delas que chamaremos de "Dados" se subdividiu na classe 1, "Epidemiologia das drogas" e na classe 2, "Métodos de pesquisa". A outra partição, da qual chamaremos de "Usuário", se dividiu na classe 5, "Atenção em saúde" e em outra sub-partição que chamaremos "Aspectos do uso", esta que corresponde a praticamente 50% de todos os segmentos do corpus. Na partição "Usuário" temos ainda a classe 3, "Consequências do abuso" e, por fim, a classe 4, "Aspectos sociais".
O corpo temático "drogas" gerado a partir dos 58 resumos de artigos se dividiu em dois grandes temas: aspectos relacionados ao usuário e outros relacionados aos dados sobre drogas. Assim podemos dizer que uma parte dos discursos encontrados nas produções brasileiras sobre o abuso se preocuparam em explicar o que é a droga, seus tipos e efeitos, bem como as formas de se coletar informações sobre o tema e outra parte, correspondente a mais de 68% do corpus textual, trata de questões relativas aos usuários. A Figura 1 demonstra esquematicamente as categorias suscitadas e a frequência em porcentagem que cada uma aparece na totalidade dos resumos analisados, além de fornecer as dez palavras mais frequentes de cada classe.
Os aspectos relacionados ao usuário representam a maior parte dos segmentos coletados, dessa forma o corpus temático se dividiu ainda em: "Serviços de atenção em saúde" e "Aspectos do uso". Podemos identificar o interesse dos autores pelas unidades de atenção, assim como o serviço prestado pelos profissionais e programas que envolvem o cuidado da população de usuários de drogas. Na outra ramificação pertencente ao usuário, a qual nomeamos "Aspectos do uso", nota-se a preocupação pelos contextos gerados e geradores da drogadição, havendo uma clara centralização do tema como um problema e um risco para a vida. Representando 50,5% do corpus, "Aspectos do uso" é a classe mais mensurada nas pesquisas, o que deixa explícito a relevância dada aos contextos sociais e às consequências que acompanham o usuário.
As categorias que se ramificam da unidade "Dados" são referentes aos conteúdos epidemiológicos e aos procedimentos adotados na realização de uma pesquisa. Ambos são descritores importantes e aparecem nos segmentos com uma frequência proporcional. Enquanto os dados epidemiológicos demonstram a relevância dada pelos autores na categorização dos elementos que constituem o uso de substâncias, como o tipo da droga e o perfil de usuário, o fator "Métodos de pesquisa" demonstra a preocupação dos autores pela descrição do método e abordagem utilizada para uma possível pesquisa com adictos; percebemos que a junção desses dois fatores corresponde a 32% do corpus do texto. A categoria "Dados" engloba elementos recorrentes e obrigatórios nos artigos, sejam eles referentes aos fatores que nos levam a pensar sobre os tipos de drogas e adictos ou nos procedimentos e métodos obrigatoriamente descritos nos resumos de artigos.
A classe 1 é constituída por trabalhos que focam em questões epidemiológicas referentes ao uso da droga, e representa 16,1% dos 1.464 agrupamentos de texto analisados. A Figura 2 representa uma nuvem associativa de palavras presentes nessa classe, resultado da análise de similitude realizada pelo programa Iramuteq®. Cada classe obteve uma amostra diferente de palavras, porém apenas essa imagem será demonstrada para ilustração.
O levantamento de dados epidemiológicos permite que se tenha uma visão mais precisa sobre o impacto do uso de substâncias psicoativas, além de possibilitar, posteriormente, uma comparação entre os dados nacionais em contraste com os de outros países(5). Além disso, é possível o desenvolvimento de modelos de tratamento mais eficazes e ações desenvolvidas em conjunto com diversos órgãos do governo de forma integrada para abordar a problemática das drogas.
Fica evidente na Figura 2 uma forte relação entre as palavras droga e uso, contudo, analisando as palavras ligadas a esses dois termos, podemos perceber que a preocupação dos autores não estava ligada somente ao uso de drogas em si, mas também para se referir à metodologia utilizada nas produções.
Como se pode observar na Figura 2, drogas como cocaína, crack, maconha, álcool e tabaco se destacaram, indicando o enfoque de estudos de levantamento na identificação de quais drogas são mais utilizadas pelo grupo investigado. Estudar o perfil do usuário de cada substância é importante para identificar os grupos mais expostos e quais características são comuns a eles. Saber, por exemplo, que estudantes que possuem renda familiar maior e que não têm religião estão mais susceptíveis ao uso de drogas, possibilitaria que intervenções adequadas fossem feitas com esses grupos(6).
O estudo correlacional foi, consideravelmente, o mais utilizado na classe 1, o que indica a intenção dos pesquisadores em buscar interações entre drogas/uso e outros fatores. Dessa forma, os estudos correlacionais se preocupam mais em descrever dados epidemiológicos e, por outro lado, aqueles classificados como descritivos e analíticos citam esses dados com menor frequência. A categorização por meio de variáveis em pesquisas correlacionais são fundamentais para as suas comparações. Dados sociodemográficos podem ser facilmente identificados em segmentos dessa categoria, o que torna mais facilitada a comparação entre esses fatores e o envolvimento com as drogas.
Já a classe 2, nomeada de "Métodos de pesquisa", é caracterizada por elementos característicos dos procedimentos e normas utilizadas na realização de pesquisas referentes a drogas. Essa classe representa 15,92% dos 1.464 agrupamentos de texto analisados pelo Iramuteq®.
Na realização de uma pesquisa, os procedimentos devem ser validados e, quando publicados, explicitados nos artigos. Além dos procedimentos, as análises dos resultados também apontam a preocupação dos autores diante da ética em pesquisa e para com os critérios em sua realização. Considerando que a maioria dos trabalhos sobre drogas envolvem a participação de sujeitos, os procedimentos devem estar de acordo com o que é requerido pelo comitê de ética.
Um possível conceito de educação se refere ao processo pelo qual o conhecimento se produz, reproduz, conserva, sistematiza e se universaliza. Nesse ponto, sistematização é uma possível definição para os métodos, pois na realização de uma pesquisa sobre drogas, a metodologia tem função de globalizar a compreensão dos dados e, a partir das entrevistas com os usuários, levantar questões apontadas pelos dados bibliográficos. Esse processo sistemático facilita a transmissão e produção do conhecimento, mas ao mesmo tempo transfere para a análise dos usuários uma interpretação pronta sobre a drogadição. Apesar de necessário, as ferramentas e métodos de pesquisa são constituídos por um sistema de crenças e devem ser utilizados sem generalização. Quando nos referimos ao uso da droga, o contexto nos proporciona uma imensidão de variáveis que não devem ser reduzidas, a instrumentalização do profissional deve estar de acordo com as demandas específicas do contexto investigado para não haver comprometimento dos resultados(7).
Segmento 1: "Os dados foram coletados a partir da revisão de prontuários da internação e de entrevistas face a face baseadas em questionários estruturados. As informações obtidas nos prontuários foram dados demográficos(8)".
O segmento 1 é um dos trechos analisados pelo programa. Percebe-se que ele denota a utilização de prontuários e entrevistas estruturadas para a coleta de dados em pesquisa. Ao analisarmos, podemos inferir que o segmento ilustra a preferência dos pesquisadores pelas pesquisas investigativas em campo, que requer uma coleta de dados envolvendo pouco contato entre o pesquisador e o participante. Muitas vezes esses dados são coletados de prontuários, sendo esta a oitava palavra mais frequente dessa classe. Essa preferência afirmada pela tradição é questionável quando a pesquisa envolve o estudo de uma população vulnerável, como a de adictos, que estão sujeitos ao estigma e à distorção da informação, além de não ter a capacidade de integrar a comunidade como faz uma pesquisa de intervenção(9).
Os estudos classificados como descritivos e analíticos fazem maior uso das palavras pertencentes à classe referente. Essa análise demonstra-nos que esses tipos de estudos se utilizam mais da descrição dos métodos utilizados na realização da pesquisa em drogadição do que as demais categorias comparadas. Inferimos que isso ocorre devido ao caráter investigativo na maioria desses tipos de estudo, ou seja, para além de dados sociodemográficos, esses estudos estão voltados para os métodos utilizados para identificar o caráter subjetivo e vivencial do uso de substâncias.
A classe 3 pertence à partição denominada "Usuário" e está caracterizada como "Consequências do uso de substâncias". Ela representa 31,35% dos segmentos analisados e é a classe mais frequente. Sua importância se encontra na relação entre o usuário e a substância, seguida das respectivas consequências que os autores referem ser provenientes do uso de substâncias psicoativas. Nota-se na Tabela 1 que as palavras relacionadas a essa classe remetem aspectos problemáticos relativos ao envolvimento dos usuários com o universo do uso de substâncias.
Das classes apresentadas, essa é provavelmente a mais abrangente quando se trata da relação do sujeito com a substância. Os fatores presentes nessa relação geralmente estão focados no indivíduo e não nos elementos da sociedade, caso contrário a classe 4 seria mais mensurada do que essa.
Não podemos analisar o fenômeno das drogas apenas de uma perspectiva, já que envolve um conjunto de fatores, como questões de ordem cultural, genética e socioeconômica. Dessa forma, o fenômeno das drogas é complexo e não pode ser analisado da percepção de apenas uma faceta. A interlocução de conhecimentos proporciona estudos mais completos e ajuda a combater estigmas enraizados pelo senso comum(10).
A área do conhecimento que mais publicou materiais sobre a relação do usuário com a substância foi a Enfermagem; isso provavelmente acontece por causa do caráter de amparo que envolve a profissão, fundamental no cuidado de pacientes em recuperação. O/a enfermeiro/a tem potencial para detectar problemas e desenvolver ações assistenciais, uma vez que estabelecem um vínculo com as pessoas em atendimento. No entanto, são apontadas diversas barreiras no campo da assistência social em detrimento às políticas públicas que atrapalham a atuação desses profissionais em instituições de saúde, o que é um prejuízo aos profissionais e aos usuários do serviço(11).
Em um estudo feito com uma equipe de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps AD), os pesquisadores perceberam que as condutas dos profissionais que oferecem esses serviços são muitas vezes guiadas por preconceitos e julgamentos morais(12). Como consequência, os usuários do serviço não são tratados em sua integralidade e acabam sendo repudiados por estigmas pertinentes à rejeição cultural. Outro problema ocorre quando não há um atendimento especializado para usuários de certas substâncias e estes são percebidos apenas como pacientes que necessitam de atendimento de saúde mental. Essas falhas no atendimento são resultado de uma formação profissional pouco adequada, que se soma à falta de investimentos públicos destinados a essas instituições.
Representando 19,1% dos segmentos analisados neste estudo, a classe 4 refere-se aos aspectos sociais, destacando a correlação entre os fatores sociais e o uso de drogas; é a segunda classe mais frequente nos segmentos analisados. As dez palavras mais frequentes dessa classe expressam os fatores sociais que dão origem e transformam o fenômeno do uso de drogas, constituindo aspectos dos direitos humanos, do uso precoce e das perspectivas adotadas para a análise desse fenômeno.
Associado aos índices de criminalidade e violência, o uso de drogas também se manifesta mais intensamente nas camadas sociais mais vulneráveis e expostas a situações de risco. Das pessoas que vivem em comunidades marginalizadas, muitos têm consentimento do uso de drogas que ali acontece. A maioria desses usuários possui uma renda menor que dois salários mínimos ou se encontram desempregados, situação que muitas vezes os levam a se exporem aos riscos que envolvem o comercio ilegal de substâncias(13).
A criminalização do usuário de drogas se baseia em um discurso implantado no imaginário social, ou seja, o usuário não é apenas reprimido por ações judiciais, mas também pela sociedade. O drogadicto se torna vítima de um olhar pragmático que, além de culpabilizá-lo, não considera suas necessidades singulares e o insere em programas medicalizadores sem o conhecimento de seus respectivos contextos históricos e sociais(2).
Segmento 2: "ficando à mercê de uma abordagem civilizada ou humilhante, a depender da opção do policial no momento, se torna natural a violação de direitos no cotidiano, porque essas violações são construídas no processo de interação entre os atores sociais".
O segmento 2 retoma a questão da violência presente na relação de poder diante do uso de drogas ilícitas. Sendo esta uma prática mal estabelecida nos trâmites legais, a abordagem dependerá do ponto de vista do policial que está atuando. Esse segmento apresenta aspectos importantes da classe 4, uma vez que denota que o uso de drogas depende da atuação de diferentes papéis sociais, assume diferentes perspectivas e compreende o fenômeno a partir de aspectos pessoais e culturais.
Além da criminalização dos usuários de drogas, os discursos presentes nos veículos de informação nacionais são apontados como repressores do uso de crack e estigmatizam os usuários. Esse comportamento de exclusão social é comparado pelos autores aos modelos manicomiais que defendiam uma condição de isolamento e punição. O usuário de crack se tornou protagonista, mas ainda assim, as pesquisas feitas nos novos modelos aderidos pelo sistema público de saúde lutam contra as informações apresentadas em campanhas publicitárias e em jornais(14).
As pesquisas de intervenção são as que mais utilizam palavras referentes à classe 4, ou seja, se preocupam mais em compreender o funcionamento das unidades de saúde, os aspectos sociais do uso da droga e as intervenções políticas diante do usuário. Nota-se que a palavra compreender se faz frequente nos segmentos, o que denota uma investigação reflexiva e aprofundada sobre as condições sociais que delineiam o uso de substâncias. Podemos referir que a preocupação com a relação do usuário de drogas com a sociedade e seus mecanismos de disseminação se destaca e é um tema que abrange uma complexidade que demanda investigação. Mais do que correlacionar, podemos perceber.
Na classe 5, denominada "Serviços de atenção em saúde", dos 1.464 agrupamentos de texto, 256 são característicos desta classe, tratando-se basicamente de todo o aparato que existe para apoiar, proteger, reduzir danos e oferecer auxílios de tratamento diante da contingência do uso de drogas. A análise feita pelo programa Iramuteq® relacionou a palavra saúde a muitas outras palavras, essas palavras ramificam as relações se ligando às outras. Esse aspecto torna visível o funcionamento dinâmico da classe, que se relaciona fortemente a conteúdos pertencentes às outras.
Do ponto de vista discursivo, é possível perceber que essa classe expressa a preocupação presente nas pesquisas sobre o papel do Estado, das organizações e dos profissionais em relação ao usuário de drogas. O discurso gira em torno das políticas existentes ou inexistentes, das consequências advindas do apoio ou omissão e as alternativas de serviços prestados à comunidade.
O movimento da reforma psiquiátrica gerou um processo permanente de adaptações do serviço público, sendo essas mudanças políticas, organizacionais, tecnocientíficas e práticas. Os modelos de cuidado atual desses serviços buscam resgatar o aspecto de humanização, tentando restabelecer seu vínculo com a sociedade. As formas de cuidado integral, além de pensar em novos mecanismos de funcionamento interno, se preocupam com um aspecto importante dos usuários: a identidade pessoal(15).
A palavra que aparece com maior frequência nessa classe é serviço e suas relações que se destacam são com as palavras atender, implantação, procura, demanda e intervenção. Dessa forma, os discursos presentes nos aspectos dos serviços em saúde se referem às configurações dos serviços diante das necessidades dos usuários e as possibilidades de implantação de práticas de atendimento em saúde.
As revistas mais representativas dessa classe são da área da Psicologia. Com o movimento de desinstitucionalização psiquiátrica, juntamente com a valorização da atenção primária, as mudanças na assistência em saúde mental se tornaram um objeto de estudo frequente em pesquisas relacionadas às drogas. Os novos modelos de atenção em saúde beneficiaram o crescimento de diferentes áreas do conhecimento que atuam na atenção primária, permitindo a emergência de uma série de pesquisas que enfocam aspectos abrangentes da atenção e promoção em saúde.
Discussão
As ramificações identificadas são tratadas em relação às práticas em pesquisas e aos assuntos abordados por elas. As classes 1 e 2, pertencentes à primeira ramificação, são referentes aos dados utilizados na metodologia no levantamento de dados epidemiológicos coletados de uma população inserida em contextos. As demais classes, demonstradas na segunda ramificação, se referem aos aspectos que os pesquisadores abordam referentes à relação entre o usuário e a droga, definindo os principais problemas enfrentados pela população e pelo poder político. As duas classes pertencentes à primeira ramificação são as menos representativas da amostra coletada.
A classe 1 revela a preocupação dos autores na identificação de características da população pesquisada, como fatores etários, de gênero e classe social. Além da identificação dos tipos de usuários, essa classe representa a categorização dos tipos de drogas comercializadas para consumo. O levantamento desses dados é importante para a elaboração de políticas públicas que focalizam suas práticas de acordo com a necessidade da população investigada. Alguns fatores culturais e referentes às normas e práticas são relacionados nos estudos como promotores ou inibidores do consumo de drogas, como religião, nível de escolaridade e afiliação a associações esportivas(6).
A classe 2 denota os respectivos procedimentos metodológicos adotados pelos pesquisadores. Foi apontada a preferência por procedimentos investigativos em campo, realização de entrevistas com questionários, análise de prontuários e utilização do método quantitativo. Apontamos neste estudo que as utilizações de questionários correm o risco de coletar dados falsos decorrentes de informações enviesadas pelo estigma relacionado ao uso de drogas. Além disso, as pesquisas de investigação em campo, quando comparadas às de intervenção, são menos eficientes em promover práticas que inserem socialmente a população(9). A classe em questão é a menos expressiva, representando apenas 15,9% dos segmentos analisados.
A classe 3, pertencente ao segundo agrupamento gerado pelo Iramuteq®, é referente às consequências que podem ser geradas decorrentes do abuso de drogas. Os efeitos apontados pelos autores provenientes do abuso de drogas não interferem apenas no sujeito isoladamente, mas também nas suas relações com a sociedade, instituições e órgãos públicos. A consequência do uso das drogas abarca uma relação sociodinâmica, ou seja, não prejudica somente a integridade física do sujeito, mas também seus valores morais e o coloca diante de julgamentos arbitrários. Essa classe é a mais frequente entre as outras e foi fortemente relacionada pelo programa com as classes 2 e 4.
A classe 4, também pertencente ao segundo agrupamento, é a segunda mais expressiva e trata de um conjunto de descritores que relacionam a drogadição com aspectos sociais. Os pesquisadores demonstram que o uso de drogas está relacionado à classe social e ao índice de criminalidade de uma população, sendo que as classes mais baixas são mais vulneráveis à exposição ao tráfico. Outro aspecto abordado é o preconceito que permeia as classes mais pobres, que é difundido por mecanismos midiáticos alienantes, um propulsor de medo que de tempos em tempos escolhe uma nova droga para implantar reações aversivas na sociedade(14). Vale ressaltar que uma das palavras mais presentes nessa classe é compreensão, o que indica uma preocupação dos pesquisadores em promover um discurso crítico que gere um entendimento mais profundo dos contextos dos adictos e suas singularidades.
A classe 5, ainda pertencente à segunda ramificação, se refere aos serviços de atenção em saúde oferecidos a usuários de substâncias e seus respectivos programas de intervenção. Nessa classe, diversos segmentos demonstram a preocupação dos pesquisadores em abordar e desenvolver o processo de desinstitucionalização psiquiátrica e relacioná-lo aos novos e possíveis serviços oferecidos. Esses serviços têm como objetivo atender à grande demanda que requisita atendimento, oferecendo intervenções em grupos com determinada atenção individual no intuito de compreender as características subjetivas dos usuários e incentivar suas produções.
Conclusão
A partir das relações que as classes estabelecem e da diversidade de classes geradas pelo programa, a complexidade envolvida no uso e comercialização de drogas ilícitas demonstra a necessidade de os autores explorarem diversos aspectos envolvidos na temática ao realizarem estudos sobre ela. Os fatores históricos relativos à produção acadêmica, bem como o viés de um olhar hegemônico diante do uso de substâncias, fazem com que as pesquisas elucidadas adquiram novas alternativas que descriminem os usuários e que propõem atuações na esfera social por meio da modificação de fatores que estão relacionados às consequências do uso. Os resultados levantados neste estudo permitem a futuros pesquisadores dessa área analisarem os principais discursos abordados, bem como os temas carentes de aprofundamento metodológico.
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Autor Correpondente:
Alexandre Vianna Montagnero
E-mail: montagnero@ufu.br
Recebido: 12.12.2017
Aceito: 07.12.2018