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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

Print version ISSN 1808-5687On-line version ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.16 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2020

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20200005 

RELATOS DE PESQUISAS RESEARCH REPORTS

 

Senso de autoeficácia, comportamentos de saúde e adesão ao tratamento em pacientes portadores de diabetes e/ou hipertensão

 

Sense of self-efficacy, health behaviors and adherence to treatment in patients with diabetes and/or hypertension

 

 

Lucia Emmanoel Novaes MalagrisI; Jully Anne Alcides RibeiroII; Liandra Guedes TeixeiraII; Sabrina Emely de Queiroz Costa MourãoII

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Rio de janeiro - RJ - Brasil
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Psicologia - Rio de janeiro - RJ-Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O número de portadores de Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT), em todo o mundo, tem crescido exponencialmente a cada ano. A modificação do estilo de vida e a adesão ao tratamento são fundamentais para estabilidade e manejo dessas doenças. Uma das variáveis envolvidas no processo de tratamento é o senso de auto eficácia, que sinaliza o quanto o indivíduo sente-se capaz para realizar determinado comportamento, neste caso, a adesão a comportamentos saudáveis. Investigou-se a relação entre senso de auto eficácia, presença de comportamentos de saúde e nível de adesão em portadores de hipertensão arterial (HA) e/ou diabetes mellitus (DM). Participaram do estudo 51 pacientes e foram utilizados o Questionário de Atitudes e Comportamentos de Saúde, Questionário de Nível de Adesão ao Tratamento e a Escala de Auto eficácia Geral Percebida. Verificou-se que indivíduos com maior senso de auto eficácia aderiam mais ao tratamento e apresentavam mais comportamentos de saúde Observou-se prevalência de mulheres na amostra e menor adesão ao tratamento de pacientes empregados. Tais resultados indicam necessidade de intervenções para aumento do senso de auto eficácia em pacientes com HA e DM e políticas voltadas para facilitação do autocuidado de indivíduos ativos profissionalmente.

Palavras-chave: Autoeficácia; Comportamento de saúde; Cooperação e Adesão ao Tratamento.


ABSTRACT

The number of people with Noncommunicable Diseases (NCDs) has shown an exponential growth every year worldwide. Lifestyle change and adherence to treatment are critical for the stability and management of these diseases. One of the variables involved in the treatment is the sense of self-efficacy, which indicates the ability of an individual to have a certain behavior, in this case, to adhere to health behaviors. The relationship between sense of self-efficacy, presence of health behaviors and adherence level in patients with hypertension (HTN) and/or diabetes mellitus (DM) was investigated. Fifty-one patients participated in the study, and the Health Attitudes and Behaviors Questionnaire, the Questionnaire of Adherence Level to Treatment and the General Perceived Self- Efficacy Scale were used. Individuals with a greater sense of self-efficacy were found to adhere more to treatment and to exhibit more health behaviors. There was a prevalence of women in the sample and lower adherence of employed patients to treatment. These results show the need for interventions to increase the sense of self- efficacy in patients with HTN and DM, and policies aimed at facilitating the self-care of employed people.

Keywords: Self Efficacy; Treatment Adherence and Compliance; Health Behavior.


 

 

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) constituem um problema mundial. Estima- se que aproximadamente 80% das mortes por tais doenças estejam presentes em países de baixa renda, sendo que um terço das pessoas acometidas têm idade acima de 60 anos (Silocchi & Junges, 2017; Roman & Siviero, 2017). Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 57,4 milhões de brasileiros são portadores de pelo menos uma DCNT, havendo um plano nacional para enfrentamento dessas doenças em vigência no País (Brasil, 2014). As DCNTs atingem, principalmente, indivíduos com baixa renda e escolaridade devido ao menor acesso a informação e saúde (Ha Dinh, Bonner, Clark, Ramsbotham, & Hines, 2013).

O Brasil está na quarta posição mundial em relação ao número de indivíduos acometidos pelo diabetes melito (DM), somando 12,5 milhões de pessoas com idade entre 20 e 79 anos.

Mundialmente, estima-se que 52,5% dos casos sejam subdiagnosticados em países de renda média (International Diabetes Federation [IDF], 2017). O DM está entre as doenças com menores índices de adesão ao tratamento (Ramos-Cerqueira, Seidl, Malerbi, Nogueira, & Côco, 2018). Já quanto a hipertensão arterial (HA), a prevalência em adultos acometidos no Brasil é de 32,5% (36 milhões de adultos), contribuindo, pode-se afirmar, direta ou indiretamente, para 50% das mortes decorrentes de doenças cardiovasculares (Malachias et al., 2016). O tratamento de uma DCNT exige do indivíduo postura ativa, ou seja, é necessário que o paciente siga as recomendações dos profissionais da saúde, sejam elas referentes a medicamentos ou a mudanças no estilo de vida (Cruz, 2017; Stopa et al., 2018). Szwarcwald e colaboradores (2015) destacam que, no Brasil, os indivíduos optam por reduzir os comportamentos nocivos à saúde, e não por adquirir novos comportamentos benéficos à saúde. Mostra-se, assim, de suma importância a compreensão dos fatores envolvidos na adesão para que ações sejam desenvolvidas visando o controle de DCNTs (Morales, 2015). O senso de autoeficácia é um desses fatores, constituindo-se em uma das variáveis da presente pesquisa. O conceito de autoeficácia foi desenvolvido por Albert Bandura (1977) e diz respeito a quanto um indivíduo acredita ser capaz, ou hábil, de realizar com sucesso determinada tarefa. A importância do estudo da autoeficácia, em especial no campo da saúde, é relativa à ideia de que crenças, falsas ou verdadeiras, podem se tornar a base interna pela qual o indivíduo irá ponderar e controlar seu comportamento diante de uma situação (Beck, 2013). Portanto, pode-se supor que o senso de autoeficácia, alto ou baixo, influencie a adesão ao tratamento de uma DCNT.

O presente estudo de delineamento quantitativo, transversal e de cunho descritivo, se propôs a verificar a relação entre senso de autoeficácia geral percebida, presença de comportamentos de saúde e nível de adesão em pacientes portadores de HA e/ou DM. Partiu-se da hipótese de que pacientes que apresentam maior senso de autoeficácia geral percebida tendem a apresentar mais comportamentos de saúde e, consequentemente, maior nível de adesão ao tratamento. Acredita-se que o estudo de tal relação possa ser útil como base para novas pesquisas e para a elaboração de ações no campo da saúde.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 51 pacientes diagnosticados com HA e/ou DM que faziam acompanhamento na instituição em que a pesquisa foi realizada. Como critérios de inclusão, estabeleceu-se que os participantes deveriam ser maiores de idade, portadores de HA e/ou DM e fazer acompanhamento na instituição. Foi critério de exclusão apresentar transtornos mentais identificados.

Local

O estudo foi realizado em uma instituição de saúde pública vinculada a uma universidade que oferece serviços aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) do município do Rio de Janeiro e de seus municípios vizinhos.

Instrumentos

Objetivando avaliar os dados sociodemográficos dos participantes, elaborou-se um questionário com informações como sexo, idade e estado civil. Utilizou-se também o Questionário de Atitudes e Comportamentos de Saúde (QACS) (Pais-Ribeiro, 2004), que consta de 28 itens ante os quais o respondente escolhe a melhor de cinco opções: quase sempre, com muita frequência, muitas vezes, ocasionalmente, quase nunca. Considerando o inventário total, a consistência interna original foi satisfatória (alfa de Cronbach de 0,76). As categorias que compõem o instrumento são: Exercício físico, Nutrição, Autocuidado, Segurança motorizada e Uso de drogas ou similares. A baixa correlação entre categorias confirma a independência entre elas e, segundo o autor do instrumento, o QACS revela-se "[...] uma lista de classificação de comportamentos de saúde, com características adequadas para avaliar o que as pessoas fazem para cuidar da sua saúde e evitar as doenças" (Pais- Ribeiro, 2004, p. 393). Foram criados, no presente estudo, os níveis "inferior", "médio" e "superior" para classificação dos participantes quanto a atitudes e comportamentos de saúde.

Para avaliar o nível de adesão às recomendações médicas, utilizou-se o Questionário de Nível de Adesão ao Tratamento, elaborado por Almeida (2016), com pacientes com HA e DM da mesma instituição em que o presente estudo foi realizado. Nesse questionário, há, para cada recomendação médica, uma escala analógica de autoavaliação subjetiva, relacionada ao nível de adesão percebido pelo paciente ante os comportamentos listados pela autora do questionário como reveladores de adesão ao tratamento. O questionário é composto de 15 itens e de uma escala analógica de 0 (nunca) a 10 (sempre) para cada um deles, ante os quais o participante deve indicar como percebe seu nível de adesão a cada ação recomendada pelo médico. A marcação para cada item é medida com régua em centímetros. Quanto mais próxima de 10 a média obtida pelo indivíduo por meio da soma dos centímetros de cada item, dividida pelo número de itens, maior é o nível de adesão. No presente estudo estabeleceram- se os níveis "inferior", "médio" e "superior" para a classificação dos participantes quanto ao nível de adesão. Considerando o tamanho amostral do estudo, não foi possível realizar uma análise fatorial para verificar se a escala era ou não unidimensional.

Além disso, foi utilizada a Escala de Autoeficácia Geral Percebida, adaptada e validada por Souza e Souza (2004) para amostras brasileiras a partir da escala original de Schwarzer e Jerusalem (1995). Essa escala avalia um senso geral de autoeficácia percebida visando identificar a capacidade de superação de dificuldades diárias e de se adaptar após enfrentar estressores do dia a dia. No presente estudo foram criadas categorias correspondentes aos níveis "inferior", "médio" e "superior" para classificação dos participantes quanto ao grau de senso de autoeficácia percebida. A escala é composta de 10 itens a serem avaliados pelo respondente em relação a cinco opções de respostas, sendo 1 discordo totalmente, 2 discordo na maior parte, 3 não concordo nem discordo, 4 concordo na maior parte e 5 concordo totalmente. Segundo os autores, não há itens invertidos, e eles sugerem para avaliação que se utilize a média ou soma dos escores, sendo que, quanto maior a pontuação, maior a percepção da autoeficácia geral. Considerando que os autores da escala objetivaram avaliar um senso geral de autoeficácia, pode-se concluir pela unidimensionalidade do instrumento. A análise da consistência interna da escala original por meio do alfa de Cronbach foi 0,81.

Procedimento

Após aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa do [informação omitida para não identificação da instituição] sob o número 2.673.829, a amostra do estudo foi selecionada por conveniência. Os participantes foram recrutados na sala de espera da Unidade de Cuidados Básicos, tendo o estudo e seus objetivos sido apresentados no momento da atividade de psicoeducação realizada regularmente na sala de espera pela equipe de psicologia. Aqueles que se interessaram e atendiam aos critérios de inclusão assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam aos instrumentos da pesquisa.

Análise dos dados

Para descrever o perfil da amostra foram calculados: frequência absoluta (n), percentual e estatísticas descritivas das variáveis contínuas, com média, desvio padrão, valores mínimo e máximo, mediana e quartis. Para analisar a consistência interna das escalas foi calculado o coeficiente alfa de Cronbach. Para comparação das variáveis categóricas entre grupos foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson, ou o teste exato de Fisher. Já para variáveis contínuas, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis e, para a relação entre as variáveis numéricas, o coeficiente de correlação de Spearman. Para análise do tamanho do efeito empregou-se a estatística de Cohen's, Eta squared e Omega squared. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%, ou seja, p<0,05.

 

RESULTADOS

Foram realizadas as análises detalhadas referentes à consistência interna dos instrumentos investigada por meio do coeficiente alfa de Cronbach. Quanto à QACS, verificou-se que a escala total obteve alfa de 0,682 e que os itens 2 (Ando a pé ou de bicicleta diariamente), 3 (Pratico desporto que faz suar, pelo menos duas vezes por semana, p. ex., corrida, tênis, natação, basquetebol, futebol, etc.) e 8(Durmo o número de horas suficientes para me sentir repousado) apresentaram menor consistência com o total. Após a retirada desses itens, o alfa subiu para 0,705. Quanto à escala de autoeficácia, o alfa de Cronbach encontrado foi de 0,833 e, para a escala de adesão, o alfa foi de 0,699, com menor consistência para o item "cessação de tabagismo", cuja exclusão aumentou o alfa para 0,725.Verificou-se que, dos 51 participantes, 35(68,63%) eram mulheres e 16 (31,37%) eram homens. Quanto à faixa etária, 18(35,29%) se encontravam na faixa etária entre 60 e 69 anos; 14(27,45%) estavam entre 70 e 79;11(21,57%) tinham entre 50 e 59;6 (11,76%), entre 40 a 49 anos; e 2 (3,92%), entre 80 e 89 anos. Sobre o estado civil, 20 (39,22%) eram casados; 17(33,33%), solteiros;12 (23,53%), viúvos; e 2 (3,92%) eram divorciados. Verificou-se que 26 (50,98%) participantes tinham ensino fundamental; 18(35,29%), nível médio; e 7(13,73%), nível superior. No que se refere à ocupação, observou-se que 26 (50,98%) eram aposentados ou pensionistas, 18(35,29%) estavam empregados, e (7,84%) estavam desempregados e três (5,88%) se declararam do lar. Além disso, encontrou-se que 49 participantes tinham HA (96%), 16 (31,4%) tinham DM e outros 16 (25,4%) tinham ambas as doenças.

Quanto ao QACS, foram analisadas a frequência e a porcentagem por questão e observou-se que o item "Verifico anualmente a pressão arterial" foi o que obteve maior porcentagem de participantes marcando "Quase sempre" (50/98,04%). A seguir, verificou-se que os itens "Evito utilizar estimulantes (anfetaminas ou outros) mesmo em épocas de exames" e "Evito ter relações sexuais com pessoas que conheço mal" foram marcados como "Quase sempre" por 48 participantes (98,12%). Na categoria "Quase sempre", os terceiros itens mais marcados foram "Vou anualmente ao médico fazer um checkup", "Não guio (carro, motorizada, etc.) quando bebo demais, ou não viajo com um condutor que bebeu demais", "Quando guio ou quando viajo em algum veículo, gosto de me manter dentro dos limites de velocidade" e "Evito fumar", com 47 marcações (92,16%). Em quarto lugar verificou-se o item "Evito mudar de parceiro sexual", com 46 marcações (90,20%).

Os itens menos marcados como "Quase sempre" foram "Devido aos efeitos potencialmente perigosos da cafeína, evito tomar bebidas tais como café, chá ou Coca-Cola", com 9 marcações correspondendo a 17,65% dos participantes, e "Pratico desporto que faz suar, pelo menos duas vezes por semana (p. ex., corrida, tênis, natação, basquetebol, futebol, etc.)", com 7 marcações (13,73%). Consequentemente, este último item foi o mais marcado como "Quase nunca" (44/86,27%).

Em seguida, foram verificadas as frequências e porcentagens das marcações feitas pelos participantes referentes a cada item da Escala de Autoeficácia Geral Percebida. O item que obteve maior frequência na categoria "Concordo totalmente" foi "Eu posso resolver a maioria dos problemas se eu investir o esforço necessário para isso" (37/72,55%), seguindo-se do item "Mesmo se alguém se opuser, eu posso encontrar os meios e as formas de alcançar o que eu quero" (34/66,67%) e "Se eu estiver com problemas, geralmente consigo pensar em algo para fazer", com 33 marcações, correspondendo a 64,71% dos participantes. Os itens menos marcados na categoria "Concordo totalmente" foram "Eu consigo manter-me calmo ao enfrentar dificuldades porque eu confio nas minhas habilidades para enfrentar essas situações", com 24 marcações, correspondendo a 47,06% dos participantes, e "Eu estou confiante que poderia lidar, eficientemente, com acontecimentos inesperados", com 21 marcações (41,18%). Quanto ao nível de adesão, observou-se que 27 participantes (52,94%) se encontraram no nível "médio", seguindo-se pelo nível "inferior" com 13 (25,49%) e, por último, o nível "superior" com 11(21,57%).

Em relação às variáveis numéricas, a idade média dos participantes foi de 63,12±9,77. Quanto aos instrumentos, é possível observar que no QACS o item "Verifico anualmente minha pressão arterial" teve a maior média (4,92±0,56), seguindo-se do item "Evito utilizar estimulantes (anfetaminas ou outros) mesmo em épocas de exames", e "Evito ter relações sexuais com pessoas que conheço mal" ambos com média de 4,80±0,83. O item com menor média foi "Pratico desporto que faz suar, pelo menos duas vezes por semana (p. ex., corrida, tênis, natação, basquetebol, futebol, etc.)", com 1,55±1,39.

Considerando o nível de adesão, foi encontrado que o item "Cessação do tabagismo" obteve a maior pontuação média por parte da amostra (9,67±1,48), seguindo-se do item "Consumo moderado de álcool", com pontuação média de 9,24±1,58. O item com menor pontuação média foi "Fracionar as refeições (comer de 3 em 3 horas)", com 4,47±3,86.

No que se refere à Escala de Autoeficácia Geral Percebida, o item com maior média foi "Eu posso resolver a maioria dos problemas se eu investir o esforço necessário para isso", com pontuação média de 4,59±0,85, seguido de "Eu sempre consigo resolver os problemas difíceis se eu tentar bastante", com 4,37±1,02. O item com menor pontuação média foi "Eu consigo manter-me calmo ao enfrentar dificuldades porque eu confio nas minhas habilidades para enfrentar essas situações", com 3, 63±1,60.

Considerando os três níveis de adesão (inferior, médio e superior), foram feitas análises comparativas em relação a idade, sexo, ter HA e/ou DM, estado civil e escolaridade, observando-se que não houve diferença significativa entre os níveis de adesão e essas variáveis entre os participantes (p> 0,05). No entanto, quanto à ocupação, houve maior frequência de participantes "empregados"nos níveis de adesão inferior e médio. Além disso, notou-se maior frequência de participantes entre os "aposentados/ pensionistas, desempregados e do lar" no nível superior de adesão (Teste Exato de Fisher: p=0,030; Cohen's h=1,494).

Não houve diferença significativa na comparação entre os níveis de adesão com média de idade e escore médio de autoeficácia, sendo observado, para idade, Teste de Kruskal-Wallis: χ2= 2,59; GL=2; p=0,274; Eta squared=0,052; e Omega squared=0,012; e, para escore de autoeficácia igual, Teste de Kruskal-Wallis: χ2=3,30; GL= 2;p=0,192; Eta squared= 0,066; e Omega squared= 0,026. No entanto, encontrou-se diferença significativa entre os níveis de adesão e escore de comportamentos de saúde, ou seja, maiores valores de comportamentos saudáveisnos participantes com níveis de adesão médio e superior (Teste de Kruskal-Wallis: χ2= 22,03; GL= 2;p<0,001; Eta squared=0,441; e Omega squared= 0,412) (Tabela 1).

 

 

Comparações entre as variáveis numéricas e escores das escalas de comportamentos de saúde, senso de autoeficácia geral percebida e nível de adesão ao tratamento indicaram correlação positiva entre senso de autoeficácia médio e comportamento de saúde, com escore médio (Spearman: r=0,296; p<0,035; Cohen's f2= 0,096). Encontrou-se também correlação positiva entre nível médio de adesão e senso de autoeficácia médio (Spearman: r=0,341; p=0,01; Cohen's f2= 0,132). A correlação entre nível médio de comportamentos de saúde e nível médio de adesão também foi positiva (Spearman: r=0,669; p= 0,001; Cohen's f2= 0,810). Ou seja, verificou-se relação positiva entre ter nível médio de comportamentos de saúde e de adesão e ter nível médio de senso de autoeficácia. Os resultados também indicaram relação entre nível médio de comportamento de saúde e nível médio de adesão. Quanto à correlação entre idade e nível médio de comportamentos de saúde, não foram encontrados resultados significativos (Spearman: r=0,184; p=0,195; Cohen's f2=0,035). Isso também ocorreu em relação a idade e nível médio de autoeficácia (Spearman: r= 0,156; p=0,273; Cohen's f2= 0,025), assim como entre idade e nível médio de adesão (Spearman: r=0,270; p=0,056; Cohen's f2= 0,079) (Tabela 2). Ou seja, a idade não mostrou relação entre comportamentos de saúde, autoeficácia e adesão.

 

 

Os resultados encontrados indicam que a maior parte da amostra foi de mulheres, o que é coerente com a observação de Levorato, Mello, Silva e Nunes (2014) de que elas procuram o sistema de saúde cerca de 1,9 vezes mais que os homens. É possível que, no presente estudo, a prevalência de mulheres esteja associada à disponibilidade de tempo, pois a maioria delas era aposentada ou trabalhava no lar. Como enfatizam Machine colaboradores (2011), o trabalho, muitas vezes, dificulta o acesso à saúde, seja devido à carga horária, seja pelo cansaço ou pela falta de liberação dos trabalhadores para ida ao serviço de saúde. Do mesmo modo, Silva, Machado, Ribeiro e Coelho (2016) ressaltam que, no horário de funcionamento dos serviços de saúde, os homens normalmente estão no trabalho, o que dificulta que procurem atendimento. Quanto à faixa etária, o fato de mais da metade da amostra ter acima de 60 anos condiz com a literatura, que enfatiza que as DCNTs são prevalentes em idosos (Roman & Siviero, 2018). O desgaste natural do organismo devido ao tempo somado a um estilo de vida deficitário já consolidado ao longo dos anos possivelmente contribui para a presença dessas doenças. No estudo de Souza, Porto, de Souza e da Silva (2016), realizado com 132 idosos, 62% deles declararam ter alguma DCNT, sendo que as doenças cardiovasculares foram as mais citadas, seguidas pelo DM. Além disso, encontrou-se que o uso de tabaco aumentou o risco para tais doenças e que o nível de inatividade física pareceu ser alto entre os idosos.

No que se refere ao nível educacional, metade da amostra tinha ensino fundamental, o que é consonante com a literatura, que enfatiza que as doenças crônicas têm maior frequência entre pessoas com baixa escolaridade (Malta & Silva Jr., 2013).Tal nível educacional pode contribuir para pouco acesso à informação ou para dificuldade de compreensão, mesmo quando se tem contato com a divulgação do que são comportamentos saudáveis e métodos de prevenção de doenças. Ao mesmo tempo, considerando a possibilidade de a baixa escolaridade estar associada a baixa renda, pode-se supor que os problemas financeiros dificultem o acesso ao que é recomendado. O estudo realizado por Borges, Rombaldi, Knuth e Hallal (2009) com a população da cidade de Pelotas (RS), Brasil, avaliou o conhecimento da população sobre os efeitos do sedentarismo, do tabagismo, do uso excessivo de álcool e da alimentação inadequada sobre oito morbidades, incluindo DM e HA. O estudo concluiu que as pessoas pertencentes a níveis socioeconômicos mais elevados, assim como aquelas com maior nível educacional, dispunham de mais conhecimento acerca dos fatores de risco para doenças crônicas. Nesse sentido, outro estudo, realizado por Rodrigues e Silveira (2015) na Universidade Federal de Goiás, Brasil, com 79 participantes ambulatoriais, pesquisou a relação entre renda e escolaridade e fatores de saúde e de nutrição, encontrando que, quanto menor a escolaridade e a renda per capita, menor era o consumo de alimentos saudáveis. Os autores acrescentaram em suas conclusões que o maior nível de escolaridade influencia a obesidade e os alimentos que são selecionados para consumo.

Fato a ser ressaltado é que, no presente estudo, quase a totalidade da amostra tinha HA (96%) e apenas 31% tinham DM. Isso se explica na medida em que a sala de espera onde os participantes foram recrutados era do setor de cardiologia da instituição. Logo, era de se esperar tal resultado. A presença de DM é comum em associação com HA, no entanto, na amostra estudada apenas cerca de 27% das pessoas apresentavam as duas patologias. Esse resultado mostra-se superior ao encontrado por Silva e colaboradores (2011), em que 19,5% apresentaram a associação entre essas doenças.

Em relação aos comportamentos de saúde mais presentes na amostra, foram encontrados: evitar uso de tranquilizantes, evitar fumar, evitar ter relações sexuais sem preservativo com desconhecidos, evitar dirigir após ingerir bebidas alcoólicas e ir ao médico anualmente. Os comportamentos favoráveis à saúde costumam fazer parte das recomendações médicas, e alguns são divulgados também na mídia, o que pode indicara efetividade de ambos os métodos para a prevenção e o controle de doenças. Estudo realizado com 120 idosos usuários de dois programas de exercícios físicos no Recife (PE), Brasil, identificou os motivos mais importantes para adesão dos participantes. Foi observado, por exemplo, que 60,8 e 55,8% dos idosos consideraram a influência da televisão e das propagandas, respectivamente, como sem importância, e apenas 1,7 e 4,2%, como importantíssima (Freitas, Santiago, Viana, Leão, & Freyre, 2007).

Já os comportamentos de risco mais encontrados foram o uso de cafeína e a não adesão à prática de exercício físico. Segundo Moreyra, Castellanos, Tibaldi, Arias e Moreyra (2018), a cafeína tem o potencial de aumentar a pressão arterial, mesmo quando consumida em pequenas doses. Fato preocupante, pois 96% da amostra apresentava HA. Quanto à prática de exercício físico, sabe-se que é fundamental tanto na prevenção de doenças quanto em seu tratamento (Rondom & Brum, 2003). Hortencio, Silva, Zonta, Melo e França (2018) avaliaram os efeitos de um programa de exercícios na redução de fatores de risco cardiovascular em 34 idosos sedentários com HA. Foram três meses de exercício físico de intensidade moderada, duas vezes por semana, com 90 minutos de duração. Segundo os autores, houve redução estatisticamente significativa da pressão arterial sistólica e diastólica médias dos participantes quando comparadas com os valores antes da intervenção.

Quanto ao senso de autoeficácia, observou-se que a maior parte da amostra se percebeu com um bom nível, considerando-se capaz de resolver problemas diante de esforço. Porém, parte da amostra demonstrou menor senso de autoeficácia para resolver problemas que não sejam rotineiros. Isso parece revelar que alguns participantes podem ter dificuldades em lidar com problemas que fujam ao seu repertório comportamental, o que não significa que, com esforço, não se sentissem capazes de fazê-lo. Tal conclusão condiz com o fato de que grande parte da amostra revelou perceber que geralmente, em caso de estar com problemas, consegue encontrar os meios e as formas de alcançar o que quer. No entanto, praticamente metade dos participantes não concordou plenamente sobre conseguir manter a calma ante dificuldades por confiar em suas habilidades de enfrentamento. Tal dado parece indicar a necessidade desses pacientes receberem treinamento em técnicas de resolução de problemas (Beck, 2013), pois a autoeficácia é um mediador cognitivo importante para a performance diante de tarefas que envolvam a confrontação de dificuldades (Hoare, 2006). A importância do senso de autoeficácia ante problemas de saúde foi constatada no estudo de Cruz, Navarro- Pardo, Pocinho, Anjos e Jacob (2017) com 214 alunos, com média de idade de aproximadamente 68 anos, de sete universidades seniores portuguesas. Os autores concluíram que a autoeficácia relativa à autodireção na saúde estava relacionada ao bem-estar e que a capacidade de decidir sobre a própria vida, que é um aspecto da autoeficácia, contribui para um envelhecimento ativo.

Quanto ao nível de adesão, observou-se que aproximadamente metade da amostra revelou adesão média ao tratamento. Sabe-se que o tratamento para DCNTs envolve não só o uso de medicação, mas também mudanças nos hábitos de vida. Segundo Lustosa, Alcaires e Costa (2011), a adesão a tais mudanças costuma ser mais complexa do que aos tratamentos medicamentosos. O tratamento dessas doenças traz alguns dificultadores, pois, além da necessidade diária de ingestão de medicamentos que, por vezes, têm efeitos colaterais desagradáveis, envolve a prática de exercícios físicos, alimentação balanceada, controle do tabagismo e do uso do álcool. Além disso, o modo como o indivíduo portador de uma DCNT interpreta a doença contribui para os sentimentos associados e os comportamentos de adesão ou não adesão decorrentes (Malagris & Almeida, 2015).Em estudo realizado por Dias e colaboradores (2017) em uma Unidade Básica de Saúde de Minas Gerais, Brasil, com 14 idosos portadores de DM, todos os participantes relataram fazer uso de medicamentos, enquanto 71% dos participantes declararam seguir a dieta recomendada e apenas 21% declararam realizar atividade física de forma regular. Mesmo quanto ao uso da medicação, a adesão, muitas vezes, mostra-se insuficiente, como foi identificado no estudo de Silva, Marino, Guidoni e Girotto (2014), que encontrou adesão igual a 54,7% na pesquisa com 117 idosos portadores de HA. Tal resultado se revela consonante com o nível médio de adesão observado no presente estudo.

Foi possível confirmar que os participantes se enquadraram na hipótese levantada no início do estudo, de que aqueles que apresentassem maior senso de autoeficácia geral percebida tenderiam a apresentar mais comportamentos de saúde e, consequentemente, maior adesão ao tratamento de HA e DM. Observou-se que 52,94% dos participantes apresentavam nível médio de adesão, e os indivíduos com maior senso de autoeficácia adotavam a prática de mais comportamentos de saúde, demonstrando, consequentemente, maior nível de adesão. Tais achados vão ao encontro do que Bandura (2004) afirma sobre como a autoeficácia influencia diretamente na adesão ou não adesão a um tratamento.

É importante salientar que é possível que os participantes que apresentaram maior número de comportamentos de saúde, menor número de comportamentos de risco, maior nível de adesão, além de maior senso de autoeficácia venham a ter menos comorbidades no futuro. No entanto, cabe lembrar da vulnerabilidade biológica como um fator contribuinte para doenças crônicas, além das variáveis citadas.Tanto nos casos em que tal vulnerabilidade está presente quanto naqueles em que há comportamentos de risco, a educação em saúde, envolvendo orientações sobre comportamentos saudáveis, pode contribuir para evitar o desenvolvimento de doenças crônicas e comorbidades, bem como para o controle do agravamento quando doenças crônicas já estão presentes, como enfatizam Zolotarova, Brynza e Mehtieva (2016).

Quanto às relações entre níveis de adesão e dados sociodemográficos, presença de HA, DM ou de outras doenças, o fato de não terem sido encontradas associações significativas parece indicar que variáveis diversas dessas estavam influenciando a adesão dos pacientes. Já quanto a estarem trabalhando ou não, foi encontrada relação entre níveis de adesão médio e inferior e indivíduos empregados, ou seja, aqueles que se mantêm no mercado de trabalho de forma ativa. Tal resultado pode se dever à disponibilidade de tempo livre para irem ao serviço de saúde, adquirirem novos hábitos alimentares, à falta de disposição para a prática de exercícios físicos e, até mesmo, a esquecerem de ingerir a medicação nos horários recomendados. Esses fatores acabam por comprometer o tratamento das doenças (Machin et al., 2011). Tal resultado condiz com o fato de ter sido encontrada uma quantidade considerável de indivíduos aposentados/pensionistas no nível superior de adesão.

Convém ressaltar que o estudo apresenta limitações, como o número reduzido de participantes, o recrutamento por conveniência, variáveis da instituição em termos estruturais e de funcionamento, bem como o fato de nem todas as variáveis que podem estar envolvidas na dificuldade de adesão terem sido investigadas. Além disso, o Questionário de Nível de Adesão ao Tratamento é autoaplicável, o que também pode ser uma limitação, pois ele reflete a percepção do paciente, e não um dado objetivo. Propõe-se, assim, a realização de novas pesquisas que possam superar as limitações do presente estudo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados confirmam a importância de ações que visem desenvolver o papel ativo do paciente para contribuir com o senso de que ele é capaz de cuidar de sua saúde e seu bem-estar. A prevalência de mulheres na amostra reforça a ideia de que elas frequentam mais instituições de saúde. Também é digno de atenção o fato de que os pacientes que eram ativos no mercado de trabalho tinham maior dificuldade de adesão, possivelmente por restrição do acesso em função de falta de tempo ou de não liberação do empregador para procurar os serviços de saúde. Ações que visem a conscientização dos empregadores para a compreensão dos benefícios para a empresa de que seus colaboradores estejam saudáveis mostram-se necessárias. Cabe aos profissionais atentar para o senso de autoeficácia dos pacientes, pois o quanto eles acreditam ser capazes de fazer e seguir mudanças em suas vidas pode influenciar seus comportamentos e suas crenças diante da doença. Nesse sentido, o trabalho do psicólogo na equipe multidisciplinar é de alta relevância.

Considerando que este estudo foi realizado com uma população específica, não se pode generalizar seus resultados, mas ele disponibiliza dados importantes para um tratamento cada vez mais integral do indivíduo com uma DCNT. Além disso, outras variáveis podem ser exploradas em estudos subsequentes, como a influência do papel de gênero, do nível educacional, do estado civil e do apoio social no cuidado da saúde. Sugere-se replicações desta análise em outras instituições, públicas e particulares, para que se possa ampliar cada vez mais o conhecimento das principais questões que interferem em uma boa adesão e no melhor manejo do tratamento.

 

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Correspondência:
Lucia Emmanoel Novaes Malagris
Email: lucianovaes@terra.com.br / lucia.novaes.malagris@hotmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 17 de Setembro de 2019. cod. 45.
Artigo aceito em 27 de Agosto de 2020.

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