INTRODUÇÃO
O suicídio é um fenômeno complexo, multifacetado e de múltiplas determinações, que pode afetar indivíduos de diferentes raças e/ou etnias, classes sociais, idades e gêneros. É reconhecido como um grave problema de saúde pública, que está entre as principais causas de óbitos no mundo, em decorrência do aumento significativo de casos na população mundial (World Health Organization [WHO], 2014).
A cada ano, cerca de 800 mil mortes por suicídio ocorrem no mundo, o que significa que a cada 40 segundos uma pessoa morre por suicídio na população geral. Para cada pessoa que se suicida, estima-se que mais de 20 outras o tentam (WHO, 2014). Entre os jovens (15 a 29 anos), foi a quarta principal causa de morte em 2019, sendo que 79% dos suicídios no mundo ocorrem em países de baixa e média renda e os métodos mais comuns utilizados são: ingestão de pesticidas, enforcamento e armas (WHO, 2021).
Além do termo “suicídio”, existem diferentes terminologias que se relacionam com o suicídio, como a ideação suicida e tentativa de suicídio. De acordo com, Wenzel, Brown e Beck (2010), ideação suicida pode ser definida como quaisquer pensamentos, imagens, crenças, vozes ou outras cognições descritas pela pessoa sobre terminar com sua própria vida. A tentativa de suicídio, por sua vez, caracteriza-se por comportamentos de autoagressão que não resultam em óbito e que podem deixar sequelas graves ou não. Compreende-se o suicídio como uma ação iniciada com a intenção de causar a morte e com a expectativa desse desfecho (WHO, 2014).
Botega (2015) afirma que é possível associar a ideação suicida a um aumento significativo no risco de tentativas de suicídio e que a presença de ideação suicida, por si só, é um sinal de grande sofrimento psíquico, que exige atenção redobrada. Sendo assim, ressalta-se a importância de compreender os aspectos e fatores que podem ter influência sobre esse fenômeno.
No Brasil, ocorrem anualmente cerca de 10 mil mortes por suicídio, com valores estáveis ao longo dos últimos anos. No período de 2010 a 2019, foram registrados 112.230 óbitos por suicídio no país, com uma taxa geral de 6,6/100 mil hab. O risco de suicídio no sexo masculino foi de 10,7/100 mil hab., sendo aproximadamente 3,8 vezes maior que o feminino, cuja taxa é de 2,9/100 mil hab. (Brasil, 2021). Em relação aos fatores de risco, verifica-se a presença de transtornos mentais em 90% dos casos de óbitos. Outros fatores de risco descritos na literatura são perdas recentes, personalidade com fortes traços de impulsividade e agressividade, uso abusivo de substâncias, doenças crônicas (incapacitantes, dolorosas e desfigurantes), baixa escolaridade, desemprego, desigualdade social, instabilidade familiar e história de tentativa de suicídio (Botti et al., 2018; Gimeniz, Barbosa & Lima, 2021; Jaen-Varas et al., 2019).
Ao analisar o tratamento para pacientes suicidas, destaca-se a grande variedade de técnicas e intervenções terapêuticas na Terapia Cognitivo-comportamental (TCC). Todavia, a TCC tradicional tem ainda alta taxa de reincidência em transtornos psiquiátricos, especialmente no manejo de pacientes com problemas caracterológicos crônicos e refratários (Young, Klosko, & Weishaar, 2008). Um modelo que pode contribuir na compreensão destes pacientes é a Terapia do Esquema (TE), cujo intuito é analisar as experiências infantis no desenvolvimento da personalidade normal e/ou patológica, bem como a influência das vivências com os cuidadores (pais ou responsáveis) ao longo da vida (Wainer et al., 2016).
Na TE, os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) são padrões emocionais e cognitivos iniciados no desenvolvimento infantil que são elaborados ao longo da vida e são disfuncionais em um grau significativo (Young, 2003). Porém, um EID não necessariamente fundamenta-se em traumas ou maus tratos na tenra infância, mas sim de vivências nocivas e regulares na família nuclear (Young et al., 2008).
O principal instrumento utilizado na identificação e mapeamento dos EIDs é o Questionário de Esquemas de Young (YSQ), cujos construtos apresentam boa consistência interna e validade para populações clínicas e não clínicas (Souza et al., 2020). A versão (YSQ-S3) busca avaliar 18 EIDs, que se agrupam em cinco categorias de necessidades emocionais não atendidas como: (1) vínculos seguros com outros indivíduos; (2) autonomia, competência e sentido de identidade; (3) liberdade de expressão, necessidades e emoções validadas; (4) espontaneidade e lazer; e (5) limites realistas e autocontrole.
Levando em consideração a influência dos EIDs, crenças nucleares referentes a temáticas estáveis e duradouras e, em sua maioria, desadaptativas, os comportamentos disfuncionais desenvolvem-se como respostas a um esquema e não se constroem a partir dele. Com isso, pesquisadores associam EIDs específicos em diferentes padrões comportamentais e condições psiquiátricas. Por exemplo, Hawke e Provencher (2012) relacionam Busca de aprovação/ Busca de reconhecimento e Arrogo/ Grandiosidade em pacientes com Transtorno Bipolar (TB), enquanto Inibição emocional e Abandono parecem estar tipicamente baixos nesta população.
Pacientes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade estão correlacionados com esquemas de Fracasso, Inibição Emocional, Autocontrole insuficiente e Isolamento Social (Kiraz & Sertçelik, 2021). Além disso, Renner et al. (2012) descobriram que, Fracasso, Privação emocional e Abandono estão relacionados a gravidade de sintomas depressivos. E ainda, esquemas como Autossacrifício e Padrões Inflexíveis e Vulnerabilidade a danos e doenças foram identificados em pacientes com transtorno somatoformes e somatização (Henker et al., 2019).
No que se refere aos EIDs e suicídio, é possível constatar, de modo geral, a escassez de estudos empíricos na comunidade científica. Em uma pesquisa pioneira, Dutra et al. (2008), analisaram 137 pacientes com histórico de abuso sexual na infância, com objetivo de avaliar se os EIDs podem estar associados ao risco de suicídio nesta população. Os resultados apontaram correlações significativas com Isolamento social/ Alienação, Defectividade/ Vergonha e Fracasso, sugerindo que esses esquemas podem marcar indivíduos com alto risco de ideação suicida e tentativas de suicídio. Diante da carência de pesquisas nesta temática, inclusive na literatura nacional, e da importância de obter conhecimento sobre esquemas em pacientes com risco de suicídio como uma forma de desenvolver estratégias de prevenção e tratamento. Notando-se esta tendência, o objetivo desta revisão sistemática foi o levantamento da literatura científica acerca de artigos sobre a relação entre EIDs e o suicídio já realizados nos últimos 10 anos.
MÉTODO
Trata-se de uma revisão sistemática, realizada nas bases de dados BVS, Pubmed/Medline e PsycINFO utilizando a estratégia PRISMA (Preferrend Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) como apresentado por Galvão et al. (2015).
As combinações de descritores foram feitas com o uso de operadores boleanos (AND) e (OR), adotando-se os termos em inglês: (1) early maladaptive schemas AND suicid*, (2) (schema therapy OR early maladaptive schemas) AND suicid* e (3) early maladaptive schemas AND suicide, objetivando encontrar o maior número de estudos baseados na Terapia do Esquema. A busca se limitou aos artigos publicados entre os anos de 2012 a 2022.
Todas as publicações identificadas nas buscas foram inseridas em uma planilha (base, título, autor, ano de publicação) e classificados em ordem alfabética com intuito de identificar as duplicatas. Em sequência, foi realizada a leitura dos resumos para identificar os artigos elegíveis segundo os critérios de inclusão e exclusão. Após esta etapa, os artigos remanescentes foram lidos na íntegra. Durante a leitura dos resumos foram aplicados os seguintes critérios de inclusão: a) estudos empíricos; b) referencial teórico da Terapia do Esquema; c) sujeitos da amostra com faixa etária igual ou acima de 18 anos; d) diagnóstico primário de ideação suicida atual e/ou histórico de tentativas de suicídio ao longo da vida; e) evidenciar um ou mais esquemas iniciais desadaptativos nos participantes da amostra e f) nos idiomas inglês, espanhol, francês ou português.
Os critérios de exclusão utilizados foram: a) estudos de revisão (metanálise, revisão integrativa, narrativa ou sistemática); b) ensaios teóricos; c) estudos que não tivessem a Terapia do Esquema como componente principal de intervenção e d) artigos que não apresentassem EIDs correlacionados ao risco de suicídio (ideação suicida e/ou tentativas de suicídio).
RESULTADOS
O processo de análise dos estudos incluídos na revisão está ilustrado na Figura 1. Foram coletadas 148 referências, revisada por pares, nas bases de dados, entre janeiro e fevereiro de 2022 e após a exclusão dos estudos duplicados (92) restaram 56. Destes, 4 estudos foram excluídos por não serem artigos, restando 52 cujos resumos foram rastreados. Nesta fase, dois dos autores desta revisão de forma independente analisaram os títulos e resumos de cada artigo, aplicando os critérios de exclusão e inclusão. Em sequência, 44 foram excluídos pelos seguintes motivos: (9) revisões, (1) validação e adaptação de instrumento psicológico, (5) sujeitos da amostra eram adolescentes, (19) não tiveram referencial teórico em TE e (10) não apresentavam o desfecho primário de ideação suicida e/ou tentativa de suicídio. Foram lidos na íntegra 8 textos completos. Destes, apenas 1 foi excluído, pois não descrevia os EIDs correlacionados ao suicídio. Sendo assim, a amostra final foi composta por sete estudos de análise avaliativa baseada na TE em pacientes com risco de suicídio.
Todas as publicações selecionadas foram escritas na língua inglesa, tendo sido realizado um estudo no cenário latino-americano. As intervenções foram realizadas, em sua maioria, no Irã (Ahmadpanah et al., 2017; Azadi et al., 2019; Khosravani et al., 2019, 2017), na Europa (Flink et al., 2017; Nilsson, 2016) e no Brasil (Méa et al., 2015), como consta na Tabela 1.
Tabela 1 Principais características dos artigos selecionados.
Autor/ ano | País | Objetivo | Amostra | Desfecho primário | Instrumentos | EIDs relacionados |
---|---|---|---|---|---|---|
Ahmadpanah et al. (2017) |
Irã | Explorar se pacientes com transtorno depressivo maior (TDM) e com uma história de tentativas de suicídio se diferem em EIDs de pacientes com TDM, sem história de tentativas, e de controle saudáveis. |
Pacientes com TDM com tentativa de suicídio recente (n=30); Pacientes com TDM sem histórico de tentativa anterior (n=30); Controles saudáveis pareados por sexo e idade (n=30). |
Histórico de tentativa de suicídio | Questionários de características sociodemográficas YSQ-RE2R BDI-II |
Fracasso, Desconfiança/ Abuso, Inibição emocional, Isolamento social e Abandono/ instabilidade |
Azadi et al. (2019) |
Irã | Avaliar EIDs entre indivíduos com esquizofrenia e avaliar as relações de EIDs e fatores clínicos (por exemplo, depressão, sintomas positivos e negativos de psicose) ao risco de suicídio (por exemplo, ideação suicida atual, tentativas de suicídio ao longo da vida) |
Pacientes internados com esquizofrenia (n=82) |
Ideação suicida atual e história de tentativas de suicídio ao longo da vida |
YSQ-SF BDI-II BSSI PANSS |
Privação emocional |
Flink et al. (2017) |
Finlândia | Comparar EIDs entre pacientes ambulatoriais em tratamento ao transtorno depressivo maior com e sem ideação suicida. |
Pacientes com TDM (n=79) | Ideação suicida atual | YSQ-S2- Extended BDI-21 HS |
Vulnerabilidade a danos e doenças |
Khosravani et al. (2019) |
Irã | Avaliar as associações de EIDs e fatores clínicos (sintomas hipomaníacos/ maníacos e depressivos) com risco de suicídio (ideação suicida atual e tentativas de suicídio ao longo da vida) em pacientes internados com transtorno bipolar. |
Pacientes internados com TB (n=100) | Histórico de tentativa de suicídio | YSQ-SF BDRS YMRS BSSI |
Arrogo/ grandiosidade, Isolamento social e Defectividade/ Vergonha |
Khosravani et al. (2017) |
Irã | EIDs, dimensões de sintomas obsessiva- compulsivo, gravidade do TOC, depressão e ansiedade com suicídio em pacientes com TOC |
Pacientes ambulatoriais com TOC (n=60) |
Ideação suicida atual e histórico de tentativas de suicídio | BSSI YSQ-SF Y-BOCS DOCS DASS-21 |
Desconfiança/ abuso |
Méa et al. (2015) |
Brasil | Identificar os EIDs presentes em 15 pa- cientes internados em hospital psiquiátrico devido a tentativa de suicídio, em com- paração com 25 pes- soas de uma amostra não clínica. |
Pacientes com transtornos de humor Abuso de substâncias (n = 4, 20%), Transtorno de personalidade (n = 1, 5%) e Esquizofrenia (n = 1, 5) |
Histórico de tentativa de suicídio | Questionário sociodemográfico YSQ-S2 |
Defectividade/ Vergonha, Isolamento social e Desconexão |
Nilsson (2016) | Dinamarca | Comparar pacientes com transtorno bipolar com e sem histórico de tentativas de suicidio e EIDs. | Pacientes com TB em remissão (n=69) | Histórico de tentativa de suicidio | YSQ-S3 | Isolamento Social/ Alienação social, Dependência/ Incompetência e Arrogo/ grandiosidade |
Em relação as amostras utilizadas, os estudos, em sua maioria, envolveram adultos com algum diagnóstico psiquiátrico. Algumas pesquisas abarcaram indivíduos com transtorno depressivo maior (Ahmadpanah et al., 2017; Flink et al., 2017), transtorno bipolar (Khosravani et al., 2019; Méa et al., 2015; Nilsson, 2016), transtorno obsessivo compulsivo (Khosravani et al., 2017), transtorno de personalidade (Méa et al., 2015) e esquizofrenia (Azadi et al., 2019; Méa et al., 2015).
Conquanto as publicações tenham se diferenciado no tipo de desfecho primário utilizado, todos envolveram participantes com alto risco de suicídio; ou seja, indivíduos com a presença de ideação suicida atual (Flink et al., 2017), histórico de tentativas de suicídio na vida (Ahmadpanah et al., 2017; Khosravani et al., 2019; Méa et al., 2015; Nilsson, 2016) e ambos os casos (Azadi et al., 2019; Khosravani et al., 2017). Entre as medidas de avaliação para estes desfechos diagnósticos, destacaram-se a utilização do Beck Depression Inventory (BDI), que avalia a frequência e a intensidade da sintomatologia depressiva (Ahmadpanah et al., 2017; Azadi et al., 2019; Flink et al., 2017) e o Beck Scale for Suicide Ideation (BSSI), que visa medir a frequência e intensidade do pessimismo e oferece indícios para o risco de suicídio e a motivação para comportamentos autodestrutivos (Azadi et al., 2019; Khosravani et al., 2017, 2019).
Dentre os questionários de esquemas, quatro estudos adotaram o Young Schema Questionnarie - Short Form (YSQ-SF) composto por 75 itens (Azadi et al., 2019; Khosravani et al., 2019; Khosravani et al., 2017) e dois (Flink et al., 2017; Nilsson, 2016) empregaram o Young Schema Questionnaire-short version , com 90 itens. Méa et al. (2015) utilizaram o Young Schema Questionnaire - short version (YSQ-S2) composto por 75 itens, ao passo que, Ahmadpanah et al. (2017) optaram pelo Young EIDs (Ahmadpanah et al., 2017), enquanto outros estudos Schema Questionnaire (YSQ- RE2R) com 232 itens. Em relação identificaram três EIDs (Khosravani et al., 2019; Nilsson, 2016; aos EIDs relacionados ao suicídio, os resultados apresentaram Méa et al., 2015), e os demais identificaram apenas 1 EID discrepância, visto que, um estudo indicou associação de cinco (Azadi et al., 2019; Flink et al., 2017; Khosravani et al., 2017). Os esquemas mais frequentes foram: Isolamento social/ Alienação (4), Desconfiança/ Abuso (2), Defectividade/ Vergonha (2) e Arrogo/ Grandiosidade (2). Além desses, outros cinco EIDs tiveram uma única ocorrência, Inibição emocional e Abandono/ instabilidade (Ahmadpanah et al., 2017), Privação emocional (Azadi et al., 2019), Vulnerabilidade a danos e doenças (Flink et al., 2017), Dependência/ Incompetência (Nilsson, 2016) e Desconexão (Méa et al., 2015).
DISCUSSÃO
Nas análises realizadas a partir das publicações incluídas nesta revisão, foi possível realizar uma discussão acerca da relação entre esquemas iniciais desadaptativos e o suicídio. Os estudos convergem em diferentes aspectos, não apenas na análise dos EIDs e as hipotéticas influências que estes podem exercer no suicídio.
Entretanto, observações sobre metodologias e limitações são apontados em todos os artigos, como recorte transversal (Ahmadpanah et al., 2017; Azadi et al., 2019; Flink et al., 2017; Khosravani et al., 2019, 2017; Méa et al., 2015), características das amostras quanto ao tipo de condição psiquiátrica e/ou desfecho primário e o tamanho amostral (Ahmadpanah et al., 2017; Azadi et al., 2019; Flink et al., 2017; Khosravani et al., 2019, 2017; Méa et al., 2015), nível educacional (Khosravani et al., 2019) e a necessidade de novas pesquisas sobre a mesma temática (Ahmadpanah et al., 2017; Azadi et al., 2019; Flink et al., 2017; Nilsson, 2016), além das implicações positivas para o desenvolvimento de novas intervenções mais efetivas na área.
Apesar das limitações acima discutidas, os resultados desta revisão evidenciam a importância da avaliação dos padrões cognitivos e comportamentais na terna infância e o aumento do risco de suicídio. Em síntese, considerando os EIDs mais encontrados pelos estudos e quais as suas possíveis relações com o suicídio, notou-se que os quatro EIDs que apareceram com mais prevalência nesses estudos foram: isolamento social/alienação, defectividade/vergonha, desconfiança/ abuso e arrogo/grandiosidade. Já os cinco EIDs que tiveram uma única ocorrência foram: inibição emocional, abandono/ instabilidade, privação emocional, vulnerabilidade a danos e doenças e dependência/incompetência.
É importante lembrar que, no passado os EIDs podem ter sido funcionais em um dado momento, porém na idade adulta tornam-se desadaptativos e podem estar relacionados ao comportamento suicida (Young et al., 2008; Wenzel et al., 2010). Diante disso, a tentativa de suicídio é uma ação estratégica disfuncional para o manejo de problemas da vida, e indivíduos com EIDs ativados podem encontrar uma maneira inadequada para lidar com as frustrações de suas necessidades emocionais. Para Wenzel et al. (2010), os esquemas disfuncionais resultam de um processamento de informação distorcido em que as cognições vivenciadas em uma situação são determinadas por experiências anteriores, por momentos de estresse e a presença de um transtorno psiquiátrico, e esses esquemas podem levar a uma tendência suicida.
O esquema de isolamento social/ alienação diz respeito a uma percepção de si em relação aos outros como diferente ou não pertencente a qualquer grupo ou comunidade, havendo uma frequente sensação de solidão, exclusão e rejeição, e de que não serão capazes de formar relações estreitas com grupos sociais. Segundo Oliveira et al. (2018), pessoas com ideação suicida não lidam bem com a solidão e com a rejeição, o que pode estar relacionado ao esquema de isolamento social. Na mesma linha, a teoria interpessoal do suicídio ressalta que dimensões como sobrecarga percebida (ou seja, a crença de que é um fardo para outras pessoas e ódio de si mesmo) e pertencimento frustrado (ou seja, a crença de que alguém não pertence a um grupo social, ou que não é importante para outras pessoas) aumenta o risco de cometer suicídio (Chu et al., 2017). Além disso, esses indivíduos normalmente apresentam experiências de preconceito, discriminação, seja por questões culturais, aspectos econômicos, habilidades, gênero, traumas, transtornos psiquiátricos e/ou outras condições, podendo às tentativas de suicídio ser usadas como uma forma de enfrentamento (Young et al., 2008; Méa et al., 2015; Khosravani et al., 2019).
O esquema de defectividade/vergonha envolve o sentimento de que é falho, indesejado, defectivo ou não merecer o amor e respeito de pessoas importantes, e com uma sensação de vergonha relacionada aos defeitos percebidos. Indivíduos com esse esquema têm a forte necessidade de aceitação, tendo crenças de inferioridade, pensamentos e sentimentos; no suicídio esses sintomas que podem levar à conclusão de que não merece continuar vivo (Méa et al., 2015; Pilkington, Bishop, & Younan, 2021).
O esquema de desconfiança/ abuso refere-se a expectativa de que as pessoas irão usá-lo, humilhá-lo ou ajudá-lo, tendo a sensação de que serão enganados pelos outros. Indivíduos com esse esquema evitam estabelecer relações íntimas por medo de ser traído ou enganado, uma vez que, geralmente, sofreram abuso físico, emocional e/ou sexual ou viveram em um ambiente emocional ou fisicamente inseguro (Young et al., 2008). Khosravani et al. (2017) afirmaram que o esquema de desconfiança/ abuso está vinculado a maiores predisposições de ideação suicida e tentativas de suicídio. Esse EID está relacionado a pessoas excessivamente desconfiadas de ações e emoções de outras pessoas, o que dificulta sua interação com os demais.
Em termos de domínios esquemáticos, os EIDs fazem parte do primeiro domínio: desconexão e rejeição. Indivíduos com esquemas nesse domínio são incapazes de estabelecer vínculos estáveis e seguros com outras pessoas e acreditam que suas necessidades de aceitação, cuidado, segurança, empatia e pertencimento não serão supridas (Young et al., 2008). Milesi, Araújo, & Brucker (2023), sem ter essa necessidade básica segura, a tentativa de suicídio pode vir a preencher esses sentimentos, emoções e pensamentos, minimizando o sofrimento emocional causado pela perda de vínculos seguros.
O domínio Autonomia e Desempenho prejudicados, não apareceu como um dos domínios mais frequentes nos resultados. Todavia, três esquemas Dependência/ incompetência, Vulnerabilidade a danos e doenças e Fracasso foram apontados pelos estudos como importantes em pacientes com ideação suicida e/ou com tentativas de suicídio (Ahmadpanah et al., 2017; Flink et al., 2017; Nilsson, 2016). Estes apresentam expectativas sobre si mesmo e o ambiente, que interferem na própria percepção da capacidade de viver de forma independente e funcional (Wainer et al., 2016).
De acordo com Flink et al. (2017), pacientes deprimidos com ideação suicida tiveram pontuações consistentemente mais altas no domínio Autonomia e Desempenho prejudicados, especialmente no esquema Vulnerabilidade a danos e doenças. Teoricamente, as crenças centrais catastróficas podem criar uma sensação de não controle sobre a própria vida, o que poderia induzir desesperança, humor deprimido e pensamentos suicidas. Segundo Darvishi et al. (2013) e Ahmadpanah et al. (2017), indivíduos depressivos com comportamento suicida tiveram pontuações significativas no esquema de Fracasso; em consonância com as descobertas de Renner et al. (2012), que destacam Fracasso, Privação emocional e Abandono parecem estar relacionados à gravidade do transtorno depressivo. Pacientes com esse esquema (Fracasso), muitas vezes se consideram pouco inteligentes e mal-sucedido, sentem-se fracassados em todas as áreas de sua vida (como estudo, trabalho, esportes), o que pode propiciar pensamentos e comportamentos autodestrutivos diante das dificuldades (Young et al., 2008; Méa et al., 2015).
O domínio limites prejudicados também apresentou associação com suicídio. Khosravani et al. (2019) e Nilsson (2016) averiguaram as associações de esquemas iniciais desadaptativos em pacientes de TB com risco de suicídio. Os autores observaram que pacientes com TB e com histórico de tentativas de suicídio tiveram pontuações maiores em esquemas de Arrogo/grandiosidade e Isolamento social/alienação social. No esquema Arrogo/ grandiosidade, os indivíduos mostram deficiência de limites internos, ausência de responsabilidades, prejuízos em reciprocidade das interações sociais e déficit de orientação a objetivos de longo prazo, pertencentes de estruturas familiares permissiva, com baixa tolerância em níveis de desconforto e frustração. Com isso, indivíduos com esse esquema também podem adotar o comportamento suicida como estratégia hipercompensatória de enfrentamento (Young et al., 2008; Wenzel et al., 2010).
Adicionalmente, comportamentos e/ou atitudes grandiosas são características dos pacientes com TB em fase de mania (Smith et al., 2017). Dale et al. (2010) associam o esquema arrogo/ grandiosidade ao risco de repetição de comportamentos autodestrutivos. O conteúdo do esquema arrogo/ grandiosidade é semelhante aos aspectos das atitudes hipomaníacas (Mansell & Jones, 2006), além do mais, apresenta alta consistência com as características do espectro bipolar (Hawke & Provencher, 2011). Dessa forma, pacientes com transtornos de personalidade tendem a expressar desesperança com relação a mudanças, com padrões autodestrutivos que podem estar integrados a quem são, porque os problemas centrais estão atrelados ao sentimento de identidade e, renunciá-los, pode parecer uma forma de morte de uma parte de si mesmo (Young et al., 2008).
O domínio Direcionamento para o outro, não apresentou esquemas correlacionados ao suicídio nesta revisão. Porém, Ahmadpanah et al. (2017) alertam que, em comparação com grupo não clínico, os pacientes com TDM, sem histórico de tentativas de suicídio, registraram pontuações mais altas em esquemas como busca de aprovação/ reconhecimento, negatividade/ pessimismo e autocontrole insuficiente. Pacientes nesse domínio enfatizam excessivamente o atendimento às necessidades de outras em lugar de suas próprias; com intuito de obter aprovação e manter conexão emocional, evitando retaliações (Young et al., 2008). O domínio supervigilância e inibição teve a ocorrência de um esquema Inibição emocional nesta revisão. Indivíduos com esquema restringem ações, sentimentos e comunicações espontâneas, para evitar a desaprovação alheia, no geral, de origem familiar severa, exigente e, muitas vezes, punitiva (Young et al., 2008).
Em síntese, como limitações, destacam-se nesta revisão, que apesar dos avanços empíricos importantes, em 2012 a 2022, foi encontrada uma escassez de artigos, o que demonstra a carência de publicações nesta área, apesar da relevância da temática do suicídio no mundo. Também ressalta-se que os dados obtidos foram coletados de três bases de dados. Outros estudos possam estar presentes em bases de dados não consideradas ou mesmo outras pesquisas mais recentes ainda estejam sendo apresentadas em formas de dissertações ou teses.
CONCLUSÃO
O presente estudo buscou revisar, de forma sistemática, artigos que investigaram EIDs em pacientes com ideação suicida e/ou com histórico de tentativas de suicídio ao longo da vida. Ainda que as pesquisas analisadas tenham apresentado diferenças em relação a amostras, desfecho primário, instrumentos e critérios diagnósticos, os dados sugerem que esses pacientes têm pontuações mais altas em EIDs do os que não possuem essa vulnerabilidade. Além disso, foram identificados quatro esquemas relacionados à ideação suicida e ao histórico de tentativas de suicídio: isolamento social/ alienação, desconfiança/ abuso, defectividade/ vergonha e arrogo/ grandiosidade. Isso pode indicar que alguns comportamentos autodestrutivos podem se manifestar como respostas de enfrentamento para lidar com o sofrimento emocional ligados aos EIDs.
Pesquisas como revisão sistemática apresentam relevância, pois possibilitam um panorama das publicações desenvolvidas sobre a temática. Com isso, promove-se a importância de fomentar sobre o manejo e tratamento de pacientes suicidas. Pesquisadores evidenciam que os EIDs podem ser ponto fundamental para tratar condições psiquiátricas e padrões comportamentais destes pacientes. Além disso, é imprescindível identificar e diagnosticar os EIDs mais prevalentes no suicídio. A partir da compreensão dos EIDs e suas respostas de enfrentamento, podem-se considerar a criação de programas e intervenções preventivas, especialmente para crianças e adolescentes, quando há a formação desses esquemas desadaptativos.
Portanto, verifica-se que, estudos sobre essa temática ainda são escassos e não há consenso em seus resultados, o que impossibilita a análise quantitativa dos dados. Indica-se, com isso, a continuidade de pesquisas adicionais que visam compreender a associação de EIDs em pacientes suicidas, com estudos que analisem a efetividade de intervenções terapêuticas da Terapia do Esquema nesses pacientes.