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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.57 no.1 Rio de Janeiro June 2005
ARTIGOS
Relação entre o estresse materno e a inclusão escolar de crianças com paralisia cerebral
Maternal stress and school inclusion of children with cerebral paralisy
Patrícia Martins de FreitasI; Rita de Cássia Lara CarvalhoI; Maria Ruth Siffert Diniz Teixeira LeiteII; Vitor Geraldi HaaseIII, IV
IUniversidade Federal Fluminense (UFF). Departamento de Psicologia da UFF
IIFundação João Pinheiro. Curso de Especialização em Educação Inclusiva
IIIUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Departamento de Psicologia da UFMG
IVUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG). LND
RESUMO
O objetivo do presente estudo é analisar a relação entre o estado psicológico das mães e o status escolar de criança com paralisia cerebral (PC). A PC caracteriza-se por limitações em diferentes áreas do desenvolvimento, sendo muitas vezes um estressor para as mães. Os instrumentos utilizados neste artigo foram: o Inventário Beck de Depressão, o Questionário de Saúde Geral e o Questionário de Estresse para Pais de Crianças com Transtornos do Desenvolvimento. A amostra foi constituída de 245 mães divididas em três grupos de acordo com o status escolar de seus filhos: escola regular, escola especial e sem escola. Os resultados mostram que as mães de crianças que estão sem escola apresentam alterações no estado psicológico para duas medidas: o estresse e a percepção da mãe sobre as características da criança (dependência e incapacidade). Nós sugerimos que a relação entre o estado psicológico das mães e o status escolar da criança pode ser recíproca. Os maiores níveis de estresse e da percepção negativa de suas crianças podem contribuir para as exclusões escolar e social. Trabalhou-se com a hipótese de que o suporte social oferecido pela escola diminui o sofrimento psicológico de mães de criança com PC.
Palavras-chave: Inclusão escolar; Estresse materno; Paralisia cerebral; Adaptação psicossocial; Suporte social.
ABSTRACT
The main objective of the present study is to analyze the relationships between mother's psychological state and school status of children with cerebral palsy (CP). CP is characterized by impairments in several developmental domains, which may function as stressors to the mothers. Instruments applied to the mothers were the Beck Depression Inventory, General Health Questionnaire and a Brazilian version of the Questionnaire on Resources and Stress (Questionário de Estresse para Pais de Crianças com Transtornos do Desenvolvimento). Two hundred and forty five mothers of children with CP were subdivided in three groups, according to the children's school status (regular school, special school, no school). Results showed that mothers of children not attending a school scored worse on two measures, stress and mothers' perceptions of child's characteristics (dependency, and impairment). We suggest that relationships between mothers' psychological state and children's school status may be reciprocal. Higher maternal stress levels and more negative perceptions of their children's functionality may contribute to school and social exclusion. We hypothesize that attending school may offer social support, moderating the psychological impact of being a mother of a CP child.
Keywords: School attending; Inclusion; Maternal stress; Cerebral palsy; Psychosocial adaptation; Social support.
INTRODUÇÃO
A inclusão escolar é um processo pelo qual a criança portadora de algum transtorno do desenvolvimento (TD) participa das atividades escolares de forma regular. O currículo inclusivo deve ser flexível, considerando as potencialidades e limitações individuais de cada criança (STAINBACK & STAINBACK, 1999). Os TDs são definidos como um comprometimento global ou parcial de um ou mais níveis do desenvolvimento: físico, cognitivo e psicossocial (SHEVELL et al., 2001).
A paralisia cerebral (PC) é um tipo de transtorno do desenvolvimento que se caracteriza como uma neuropatologia motora, decorrente de uma lesão não-progressiva do cérebro (SHEVELL et al., 2001), e é classificada de acordo com a localização da anomalia motora. A maioria dos indivíduos portadores de PC apresenta deficiências múltiplas graves. As habilidades perceptivas, motoras e de autocuidado podem ser gravemente afetadas. As anormalidades associadas podem incluir retardo mental, alterações na fala, dificuldades de deglutição e respiração, microcefalia, subluxação do quadril, escoliose e contratura. Pode ocorrer, também, a presença de crises convulsivas e deficiências auditiva e visual.
Os diferentes quadros de PC podem variar muito quanto à gravidade das limitações. Algumas crianças podem adquirir total independência, considerando as funções motoras, cognitivas e sociais, como no caso de portadoras de PC hemiplégica. Por outro lado, crianças acometidas por PC do tipo quadriplégica podem ter mais dificuldades em adquirir independência, pois possuem maior comprometimento motor e possivelmente cognitivo. As implicações de ter uma criança com PC revestem-se de um impacto psicológico potencial para os cuidadores, que, na maioria das vezes, são as mães. Apesar das diferenças dos quadros clínicos nas PCs, a sobrecarga de tarefas relacionadas ao cuidado e tratamento da criança, durante o desenvolvimento, são maiores do que as experienciadas pelas mães de crianças sem TD (MILLER & CLARK, 2002).
O objetivo do presente estudo foi verificar a relação entre o estado psicológico das mães e o status escolar de crianças com PC. O sofrimento psicológico é um fenômeno bastante freqüente nessas mães (MOBARAK et al., 2000). Portanto, o interesse específico deste estudo foi verificar se os estados psicológicos das mães diferem, considerando o tipo de escola da criança com PC. Para compreender essa relação, foram consideradas três categorias, a partir do status escolar da criança: sem escola, em escola regular e em escola especial.
O processo inclusivo é baseado em diferentes focos que variam de acordo com as prioridades educacionais da criança: habilidades acadêmicas, comunicacionais, habilidades da vida diária e habilidades sociais (MANTOAN, 2003). Os avanços atingidos pela política educacional americana sugerem que o modelo inclusivo é bastante eficiente tanto para educação de crianças deficientes, quanto para a de crianças normais (STAINBACK & STAINBACK, 1999). Entretanto, os dados sobre os efeitos da educação inclusiva no Brasil não são conclusivos (MANTOAN 2003; BATISTA & ENUMO, 2004). Para verificar a eficácia dos dois modelos educacionais, é necessário um estudo comparativo, avaliando os impactos da educação inclusiva e especial para o desenvolvimento da criança, utilizando o modelo longitudinal. Levando em conta a revisão da literatura sobre estudos brasileiros que abordam a inclusão escolar, verificou-se que pesquisas dessa natureza ainda não foram realizadas. Portanto, a inclusão escolar é um modelo em fase de investigação no Brasil. Apesar dessa constatação, consideramos a inclusão escolar um modelo que merece investimentos, pois durante o desenvolvimento do estudo pudemos observar benefícios significativos para as crianças e suas famílias na utilização de tal modelo.
A promoção da escolarização passa a ser reconhecida como um fator que favorece o desenvolvimento e a qualidade de vida da criança (STAINBACK & STAINBACK, 1999). Outro ganho associado à vida escolar da criança é a diminuição da sobrecarga sobre a mãe, permitindo que a mesma possa dar continuidade ao seu desenvolvimento psicossocial, à sua vida conjugal, ao seu trabalho, além da atenção aos outros filhos, parentes e amigos (BERESFORD, 1994).
A adaptação psicossocial em famílias das quais uma criança é portadora de PC pode ser definida como um processo complexo que envolve diferentes fatores, promovendo e mantendo a qualidade de vida da criança e da família como um todo. O processo de adaptação dos pais refere-se ao bem-estar envolvendo múltiplos componentes, sendo um dos mais significativos a capacidade dos pais de lidar e adaptar-se em relação às características comportamentais da criança (HAUSER-CRAM et al., 2001).
A escola tem um papel indireto no processo de adaptação psicossocial das mães de crianças com TD, pois atua no desenvolvimento da criança, dividindo as tarefas com a família. O papel da escola, como recurso social, tem sido pouco investigado por pesquisadores dos processos de adaptação psicossocial. O suporte é um tipo de recurso geralmente disponibilizado pela rede social da família. A rede social tem sido considerada um elemento decisivo, tanto no processo de diminuição do estresse materno, quanto no de escolarização (BERESFORD, 1994; STAINBACK & STAINBACK, 1999).
A inclusão escolar depende de um outro processo, o de inclusão familiar, cujo termo pode ser utilizado para representar o processo de adaptação psicossocial da família em relação à presença de uma criança portadora de um TD. Tal adaptação é um processo complexo e depende de diversos fatores, como, por exemplo, bem-estar psicológico da mãe, suporte social, apoio do cônjuge, condições socioeconômicas, especialmente escolaridade, trabalho e crenças pessoais e existenciais.
A inclusão familiar exige a aceitação da criança com PC, conjuntamente com uma organização diferenciada quanto ao desenvolvimento de toda família, ou seja, é necessário que todos os membros se acomodem à situação (GALLIMORE et al., 1989). A inclusão escolar, por sua vez, não poderá ocorrer se a família não conseguir direcionar seus recursos pessoais e sociais para a reorganização do sistema familiar, desenvolvendo, assim, padrões inadequados, como, por exemplo, as limitações na inclusão familiar, que podem ter efeitos negativos na inclusão escolar de crianças com TD (GALLIMORE et al., 1989). A incapacidade de adaptação psicossocial da família poderá implicar em conseqüências limitadoras do desenvolvimento da criança, como, por exemplo, pouca participação social, exclusão escolar e processos psicopatológicos (FOLKMAN & MOSKOWITZ, 2000).
Em diversos estudos, a experiência de ter uma criança com PC tem sido identificada como um evento de sobrecarga emocional (NEREO, FEE & HINTON, 2003; MOBARAK et al., 2000; MANUEL et al., 2003). Assim, as limitações psicológicas presentes na família poderão contribuir para o processo de exclusão escolar e social (HAUSER-CRAM et al., 2001).
Após revisão da literatura, percebeu-se que a maioria dos estudos sobre crianças com TD's considera os aspectos familiares (THOMPSON et al., 1993; HASTING, 1997; JOHNSON & READER, 2002). A relação da adaptação psicossocial da família e da criança tem sido bastante investigada, demonstrando uma concordância quanto à inter-relação dessas variáveis. Mink, Nihira & Meyers (1983) demonstraram que as famílias de crianças com retardo mental, caracterizadas por alto nível de coesão e interações positivas entre mãe e criança, apresentam funcionamento psicossocial adaptativo. Outro estudo mostra que, no caso da PC, o desajuste psicológico das mães está associado aos problemas comportamentais da criança (NEREO, FEE & HINTON, 2003).
Na pesquisa de Hauser-Cram et al. (2001), a coesão familiar e o comportamento de interação com a criança são variáveis preditoras do desenvolvimento de habilidades comunicativas, sociais e de atividades de vida diária de crianças com síndrome de Down, considerando os primeiros cinco anos de vida. Logo, a adaptação da família contribui para o desenvolvimento, auxiliando na obtenção de ganhos.
Estudando crianças autistas e seus irmãos, Hasting (2003) demonstrou um pior ajustamento psicossocial dos irmãos quando comparados com crianças de um grupo controle, oriundas de famílias sem crianças com TD. Nesse estudo, foi demonstrado que a influência da criança com TD sobre o desenvolvimento dos irmãos é menos explicada pelos distúrbios da criança autista do que pelos problemas psicológicos das mães. Isso significa que o estado psicológico da mãe, desencadeado pela presença de uma criança com TD, pode comprometer o desenvolvimento de seus outros filhos.
Outro aspecto importante é a relação entre os pais e a criança com PC, muitas vezes associada ao processo de adaptação psicossocial. As dificuldades de aceitar a criança com PC podem desencadear dois padrões: baixo investimento parental, traduzido por negligência nos cuidados com a criança; ou alto investimento parental, gerando muitas vezes a superproteção, expressa por cuidados excessivos (BAUMRIND, 1997). No primeiro caso, a criança recebe menos investimento de atenção, de afeto, menor estimulação etc. O baixo investimento parental pode resultar em problemas comportamentais, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor etc. Esse padrão desencadeia um processo que se automantém. Assim, à medida que os pais não conseguem desenvolver interações positivas com seus filhos, aumenta ainda mais a probabilidade de distúrbios comportamentais e emocionais em suas crianças (HAUSER-CRAM et al., 2001; JOHNSON & READER, 2002). No segundo caso, a superproteção limita o desenvolvimento, dado o excesso de cuidados com a criança. Como exemplo, nos quadros mais leves de PC, é possível perceber que a maior limitação da criança é psicossocial, enquanto nos casos mais graves as limitações podem ser motoras, lingüísticas e até cognitivas.
As crianças com PC podem apresentar comprometimento motor dos membros inferiores e superiores, deficiência mental, comprometimentos auditivo, visual e outros. Tais limitações presentes nos quadros acima aumentam as exigências sobre o responsável ou cuidador principal, que, no caso do presente estudo, foi a mãe. A dependência para as atividades de vida diária, tais como tomar banho, alimentar-se, vestir-se e brincar, muitas vezes, imprime sobre as mães uma sobrecarga de tarefas. Quando estas são voltadas para o cuidado da criança, muitas vezes diminui o tempo e, posteriormente, o interesse da mãe para si mesma e para o restante do grupo familiar (BERESFORD, 1994).
A família é o primeiro ambiente social da criança, e as interações familiares podem ser facilitadoras ou limitadoras do desenvolvimento (HAUSER-CRAM et al., 2001; BRONFENBRENNER, 1996). A abordagem direcionada para crianças com PC e suas famílias deve ter a pretensão de identificar os processos associados com a qualidade de vida e com a promoção do desenvolvimento. Considerando a importância dos aspectos psicológicos da família, especialmente das mães, que desempenham o papel de principais cuidadoras, o presente estudo tem como objetivo analisar o status escolar de crianças com PC e o estado psicológico das mães.
MÉTODO
Amostra
A amostra foi constituída de 245 mães de crianças atendidas na Associação Mineira de Reabilitação (AMR), uma entidade filantrópica sem fins lucrativos. O objetivo principal da AMR é atender às crianças de baixa renda, portadoras de deficiência física, nas áreas de reabilitação neurológica, inclusão social, inclusão escolar e habilitação vocacional. A AMR dispõe de uma equipe multidisciplinar, composta de médicos especializados e de profissionais nas áreas de fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e serviço social. A Associação atende, atualmente, a 420 crianças em tratamento de reabilitação por meio do Serviço Integrado de Reabilitação (SIR). Outro serviço oferecido é o Serviço de Inclusão Escolar (SIE). A situação escolar das crianças atendidas pela AMR é diferenciada em: crianças que não freqüentam a escola, crianças que estudam em escola regular e crianças que estudam em escola especial (Tabela 1).
Tabela 1: Distribuição das crianças por tipo de escola.
A idade média das mães que participaram do estudo é de 31,75 anos com dp = 7,9 anos. A distribuição da escolaridade das mães é: 34,1% possuem o primário; 21% o primeiro grau; 43,5 % o segundo grau; e 1,4% o terceiro grau. A idade média das crianças foi de 5,6 anos, com dp = 2,4 anos. A amostra foi dividida em três grupos de comparação, levando em conta o status escolar da criança: sem escola, escola especial e escola regular. Considerando o quadro clínico das crianças com PC, é importante ressaltar que as crianças com quadros extremamente graves, resultando em dependência constante da cuidadora, não foram incluídas no estudo. A amostra foi constituída de mães de crianças com PC do tipo espástica (25% hemiplégica, 15% diplégica e 45% quadriplégica), 11% do tipo atáxica e 4% atetoíde .
Instrumentos
Os instrumentos utilizados têm a finalidade específica de avaliar as mães das crianças com PC, enfocando aspectos associados ao sofrimento psicológico, tais como o estresse, a depressão e a saúde em geral. Foram utilizados os seguintes instrumentos: a versão brasileira do Questionário de Estresse para Pais de Crianças com Transtornos do Desenvolvimento (QE-PTD); o Inventário de Depressão de Beck (IBD); e o Questionário de Saúde Geral de Golberg (QSG).
A versão brasileira do Questionário de Estresse para Pais de Crianças com Transtornos do Desenvolvimento (QE-PTD) é constituída de 32 itens e 4 fatores: Fator I - Restrições Comportamentais; Fator II - Sobrecarga emocional; Fator III - Pessimismo; Fator IV - Características da Criança. O instrumento passou por estudo de adaptação, validação e confiabilidade, apresentando resultados satisfatórios (FREITAS, 2004). O QE-PTD é um questionário objetivo do tipo Verdadeiro (V) ou Falso (F), no qual os pais devem pensar na criança com problemas de desenvolvimento enquanto preenchem o questionário. Em alguns itens, existem lacunas em branco, ao ler esses itens os pais devem imaginar o nome da criança e responder V ou F. Por exemplo, "_______ não se comunica com outras crianças de sua faixa etária".
O Inventário de Depressão de Beck (IBD) - versão brasileira retirada de Gorenstein & Andrade (1998) - é composto de 21 itens. O probando deve responder qual das quatro alternativas presentes em cada item melhor corresponde a como ele tem se sentido considerando a última semana. O IBD tem como objetivo identificar indivíduos deprimidos. Sem pretensão diagnóstica, sua função é completar a avaliação de pacientes com depressão.
O Questionário de Saúde Geral de Golberg (QSG) (PASQUALI et al., 1996) é um questionário de saúde física e psíquica, adaptado e validado para a população brasileira. Composto de 60 perguntas, por meio dele é possível avaliar os seguintes fatores: Fator I - Estresse; Fator II - Desejo de Morte; Fator III - Preocupação com o Próprio Desempenho; Fator IV - Distúrbios do Sono; e Fator V - Distúrbios Psicossomáticos. Tais fatores visam avaliar o índice de depressão, o nível de estresse cognitivo e físico, as características psicossomáticas, o índice de auto-eficácia, desejo de morte e os distúrbios do sono. Somando-se esses cinco escores, obtemos um escore de saúde geral.
Procedimentos
Após a aprovação do projeto pelo Comitê de ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (processo ETIC 227/02), foi iniciado o processo de seleção da amostra. A investigação sobre o estado psicológico, considerando o estresse, a depressão e a saúde geral, foi realizada com as mães das crianças atendidas pela AMR. Todas as mães foram convidadas, entretanto a participação foi condicionada ao interesse e ao preenchimento do termo de consentimento livre e esclarecido. Os dados sobre o tipo de escola foram retirados do banco de dados da AMR, que é atualizado semestralmente. A aplicação dos questionários de avaliação do estado emocional das mães foi realizada no mesmo período da atualização do banco de dados da AMR. Após o preenchimento do banco de dados, a partir do tipo de escola da criança e do estado psicológico das mães, foram selecionadas as participantes que tinham crianças em idade escolar. A idade escolar foi utilizada como critério para evitar o viés do grupo de crianças sem escola, pois as crianças poderiam estar sem escola em virtude da precocidade.
Análise de dados
A análise de dados foi iniciada com a análise descritiva da amostra e seus resultados médios. Estes foram analisados em cada instrumento de modo comparativo, considerando como critério de formação de grupos o tipo da escola: nenhuma, especial e regular. Para verificar as diferenças e suas significâncias, foram utilizados o teste de Kruskal Wallis e o teste estatístico de Mann-Whitney.
Resultados
A Tabela 2 mostra os resultados comparativos das medianas no QE-PTD, no IBD e no QSG. A análise foi feita inicialmente com o cálculo das medianas por grupo e, em seguida, com o teste estatístico de Mann-Whitney. O resultado deste último demonstra diferenças significativas no estado psicológico das mães comparando os grupos de crianças sem escola (tipo de escola: nenhuma) com as mães de crianças dos outros dois tipos de escola (especial e regular).
A diferença foi significativa para duas medidas: o escore do QE-PTD e o Fator IV (QE-PTD) - Características da Criança. As mães de crianças que estão sem escola apresentam maiores escores no QE-PTD, ou seja, maiores níveis de estresse. O QE-PTD ainda não possui ponto de corte, entretanto os valores estão dois desvios padrões acima da média de todas as mães da AMR (FREITAS, 2004).
A outra diferença encontrada foi a percepção das características das crianças Fator IV do QE-PTD, demonstrando que as mães de crianças sem escola pontuam mais as dificuldades das crianças. As características das crianças são identificadas no QE-PTD pelas limitações e grau de dependência. As mães de crianças que não estão na escola percebem mais as limitações e o maior grau de dependência dos filhos.
Não foram identificadas diferenças no estado psicológico das mães cujas crianças freqüentam a escola regular em comparação com as mães de crianças que freqüentam a escola especial. Para as outras medidas, inclusive o QSG e o IBD, não foram encontradas diferenças significativas em nenhum dos grupos investigados.
Tabela 2: Comparação entre o estado psicológico das mães das crianças sem escola e mães de crianças da escola regular.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
O contexto atual é bastante marcado por discussões sobre os fatores que contribuem para a educação inclusiva. Entretanto, as pesquisas nessa área são restritas e não alcançam a diversidade de perguntas que estão sem respostas, tanto para educadores, quanto para as famílias de crianças com PC. O cenário a respeito da importância da educação inclusiva sobrepõe-se às garantias de qualidade no processo de escolarização. A diferença entre situações ideais e as comprovações por resultados empíricos deve ser considerada, antes de afirmarmos qual o procedimento adequado para a educação de crianças com PC.
Os resultados apresentados pelo presente estudo sugerem que o estresse (QE-PTD) e as características das crianças, limitações e grau de dependência (Fator IV do QE-PTD), são estados subjetivos mais presentes nas mães de crianças que não estão na escola do que naquelas cujas crianças estão em escolas regulares ou especiais. Esse resultado demonstra que o estresse presente no cuidado de crianças com PC é maior para as mães de criança que não estão na escola, sugerindo maior vulnerabilidade para desenvolver problemas psicológicos.
A associação entre o tipo de escola e o estresse das mães é um indicador da provável relação entre a inclusão familiar e a promoção da inclusão escolar. O alto nível de estresse pode limitar o processo de inclusão escolar. As dificuldades impostas pelo estresse podem gerar o isolamento social das mães. Outro fator que pode contribuir para este isolamento é a necessidade destas mães assumirem atitudes ativas paraenfrentar os preconceitos e barreiras ainda presentes no processo de inclusão escolar. Por outro lado, a ausência de inclusão escolar pode aumentar o estresse das mães, visto que a falta da escola diminui os recursos sociais que são importantes na definição das estratégias para lidar com o estresse. A relação estabelecida no presente estudo foi exploratória e poderá ser visualizada na Figura 1.
Figura 1: Representação esquemática da relação entre o estresse das mães e o processo educacional de crianças com PC.
A ausência de escolarização pode ser decorrente da limitação das interações sociais das mães, uma vez que a redução das interações sociais na família é identificada como uma das conseqüências do estresse, além de psicopatologias como a depressão e a ansiedade (BERESFORD, 1994). Esta relação entre o status escolar da criança e o estado psicológico das mães é bidirecional: por um lado, o estado psicológico das mães pode influenciar, favorecendo ou limitando, o processo de escolarização da criança; por outro, o status escolar da criança pode ser uma variável influente no estado psicológico das mães, contribuindo ou não com o processo de adaptação psicossocial.
A relação entre o status escolar das crianças e o estado psicológico das mães foi analisada sem o controle da qualidade do processo educacional. Considerando que ainda são encontradas muitas barreiras na educação de crianças portadoras de PC, é bastante provável que as crianças em processo de escolarização não estejam recebendo a melhor assistência. Apesar das atuais dificuldades enfrentadas na educação especial, bem como na inclusiva, é possível perceber a importância de tais instituições para desenvolvimento da criança e de suas famílias. As possibilidades de mudança na educação de crianças com PC e outros TDs aumentam as expectativas de contribuição com a adaptação familiar, possibilitando maior qualidade de vida para a criança.
Simmons (1998) apresenta argumentos desfavoráveis à redução das escolas especiais na Inglaterra. Segundo a autora, o aumento de crianças deficientes nas escolas regulares é artificial. A probabilidade de prejuízos para a criança sem um atendimento especializado pode diminuir a quantidade de ganhos ao longo do desenvolvimento. As dificuldades de uma criança deficiente são desafios para a educação especializada, em virtude a necessidade de métodos inovadores e outros serviços (CARPENTER, 2000).
Os estudos sobre os benefícios da educação inclusiva para as crianças portadoras de PC ainda são muito limitados (SIMMONS, 1998), de modo que os investimentos em pesquisas mais analíticas, que comparem o processo educacional e seus resultados em escolas inclusivas e escolas especiais, devem ser o foco de futuros trabalhos. A investigação da diferença entre escola regular e especial, considerando diferentes tipos de limitações, potencialidades e os ganhos para a criança com TD, ainda é escassa. Outro fator relevante é a adequação de estruturas e capacitação de pessoal com fins de potencializar os efeitos positivos da educação para a criança e suas famílias.
Os projetos de inclusão escolar desenvolvidos pela AMR realizam visitas escolares para orientação e acompanhamento do processo. O atendimento multidisciplinar e a adaptação ao ambiente escolar são varáveis que contribuem para a escolarização de crianças com PC. Entretanto, essa metodologia não é realizada por todos os centros de reabilitação. A escola não deve ser a única instituição responsável pela inclusão escolar. Este processo deve ser realizado conjuntamente pela escola, por profissionais da saúde e pela família.
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Endereço para correspondência
Prof.ª Cecília Coimbra
E-mail: gtnm@alternex.com.br
Fernanda Bocco
E-mail: fbocco@terra.com.br
Prof.ª Maria Livia do Nascimento
E-mail: livianascimento@cruiser.com.br
Recebido em: 01/11/05
Revisado em: 14/07/06
Aprovado em: 19/09/06