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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.69 no.3 Rio de Janeiro 2017
RELATOS DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
Projeto Espaço Jovem como exercício do protagonismo juvenil
The Youth Space Project as a practice of the juvenile leadership
Proyecto Espacio Joven como ejercicio del liderazgo juvenil
Maria Aparecida Alves Sobreira CarvalhoI; Adriana Alves da SilvaII; Patricia Diógenes de MeloIII
IDocente. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). Sousa. Estado da Paraíba. Brasil
IIDocente. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. Iguatu. Estado do Ceará. Brasil
IIIDocente. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). Sousa. Estado da Paraíba. Brasil
RESUMO
O artigo apresenta a experiência do projeto de extensão Espaço Jovem, realizado pelo Instituto Federal da Paraíba - campus Sousa, em uma escola de ensino médio e objetivou ampliar a rede de comunicação sobre os direitos das pessoas deficientes na perspectiva da construção de uma escola inclusiva e de uma cultura de paz. A metodologia privilegiou a formação de 20 estudantes em oficinas por meio das quais circulou informações sobre os direitos das pessoas deficientes e ações relacionadas à convivência com as diferenças. O projeto contribuiu para reconfigurar os conceitos de deficiência e protagonismo juvenil, ao tempo em que desafiou os educadores a desenvolver uma competência técnica e sensibilidade pedagógica capaz de considerar as contradições do protagonismo juvenil na escola.
Palavras-chave: Educação; Inclusão; Protagonismo Juvenil.
ABSTRACT
The article presents the experience of the extension project called Youth Space carried out in a high school in the city of Sousa and conducted by the Federal Institute of Paraíba. The project's aim was to expand the communication network about the rights of disabled people in the perspective of building an inclusive school and a culture of peace. The methodology favored the formation of 20 students in workshops where information on the rights of disabled people was given and actions related to living with the differences were discussed. The project not only contributed to reconfigure the concepts of disability and youth leadership, but also challenged educators to develop technical competence and pedagogical sensitivity for being able to consider the contradictions of youth participation in school.
Keywords: Education; Youth Leadership; Inclusion.
RESUMEN
El artículo presenta la experiencia del proyecto de extensión Espacio Joven realizado por el Instituto Federal de Paraíba- campus Sousa, en una escuela secundaria y apunta a ampliar la red de comunicación sobre los derechos de las personas con discapacidad en la perspectiva de construir una escuela inclusiva y una cultura de paz. La metodología privilegió la formación de 20 alumnos en talleres donde circularon informaciones sobre los derechos de las personas con discapacidad y las acciones relacionadas a convivir con las diferencias. El proyecto contribuyó a configurar de nuevo los conceptos de discapacidad y liderazgo juvenil, al tiempo en que desafió a los educadores a desarrollar la competencia técnica y la sensibilidad pedagógica capaz de considerar las contradicciones del liderazgo juvenil en la escuela.
Palabras Clave: Educación; Liderazgo Juvenil; Inclusión.
Introdução
O presente ensaio discute a experiência desenvolvida no projeto de extensão intitulado Espaço Jovem, realizado pelo Instituto Federal da Paraíba, campus Sousa (IFPB-Sousa) em uma escola de ensino médio da rede estadual de ensino. Tem como objetivo o fortalecimento de estudantes para o desenvolvimento de ações relacionadas à convivência com as diferenças, aceitação de si mesmo e do outro na construção de relações mais afetivas e solidárias, fazendo circular informações sobre os direitos das pessoas com deficiência na construção de uma escola inclusiva e de uma cultura de paz.
O principal objetivo da Educação Inclusiva é a construção da escola que acolhe, agrega conhecimentos e valores morais, superando o modelo médico-psicológico que concebe a existência da pessoa com deficiência a partir de um diagnóstico de incapacidades, que explicaria o insucesso escolar por uma base biológica ou por problemas psicológicos, descontextualizado de sua historicidade. Assim, pela necessidade de desconstruir e reconstruir o conceito de deficiência, compreendendo que as diferenças estão em cada um e em todos é que o projeto de extensão Espaço Jovem foi realizado, buscando atingir, não apenas os estudantes com deficiências, mas a comunidade escolar, tendo o jovem como o protagonista deste processo.
A seguir, apresentamos a experiência, refletimos sobre o protagonismo juvenil apontando as contradições que emergem da realidade escolar. Por fim, destacamos três dimensões que foram levadas em consideração pelo educador no desenvolvimento do protagonismo dos adolescentes e que muito contribuiu para o êxito do projeto: valor e poder pessoal; sentimento de pertença e capacidade de refletir e agir sobre a realidade.
O caminho trilhado pelo Espaço Jovem
O projeto Espaço Jovem foi selecionado pelo Edital de Extensão do IFPB (PROBEXT) e desenvolvido pelo campus Sousa em uma escola estadual na cidade de Sousa (Paraíba, Brasil), localizada em um bairro conhecido por sua grande população de ciganos, discriminada por ter uma imagem extremamente depreciativa, ligada ao roubo, prostituição, sujeira, vagabundagem, pobreza e desordem (Moonen, 2008). Como primeira ação, o projeto foi apresentado à comunidade escolar por uma professora e dois estudantes bolsistas do IFPB. Em reunião, foram definidos os critérios de seleção para o núcleo base do projeto, composto por vinte estudantes da escola. Os critérios selecionados foram: disponibilidade em participar das reuniões semanais, cursar o ensino médio e demonstrar interesse pela proposta.
Para dar suporte ao trabalho foram realizadas reuniões com familiares e servidores da escola, nas quais se refletiu sobre o universo jovem, a possibilidade de diálogo e a necessidade de suporte às iniciativas empreendidas por estes, reconhecendo o adulto como orientador, valorizando o jovem como protagonista capaz de assumir responsabilidades. Na seleção dos estudantes foi realizada entrevista com uma comissão formada por um professor da escola e um professor do IFPB. A formação dos estudantes ocorreu em encontros semanais, no período letivo do ano de 2013, por meio de seis oficinas que versaram sobre os seguintes temas: identidade, comunicação e cidadania, participação social, escola inclusiva, direitos das pessoas deficientes, rádio e comunicação. Durante as oficinas, buscou-se o desenvolvimento de metodologias participativas de forma a favorecer a atitude dos participantes num clima lúdico e de liberdade, valorizando os conhecimentos e experiências dos participantes, envolvendo-os nas discussões e propiciando a análise crítica das situações reais e imaginárias.
Finda as oficinas, os estudantes deveriam criar pequenos programas de rádio com entrevista, música e informação para apresentação no recreio escolar, em uma rádio a ser construída artesanalmente. Contudo, no desenvolvimento deste trabalho, começou-se a perceber a desmotivação. Os adolescentes relatavam a vergonha de apresentar-se diante dos colegas, medo de serem ridicularizados, de não saberem conduzir o programa, de falar errado ao microfone. Diante de tanta angústia, decidiram não realizar o programa de rádio. Frente a esse impasse, o grupo de extensionistas levou a proposta da pintura em telha, já que tínhamos uma participante que era artista plástica. Compreendeu-se, naquele momento, a utilização da arte como possibilidade de expressão do universo adolescente, em um ambiente mais acolhedor e protegido. A proposta foi discutida coletivamente pelos estudantes e assumida como nova estratégia para comunicar os objetivos propostos pelo projeto. Utilizando a arte como mediadora da experiência de inclusão e respeito às diferenças, os estudantes ao decorarem suas telhas, falam de si, da família, de seus medos e afetos, facilitando maior integração e sentimento de pertença ao grupo. O projeto culminou com uma exposição das telhas na escola, na qual os alunos puderam apresentar suas produções para os outros estudantes, professores, pais e familiares.
Cabe destacar que a riqueza da experiência se constituiu no redimensionamento da metodologia proposta pelo planejamento inicial, contribuindo para afirmação do protagonismo juvenil, através da negação dos estudantes em realizar os programas de rádio e a proposição de nova ação, transformando um objeto artesanal de utilidade, a telha, em recurso para discutir e propor soluções para os problemas concretos identificados na escola. Em contrapartida, o projeto também desafiou os educadores a desenvolverem uma competência técnica e sensibilidade pedagógica para consideração do protagonismo juvenil, favorecendo ao jovem autonomia, apoio nas dificuldades, incentivo à realização de projetos fundamentados na compreensão das diferenças, diálogo e no respeito à alteridade.
Protagonismo juvenil na escola
Historicamente, a juventude tem se destacado como grupo chave para os processos de transformação social. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil, 1998) têm o protagonismo juvenil como um de seus eixos fundamentais, quando orientam a gestão educacional para abertura à participação dos estudantes, deslocando a cena que tradicionalmente pertencia aos gestores e professores. Nesse sentido, defendem uma pedagogia ativa em que o foco das atividades é o jovem, cabendo ao professor a função de orientação. Ferretti, Zibas e Tartuce (2004) nos alertam que o conceito de protagonismo juvenil tem diversas facetas, pois enquanto uns autores advogam a necessidade de desenvolvimento do ser humano completo, para além das necessidades de produção, outros orientam a uma despolitização da participação juvenil em um apelo à adaptação à nova ordem mundial.
Para Souza (2006) desde a década de 1990 o termo "protagonismo juvenil" se faz presente nos textos dos organismos internacionais, organizações não governamentais, órgãos de governo e educadores para referenciar a participação da juventude na sociedade. Não obstante, a referida autora esclarece que esse termo, em virtude de ter origem na matriz discursiva que considera a sociedade como aglomerado de indivíduos, que realizam atividades que beneficiam a si próprios e a coletividade, esconde sua real intenção que é a conformação e integração do jovem a sociedade capitalista, anulando-o politicamente pela adoção do "fazer coisas" como forma de participação e fabricação do consenso pelo discurso, o que impede a reflexão, a autenticidade e a fala autônoma e transgressora própria da juventude.
Nessa discussão cabe destacar que a concepção de protagonismo que norteou o Projeto Espaço Jovem insere-se na perspectiva do protagonismo juvenil como ferramenta de estímulo à reflexão dos jovens, para tomarem suas próprias decisões, de influenciarem os planos traçados para eles por pais e responsáveis, podendo construir um novo caminhar. Embasados na discussão de autores do campo da psicologia comunitária (Góis, 1993; Montero, 2003) e da própria reflexão sobre a experiência, estabelecemos, de forma original nesse artigo, três dimensões que devem ser levadas em consideração pelo educador quando do trabalho com os jovens: valor e poder pessoal, sentimento de pertença e capacidade de refletir e agir sobre a realidade. Para Góis (1993), o Valor Pessoal é um sentimento de valor intrínseco, uma tendência natural para a realização. O Poder Pessoal é a capacidade de influir na construção de relações saudáveis com os outros e com a realidade, buscando a transformação da realidade (Góis, 1993). Neste sentido, o educador deverá realizar atividades que fomentem a autoestima do adolescente, reconhecendo a importância da sua ação no mundo.
Na segunda dimensão, o educador deve fomentar o sentimento de apego à comunidade, onde o adolescente sinta-se seguro e incluído em sua escola e no espaço comunitário, capaz de comprometer-se pessoalmente com as lutas empreendidas coletivamente. Segundo McMillan e Chavis (1986) e Montero (2003), o sentimento psicológico de comunidade dilui o sentimento de alienação, anomia, isolamento e solidão ao satisfazer as necessidades de intimidade, diversidade, pertença e utilidade. Na última dimensão, o educador deve favorecer a capacidade de o adolescente observar as dificuldades e organizar formas de superação, reconstruindo-se a cada desafio, relacionando a reflexão com a ação e vice-versa, traduzindo, em atitudes produtivas, as ideias e produzindo novas ideias a partir das ações realizadas. Para que este aspecto seja desenvolvido é necessária à participação em grupos pautada na escuta, diálogo problematizador, que para Freire (1970/1983) é um processo em que as pessoas se encontram para "desvelar" a realidade em uma relação dialógica, superando o ato de depositar ideias de um sujeito no outro ou da simples troca de ideias. Atento a estas dimensões, o educador seria capaz de desenvolver o protagonismo adolescente capaz de superar o que Ferretti et al. (2004) denunciam como a face conservadora e economicista do discurso que prevalece nas diretrizes curriculares do ensino médio.
À guisa de conclusão
Na experiência aqui apresentada, a escola foi confrontada com suas limitações em favorecer o protagonismo juvenil, vendo o desenvolvimento de um projeto de extensão desvinculado do fortalecimento e envolvimento dos estudantes. Em contradição, o projeto Espaço Jovem possibilitou aos estudantes a condição de serem capazes de tomarem suas próprias decisões, assumindo as consequências de suas escolhas, mostrando que são capazes de assumir compromisso. Além disso, contribuiu para que os pais e familiares envolvidos e, principalmente, os educadores pudessem rever seus conceitos de juventude e atitudes autoritárias em que as opiniões dos estudantes são vedadas e a autonomia de ideias negada, substituindo a formação para a submissão, conformismo e individualismo para autonomia e emancipação.
O protagonismo juvenil implica, assim, em práticas de inclusão capazes de considerar os medos, as dificuldades e as angústias de cada um, promovendo ações que enxerguem os jovens como sujeitos ativos, diminuindo o impacto de situações de vulnerabilidade vivenciadas por estudantes com e sem deficiência.
Referências
Brasil. (1998). Resolução CEB Nº 3, de 26 de junho de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb03_98.pdf [ Links ]
Freire, P. (1983). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. (Originalmente publicado em 1970). [ Links ]
Ferretti, C. J., Zibas, D. M. L., & Tartuce, G. L. B. P. (2004). Protagonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do ensino médio. Cadernos de Pesquisa, 34(122), 411-423. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742004000200007 [ Links ]
Góis, C. W. L. (1993). Noções de Psicologia Comunitária. Fortaleza: Editora Viver Edições UFC. [ Links ]
Mcmillan, D. & Chavis, D. (1986). Sense of community: A definition and theory. Journal Of Community Psychology, 14(1), 6-23. doi: http://dx.doi.org/10.1002/1520-6629(198601)14:1<6::AID-JCOP2290140103>3.0.CO;2-I [ Links ]
Montero, M. (2003). Teoría y práctica de la psicología comunitaria: la tensión entre comunidad y sociedad. Buenos Aires: Paidós. [ Links ]
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Souza, R.M. (2006). O discurso do protagonismo juvenil (Tese de doutorado não publicada). Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Maria Aparecida Alves Sobreira Carvalho
apsobreira1@hotmail.com
Adriana Alves da Silva
adriana_as_ce@hotmail.com
Patricia Diógenes de Melo
patricia_diogenes05@hotmail.com
Submetido em: 22/03/2015
Revisto em: 25/08/2017
Aceito em: 16/09/2017