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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.70 no.2 Rio de Janeiro May/Aug. 2018

 

ARTIGOS

 

Stalking e ciberstalking: coocorrência e padrões de vitimação em estudantes universitários

 

Stalking and cyberstalking: co-occurrence and victimization patterns in university students

 

Stalking y ciberstalking: coocurrencia y estándares de victimación en estudiantes universitarios

 

 

Sara PiresI; Ana Isabel SaniII; Cristina SoeiroIII

IMestre em Psicologia Jurídica pela Universidade Fernando Pessoa. Porto. Portugal
IIProfessora Associada da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa. Porto. Portugal. Coordenadora do Mestrado em Psicologia da Justiça: vítimas de violência e de crime
IIIProfessora Associada no Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz. Caparica. Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta investigação analisou a coocorrência e os respetivos padrões de vitimação do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários através do Inventário de Vitimação por Stalking e pela Escala de Avaliação de Ciberstalking. A amostra foi 1.081 estudantes universitários portugueses, de ambos os sexos e com idades entre os 18 e os 58 anos (M = 22,8; DP = 4,94). Os resultados demonstraram taxas de 24,0% de stalking, 22,8% de ciberstalking e de 15,4% de coocorrência de ambos os fenómenos. As 167 vítimas simultaneamente de stalking e ciberstalking eram predominantemente do sexo feminino e os agressores, do sexo masculino. Os comportamentos de stalking e ciberstalking maioritariamente perpetrados foram ações percecionadas como inofensivas e de hiperintimidade. Estes resultados reforçam a necessidade de políticas de prevenção e intervenção com os estudantes vítimas destas duas formas de violência.

Palavras-chave: Stalking; Ciberstalking; Coocorrência; Estudantes universitários.


ABSTRACT

This research analysed the co-occurrence and the respective victimization patterns of stalking and cyberstalking in college students through the Inventário de Vitimação por Stalking and the Escala de Avaliação de Ciberstalking. The sample was collected from 1081 Portuguese college students, aged from 18 to 58 years (M = 22.8; SD = 4.94). The results demonstrate 24.0% of stalking rates, 22.8% of cyberstalking and 15.4% of co-occurrence of both types of violence. The 167 simultaneously victims of stalking and cyberstalking were predominantly female and the perpetrators were male. The behaviours of stalking and cyberstalking were actions thought of as apparently harmless and intimate. These results support the need to develop policies for prevention and intervention with college student victims of both forms of violence.

Keywords: Stalking; Cyberstalking; Co-occurrence; College students.


RESUMEN

La presente investigación analizó la coocurrencia y los correspondientes estándares de victimación del stalking y del ciberstalking en estudiantes universitarios a través del Inventario de Vitimación por Stalking y de la Escala de Evaluación de Ciberstalking. La muestra fue de 1.081 estudiantes universitarios portugueses, de los dos sexos y con edades entre los 18 y los 58 años (M = 22,8, DE = 4,94). Los resultados demostraron tasas de 24,0% de stalking, 22,8% de ciberstalking y de 15,4% de coocurrencia de los dos fenómenos. Las 167 víctimas simultáneamente de stalking y ciberstalking eran predominantemente del sexo femenino y los agresores del sexo masculino Los comportamientos de stalking y ciberstalking mayoritariamente cometidos fueron acciones percibidas como inofensivas y de hiperintimidad. Estos resultados refuerzan la necesidad de políticas de prevención e intervención con los estudiantes víctimas de estas dos formas de violencia.

Palabras clave: Stalking; Ciberstalking; Coocurrencia; Estudiantes universitarios.


 

 

Introdução

A presente investigação incide sobre o estudo do stalking e do ciberstalking, designadamente a sua coocorrência e os respetivos padrões de vitimação em estudantes universitários.

O stalking também está presente no estabelecimento de relações e nos contactos interpessoais de modo online, e o risco desta forma de vitimação aumentou devido ao crescimento acentuado das tecnologias de informação e comunicação (TIC), especificamente em estudantes universitários (Bocij & McFarlane, 2003; Spitzberg & Hoobler, 2002; Pires, Sani, & Soeiro, 2018) e, sobretudo, entre os estudantes universitários (por exemplo, Björklund, Häkkänen-Nyholm, Sheridan, & Roberts, 2010; Fisher, Cullen, & Turner, 2002; Jordan, Wilcox, & Pritchard, 2007; Marques, Pinto, & Alvarez, 2015).

A investigação internacional que cruza as duas problemáticas é escassa, inclusive em Portugal, podendo, por isso, este estudo contribuir para desenvolvimento do conhecimento científico na área da Vitimologia. Acresce ainda o facto de a literatura (por exemplo, Caridade, Antunes, & Matos, 2016; Caridade & Sani, 2016; Matos, Conde, & Peixoto, 2013; Nurius, Greena, Logan-Greene, & Borja, 2015) ter revelado que a experienciação múltipla de situações de violência pode complexificar o impacto e produzir sintomatologia significativa nas vítimas.

Neste sentido começaremos por conceptualizar de forma breve os fenómenos do stalking e do ciberstalking, retratando algum do conhecimento nacional e internacional sobre estas problemáticas, quer em termos de prevalência quer dos perfis gerais de vitimação, e modo de ocorrência, para posteriormente avançarmos para a apresentação do estudo descritivo e exploratório realizado com uma população de estudantes universitários portugueses.

 

Conceptualização de stalking

O stalking é uma forma de violência interpessoal, que se caracteriza pela adoção de comportamentos de assédio persistente, através dos quais o perpetrador estabelece diversas formas de vigilância, comunicação, monitorização e contatos não desejados com a vítima, percepcionados por esta de uma forma ameaçadora, podendo comprometer a sua qualidade de vida (Grangeia & Matos, 2010; Pathé, Mullen, & Purcell, 2001; Sani, Carrasquinho, & Soeiro, 2018). O conjunto destes comportamentos tende a escalar em frequência e agressividade, podendo associar-se a outras formas de violência (por exemplo, ameaças, agressões físicas ou psicológicas) (Cupach & Spitzberg, 2004; Sheridan, Blaauw, & Davies, 2003).

Assim, destacou-se a necessidade da intervenção do sistema jurídico-legal, com vista à proteção da integridade física e psicológica da vítima, bem como à repressão deste fenómeno. A criminalização do stalking em Portugal surgiu no ano de 2015, denominado "Perseguição" (artigo 154-A) no Código Penal, de cariz semipúblico, sendo integrado no elenco dos crimes contra a liberdade pessoal (Portugal, 2015).

Embora, primeiramente, a atenção dada ao stalking se tenha focado nas celebridades que foram vítimas e se tenha gradualmente expandido ao público em geral, só muito recentemente é que o stalking foi identificado como um problema significativo que assola os estudantes universitários (por exemplo, Björklund et al., 2010; Fisher et al., 2002; Grangeia & Matos, 2017; Jordan et al., 2007). Björklund e col. (2010) observaram que na sua amostra constituída por 615 estudantes universitários finlandeses, a prevalência das vítimas de stalking foi de 52,4% entre o sexo feminino e 23,2% entre o sexo masculino, números muito superiores aos encontrados em amostras representativas da população, cuja prevalência das vítimas era aproximadamente de 8,0%-25,0% entre as mulheres e 2,0%-13,3% entre os homens (Matos, Grangeia, Ferreira, & Azevedo, 2011; Tjaden & Thoennes, 1998). Num estudo português online com 3.367 estudantes universitários, Grangeia e Matos (2017) apuraram que 34,5% da amostra assumiu já ter experienciado uma situação de assédio persistente que lhe causou medo, embora sem grande gravidade.

Os indicadores de prevalência da vitimação ao longo da vida em estudantes universitários variam entre os 12,0% (McNamara & Marsil, 2012) e os 96,0% (Pereira, Matos, Sheridan, & Scott, 2014). Relativamente ao indicador de prevalência de vitimação desde a entrada do estudante na universidade, este situa-se nos 19,9% (Buhi, Clayton, & Surrency, 2009). Fisher e colaboradores (2002) encontraram uma taxa de prevalência de 13,1% de vitimação ao longo da vida e 15,0% tendo como período de referência o último ano. Por último, Jordan e col. (2007) utilizaram no seu estudo três períodos de referência de vitimação por stalking, sendo 40,4% de vitimação por stalking ao longo da vida, 18,0% de vitimação desde a entrada do estudante na universidade e 11,3% de vitimação tendo como período de referência o último ano.

O estudo científico do fenómeno de stalking tem originado um conhecimento crescente acerca dos intervenientes deste fenómeno. Vários estudos sugerem que os estudantes universitários vítimas de stalking pertencem maioritariamente ao sexo feminino (Björklund et al., 2010; Geistman, Smith, Lambert, & Cluse-Tolar, 2013; Maran, Zedda, Varetto, & Munari, 2014; McNamara & Marsil, 2012) e os(as) perpetradores são predominantemente do sexo masculino (Björklund et al., 2010; Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Maran et al., 2014). No que diz respeito ao tipo de relação entre a vítima e o(a) stalker em estudantes universitários, investigações indicam que o(a) perpetrador(a) é alguém conhecido da vítima (por exemplo, amigo(a), colega ou vizinho) (Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Buhi et al., 2009; Geistman et al., 2013; Jordan et al., 2007; Jutras, Edwards, & Sylaska, 2013) ou um parceiro íntimo atual e/ou anterior (Fisher et al., 2002; Maran et al., 2014). A título ilustrativo, refira-se o estudo de Maran e col. (2014) com 142 estudantes universitários, de ambos os sexos, de nacionalidade italiana, com idades compreendidas entre os 19 e os 55 anos, constatando que 86,1% das vítimas de stalking pertencia ao sexo feminino, 79,4% dos stalkers era do sexo masculino, sendo que em 41,7% dos casos este era um(a) parceiro(a) íntimo(a) anterior e 19,4% era um(a) amigo(a). Num outro estudo efetuado por Geistman e col. (2013) com uma amostra de 2.174 estudantes (53,0% do sexo feminino e 47,0% do sexo masculino) averiguaram que a grande maioria das vítimas pertencia ao sexo feminino (62,0%) e que o(a) agressor(a) era do sexo masculino (63,0%). Neste mesmo estudo, verificou-se que 42,0% das vítimas tinha uma relação de amizade com o(a) stalker (Geistman et al., 2013).

Quantos aos padrões de ocorrência do stalking mais comumente perpetrados pelo(a) stalker são os contactos mediados (por exemplo, chamadas telefónicas, mensagens, e-mails) (Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Fisher et al., 2002; Jordan et al., 2007; Maran et al., 2014; McNamara & Marsil, 2012) e a perseguição (Buhi et al., 2009; Geistman et al., 2013; Jaishankar & Kosalai, 2007). Quanto à sua frequência e duração, este fenómeno tende a ocorrer diariamente ou semanalmente (Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Jaishankar & Kosalai, 2007) e com uma duração média de várias semanas a um ano (Björklund et al., 2010; Fisher et al., 2002; Maran et al., 2014). Como suporte a estes resultados, no estudo de Fisher e col. (2002) verificou-se que os comportamentos específicos mais reportados pelos estudantes universitários recaíram nas chamadas telefónicas não desejadas (77,7%), aparecimento do stalker em locais frequentados pela vítima (47,9%) e perseguição (42,0%). Neste estudo, os autores apuraram ainda que a frequência dos comportamentos foi entre duas a seis vezes por semana (Fisher et al., 2002), reforçando e concluindo que este tipo de vitimação é um problema significativo entre os estudantes universitários (Pereira et al., 2014).

 

Conceptualização de ciberstalking

Nas últimas décadas, a evolução da tecnologia favoreceu o contacto entre pessoas e, em consequência, uma maior probabilidade de intrusão, devido ao anonimato, facilidade de utilização, maior rapidez permitida pela Internet e perceção de haver uma menor aplicação da legislação (Bocij & McFarlane, 2003). Desta forma, desenvolveu-se um fenómeno análogo ao stalking: o ciberstalking (Spitzberg & Hoobler, 2002).

O ciberstalking traduz-se num conjunto de condutas persistentes e não desejadas, através do qual um indivíduo, grupo de indivíduos ou organização recorre às TIC com o objetivo de assediar, intimidar ou ameaçar um indivíduo, grupo de indivíduos ou organização (Bocij, 2004; Reyns, Henson, & Fisher, 2012; Sheridan & Grant, 2007; Sani et al., 2018). Desta forma, os estudantes universitários que recorrem frequentemente às TIC, quer por necessidade de formação académica quer para o estabelecimento de relações interpessoais, constituindo um grupo altamente vulnerável ao fenómeno de ciberstalking (White & Carmody, 2016). De acordo com alguns estudos, a prevalência da vitimação em estudantes universitários ao longo da vida varia entre os 13,0% (Paullet, Rota, & Swan, 2009), 36,3% (Carrasquinho, 2015), 40,8% (Reyns et al., 2012), 43,3% (Lindsay & Krysik, 2012), 45,6% (Hensler-McGinnis, 2008) e 74,8% (Carvalho, 2011). Em Portugal, o estudo de Carvalho (2011), com uma amostra de 111 estudantes universitários, de ambos os sexos, concluiu que 74,8% dos participantes experienciou, pelo menos, um comportamento de ciberstalking. Noutro estudo de Carrasquinho (2015) com 673 estudantes, de ambos os sexos, apurou-se que 69,1% da amostra experienciou, pelo menos, um comportamento de ciberstalking.

Não existe um consenso na literatura acerca do perfil da vítima ou do(a) agressor(a) e a respetiva natureza de relacionamento nos estudantes universitários. Relativamente à vítima, certos autores referem que esta é estudante universitária e do sexo feminino (Curtis, 2012; Paullet et al., 2009; Reyns, 2010; White & Carmody, 2016). Todavia, Alexy, Burgess, Baker e Smoyak (2005) e Carvalho (2011) referem que os homens tendem a experienciar mais comportamentos de ciberstalking do que as mulheres. As vítimas tendem a ser solteiros(as) e jovens, com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos (Carvalho, 2011; Curtis, 2012; Reyns, 2010). No que diz respeito ao ciberstalker, este pertence maioritariamente ao sexo masculino (Curtis, 2012; Heinrich, 2015; Hensler-McGinnis, 2008).

No que concerne à natureza do relacionamento entre o(a) ciberstalker e a vítima em estudantes universitários existem três perspetivas diferentes. A primeira perspetiva refere que o(a) perpetrador(a) é alguém conhecido (por exemplo, amigo, colega, familiar) (Hensler-McGinnis, 2008; Paullet et al., 2009). A segunda perspetiva defende que o(a) ciberstalker é um(a) parceiro(a) íntimo atual ou anterior (Alexy et al., 2005; Curtis, 2012; Heinrich, 2015; Reyns et al., 2012). Por último, a terceira perspetiva refere os estudantes que foram alvo de ciberstalking por parte de um(a) desconhecido(a) (Finn, 2004).

Os padrões de ocorrência do ciberstalking, em contexto universitário, mais comumente perpetrados pelo(a) ciberstalker são os comportamentos de hiperintimidade (por exemplo, envio de mensagens exageradas de afeto, envio de mensagens excessivamente carentes ou exigentes, envio de objetos de afeto) (Carrasquinho, 2015; Carvalho, 2011; Reyns, 2010; Spitzberg & Hoobler, 2002), as tentativas de contactos não desejados (Alexy et al., 2005; Paullet et al., 2009) e o estar constantemente a monitorizar, marcar ou enviar presentes para as redes sociais (Hensler-McGinnis, 2008). De acordo com a sua frequência e respetiva duração, Curtis (2012) refere que este fenómeno tem uma duração média de 215 dias.

De encontro com estas evidências, o estudo de Spitzberg e Hoobler (2002) teve como principal finalidade averiguar quais os comportamentos de ciberstalking mais incidentes em estudantes universitários, concluindo que são o envio de objetos de afeto (por exemplo, poesia, músicas, postais eletrónicos, elogios etc.) (31,0%), envio de mensagens exageradas de afeto (31,0%), envio de mensagens excessivamente reveladoras (26,0%) e envio de mensagens carentes ou exigentes (25,0%). No contexto português, Carrasquinho (2015) e Carvalho (2011) utilizaram também uma amostra universitária, destacando que os comportamentos mais frequentes são o envio de mensagens exageradas de afeto, o envio de mensagens excessivamente carentes ou exigentes e o envio de objetos de afeto, remetendo assim para comportamentos de hiperintimidade, ou seja, que configuram um conjunto de expressões excessivas ou inapropriadas para com a vítima.

No presente artigo pretende-se analisar a coocorrência e os respetivos padrões de vitimação do stalking e do ciberstalking em estudantes universitários portugueses. Deste modo, partindo da investigação mais alargada sobre a prevalência do stalking e ciberstalking em população universitária procurou-se em termos mais específicos: i) analisar a coocorrência dos fenómenos, ou seja, se as vítimas de stalking tendem a ser também vítimas de ciberstalking; ii) apurar quais as características das vítimas de ambos os fenómenos; iii) conhecer quais as características dos agressores, descritas por esta amostra; iv) caracterizar os comportamentos de stalking e padrões de ocorrências de ciberstalking nesta amostra de estudantes que já experienciou ambos os fenómenos.

 

Método

A presente investigação, de natureza exploratória e descritiva, obedeceu a um desenho de recolha de dados transversal através de medidas quantitativas de autorrelato.

Participantes

Os participantes da presente investigação são estudantes do ensino universitário, tendo-se para a constituição da amostra utilizado um processo de amostragem de tipo não probabilístico, por conveniência. Desta forma, foram previamente definidos critérios de inclusão, sendo elegíveis para participar no estudo estudantes universitários portugueses, de ambos os sexos e matriculados em instituições de ensino superior público ou privado em Portugal.

A amostra total foi constituída por 1.081 estudantes, dos quais 72,2% (n = 781) eram do sexo feminino e 27,8% (n = 300), do sexo masculino. A idade variava entre os 18 e os 58 anos (M = 22,8, DP = 4,94).

Relativamente à região em que os(as) participantes residiam, verificou-se que a maior parte (64,4%, n = 696) dos(as) estudantes pertencia à Área Metropolitana de Lisboa, 15,0% (n = 162) residia na região Norte, 13,9% (n = 150) na região Centro, 3,3% (n = 36) na região Alentejo, 1,7% (n = 18) na região Algarve e uma menor parte (1,8%, n = 19) nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. No que concerne às habilitações literárias, verificou-se que 44,0% (n = 476) da amostra possuía o ensino secundário, 46,4% (n = 504) o primeiro ciclo do ensino superior, 9,3% (n = 100) o segundo ciclo do ensino superior e 0,3% (n = 3) detinha o terceiro ciclo do ensino superior.

Mais de metade da amostra (54,1%, n = 585) mantinha atualmente uma relação amorosa, 40,1% (n = 434) não mantinha atualmente uma relação e uma reduzida parte da amostra (5,7%, n = 62) mantinha relações ocasionais. Relativamente ao estado civil, 95,6% (n = 1.033) dos(as) estudantes universitários encontrava-se solteiro(a), 3,6% (n = 39) afirmava ser casado(a) e 0,8% (n = 9) estava divorciado(a).

No que concerne às dinâmicas e atividades universitárias, as duas áreas de educação e formação mais frequentadas pelos(as) estudantes eram as áreas de Ciências Sociais, Comércio e Direito (40,5%, n = 438), Saúde e Proteção Social (27,3%, n = 295). A maior parte da amostra (54,5%, n = 589) estuda no mesmo distrito onde reside enquanto 45,5% (n = 492) estuda fora do distrito de residência. Considerando o local e pessoas com quem reside, 56,1% (n = 606) reside num apartamento e apenas 2,6% (n = 28) mora numa residência universitária, verificando-se que 67,9% (n = 734) vivia com a sua respetiva família enquanto 4,9% (n = 53) vivia sozinho.

Instrumentos

De modo a recolher as informações necessárias para a investigação, os instrumentos utilizados foram uma versão adaptada do Inventário de Vitimação por Stalking (IVS) elaborado por Matos e colaboradores em 2009 (Matos et al., 2011) e a Escala de Avaliação de Ciberstalking (EAC) da autoria de Spitzberg e Cupach (US Atomey General, 1999), traduzido e adaptado por Carvalho e Matos em 2009 (Carvalho, 2011). Complementarmente, foi elaborado um questionário sociodemográfico administrado em conjunto com os referidos instrumentos, com a finalidade de obter informações detalhadas sobre os participantes, designadamente os dados sociodemográficos, que se revelaram importantes para o presente estudo.

A versão adaptada do IVS para o presente estudo é constituída por quatro seções relativas, nomeadamente à prevalência da vitimação ao longo da vida (por exemplo, "Ao longo da sua vida alguma vez foi alvo deste tipo de interesse?"), aos perfis (por exemplo, "Foi alvo deste tipo de interesse por mais do que uma pessoa?; qual o sexo dessa pessoa"), dinâmicas e cenários (por exemplo, "Assinale de que forma a pessoa demonstrou interesse por si"), ao impacto na vítima (por exemplo, "Em que medida é que o assédio persistente interferiu ao nível") e às respostas à respetiva vitimação (por exemplo, "Durante o assédio persistente procurou algum tipo de ajuda?"). Este instrumento beneficia de uma dupla funcionalidade, ou seja, possibilita a autoperceção de vitimação ao longo da vida como também permite analisar a vitimação em vários domínios (por exemplo, perfil da vítima e do(a) stalker, dinâmicas, impacto e procura de apoio) (Matos et al., 2011). Neste inventário as questões apresentam um formato de resposta fechada, com várias opções, não necessariamente dicotómicas.

A versão adaptada da EAC tem como finalidade avaliar os comportamentos de vitimação por ciberstalking, sendo constituída por quatro fatores: "transferência para a vida real" (por exemplo, "Conhecê-lo(a) primeiro on-line e depois segui-lo(a)"), "hiperintimidade" (por exemplo, "Enviar mensagens exageradas de afeto"), "ameaça" (por exemplo, "Enviar mensagens escritas ameaçadoras") e "sabotagem" (por exemplo, "Sabotar a sua reputação") (Carvalho, 2011). A EAC é constituída por uma escala tipo likert de cinco pontos, em que o(a) participante poderá indicar a frequência da experiência. Ao nível da cotação da escala, é possível utilizar uma pontuação global através do somatório dos itens, mas também poderá recorrer-se à cotação dos quatro fatores (Carvalho, 2011).

Quanto às suas caraterísticas psicométricas, a consistência interna para a versão portuguesa da EAC obteve um alfa de Cronbach geral de 0,916. As suas subescalas apresentaram os seguintes valores: transferência para a vida real 0,933, hiperintimidade 0,887, ameaça 0,857 e sabotagem 0,782 (Carvalho, 2011). Na presente investigação, os valores de consistência interna encontram-se um pouco mais baixos do que os do estudo original de adaptação para a versão portuguesa, apresentando um alfa de Cronbach geral de 0,861 (consistência interna boa). As suas subescalas revelaram os seguintes valores: transferência para a vida real 0,764 (consistência interna razoável), hiperintimidade 0,764 (consistência interna razoável), ameaça 0,693 (consistência interna fraca) e sabotagem 0,870 (consistência interna boa).

De modo a responder à primeira questão de estudo, as primeiras partes do IVS e da EAC foram aplicadas a todos os participantes enquanto as restantes partes apenas foram apresentadas aos estudantes que se autodefiniram como vítimas, ou seja, que responderam afirmativamente às questões de ter experienciado a vitimação por stalking e ciberstalking. Desta forma foi possível avaliar a prevalência da vitimação por stalking, ciberstalking e a respetiva coocorrência dos dois fenómenos.

Procedimento

Tendo em consideração o cumprimento dos procedimentos éticos e deontológicos no âmbito da presente investigação, foi inicialmente desenvolvido e submetido o projeto à apreciação da Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa, como também foram efetuados os pedidos de autorização às autoras dos instrumentos (IVS e EAC). Após a obtenção das respetivas autorizações foi desenvolvido o questionário sociodemográfico (Anexo B), a administrar a par do IVS e EAC.

Adicionalmente, foi criado um endereço eletrónico através do qual os(as) participantes poderiam solicitar esclarecimentos ou colocar questões que pudessem surgir aquando do preenchimento dos instrumentos.

O estudo foi realizado através de uma plataforma online (Google Docs). Aos participantes foi apresentada uma declaração de consentimento informado, visando elucidar do caráter voluntário, anónimo e confidencial do estudo, proferindo uma breve explicação dos objetivos, explicação da tarefa e os critérios de inclusão na amostra. Após o assentimento informado do participante se avançava para a recolha de dados referentes ao estudo. A recolha de dados decorreu entre o mês de janeiro e abril de 2016.

Os dados recolhidos foram tratados com recurso ao programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences - version 24 (IBM SPSS versão 24.0), com a finalidade de se realizarem análises estatísticas, nomeadamente de carácter descritivo para responder às questões anteriormente apresentadas.

 

Resultados

Coocorrência da vitimação do stalking e ciberstalking

Atendendo ao total da amostra de estudantes universitários que participaram neste estudo (n = 1.081), verificou-se que a taxa de prevalência da vitimação por stalking foi de 24,0% (n = 259). De igual modo e para a mesma amostra, a taxa apurada para a vitimação por ciberstalking foi de 22,8% (n = 246). Na análise da coocorrência dos dois fenómenos, verificou-se que 15,4% (n = 167) reconheceu ser vítima de stalking e, concomitantemente, de ciberstalking.

Caraterização das vítimas de stalking e ciberstalking

Os resultados (Tabela 1) revelaram que a coocorrência dos fenómenos era sobretudo reportada por mulheres (77,2%). O grupo etário de maior prevalência situava-se entre os 21 e os 24 anos (55,7%). A maioria das vítimas era solteira (95,8%), apresentando 54,5% dos estudantes uma relação amorosa. Quanto à escolaridade, a maioria destes estudantes (48,5%) tinha concluído o primeiro ciclo do ensino superior. Em termos geográficos, a área Metropolitana de Lisboa revelou o maior número de casos (69,5%), sendo de referir que a maioria dos participantes estudava fora do seu distrito de residência (51,5%).

Caraterização dos agressores de stalking e/ou ciberstalking

Os participantes com experiência de vitimação múltipla (stalking e ciberstalking) referiram que os agressores são na sua maioria homens (71,3%) (Tabela 2). Quanto à frequência dos comportamentos, estes eram sobretudo perpetrados diariamente (55,7%) ou semanalmente (38,3%), havendo uma persistência comum do(s) fenómeno(s) entre um a seis meses (36,5%). Os resultados mostraram ainda que o(a) stalker era alguém conhecido(a), colega, amigo(a), vizinho(a) ou familiar (38,3%) ou parceiro(a) ou ex-parceiro(a) íntimos (33,5%) (Tabela 2). A título informativo, refira-se que, nestes últimos casos reportados (n = 56), para 41 participantes a vitimação ocorreu durante a relação amorosa, em 13 antes de a iniciar e em dois casos após o seu término.

Identificação dos comportamentos de stalking e ciberstalking

No que se refere aos padrões de ocorrência de stalking, esta amostra de estudantes universitários (n = 167) relata como comportamentos mais frequentes o "tentar entrar em contacto de forma não desejada" (89,8%), "aparecer em locais frequentados pela vítima" (54,5%), "ser perseguido" (34,7%) e "vigiar ou pedir a alguém para vigiar" (33,5%), para além de outros (Tabela 3).

No que concerne aos padrões de ocorrência mais frequentes de ciberstalking (Tabela 4) que se identificam no presente estudo, estes remetem para uma maior incidência nos comportamentos de hiperintimidade, sendo que o item "enviar mensagens excessivamente carentes ou exigentes" obteve a maior taxa de prevalência nas vítimas de stalking e ciberstalking (91,0%). Seguidamente o item "enviar mensagens exageradas de afeto" obteve uma taxa de prevalência de 86,2%, o item "enviar mensagens excessivamente reveladoras" revelou uma taxa de resposta de 74,4% e, por fim, o item "enviar objetos de afeto" obteve 68,9%.

 

Discussão

O presente estudo teve como objetivo analisar as taxas de ocorrência de stalking, de ciberstalking e de coocorrência destes fenómenos em estudantes universitários, aspecto este menos explorado na literatura na área, mas que se revela importante, na medida que a vitimação múltipla tem vindo a estar associada a um maior impacto negativo das experiências de vitimação (Caridade et al., 2016).

No que concerne à prevalência de vitimação, constatou-se para uma amostra de 1.081 participantes uma prevalência de vitimação por stalking entre estudantes de 24,0%, que se aproxima da encontrada noutros estudos com amostras universitárias com taxas de vitimação entre 22,3% e 25,3% (Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Maran et al., 2014). Esta taxa de prevalência de stalking é superior, em comparação aos valores encontrados por Fisher e col. (2002) (13,1%) e McNamara e Marsil (2012) (12,0%), porém inferior, em comparação, aos encontrados por Geistman e col. (2013) (35,0%) e Jordan e col. (2007) (40,4%).

O estudo apurou ainda uma prevalência de 22,8% de ciberstalking para esta amostra de estudantes universitários portugueses e que se aproxima de estudos como os de White e Camody (2016), no qual a taxa de prevalência de ciberstalking foi de 19,0% em estudantes universitários. No entanto, noutros estudos também com amostras universitárias foram encontradas taxas de prevalência superiores, compreendidas entre os 36,3% e os 74,8% (por exemplo, Carrasquinho, 2015; Carvalho, 2011; Hensler-McGinnis, 2008; Lindsay & Krysik, 2012; Reyns et al., 2012).

Analisando os fenómenos separadamente, os resultados revelaram que há uma grande variabilidade nas taxas de prevalência de vitimação por stalking e ciberstalking em estudantes universitários. Para tal poderão contribuir vários aspetos como a variabilidade das terminologias, definições e instrumentos utilizados pelos autores. No caso dos instrumentos de autorrelato, poderá haver tendência para a subestimativa ou sobre estimativa dos fenómenos, em função da perceção do tipo de relações sociais estabelecidas por cada pessoa.

Quando analisados de forma conjunta índices de stalking e ciberstalking verificou-se que 15,4% (n = 167) dos estudantes referiram ter sido vítimas de ambos os fenómenos. Constatando-se que o índice de prevalência obtido se aproxima também dos valores referenciados para cada fenómeno em separado, considerou-se relevante analisar as caraterísticas dos intervenientes e perceber quais os comportamentos mais frequentemente perpetrados.

Quanto às caraterísticas das vítimas de stalking e ciberstalking, verificou-se que estas eram predominantemente do sexo feminino, dados igualmente verificados noutras investigações (Björklund et al., 2010; Curtis, 2012; Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Maran et al., 2014; McNamara & Marsil, 2012; Paullet et al., 2009; Reyns, 2010; White, & Carmody, 2016). Relativamente à idade, estado civil e situação amorosa, averiguou-se que as vítimas tinham entre os 21 e os 24 anos e eram solteiras, assim como foi verificado em vários estudos (Carrasquinho, 2015; Carvalho, 2011; Curtis, 2012; Reyns, 2010), encontrando-se numa relação amorosa, o que reforça o contexto relacional do stalking e ciberstalking. Neste estudo constatamos que as vítimas pertencem maioritariamente à região da Área Metropolitana de Lisboa, muito embora estudassem fora do seu distrito de residência e à semelhança de outros estudos (por exemplo, Carrasquinho, 2015 e Carvalho, 2011) encontravam-se maioritariamente no primeiro ciclo do ensino superior.

De acordo com esta amostra com participantes com vitimação por ambos os fenómenos, a perpetração dos comportamentos de vitimação por stalker e/ou ciberstalker era maioritariamente uma experiência singular, sobretudo ocasionada pelo sexo masculino. Esta prevalência de perpetração pelos homens é algo também comprovado noutros estudos, como os de ciberstalking por Alexy e col. (2005) e Carvalho (2011) ou outras investigações internacionais com amostras em estudantes universitários (Björklund et al., 2010; Curtis, 2012; Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Hensler-McGinnis, 2008; Maran et al., 2014). Importa referir que os(as) stalker e ciberstalker parecem ter um conhecimento aprofundado sobre as rotinas e o quotidiano das vítimas, devido à frequência dos comportamentos ocorrer em mais de 90,0% dos casos diariamente ou semanalmente e também em mais de 70,0% dos casos o(a) agressor(a) ser alguém conhecido(a) da vítima. Verificou-se neste estudo que em 38,3% dos casos o(a) agressor(a) era um(a) conhecido(a), colega, amigo(a), vizinho(a) ou familiar e 33,5% era alguém com quem teve ou tem uma relação amorosa, suportando as conclusões de investigações de estudos internacionais com estudantes universitários (Alexy et al., 2005; Amar, 2006; Buhi et al., 2009; Curtis, 2012; Heinrich, 2015; Hensler-McGinnis, 2008; Jordan et al., 2007; Jutras et al., 2013; Maran et al., 2014; Paullet et al., 2009; Reyns et al., 2012). Tendo em consideração os casos em que o(a) agressor(a) era um(a) parceiro(a) íntimo(a) atual ou anterior, destaca-se que o momento de ocorrência de stalking e ciberstalking predominante foi durante a relação amorosa, revelando uma maior possibilidade de poder e controlo sobre a vítima.

Na presente investigação, os comportamentos de stalking mais frequentemente referidos pelas vítimas de stalking e ciberstalking são as ações percecionadas como aparentemente inofensivas (por exemplo, "tentar entrar em contacto de forma indesejada", "aparecer em locais frequentados pela vítima", "ser perseguido" e "vigiar ou pedir a alguém para vigiar"), sendo notória a semelhança destes resultados com os da literatura nacional e internacional (Amar, 2006; Björklund et al., 2010; Buhi et al., 2009; Fisher et al., 2002; Geistman et al., 2013; Pereira et al., 2014). Os comportamentos de stalking "vasculhar, roubar ou apoderar-se de objetos pessoais" e "invadir a propriedade ou forçar a entrada em casa" são os mais intrusivos, no entanto os menos representativos. Os padrões de ocorrência de ciberstalking mais frequentes relatados pelas vítimas são os comportamentos de hiperintimidade, ou seja, configuram um conjunto de expressões excessivas ou inapropriadas para com a vítima (por exemplo, "enviar mensagens excessivamente carentes ou exigentes", "enviar mensagens exageradas de afeto", "enviar mensagens excessivamente reveladoras" e "enviar objetos de afeto"), verificados pelos resultados de diversos estudos nacionais e internacionais com estudantes universitários (Carrasquinho, 2015; Carvalho, 2011; Curtis, 2012; Hensler-McGinnis, 2008; Paullet et al., 2009; Reyns, 2010; Spitzberg & Hoobler, 2002).

 

Conclusão

O presente estudo contribuiu para o conhecimento sobre a vitimação por stalking e do ciberstalking em estudantes universitários, apurando a sua coocorrência. Estes dados permitem-nos refletir sobre a persistência e severidade da vitimação e sublinhar a importância da prevenção atendendo às características das vítimas e aos comportamentos e padrões de ocorrência dos fenómenos. De acordo com os resultados obtidos é possível concluir que os índices de prevalência de stalking, ciberstalking e a respetiva coocorrência, averiguados são relativamente elevados e confirmam que a experiência de vitimação pode ocorrer de forma simultânea e diversa, podendo afetar o ajustamento global da vítima. Importa, por isso, adotar mecanismos e respostas para uma intervenção que considere a possibilidade da experiência de vitimação múltipla dos jovens. A vulnerabilidade desta população aos fenómenos de vitimação associados às TIC reforça a importância das políticas de prevenção com a realização de ações de sensibilização em universidades e na população em geral, bem como a promoção da formação técnica a profissionais (por exemplo, psicólogos, juristas, advogados, forças de segurança) que lidam com as vítimas com o objetivo de estes serem capazes de reconhecer, compreender e intervir em ambos os fenómenos de stalking e ciberstalking.

Assim, considerando os níveis de prevenção primário, secundário e terciário avançamos com algumas sugestões interventivas para os fenómenos investigados no cenário universitário. Desde logo, o reconhecimento precoce destas formas de vitimação é imprescindível para a definição daquelas que poderão ser as melhores estratégias para enfrentar estas situações de assédio. A implementação de ações de sensibilização, com carácter preventivo primário, dirigidas, portanto, à população universitária em geral podem ser desenvolvidas no âmbito e com o apoio das próprias instâncias de gestão do ensino superior. Deste modo, pode a própria universidade, através dos seus agentes educativos e associações estudantis, desenvolver ações que visem o (re)conhecimento pelos estudantes de diversas formas de assédio (por exemplo, mensagens insistentes por telefone ou por e-mail, envio de presentes ou comparência constante em locais frequentados pela(o) jovem; recurso e uso de fotos e vídeos da pessoa para interesse pessoal e de forma não consentida), informando paralelamente de medidas a adotar nestas situações e que podem ser retransmitidas pelos próprios jovens a outros estudantes. Estas ações de prevenção primária podem e devem estender-se às famílias, de modo a sensibilizá-los para a supervisão e proteção dos jovens quanto a tais práticas de assédio, que por vezes não são imediatamente percebidas pelas próprias vítimas ou sendo podem não saber como atuar.

Num nível mais secundário, partindo então da possibilidade de haver alguns indicadores e sinais de assédio experienciados por algum jovem, importa identificar e atuar na redução dos riscos associados a estas formas de vitimação (por exemplo, restrições de convivência e contactos interpessoais, afetação de níveis de ajustamento psicológico pela ansiedade e medos desenvolvidos). Assim, podem os profissionais, quer mais ligados às instâncias do ensino superior (por exemplo, psicólogos, professores) quer outros mais externos (por exemplo, polícias, instituições de apoio à vítima) ajudar os estudantes a documentar os incidentes de stalking (por exemplo, descrever o tipo e modo de assédio, local, hora, testemunhas presentes) e/ou ciberstalking (por exemplo, guardar mensagens recebidas seja por telefone, e-mails ou nas redes sociais). Se sensibilizados para estes fenómenos, mais facilmente podem reconhecê-los, pedir ajudar e, em colaboração com os profissionais habilitados a lidar com este problema, definir estratégias eficazes para combater estas de formas de vitimação.

A nível terciário, verificando-se a existência desse assédio persistente, quer por via do contacto direto (stalking) que por via do uso das TIC (ciberstalking), a atuação formal junto das autoridades de proteção deve ser uma opção a considerar. Assim, se a segurança, o bem-estar e a saúde da vítima estiveram a ser postas em causa, devem ser acionados os mecanismos formais de proteção (por exemplo, polícias ou organismos que luta contra a violência). Dada saliência deste problema entre a população estudantil, tal como os estudos evidenciam, seria de todo importante que as ações de combate a estes fenómenos fossem decorrentes de políticas de saúde e proteção social. Desde modo sublinhamos a importância de, nos três níveis de prevenção primário, secundário ou terciário, se atuar no combate aos fenómenos de stalking e ciberstalking, assumindo não apenas os jovens, mas também a comunidade, através cooperação de uma rede de serviços e organismos, uma atuação na redução dos riscos e promoção do bem-estar da população.

Ao longo do presente estudo foram identificadas um conjunto de limitações. A primeira limitação refere-se às caraterísticas inerentes à amostra estudada, não sendo possível a obtenção de uma distribuição de variáveis sociodemográficas homogéneas. Por outro lado, os instrumentos utilizados no presente estudo são de autorrelato, tendo sido aplicados de modo online, possibilitando a desejabilidade social por parte do estudante, o que pode concorrer para a subestimativa ou sobre estimativa de ambos os fenómenos. Para além disso, os dados apresentados neste estudo não possibilitam a extrapolação dos resultados para a população portuguesa universitária.

Por fim, sublinhamos a importância de investigações sobre a coocorrência do stalking e do ciberstalking, de natureza quantitativa e qualitativa, recorrendo a amostras com características diversas, de modo a aprofundar a compreensão dos fenómenos e inter-relação dos mesmos e perceber a eventual interferência da vitimação múltipla dos jovens nas respostas e nas estratégias de coping utilizadas pelas vítimas. Parece-nos ainda pertinente alargar os estudos na perspetiva de perpetração, centrados no(a) stalker e ciberstalker, de forma a compreender as suas motivações.

 

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Endereço para correspondência:
Sara Pires
sara.amp.pires@gmail.com

Ana Isabel Sani
anasani@ufp.edu.pt

Cristina Soeiro
c.soeiro@netcabo.pt

Submetido em: 24/11/2017
Revisto em: 17/04/2018
Aceito em: 01/05/2018

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