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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.72 no.1 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2020
https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.8-24
ARTIGOS
Sobre a alienação retida no autista*
About retained alienation in the autist
Sobre la alienación retenida en el autista
Jean-Claude Maleval
Universidade de Rennes-II. Paris. França
RESUMO
O texto discute as relações do autista com a linguagem a partir do referencial teórico da psicanálise de orientação lacaniana. Pergunta; "Poderia um ser humano não ser afetado pela linguagem?" Assinala a divergência de posições atuais sobre a presença de alienação significante no autista e considera a hipótese de uma alienação parcial. Aprofunda a reflexão sobre o tema a partir de vasta literatura especializada, dados clínicos, relatos autobiográficos. Afirma, com base em dados empíricos de pesquisas sobre a lalação/balbucio de crianças autistas, que o autista sofre o impacto de lalíngua. Aponta a fuga do olhar observada nos primeiros meses de vida da criança autista como indicador do efeito parasitário da linguagem. Para tanto, distingue o afeto da angústia, próprio ao humano, da emoção, própria aos animais. Explicita a especificidade da alienação significante no autista como referida à retenção da voz, que impede a operacionalidade do significante mestre.
Palavras-chave: autismo, psicanalise, alienação.
ABSTRACT
The paper discusses the relationship of the autist with language from the theoretical standpoint of Lacanian-oriented psychoanalysis. The authors question: "Could a human being not be affected by language?". The study challenges the current position on the presence of signified alienation in the autist and considers the hypothesis of a partial alienation. It also deepens the reflection on the topic based on the extensive specialized literature, clinical data, and autobiographical quotes. The paper affirms, based on empirical data from researches on babble of autistic children that the autist does suffer the impact of "lalangue". The writing shows the escape of the eye gaze, observed during the first months of life of the autistic child, as an indicator of the parasitic effect of language. For this purpose, the paper distinguishes affection from distress, something typical of humans, from emotion, typical of animals. Finally, the article explains the specificity of the signified alienation in the autist linking it to the retention of the voice, which blocks the operationality of the master-signifier.
Keywords: autism, psychoanalysis, alienation.
RESUMEN
El texto discute las relaciones del autista con el lenguaje a partir del referencia teórico del psicoanálisis de orientación lacaniana. Pregunta; " ¿Podría un ser humano no ser afectado por el lenguaje?" Señala la divergência de posiciones actuales sobre la presencia de alienación significante en el autista y considera la posibilidad de una alienación parcial. Profundiza la reflexión sobre el tema a partir de amplia literatura especializada, datos clínicos, relatos clínicos autobiográficos.Afirma, basándose en datos empíricos de investigaciones sobre la lalación/balbuceo de niños autistas, que el autista sufre el impacto de lalengua. Señala la fuga de la mirada observada en los primeros meses de vida del niño autista como indicador del efecto parasitario del lenguaje. Para tanto, distingue el afecto de angústia, propio al humano, de la emoción, propia de los animales. Explicita la especificidad de la alienación significante en el autista como referida a la retención de la voz, que impide la operatividad del significante amo.
Palabras clave: autismo, psicoanálisis, alienación.
Introdução
O autista teria "parado no limiar da linguagem"1? Segundo Rey-Flaud (2008), ele permanece no nível das "marcas sensitivas" ou, no máximo, no das imagens, sem conseguir chegar nos "traços significantes constitutivos do inconsciente" (2008, p. 48). Outros clínicos consideram evidente que os autistas "não entram inteiramente na alienação significante", mas são tomados ali "somente no nível da fala do Outro" (Soler, 1990, p. 18). Ao mesmo tempo, uma vertente da abordagem psicanalítica do autismo postula que a ausência da alienação significante seria uma característica do mesmo (Lefort & Lefort, 2003; Soler, 1990; Egge, 2015). Para outra, o autismo revelaria "um estatuto nativo do sujeito", posto que se trata de um falasser que fala sozinho (Miller, 2007). Esta tese é coerente com as indicações de Lacan (1998b), que concebe os autistas como "bastante verbosos" (p. 13) e confinados em uma lalíngua. Dentro dessa perspectiva, Laurent (2014) e Rabanel (2008) chamam também a atenção para a reiteração do S1 no autismo como tentativa de reduzir os equívocos da língua. Segundo Laurent (2014): "o Um se repete, mas sem conseguir tratar a proliferação dos 'equívocos reais' da língua" (p. 105). Entretanto, não há dúvida sobre a primazia do signo não incorporado no pensamento do autista (Maleval, 2009, p. 180-192). Deveríamos, então, considerar a hipótese de uma "alienação parcial" no autismo (Maleval, 2011, p. 81)?
A lalação autística2
Na concepção dos Lefort, a lalação estaria ausente na criança autista. Consequentemente, sua entrada na linguagem dispensaria "o balbucio infantil de lalíngua" (Lefort & Lefort, 1998, p. 223). Desse modo, para o autista não haveria nem S1, nem lalíngua. Essa suposição não se confirma à vista dos dados de pesquisas atuais, muito mais precisas do que as do século passado. São estudos que constatam não a ausência da lalação e das vocalizações do bebê autista, mas sua pobreza, significativa em termos estatísticos, associada a uma busca menos importante de trocas interativas.
A comparação das vocalizações do período de período de zero a seis meses de bebês que se tornarão autistas com as de outros mostra uma frequência equivalente. Mas, a partir da idade de seis meses, período de surgimento da lalação, é nítida a diferença observada entre os bebês dos dois grupos (Chericoni et al., 2016). Quando se constata a lalação entre os bebês que se tornarão autistas, sua atipicidade é evidente. Além de menos frequente, é pouco coordenada com o olhar e claramente mais solitária do que interativa. Em suma, parece menos orientada socialmente. Este ponto é essencial, já que os elementos da lalação só adquirem significação a partir da resposta do Outro.
A entrada na linguagem, sublinha Lacan (1998a), se opera em função da mutação do grito em apelo. Para que o sujeito se torne invocante, é necessária uma cessão do objeto voz. O sujeito precisa aceitar fazer "ressoar seu grito" (p. 686) no vazio do Outro, o que possibilita "encontrar ali as marcas de resposta que tiveram o poder de fazer de seu grito um apelo" (p. 686). Quando escreve essas linhas, em 1960, Lacan não dispõe ainda da noção de S1, mas designa como "insígnias" as "marcas onde se inscrevem a onipotência da resposta" (Lacan, 1998a, p. 686). Desse modo, indica que, para o infans, a entrada na linguagem se faz destacando, entre os significantes propostos como respostas a seu grito, aquele que se torna um S1 apropriado a convertê-lo em apelo. Desse modo, se o significante da resposta do Outro deve ser previamente ouvido para que o grito se apague sob um S1 de apelo, então, desde a lalação a alienação ao discurso do Outro deveria ser perceptível. É exatamente isto que afirmam os linguistas contemporâneos quando não reduzem mais a lalação a vocalizações insensatas. Trata-se de uma protolinguagem, que determina a entrada na linguagem. Segundo eles, entre os quais Boysson-Bardies (1996), "a lalação não é a linguagem, mas uma linguagem que fornece uma moldura para o desenvolvimento da fala" (p. 60). Tanto que não há descontinuidade entre as formas da lalação e as das primeiras palavras: "Algumas crianças dão a impressão de escolher suas primeiras palavras entre os sons da lalação que elas gostaram de produzir" (Lefort & Lefort, 2003 p. 166). Isso parece coerente com o fato de a pobreza da lalação do autista se prolongar de doze a dezoito meses com o uso de primeiras palavras menos numerosas e menos dirigidas (Chericoni et al., 2016).
Por muito tempo acreditou-se que a lalação nada mais era do que um caos não estruturado. Mas, descobriu-se que ela revela, desde o oitavo mês, uma adaptação precoce aos princípios estruturais da língua materna. Assim, a lalação de uma criança inglesa é distinta da de uma criança francesa, de uma sueca, de uma argelina ou de uma criança japonesa. Isso já demonstra uma ancoragem do sujeito e de sua enunciação no discurso do Outro. Foi possível verificar que a criança típica "acompanha vocalizações particulares de demandas, de manipulação de objetos como a arrumação de cubos ou de gestos como o de sentar-se" (Blake & Boysson-Bardies, 1992, p. 56). Desse modo, o balbuciar pode servir para expressar desejos, interesses e recusas. Ele não é autístico no sentido de fora-da-comunicação, tanto que o adulto pode utilizá-lo para provocar respostas dos bebês.
Lacan (1998b) aproxima lalação e lalíngua. Destaca ter escolhido o termo lalíngua porque o queria "o mais próximo possível da palavra lalação" (p. 09). Lalação é sinônimo de "balbucio", termos que para os linguistas designam a etapa do desenvolvimento da linguagem que ocorre por volta dos seis meses, quando das primeiras vocalizações, e declina progressivamente a partir dos 12 meses com o surgimento das primeiras palavras. Lalíngua, pura bateria significante, sem gramática, constituída de S1, fundada nas homofonias infantis, enraizada no balbuciar, constitui aquilo pelo qual se opera uma incorporação do significante. Lacan (1974) afirma: "lalíngua é, em relação ao gozo fálico, um pedacinho de gozo. E é por isso que ela estende suas raízes tão profundamente no corpo" (Lacan, 1974). Desde então, é por seu intermédio que se produz "a animação do gozo do corpo", posto que "ela é solidária da realidade dos sentimentos que significa (Lacan, 1974). Sobre isso, Miller (2005) explicita:
Há um encontro entre lalíngua e o corpo e desse encontro nascem as marcas que são marcas sobre o corpo. Lacan chama de sinthoma a consistência dessas marcas. É por isso que ele pode reduzir o sintoma a um evento de corpo, algo que aconteceu ao corpo pelo fato de lalíngua (p. 152).
Além disso, ela permite ao sujeito apreender as modificações corporais sob a forma de afetos inconscientes. Esses afetos, destaca Lacan (1985), "são o que resulta da presença de lalíngua no que, de saber, ela articula coisas que vão muito mais longe do que o ser falante suporta de saber enunciado" (p. 190).
Lalíngua e o afeto de angústia
Em relação à lalíngua, um grande debate divide ainda hoje o campo freudiano: de um lado, há os que consideram que o autista sofre seu impacto e, de outro, aqueles que não acreditam nisso. Segundo os Lefort e Lefort (2003), para o autista não haveria mutação do real em significante, de modo que sua língua seria constituída somente de S1 não incorporados. A insistência de muitos autistas acerca de uma experiência de corte entre seu intelecto e suas emoções parece apoiar essa concepção. Todavia, diversos psicanalistas sustentam, baseados em Laurent (2014), que as vocalizações involuntárias e a língua verbosa atestariam a imersão do autista em lalíngua. Sendo assim, seria possível supor, com J-A Miller (2007), um estatuto nativo do sujeito. Como nos orientar nesse debate? Ele suscita questões mais amplas.
Poderia um ser humano não ser afetado pela linguagem? Não ser mais do que um puro real ou permanecer no nível zero da subjetivação? Os autistas que apresentam formas mais graves da síndrome podem ser situados aquém da hominização, como pensa Deligny (1980)? Segundo ele: "Podemos dizer, com respeito à criança autista, que a hominização fracassou completamente" (p. 153). E mais: "[…] seus atos não são mais do que real(is)" (p. 175).
Conhecemos os resultados de experiências de privação extrema de linguagem realizadas em um passado longínquo com recém-nascidos. Essas experiências foram concebidas por um faraó, Psamético I, e por um rei, Frederico II de Hohenstaufen, que queriam saber que língua falariam crianças vivendo em tais condições. O pressuposto desses monarcas, segundo o qual a linguagem seria secretada pelo corpo, não foi demonstrado, pois todas as crianças morreram bastante cedo, sem desenvolver uma linguagem articulada. Entretanto, a privação da linguagem teria sido o único elemento em jogo nessas experiências? Os documentos que possuímos sobre isso resumem-se às poucas linhas de Heródoto e de Salimbene de Adam que não permitem nenhuma conclusão a respeito. Todavia, as observações de Spitz (2004) sobre o hospitalismo trazem indicações sobre esse ponto.
O hospitalismo caracteriza-se por um conjunto de reações típicas de recém-nascidos separados de suas mães e colocados em instituições para crianças abandonadas. Nelas, profissionais encarregam-se de vários bebês ao mesmo tempo, prodigando cuidados realizados no registro do anonimato. Esses recém-nascidos apresentam "sintomas de progressiva deterioração" (Spitz, 2004, p. 282) que pioram cada vez mais e "que parecem ser, pelo menos em parte, irreversíveis" (Spitz, 2004, p. 282). Nos dois primeiros anos, constata-se "uma taxa extremamente alta de mortalidade" (Spitz, 2004, p. 285). Parece, de todo modo, mais plausível buscar a causa disto, como o fez Spitz (2004), na carência afetiva e não na falta de exposição à linguagem. Mesmo sendo possível supor que, por falta de respostas, os gritos desses recém-nascidos não se transformariam em apelos nem suas necessidades em demandas.
As observações de crianças selvagens trariam dados mais conclusivos? Elas são muito heterogêneas e de difícil interpretação, por conta de anamneses incompletas. A opinião de Bettelheim (1969) segundo a qual as crianças supostamente selvagens seriam crianças autistas abandonadas por seus pais é radical demais. A evolução de alguns dentre eles não corrobora essa hipótese, malgrado sua confirmação em várias ocasiões. Parece fundada a suposição de que Victor de l'Aveyron teria sido um autista abandonado provavelmente por volta de seis anos de idade "porque ele era privado do dom da fala" (Gineste, 1993, p. 21). O estudo das crianças selvagens, como o das crianças armário3, mais recente, coloca em evidência "a intensidade da relação entre a comunicação afetiva, o desenvolvimento da linguagem e de outras performances" (Strivay, 2006, p. 336). Mas, não fornece dados conclusivos quanto às incidências eventuais da linguagem sobre o corpo e a estruturação do sujeito autista.
A ligação operada por Lacan (1985) entre lalíngua e os afetos parece uma via de abordagem mais frutuosa. No Seminário Mais, Ainda afirma que "lalíngua nos afeta primeiro por tudo o que comporta, por seus efeitos que são os afetos" (p. 190). Ele distingue o afeto da emoção, considerando que o afeto vem ao corpo, enquanto a emoção dele provém. A emoção está enraizada em um substrato fisiológico, emerge de um real anterior ao pensamento, o afeto "é o produto da tomada do ser falante num discurso" (Lacan, 1992, p. 160). Ele mostra o modo como o significante o penetrou e imprimiu no corpo um modo de gozo singular.
Não se pode negar uma certa expressividade natural do afeto, mas esta se revela modelada pelo significante. As pesquisas contemporâneas em antropologia das emoções colocam em questão o caráter exclusivo de interioridade, irracionalidade e de naturalidade das mesmas no homem. E sublinham a importância da intervenção de fatores culturais:
No debate entre os que pertencem à corrente, que podemos nomear de um "universalismo das emoções", que acredita em uma invariante emocional (dos quais o representante mais notável foi Charles Darwin), que podemos nomear de um "universalismo das emoções" e aqueles que sustentam que elas resultam e são geradas em função de representações das quais a sociedade se dota ("construtivismo social"), a balança pende definitivamente em favor dos segundos" (Sartre, 2016, p. 18).
O gestual da expressão das emoções varia porque obedece a um código.
Enquanto a teoria clássica das emoções sempre foi uma teoria das relações do eu com o mundo, como nota J-A Miller (1998), Lacan fez valer que, na psicanálise, o registro do afeto deve ser considerado como relativo ao sujeito e ao significante. Afeto quer dizer que o sujeito é afetado em sua relação com o Outro: "A orientação lacaniana implica portanto distinguir as emoções, de registro do registro animal, vital, em seu aspecto de reação ao que ocorre no mundo, dos afetos como pertencentes ao sujeito" (Miller, 1998, p. 47).
O homem é um animal afetado. Mas, há um afeto que o animal não conhece, o mais fundamental de todos, aquele que não engana, posto que é assujeitado a sua causa e não se
liga à nenhuma representação, a angústia. Segundo Lacan (2005), ela é indissociável da entrada em jogo do significante:
A angústia é esse corte - esse corte nítido sem o qual a presença do significante, seu funcionamento, seu sulco no real, é impensável; é esse corte a se abrir, e deixando aparecer o que vocês entenderão melhor agora: o inesperado, a visita, a notícia, aquilo que é tão bem exprimido pelo termo "pressentimento", que não deve ser simplesmente entendido como pressentimento de algo, mas também como o pré-sentimento, o que existe antes do nascimento de um sentimento (p. 88).
A angústia é um afeto que não é cifrado pelo significante: ela surge do corte, daquilo que faz buraco no Outro. Ela é, sublinha Lacan (2011), posteriormente, "o sintoma-tipo de todo acontecimento do real" (p. 20), o que nos autoriza a considerá-la como um "pré-sentimento".
Grande parte dos filósofos situam a linguagem articulada e a angústia na fronteira que separa o homem do animal. O animal experimenta várias emoções, mas nunca se angustia. Entretanto, alguns biólogos sustentam o contrário. Segundo eles, o animal se angustia cada vez que é "colocado em um contexto no qual é impossível para ele reagir de maneira ordenada" ou, ainda, "quando um animal em liberdade é colocado em cativeiro, quando passa das mãos do vigia que lhe é familiar às de outro que lhe é estrangeiro" (Burgat & Ciocan, 2016, p. 201). Nesses dois exemplos, a angústia é reduzida à reação do animal a uma modificação de seu meio, o que corresponde à definição clássica de emoção e não implica fazer dela um afeto. Para considerar que existe uma angústia animal, é preciso fundamentar-se na fisiologia, referindo-se à definição de K. Goldstein, segundo a qual a angústia é uma reação catastrófica que aparece quando "a realização de uma tarefa que corresponde à essência do organismo é impossível" (Goldstein, 1983, p. 259).
A angústia como afeto diz respeito a uma outra ordem de fenômenos: ela se liga, segundo Freud, à perda e, segundo Lacan, à sensação do desejo do Outro. Não há dúvida de que o autista experimenta angústia. Mesmo os autistas não verbais podem testemunhar isso: "Você sabe", escreve Sellin, "a que ponto a angústia habita profundamente um indivíduo/ a que ponto ela remói um indivíduo/ a que ponto ela age no plano individual na desagregação das palavras penosas /é como um conhecimento total" (Sellin, 1994, p. 97). Entretanto, essa angústia está referida ao impacto do significante no corpo ou é adquirida por imitação? Ela é um efeito de lalíngua ou uma consequência de aprendizagem pela assimilação intelectual de S2?
A fuga do olhar observada em 50% dos autistas desde o segundo mês poderia ser considerada uma manifestação precoce de angústia, posto que nada explica tal resposta a um entorno social preocupado com o bem-estar do bebê. Alguns levantarão objeções assinalando que ninguém pode saber o que sente exatamente o bebê nessas circunstâncias. Spitz (2004) considera, inclusive, que a angústia só aparece no oitavo mês. Enfoquemos, então, fenômenos mais tardios observados nos autistas com formas graves da síndrome: automutilações, autoagressões, escarificações, mordidas, ato de bater repetidamente a cabeça na parede durante horas etc. Tudo isso pode ocorrer mesmo quando eles estão sozinhos, aparentemente sem nenhuma contrariedade. Essas condutas não sugerem fortemente uma angústia precoce? Essas crianças não dizem nada sobre isso, mas o fato de que o animal não se automutila sem uma razão perceptível apoia esta hipótese. Pode acontecer que, para reagir a uma situação insuportável, o animal seccione um de seus membros para se liberar de uma armadilha ou cause feridas a si próprio quando está em cativeiro. No entanto, quando encontramos a explicação da reação emotiva ao meio ambiente, ela não diz respeito à angústia, posto que a essência desta última é permanecer fundamentalmente indeterminada. Assim, as autoagressões do autista, frequentemente sem motivo aparente, parecem mostrar uma inadaptação do vivente a seu meio. Como compreender esse fenômeno?
Uma desarmonia semelhante é demonstrada pela fuga do olhar, ainda mais frequente do que as autoagressões. Ela é observada com frequência no bebê autista no mesmo período em que o bebê típico busca um rosto e responde a ele com um sorriso. Segundo Spitz (2004):
No início do segundo mês de vida, o rosto humano torna-se um percepto visual privilegiado, preferido a todas as outras "coisas" do ambiente do bebê. Agora o bebê é capaz de isolá-lo e distingui-lo do plano de fundo. Investe nele sua atenção completa e prolongada. No terceiro mês, este "voltar-se para", em resposta ao estímulo do rosto humano, culmina em uma resposta nova, claramente definida, e específica da espécie [...] ele agora responderá ao rosto adulto com um sorriso. Excetuando-se o fato de o bebê seguir com os olhos o rosto humano no segundo mês, este sorriso é a primeira manifestação comportamental, ativa, dirigida e intencional (p. 87).
O dom de um olhar sorridente, que expressa a satisfação de uma dependência aceita, demonstra o retorno do circuito da pulsão escópica. Ao contrário, o autista que foge do olhar não sente prazer em se fazer ver. Ele não propõe nada ao desejo do Outro. Ficar sem resposta face ao desejo do Outro constitui, segundo Lacan (2005), o que caracteriza a angústia. Desde então, o autista se dedica à tentativa de controle solitário de suas pulsões e de seu contexto. É correto que Spitz (2004) considere que "o aparecimento da reação de sorriso dá início às relações sociais no homem. E protótipo e premissa de todas as relações sociais subsequentes" (p. 107).
O desprazer experimentado pelo bebê autista com o olhar do adulto teria relação com a angústia? Tudo leva a supô-lo, posto que nada em seu entorno motiva esse afeto. Além disso, constata-se que tal atitude em relação à própria mãe não possui equivalente entre os mamíferos. Desse modo, não se pode duvidar que no bebê autista tenha se introduzido uma parasitagem das funções fisiológicas de adaptação do organismo ao seu meio. Tratando-se de um ser que depende inteiramente do Outro para a satisfação de suas necessidades, buscar cativá-lo com um sorriso é um comportamento adequado à sobrevivência. Evitar isso o coloca em perigo.
A ameaça da vida é ainda mais evidente nas dificuldades a se alimentar que muitos bebês autistas apresentam. Barbara K., o caso n° 5 do primeiro artigo de Kanner (1943), teria escapado da morte por pouco: "ela parou de comer aos 3 meses e foi alimentada artificialmente 5 vezes por dia até completar um ano de idade" (Berguez, 1983, p. 233). Nesses casos, a disfunção da pulsão oral é observada tão regularmente quanto a da pulsão escópica. Seis das 11 primeiras crianças observadas por Kanner "apresentaram grandes dificuldades a se deixar alimentar desde o início da vida" (p. 257). Esse é um índice de que a pulsão de morte tem relação com um corpo perturbado pela linguagem, em acordo com a biologia freudiana.
A presença da fuga do olhar é suficiente, enfatizamos, para constatar a ruptura de um comportamento inato. Acerca disso, Spitz (2004) assinala que "os olhos do experimentador realmente provocam a resposta [positiva] do bebê em uma idade extraordinariamente precoce, às vezes nos primeiros dias de vida, apoiando a tese de que essa resposta não é aprendida" (p. 160). Sendo assim, de onde vem a parasitagem das funções fisiológicas do autista? Dos traços mnêmicos e do pensamento, segundo Spitz (2004):
Por volta do terceiro mês de vida, traços de memória de uma série de signos dirigidos pela criança ao meio que a cerca estão codificados em seu aparelho psíquico. Com isso a criança dominou o que Karl Bühler chamou de "o apelo" - a capacidade de voltarse para o meio que a cerca e de assinalar suas necessidades. [...] Agora, a criança pode transmitir signos, voluntária e deliberadamente, aos quais o meio circundante responde de modo mais ou menos coeren te, satisfazendo suas necessidades. [...] as duas partes da experiência, o choro de fome e a satisfação que se segue, passam a ter ligação na memória da criança. Estabelece-se uma associação entre os dois blocos de impressões, sob a forma de um conjunto de dois traços de memória estabelecidos e reforçados por uma conexão afetiva (p. 153-154).
E Spitz (2004) resume:
O fato de que o bebê é agora capaz de reconhecer o rosto humano e indicar isto, através da reação de sorriso, mostra que foram estabelecidos traços de memória. [...] A capacidade de transferir a catexia de um traço de memória para outro traço de memória (comparando "o que está registrado no interior como imagem com aquilo que é percebido externamente") corresponde à definição de Freud do processo do pensamento (p. 103).
A linguagem introduz o ser humano em uma experiência de outra ordem, diversa da do vivente. Em consequência, o falasser perde esse saber programado que chamamos de instinto. A linguagem desnaturaliza. Segundo Lacan (2007), ela é um parasita: "A questão é antes saber por que um homem dito normal não percebe que a fala é um parasita, que a fala é uma excrescência, que a fala é a forma de câncer pela qual o ser humano é afligido" (p. 92).
Como não dispomos do testemunho do bebê autista, podemos duvidar de que seja angústia o desprazer incontestável que ele demonstra diante do olhar do Outro. Todavia, a fuga do olhar observada nos primeiros meses reforça fortemente a suposição de um efeito parasitário da linguagem sobre seu ser.
Os traços mnêmicos de Spitz (2004) são o que Freud (1969) nomeia, na carta a Fliess de 6 dezembro de 1896, Wahrnehmungszeichen, para designar "o primeiro registro das percepções" (p. 155). Lacan (1998c) propõe, em seu seminário de 1964, "Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise", dar a esses signos de percepção "seu verdadeiro nome de significante" (p. 48). A partir disso, os fenômenos de desarmonia precoce observados entre o autista e seu meio, automutilações, anorexias, fuga do olhar, sem equivalentes nos animais e índices prováveis de angústia, permitem afirmar que o bebê autista sofre um impacto parasitário de lalíngua e que nele se opera uma mutação do real em significante.
Mesmo mudo, o autista não é um sujeito fora-da-linguagem, como uma certa compreensão deste permite constatar. À propósito de Dick, Lacan (1986) observa que não convém confundir linguagem e fala. Essa criança, tratada por M. Klein, não fala, sua linguagem "não envolveu o seu sistema imaginário" (p. 102). No entanto, é ela o mestre e a mantém sob controle com a recusa de usar sua voz - "ela não faz nenhum apelo" (p. 101). No autismo a linguagem pode estar interrompida no nível da fala e das interações ou pode se reduzir a uma "lalíngua". Em todos os casos, ela não deixa de impor sua presença parasitária ao vivente. A angústia do "buraco negro" aberto pela hiância entre a coisa e sua representação, que Tustin (1989) coloca como fundamento do autismo, reforça fortemente a hipótese de um impacto traumático da linguagem no autista. Williams (1992) relata com frequência em seus escritos: "Sempre tive o sentimento de um buraco negro entre mim e o mundo" (p. 303).
O autista recebe os significantes de maneira passiva e não interativa, em função da ausência da transformação do grito em apelo. Sendo assim, os significantes não têm capacidade para se articular com outros significantes e produzir sentido. A especificidade da lalíngua autística reside no fato de que dela não emergem significantes-mestre. Sobre isso, convém precisar, como fizerem por vezes os Lefort e Lefort (2003), que não é o S1 sozinho que falta no autismo, mas que "a articulação do significante-mestre inicial, o S1, encontra-se foracluída" (p. 26). No primeiro plano da clínica do autismo infantil, pelo intermédio da língua verbosa e das vocalizações involuntárias, vem uma lalíngua que não se apaga, por não se articular ao discurso do Outro. Ela constitui-se de S1 sozinhos, justapostos. Eles não estão a serviço da comunicação, mas de satisfações solitárias.
Não há dúvida de que o autista é sensível a certo impacto de lalíngua. Entretanto, trata-se de uma alienação no sentido de Lacan (1973)? Certamente não, pois esta implica a articulação S1-S2 e a caída do objeto a no intervalo. Falaremos, então, de uma alienação retida, que não produz a operação de separação.
A língua que explode (as vocalizações involuntárias)
Em 1946, depois de observar 23 crianças autistas, Kanner (1946/2002) constata um estranho fenômeno concernindo o mutismo de oito dentre eles: "em raros momentos, momentos de urgência, (ele) é interrompido pela emissão de uma frase integral" (p. 204).
O exemplo seguinte, relatado por Grandin (1977), coloca em evidência as características dessas vocalizações surpreendentes. O fato ocorreu por ocasião de um acidente de carro, que teve lugar em sua infância, quando ela ainda não falava:
Mamãe tentou virar o volante, mas era tarde demais. Ouvi o barulho do metal que arrebentava e senti o choque violento... enquanto o vidro quebrado chovia em cima de mim, eu gritava gelo, gelo. Não tinha medo algum. Foi bastante apaixonante (p. 34).
A vocalização aqui é suscitada por uma situação inesperada e não por uma vontade de interagir. O mesmo se passa quando pronunciam frases inteiras: não é o sujeito que escolhe se expressar, é uma situação que faz com que emita uma vocalização.
O que eles dizem geralmente nesse tipo de situação? A primeira frase pronunciada por Sellin (1994) foi: "devolve minha bola" (p. 24), endereçada a seu pai, que acabara de tomar dele um de seus objetos autísticos. Um menino de cinco anos, relata Berquez (1983), que ninguém tinha visto pronunciar uma só palavra na vida, foi incomodado pela pele de uma ameixa que se colou no céu de sua boca. "E exclamou, então, de forma clara: 'Tirem isso de mim' e recaiu em seu mutismo anterior" (p. 45). Aos dez anos, Jonny falava enquanto dormia, parecia conversar com seu gato e com seu urso, mas pronunciava somente duas frases: "Vá para o inferno" (Go to hell) e "Eu não posso" (Rothenberg, 1997, p. 37). Outra criança, igualmente muda, colocada em instituição, "recusando-se a comer no refeitório, suscitou a exasperação do educador que, no limite de sua paciência disse-lhe 'Como isto!" e ficou estupefato de receber como resposta instantânea e única: 'Eu não gosto de salame'" (Kanner, 1946/2002, p. 204). Jérôme, 18 anos, grita ao médico que cuidava de um machucado: "Não! Isso basta! Carrasco! Assassino!". E, fenômeno mais raro, aconteceu-lhe de enunciar essas expressões sem nenhum endereçamento exceto ele próprio. "Assim, gritou, retirando o dedo da água fervente: 'Merda! Está quente!' ou expressar sua decepção ao abrir uma caixa de biscoitos: 'Merda! Está vazia!'" (Papy & Schuler, 1995, p. 138-139).
Todas essas frases têm um ponto comum: a presença do sujeito da enunciação encontra-se nitidamente marcada. Devemos igualmente observar que o sujeito se designa a si mesmo utilizando o "Eu" e não o "tu" encontrado frequentemente nos primeiros enunciados. Isso pode parecer surpreendente, mas revela uma enunciação referente ao gozo do corpo e não de um enunciado fruto do espelho do Outro.
A vocalização involuntária não traduz uma laboriosa construção intelectual, mas uma fala que surge das tripas. Seu caráter imperativo atesta o gozo vocal que a mobiliza. E quando o enunciado tem um endereçamento, a experiência se mostra devastadora para a criança autista. É somente no auge da angústia que ela deixa escapar tal vocalização. Esta é vivida como uma mutilação, pois coloca em jogo não somente a alteridade, mas uma cessão do objeto do gozo vocal. Não há nenhuma tentativa de explicação, nenhum comentário, nenhuma retrospectiva sobre o que acaba de ser dito. Longe de reiterar essa experiência angustiante, o sujeito busca se proteger contra sua repetição, fechando-se em uma muralha de silêncio ainda mais profundo. É assim que uma grande clínica como Rothenberg (1977) explica intuitivamente as razões do mutismo de Jonny, tão radical que ele foi considerado surdo durante muito tempo. Olhando-o e escutando-o, relata: "entendi que ele queria escapar do som de sua própria voz, assim como antes havia tentado fugir das vozes das pessoas à sua volta. Falar ou escutar eram responsabilidades pesadas demais para ele" (p. 36).
Quando uma criança autista começa a falar, as pessoas próximas, se particularmente atentas, constatam um fenômeno similar. Morar (2004) escreve sobre seu filho Paul:
Ele falava quando, de algum modo, era pego em algum tipo de armadilha: contra sua vontade. Tomado de surpresa por alguma questão ou uma falsa afirmação, a resposta vinha, apesar dele. Ele se recompunha rapidamente, como se dissesse: "Êpa! Falei!". Percebia-se que ele queria engolir sua resposta. Como se falar fosse um perigo (p. 103).
Ora, não se trata de uma recusa em comunicar. Pois, nas ocasiões em que fazia perguntas a seu filho e este permanecia mudo, apesar os esforços dela, ele encontrava outro meio, que não o da fala, para responder. "Nós nos perguntávamos se era de propósito que ele não falava" (p. 103).
As intuições dessa mãe sobre as causas dessa recusa não deixam de ter pertinência: "Aceitar falar seria também aceitar as limitações da linguagem: ser obrigado a responder, a obedecer era muito mais chato do que fazer de conta de não ouvir ou de não entender e, desse modo, conservar uma total liberdade" (p. 103).
Sobre isso, Vidal (1990) cita uma passagem relatada pela mãe de uma criança autista quase muda. Um dia, quando seu filho tinha oito anos, ela perguntou a ele, de chofre: "Por que ele não fala, Haffé?". Foi com muito espanto que ouviu a resposta do filho: "Porque ele não quer!" (p. 8). Outra mãe de autista sublinha que as dificuldades de sua filha parecem se enraizar em "uma fraqueza voluntária" (Park, 1972, p. 65). Relata vários exemplos de situações que sugerem fortemente que "suas inaptidões parecem não somente buscadas, mas sobretudo cuidadosamente protegidas" (p. 65). Ninguém quer mais do que o autista ser um sujeito livre. Ele experimenta qualquer dependência do Outro como uma dolorosa perda de controle.
A enunciação inesperada só surge em situações inquietantes, apresentando caráter de necessidade ou de urgência. Nessas circunstâncias ela não é uma escolha subjetiva assumida, mas uma espécie de reflexo suscitado pelo contexto. O sujeito não tem como modular, parafrasear, nem comentar ou efetuar uma visada reflexiva sobre o que acaba de dizer. Esses fenômenos indicam, segundo Danon-Boileau (2002), psicanalista e linguista, uma fala automática para a qual o pensamento não serve de mediação, posto que "a situação mobiliza diretamente o afeto ou a motricidade que faz com que as palavras saiam pela boca" (p. 213). Ele a considera similar aos palavrões e as exclamações de surpresa que escapam ao locutor.
As vocalizações involuntárias não representam o sujeito: constituem uma extração do gozo vocal equivalente a uma defecação sem sensação, a uma alimentação sem fome ou um olhar sobre o vazio. Sobre isso, Laurent (2014) faz uma análise similar: essas frases, observa, surgem somente em situações de tensão extrema ou de angústia. "O sujeito as emite como se estivesse perdendo um pedaço de si mesmo, suas fezes, um jato de saliva, um berro, sangue. São emissões do corpo, pedaços de gozo, uma espécie de automutilação" (p. 106).
A não subjetivação radical das vocalizações involuntárias fica mais evidente quando as comparamos a outra forma de enunciação não assumida pelo sujeito, as alucinações verbais. Estas últimas podem ser relatadas pelo psicótico, que consegue comentá-las, formular réplicas e até mesmo utilizá-las como material de um delírio. Nada disso ocorre com as vocalizações involuntárias. Nem é o próprio sujeito que as relata, mas observadores. Assim, quando Sellin (1998) evoca o fato, espantoso para ele, de poder por vezes "dizer algo de improviso" (p. 130), ele não informa o conteúdo desse dizer.
Um comportamento verbal parecido com as vocalizações involuntárias, e muito mais frequente, consiste nos gritos insensatos. Esses dois comportamentos têm em comum o fato de serem uma tentativa de dominar a angústia, separando-se do objeto voz e, também, de serem vividos como uma automutilação salvadora. Sellin (1994) afirma que grita quando sua angústia se torna desesperadamente grande, mas que não conhece outro modo de arrancá-la de sua alma. Todavia, relata uma relação estreita entre o grito e a mordida: "não consigo deixar de grriztar (sic)4/e de me morder/não consigo fazer de outra maneira" (Sellin, 1998, p. 157).
A língua verbosa
Em 19755, em uma época na qual a mais conhecida representação dos autistas fazia deles seres mudos, Lacan (1998b) surpreende indicando que os julga "mais para verbosos": "Que o senhor tenha dificuldade para escutá-los, para dar seu entendimento ao que dizem, não impede que sejam, finalmente, personagens bastante verbosos" (p. 13). Desse modo, enfatiza a dimensão essencial da clínica do autismo: aquela na qual uma língua de S1 sozinhos encontra-se em primeiro plano. As vocalizações involuntárias e os solilóquios da língua verbosa são feitos do mesmo material. Ambos são mobilizados por satisfações solitárias e não pela busca de uma troca verbal. Foi o que Lacan (1986) constatou a propósito de Dick, observado aos quatro anos de idade: "essa criança não tem o desejo de se fazer compreender, não procura se comunicar, as suas atividades mais ou menos lúdicas são emitir sons e comprazer-se nos sons sem significação, nos barulhos" (p. 98).
Em suas formas mais simples, a verbiagem autística não merece ser considerada como uma língua, trata-se apenas de gritos modulados diversamente. Temos dela uma descrição notável graças à pluma de Demoulin (2016), a partir da escuta de seu filho Robinson:
Às exclamações significativas se opõem explosões de voz puramente expressivos - balbucio lúdico obedecendo ao puro prazer de fazer barulho, expressão de ar sonora, expressão sem expressão de certo modo. Os primeiros gritos não são específicos e se parecem com os de outras crianças pequenas. Os outros são totalmente pessoais, idiossincrásicos, únicos, cuja reprodução é impossível: eles requerem uma plasticidade espantosa das cordas vocais, aparentemente inaccessível a não autistas. Esses gritos expressivos mudam de forma de um mês a outro, insensivelmente. Aos grunhidos de leitãozinho sendo abatido seguiram-se um glu-glu de peru difícil descrição (uma espécie de youyouyouyouyou semelhante a uma variação de um pronome inglês misturado às vocalizações dos Maroquinos durante as cerimônias de casamento), o rosnar de raposa gulosa, o crepitar de telex dos anos 1970, sirenes de navios dos anos 1930, o bramar de Tyrannosaurus rex do Cretáceo, rugidos de urso pardo subindo as montanhas Rochosas, cantos de faisões do Antigo Mundo, cantarolar delicados de abelhas abandonadas, cantos de gaios de carvalhos generosos (p. 38-39).
Não se poderia descrever com mais talento a persistência de um gozo fonológico em Robinson, gozo que não se reduz às sonoridades próprias de sua língua. Ele diz respeito a uma plasticidade das cordas vocais inaccessível aos não autistas, posto que, no bebê típico, os linguistas notam muito cedo um fenômeno de perda de riqueza das sonoridades possíveis, o que permite diferenciar o balbucio de um recém-nascido inglês do de um japonês, por exemplo. Notemos também que os gritos de Robinson não são signos: os gritos expressivos não aparecem colados a um referente, pois eles mudam de forma insensivelmente de um mês a outro.
A língua verbosa encontra sua maior fonte na ecolalia: ela se nutre dos ecos do duplo e não das respostas do Outro. Mottron (2016) observa que "a linguagem oral autística, quando ela começa a aparecer, ocorre por empréstimo a situações não-interativas (canções, publicidades, preces, filmes) e não imediatamente referenciais" (p. 202). Quando as crianças autistas não são mudas, suas verbalizações originais sugerem à Kanner (1946/2002) as noções de linguagem de papagaio ou de ecolalias retroativas. Por vezes os pais notam que elas adquirem palavras novas com facilidade sem, no entanto, aprender a falar, pois sua fala não porta uma mensagem. Eles descrevem o fenômeno notando que a criança pronuncia as palavras, mas não as utiliza.
A língua verbosa tem sua origem na retenção da voz que carrega a enunciação. Ela parece, às vezes, ao observador uma defesa contra a fala. Kantzas (1987) relata:
Com frequência Lapo mergulha em um balbuciamento sonoro no qual as sílabas se decompõem e se recompõem ao infinito; mas não se trata do nascimento obscuro da linguagem é, ao contrário, uma forma de limite de defesa contra a fala e todas as suas consequências […]. Frequentemente, demandávamos a Lapo, com insistência, que falasse no lugar de cantar. Então, Lapo se enrijecia, tapava os ouvidos e se angustiava (p. 116).
À medida que a criança cresce, a língua verbosa frequentemente adquire formas mais complexas e pode parecer ter se tornado endereçada, mas permanece fundamentalmente um solilóquio. Williams (1992) relata que era boa em leitura na escola porque, para ela, era "a ocasião de ouvir com deleite o som de [sua] própria de um modo mais apropriado do que o de praxe" (p. 49). De fato, ela incomodava o resto da turma falando o tempo todo para si mesma em voz alta. Sobre isso, comenta: "Diziam, simplesmente, que eu gostava do som de minha própria voz. Devia ser verdade" (p. 44). Achavam-me inteligente, pontua, mas eu não era nem um pouco sensata: "Mais do que falar às pessoas eu fazia solilóquios na cara deles, como se a conversa toda pudesse se resumir a isso" (p. 50).
A sonoridade da língua, mais do que seu conteúdo, é o que atrai o autista. Ele pode gostar de ouvir sua voz, não pelo valor de expressão que esta tem, mas por ela mesma. Uma autista conta: "gosto do som da minha voz porque ela não deixa que eu me sinta sozinha. Acho que há também um pouco de medo de falar muito e perder a voz. Só falei aos cinco anos de idade, você sabe" (Dewey, 1991, p. 204).
Muitos clínicos são levados a sublinhar que a linguagem é de início apreendida pelos autistas como um objeto que serve a satisfações solitárias. Danon-Boileau (2002) constata que, nos sujeitos autistas, "a fala é com frequência investida de um modo auto sensual. A produção de significante não vale pelo sentido que constrói, pela comunicação que permite, mas pelo prazer proporcionado pelos movimentos da língua e dos lábios" (p. 31). Segundo Lemay (2004), até mesmo o autista de Asperger fala demais, com frequência,
mas, parece muito mais interessado na sonoridade da palavra do que em sua utilidade para comunicar. Frases bem construídas pronunciadas com excelente articulação surpreendem por sua relativa complexidade ao mesmo tempo que por seu uso ora fora de contexto ora fora interlocutor (p. 146).
As vocalizações do autista apresentam, por vezes, ares de diálogo interno. Entretanto, não se pode identificar nelas o esboço de uma vontade de comunicar. Quando Williams (1992) se dedica a uma forma mais elaborada desses pseudodiálogos, parecem se tratar de solilóquios pronunciados com fins de autossatisfação:
Quanto mais eu crescia, mas me interessava por assuntos variados e mais me mostrava inesgotável. Entretanto, eu não tinha nenhuma vontade de discutir ou de trocar pontos de vista. Não esperava dos outros nem respostas nem opiniões particulares. Ignorava suas interrupções e continuava a falar como se nada houvesse. O que me importava era poder responder eu mesma às minhas próprias questões, o que eu fazia em voz alta, sem constrangimento (p. 87).
Ela confessa mais tarde ter utilizado frequentemente as palavras como divertimento e ter sentido prazer em escutá-las como "lembranças sonoras que quebravam [sua] solidão enquanto ela ouvia [sua] voz" (Williams, 1996, p. 169). Relata também: "desde bem pequena, eu adorava tudo o que podia produzir sons melodiosos" (p. 123). A língua verbosa parece, frequentemente, para o autista uma música. Ambos provocam ecos agradáveis que ressoam em seus corpos. Sellin (1994) tenta apreender esse fenômeno quando relata que "graças à música obtém-se a concordância de importantes estados da alma fundamentais com empatia" (p. 169). Por esta razão, ele, que não fala, sonha em produzir uma língua verbosa que, segundo seus termos, faria falar "melodias em uma língua para solitários" (Sellin, 1998, p. 120).
Todavia, ocorre que por intermédio da língua verbosa algumas tentativas de comunicação se esboçam. Uma mensagem alusiva pode ser transmitida pela "língua de poeta" (Williams, 1992, p. 298), mas também pela melodia, sem que as palavras sejam perceptíveis. Park (1972) observa que, através da música ela conseguia, por vezes, apreender o pensamento que sua filha ainda não consegui exprimir com palavras. Ela constata que essa estranha criança, incapaz de assimilar a mais simples das palavras, era capaz de memorizar uma melodia e a ela relacionar uma ideia. Os temas musicais permitiam-lhe evocar palavras. Park (1972) relata:
A canção "Feliz aniversário" se tornou "Bolo" e, por extensão "velas" e "fogo". Uma canção de ninar tomou o sentido de se balançar. […] A canção dos anões de Branca de Neve […] significava "cavar". Observamos que ela nunca chantava seus refrãos ao acaso ou pelo simples prazer de cantar, como fazia com outras melodias. Ela as executava rapidamente, esquematicamente, com uma visada funcional: bem o suficiente para que atingissem seus objetivos. A música lhe permitia se aproximar das palavras, já que em cada refrão havia, evidentemente, um núcleo puramente verbal (p. 98).
Bettelheim (1969) constata, igualmente, que Márcia podia expressar afetos bastante complexos por intermédio de uma escolha de canções.
Cantar, repetir as palavras dos outros parecia bem menos perigoso do que dizê-las ela mesma. A fala espontânea estava ainda limitada à ecolalia ou, no máximo, ela vinha completar uma frase, como quando lhe dizíamos: "Nós vamos à…" e que, por vezes, ela dizia "loja" (p. 235).
Bettelheim (1969) percebe que essa conduta verbal, tal como as ecolalias a ela associadas, se apoiavam no fato de que outra pessoa "deveria assumir a responsabilidade pelo que era dito (p. 235).
A verbiagem autística pode ser mobilizada para diversos usos, mesmo para tentativas alusivas de comunicação. Mas, além das satisfações que propicia, sua principal função é manter o controle da voz, correndo-se somente um parcimonioso risco frente aos perigos das trocas. Vocalizações involuntárias e língua verbosa não nos permitem duvidar de que o autista sofre o impacto de lalíngua.
A verdadeira especificidade da alienação do autista se refere ao fato de ser comandada por uma retenção da voz que não permite a operacionalidade do significante mestre. Quando o sujeito não é mudo, ele se dedica primeiro a falar colocando o menos possível de sua presença enunciativa por intermédio de uma língua verbosa, privada ou fatual. Entretanto, por um longo trabalho, passando pela tomada de distância em relação aos duplos e se apoiando no interesse específico, o autista de alto nível consegue construir (ou liberar?) um significante-mestre que lhe permite atrelar seu gozo à sua fala, o que torna possível o advento de uma língua conectada aos afetos. Mas, este será o tema de outro trabalho.
Referências
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Endereço para correspondência:
Jean-Claude Maleval
jean.claude.maleval@gmail.com
Submetido em: 16/04/2019
Revisto em: 15/05/2019
Aceito em : 19/06/2019
Tradução: Vera Lopes Besset e Carla O. Fernandes
* Titulo original: « De l'alienation retenue chez l'autiste ». Neste texto o autor retoma, desenvolve e amplia concepções expostas em seu Seminário "Structure autistique» realizado no âmbito dos Enseignements ouverts 2017-2018 da ECF, Paris, França.
1 N. T. O autor faz alusão ao título da obra de Rey-Flaud H, em 2008 pela Flammarion, L'enfant qui s'est arrêté au seuil du langage.
2 Maleval (2018)
3 N. T. Denominação de crianças criadas trancadas em armários ou confinadas em cômodos exíguos. Em 1982, na região parisiense, David, 12 anos, consegue escapar do armário onde vivia até então, trancafiado por sua mãe, que esquecera a porta aberta naquele dia. Ele ficou conhecido como a criança do armário (l'enfant du placard).
4 N.T. No original: "crriezr (sic)".
5 Data da Conferência de Lacan sobre o sintoma, em Genebra, publicada posteriormente, pela primeira vez, em 1985.