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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.72 no.2 Rio de Janeiro May/Aug. 2020
https://doi.org/10.36482/1809-5267.arbp2020v72i1p.121-140
ARTIGOS
Bem-estar relacionado ao trabalho: análise de conceitos e medidas
Work-related well-being: analysis of concepts and measures
Bienestar relacionado al trabajo: análisis de conceptos y medidas
Laila Leite CarneiroI; Antônio Virgílio Bittencourt BastosII
IDocente. Universidade Federal da Bahia. Salvador. Estado da Bahia. Brasil
IIDocente. Universidade Federal da Bahia. Salvador. Estado da Bahia. Brasil
RESUMO
O bem-estar relacionado ao trabalho vem recebendo cada vez mais interesse no campo de estudos e intervenção da Psicologia Organizacional e do Trabalho. O objetivo deste artigo foi analisar conceitual e empiricamente como o fenômeno "bem-estar relacionado ao trabalho" está sendo abordado no estado da arte no Brasil, buscando identificar sobreposições e/ou os limites entre diferentes medidas do construto. Concluiu-se que existem diversas nomenclaturas para se referir ao conceito e que uma mesma nomenclatura é usada para traduzir definições diferentes. Ainda há autores que utilizam o termo a partir de uma perspectiva negativa, bem como há os que utilizam fenômenos correlatos como sinônimos de bem-estar. Das oito medidas encontradas, verificou-se que a proposta por Paschoal e Tamayo apresentou vantagens em termos conceituais e empíricos, estando em consonância com o movimento recente do campo de junção das duas bases teóricas clássicas utilizadas na compreensão deste fenômeno.
Palavras-chave: Bem-estar; Trabalho; Conceitos; Medidas.
ABSTRACT
Work-related well-being has been receiving increasing interest in the Organizational and Work Psychology's field of study and intervention. The objective of this article was to analyze conceptually and empirically how the phenomenon "work-related well-being" is being approached in the state of the art in Brazil, seeking to identify overlaps and/or limits between different measures of the construct. It was concluded that there are several nomenclatures to refer to the concept and that the same nomenclature is used to translate different definitions. There are still authors who use the term from a negative perspective, as well as there are those who use related phenomena as synonyms of well-being. From the eight measures found, the proposal by Paschoal and Tamayo presented advantages in conceptual and empirical terms, being in consonance with the recent movement of the field of junction of the two classical theoretical bases used in the understanding of this phenomenon.
Keywords: Well-being; Work; Concepts; Measures.
RESUMEN
El bienestar relacionado con el trabajo recibe cada vez más interés en el campo de los estudios y la intervención en Psicología Organizacional y del Trabajo. El objetivo de este artículo fue analizar conceptual y empíricamente cómo se está abordando el fenómeno del "bienestar laboral" en el estado del arte en Brasil, buscando identificar solapamientos y/o límites entre diferentes medidas de constructo. Se concluyó que existen varias nomenclaturas para referirse al concepto y que la misma nomenclatura se usa para traducir diferentes definiciones. Todavía hay autores que usan el término desde una perspectiva negativa, así como aquellos que usan fenómenos relacionados como sinónimos de bienestar. A partir de las ocho medidas encontradas, se verificó que la propuesta de Paschoal y Tamayo presentaba ventajas en términos conceptuales y empíricos, en línea con el movimiento reciente del campo de unión de las dos bases teóricas clásicas que se utilizan en la comprensión de este fenómeno.
Palabras clave: Bienestar; Trabajo; Conceptos; Medidas.
Introdução
A pesquisa sobre o bem-estar no contexto de trabalho se inicia no final da década de 1970, com o trabalho seminal de Peter Warr (1978). Já nesta época, o autor discute a necessidade de se diferenciar o bem-estar que o indivíduo vivencia em relação à sua vida em geral e o bem-estar que experimenta em segmentos específicos. A partir de então, se solidifica uma tradição de estudos, marcada por plurissignificações, e uma grande diversidade de construtos e medidas.
Entretanto, é importante assinalar que, ainda antes de ser estudado no contexto específico de trabalho, o bem-estar vem sendo alvo de uma vasta gama de estudos em outros domínios. O interesse pelo fenômeno ganhou força nos últimos 15 anos, após o movimento da Psicologia Positiva (Pureza, Kuhn, Castro & Lisboa, 2012), e tem sido apresentado especialmente a partir de duas abordagens teóricas principais: a hedônica e a eudaimônica (Huta & Waterman, 2014; Ryan & Deci, 2001), as quais influenciam diretamente a proposta de construtos de bem-estar específicos ao mundo do trabalho (Carneiro & Fernandes, 2015).
Segundo Pawelski (2014), as variadas reflexões sobre o bem-estar se distinguem em termos de significado: enquanto alguns defendem que o fenômeno pode ser traduzido como prazer, outros o compreendem como virtude e outros, ainda, como realização; também se diferenciam em termos de papel desempenhado na nossa vida, pois alguns defendem que o bem-estar é um resultado natural da experiência humana, enquanto outros acreditam que é algo impossível de se obter; e, ainda, variam em termos de valoração, pois enquanto alguns argumentam que a busca do bem-estar deve ser a prioridade da vida, outros defendem que esta busca é a responsável pelas mazelas da vida.
Os primeiros estudos sobre o bem-estar foram desenvolvidos a partir da abordagem hedônica, a qual compreende o fenômeno como uma experiência cumulativa de afetos (Paschoal, Torres & Porto, 2010). Esta abordagem, até hoje, possui grande influência em pesquisas da área e permite a compreensão do nível de bem-estar a partir de uma avaliação subjetiva do indivíduo, o qual é instigado a identificar a frequência dos afetos experimentados. Seu principal precursor é Diener (1984), que utiliza, intercambiavelmente, os termos "bem-estar subjetivo" e "felicidade" para designar o fenômeno com base na frequência de emoções e humores. Para o autor, toda a pesquisa em torno deste conceito está preocupada com o "como" e o "porquê" de as pessoas experimentarem suas vidas de maneira positiva, tanto numa perspectiva de julgamentos cognitivos quanto de reações afetivas. Diener (1984) enumera as três seguintes características como as mais marcantes da área: 1) a presença da subjetividade; 2) o uso de medidas positivas; e 3) a inclusão de uma avaliação global de todos os aspectos da vida de uma pessoa nas medidas do construto.
Atualmente, apesar das variações de definições existentes, há um consenso entre os pesquisadores do bem-estar subjetivo de que este é formado por uma dimensão cognitiva, a qual se refere a um componente avaliativo da satisfação ou qualidade de vida geral, e uma dimensão afetiva, que é composta por afetos e emoções, positivas e negativas. Quanto à dimensão afetiva, é válido esclarecer que ela costuma ser avaliada, nas escalas que buscam mensurar o bem-estar, em termos de frequência e não de intensidade dos afetos, posto que a intensidade está mais ligada à qualidade da emoção experimentada do que ao nível de bem-estar em si (Giacomoni, 2004).
Em síntese, pessoas que exibem alto nível de bem-estar subjetivo tendem a vivenciar mais emoções positivas do que negativas, bem como a avaliar positivamente a sua vida como um todo. Dessa maneira, este fenômeno é necessariamente mensurado a partir da perspectiva do próprio indivíduo, que toma como base critérios pessoais no momento de relatar a experiência de bem-estar (Albuquerque & Tróccoli, 2004; Galinha & Ribeiro, 2005; Giacomoni, 2004).
Na abordagem eudaimônica, adota-se uma nova definição para o bem-estar, que passa a ser entendido não mais como uma experiência cumulativa de afetos da qual se sobressai o prazer, mas sim como o próprio funcionamento psicológico ótimo do indivíduo, sendo esta definição predominantemente conhecida sob a denominação de "bem-estar psicológico". A principal característica da abordagem eudaimônica do bem-estar é a ênfase em experiências de realização pessoal e de expressão dos potenciais individuais. Logo, esta perspectiva considera que o bem-estar psicológico pode ser fortemente influenciado por características pessoais positivas (Barbosa, Melo, Medeiros & Vasconcelos, 2010; Veenhoven, 2014; Waterman, 1993), uma vez que este estado subjetivo é alavancado pelo "sentimento presente quando a pessoa se move em direção à autorrealização por meio do desenvolvimento do seu potencial e do alcance de seus objetivos de vida" (Dessen, 2010, p. 13).
Nesta perspectiva, a pesquisadora Carol Ryff se apresenta a partir da década de 1980, como uma das principais referências teóricas, definindo o bem-estar como o funcionamento positivo do indivíduo, que pode ser estruturado em seis dimensões: 1) autoaceitação (sentimento positivo de amor-próprio perante a vida presente e passada); 2) relação positiva com os outros (relações baseadas em amor e confiança); 3) autonomia (perceber-se capaz de seguir as próprias convicções); 4) controle do ambiente (capacidade de criar um entorno que atenda às capacidades e necessidades do indivíduo); 5) propósito na vida (ter objetivos para conceder à vida significado); e 6) crescimento pessoal (possibilidade de crescer, desenvolver e realizar o potencial pessoal) (Ahrens & Ryff, 2006; Ferreira, 2012; Paschoal et al., 2010; Ryff & Keyes, 1995).
Comparando ambas as abordagens, Ryff e Keyes (1995) assinalam que houve uma mudança de perspectiva a partir da qual se buscou entender melhor o que significa estar bem psicologicamente. Na mesma direção comparativa, Dessen (2010) situa que o hedonismo enfatiza mais o resultado da experiência (prazer), enquanto a eudaimonia foca mais no processo (crescimento, realização). Waterman et al. (2010), por sua vez, esclarecem que o bem-estar hedônico é um pré-requisito para evitar o funcionamento psicossocial negativo, mas não necessariamente leva ao desenvolvimento do indivíduo; enquanto o bem-estar eudaimônico fornece muito mais recursos para a "alavancagem" do funcionamento psicossocial positivo. Ainda neste sentido, Huta e Ryan (2010) alertam que indivíduos que focam exclusivamente na busca do bem-estar por motivos eudaimônicos tendem a experimentar desgaste a longo prazo, de modo que a busca de atividades orientadas pelo hedonismo seria necessária para renovar as energias que permitem ao sujeito continuar a buscar a sua melhor versão.
Também comparando as visões hedônica e eudaimônica do bem-estar, Waterman (1993) e Meyer e Maltin (2010) sinalizam que, embora elas estejam associadas, a relação estabelecida entre elas é assimétrica, uma vez que a eudaimonia é considerada uma condição suficiente, porém não necessária para a experiência do bem-estar hedônico, enquanto a hedonia não seria nem suficiente nem necessária para a experiência do bem-estar eudaimônico. Considerando que a abordagem eudaimônica dá mais ênfase ao que é preciso para que a pessoa esteja bem na vida como um todo, valorizando a possibilidade de que as características pessoais de cada indivíduo sejam aprimoradas no sentido de fomentar o fenômeno do bem-estar no âmbito psicológico e indo além do sentido do prazer, alguns autores (por exemplo, Meyer & Maltin, 2010) defendem que esta visão coopera mais fortemente com a proposta da Psicologia Positiva, entretanto, de uma maneira geral, os estudos têm adotado mais construtos de bem-estar concebidos a partir da perspectiva hedônica.
Recentemente, com o objetivo de verificar se o bem-estar de base hedônica e o bem-estar de base eudaimônica se constituem, de fato, como fenômenos distintos, Disabato, Goodman, Kashdan, Short e Jarden (2016) buscaram desenvolver estudos de validade discriminante entre diferentes medidas que representavam estas perspectivas (Disabato et al., 2016). Os autores alegam que, embora esta distinção teórica esteja presente no campo de estudos do bem-estar há muito tempo, a sua utilidade teórica e o seu suporte empírico são ainda questionáveis.
Em seu estudo, Disabato et al. (2016) usaram dados de uma amostra internacional de mais de sete mil adolescentes e adultos que haviam respondido não apenas a diferentes escalas de bem-estar, como também a instrumentos que mensuravam fenômenos tácita e empiricamente aceitos como associados a este fenômeno. Conduzindo análises fatoriais confirmatórias através da modelagem de equações estruturais, os autores identificaram que tanto o modelo unifatorial (que concebia todos os fatores utilizados para avaliar o bem-estar como parte de um fator latente mais amplo) quanto o modelo de dois fatores (que concebia a divisão do bem-estar em dois fatores latentes principais - o hedônico e o eudaimônico) apresentaram ajustes adequados, sendo, entretanto, apesar de os fatores demonstrarem estar altamente correlacionados (r = 0,96), a solução bifatorial foi psicometricamente levemente superior, tanto na amostra global quanto na comparação feita por subamostras de diferentes regiões/países. Por outro lado, as análises conduzidas com os fenômenos correlatos do bem-estar apontaram que a maioria dos fenômenos avaliados se comporta de maneira similar em relação ao bem-estar hedônico e ao eudaimônico, tendo apenas três das 11 variáveis observadas apresentado padrões diferentes de comportamento em relação a estes fenômenos.
Assim, cabe assinalar que, apesar do esforço didático de separar as abordagens e conceitos que vem sendo desenvolvidos a respeito do bem-estar, encontra-se ainda na literatura um alto nível de confusão teórica, exigindo que os pesquisadores da área se dediquem a discutir os limites e possibilidades de cada uma dessas abordagens e conceitos, contribuindo, portanto, para a construção de um corpo de conhecimentos mais sólido e conciso.
Como este ainda é um campo em construção, a confusão teórica e conceitual do bem-estar acaba por se reproduzir também quando este fenômeno é estudado em contextos específicos, como é o caso do trabalho. Esta confusão na teoria, consequentemente, implica em confusão no momento de avaliar o fenômeno e no momento de produzir intervenções sobre ele.
Neste sentido, Tiberius (2014) destaca que o refinamento metodológico depende necessariamente de reflexões filosóficas sobre a natureza do fenômeno, o que impede que questões normativas sobre a sua definição sejam respondidas sem um investimento anterior no esclarecimento sobre suas bases teóricas. No mesmo caminho, Haybron (2014) alerta sobre a necessidade de mais cuidado no processo de mensuração do fenômeno, uma vez que as medidas precisam permitir acessar os diferentes conceitos de bem-estar com mais precisão e acuracidade.
Deste modo, este estudo teve como objetivo analisar conceitual e empiricamente o fenômeno "bem-estar relacionado ao trabalho", buscando identificar sobreposições e/ou os limites entre diferentes medidas do construto na realidade brasileira. Para tanto, foi realizado um levantamento na literatura, utilizando publicações nacionais e internacionais veiculadas a partir de livros (submetidos a revisão por pares) e de periódicos científicos. O acesso aos artigos de revistas científicas foi feito a partir de pesquisas utilizando portais como: Periódicos da Capes, SciELO, PePSIC, Google Acadêmico, entre outros. Nestas pesquisas, foram inseridos como termos-chave as palavras: "bem-estar/well-being", "trabalho/work", "trabalhador/worker", "escala/scale", "medida/measure", sendo incluídos na análise os artigos que, após a leitura, apresentaram informações novas/relevantes para o propósito do estudo.
Embora já existam revisões teóricas publicadas em periódicos nacionais sobre o tema (por exemplo, Paschoal et al., 2013; Santos & Ceballos; 2013), entende-se que este estudo se justifica por dois motivos principais. Em primeiro lugar, o crescente interesse pelo tema do bem-estar relacionado ao trabalho estimula novas produções científicas, sendo que o período de cinco anos que divide a presente revisão das anteriores pode abarcar novas e importantes publicações no campo. Em segundo lugar, e talvez ainda mais importante, em nenhuma das revisões anteriores é feita uma reflexão crítica direta sobre a articulação que existe entre as medidas do fenômeno e os conceitos que as sustentam. Neste ponto, portanto, este estudo se diferencia dos demais, pois pretende contribuir para a tomada de decisão mais consciente dos pesquisadores ao usarem tais instrumentos como base para suas pesquisas.
Bem-estar relacionado ao trabalho: conceitos
Warr (2007) apresenta o bem-estar no trabalho como uma experiência subjetiva positiva, a qual ocorre quando, ao mesmo tempo, o afeto positivo no trabalho prevalece sobre o negativo e o trabalho proporciona experiências de desenvolvimento de potenciais individuais e realização pessoal. Contudo, esta experiência subjetiva positiva tem sido avaliada empiricamente a partir de construtos diversos, os quais, muitas vezes, tendem a uma ampliação conceitual do fenômeno, apresentando-o sob diversas visões e nomenclaturas, como: bem-estar ocupacional (Van Horn, Taris, Schaufeli, & Schreurs, 2004), bem-estar no trabalho (Ferreira, Pacheco, Pinto, Fernandes, & Silva, 2007; Paschoal, 2008; Siqueira & Padovam, 2008), felicidade no trabalho (Vasconcelos, 2004), bem-estar pessoal nas organizações (Paz, 2004), entre outros.
Em uma revisão sistemática sobre a produção de artigos nacionais acerca dessa temática, Paschoal et al. (2013) destacam que, embora as pesquisas da área resguardem o interesse de avaliar o bem-estar no mundo do trabalho, as concepções e as bases teóricas que amparam esses construtos variam muito entre si. Em alguns casos, se sustentam em uma perspectiva hedônica mais voltada para a vivência de prazer, em outros, em uma perspectiva que contempla mais os aspectos cognitivos relacionados ao desenvolvimento pessoal, ou, ainda, a combinação de ambas as perspectivas. Assim, os mesmos autores sintetizam que sob a nomenclatura do bem-estar relacionado ao trabalho encontram-se as seguintes concepções: afeto do trabalhador; satisfação de desejos e necessidades; satisfação no trabalho, envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional; prevalência de afeto positivo no trabalho e percepção do indivíduo de que expressa e desenvolve seus potenciais e avança no alcance de suas metas de vida a partir do seu trabalho (Paschoal et al., 2013). No mesmo sentido, Demo e Paschoal (2013) enfatizam que, apesar de existir concordância sobre a importância do bem-estar no trabalho, a ausência de consenso sobre o que define o fenômeno ainda é predominante.
Tomando os construtos que privilegiam a visão hedônica sobre o bem-estar, pontua-se, por exemplo, que Vasconcelos (2004) adota o termo felicidade no trabalho para explorar a satisfação com relação a aspectos do ambiente ocupacional, bem como a frequência e a intensidade de emoções positivas, utilizando como variáveis-chave a satisfação no trabalho, a confiança, a lealdade, a liderança, os valores e o humanismo. Por outro lado, Van Horn et al. (2004) utilizam o conceito de bem-estar ocupacional para se referirem à avaliação positiva de fatores do trabalho, incluindo, além da dimensão afetiva, a profissional, a social, a cognitiva e a psicossomática. Já Ferreira et al. (2007) definem o bem-estar no trabalho como um construto superordenado que contém uma dimensão cognitiva, representada pela satisfação no trabalho, e uma dimensão afetiva, que engloba os afetos positivos e negativos dirigidos ao trabalho. Siqueira e Padovam (2008), por sua vez, entendem que o bem-estar no trabalho decorre da integração de três fatores: satisfação no trabalho, comprometimento organizacional afetivo e envolvimento com o trabalho. A partir destes construtos, é interessante observar uma possível sobreposição entre o conceito de bem-estar no trabalho e de satisfação no trabalho.
Considerando uma perspectiva mais eudaimônica, o construto de "bem-estar pessoal nas organizações", proposto por Paz, em 2004, apresenta uma delimitação específica ao contexto de aplicação. Tal construto se refere à satisfação das necessidades e a realização dos desejos dos indivíduos ao desempenharem seu papel nas organizações. Dessa forma, pressupõe uma relação de reciprocidade entre indivíduo e organização, entendendo que o bem-estar do indivíduo depende não apenas do quanto o seu ambiente lhe provê oportunidades de experiências positivas, mas também do quanto estas são percebidas e o quanto são aproveitadas. Nesse sentido, a realização dos desejos e a satisfação das necessidades individuais dependem de alguns indicadores que contribuem, ao mesmo tempo, para o bem-estar dos funcionários e para que as organizações se mantenham no mercado com produtividade tais como: as relações com a chefia, com os colegas e com os clientes; a valorização do trabalho pelo funcionário, pela organização e pela sociedade; as oportunidades de carreira; a autonomia; o suporte material, social e tecnológico; o salário justo; a identificação com a organização (Dessen, 2010; Dessen & Paz, 2010). Apesar do seu potencial explicativo, o construto de bem-estar nas organizações pode ser questionado por não ser aplicável a todos os contextos de trabalho e, também, porque insere em suas dimensões indicadores que, na literatura, têm sido apontados como antecedentes e não como componentes do bem-estar (Paschoal & Tamayo, 2008).
Buscando sintetizar tanto a visão hedônica quanto a eudaimônica, Paschoal (2008) propõe que o bem-estar no trabalho resulta da prevalência de emoções positivas e da percepção do indivíduo de que, no seu trabalho, expressa e desenvolve seus potenciais e avança no alcance de suas metas de vida. Portanto, esse construto é investigado por meio dos fatores afeto positivo, afeto negativo e realização pessoal no trabalho.
Diante do exposto, ressalta-se que avanços nos estudos relativos ao bem-estar do trabalhador dependem necessariamente de uma melhor compreensão sobre este fenômeno, a fim de determinar efetivamente quais são os seus limites conceituais e possíveis sobreposições com outros construtos positivos da área de Psicologia Organizacional e do Trabalho. Estudos têm utilizado conceitos diferentes de maneira intercambiável, porém, sem discutir intrinsecamente a similitude dos seus significados. A título de exemplo, pode-se citar a necessidade de discutir os limites e as similaridades entre o bem-estar e conceitos clássicos como satisfação e qualidade de vida, assim como entre o bem-estar e conceitos propostos mais recentemente na literatura, como engajamento e florescimento.
A relação entre satisfação e bem-estar, apesar de historicamente consolidada desde o princípio dos estudos focados no bem-estar hedônico (por exemplo, Diener, 1984), recentemente vem sendo avaliada por muitos pesquisadores da área de maneira crítica (por exemplo, Paschoal & Tamayo, 2008). Embora alguns autores compreendam a satisfação no trabalho como um fenômeno análogo ao bem-estar, outros tantos chamam a atenção para o fato de este ser um construto correlato, porém não idêntico (por exemplo, Juniper, Bellamy & White, 2011), uma vez que a satisfação é compreendida como um fenômeno resultante exclusivamente de uma avaliação cognitiva (Siqueira, 2008), desconsiderando a essência afetiva do bem-estar. Se num contexto mais amplo essa diferenciação já vem sendo destacada, o mesmo acontece no campo do trabalho, em que também tem se questionado se a satisfação no trabalho faz parte do bem-estar relacionado ao trabalho ou se estes são fenômenos apenas similares.
No caso da qualidade de vida, a confusão com o bem-estar também já vem de longa data. Entretanto, algo importante que pode diferenciar estes conceitos é o fato de a qualidade de vida ser avaliada tanto com base em parâmetros objetivos (como, por exemplo, acesso à saúde e à educação) como em parâmetros subjetivos, diferente do bem-estar, que tende a ser concebido como uma experiência subjetiva positiva (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).
Neste sentido, o conceito específico de qualidade de vida no trabalho se sobrepõe ao do bem-estar relacionado ao trabalho por depender da possibilidade de o trabalhador usar e desenvolver suas capacidades, percebendo oportunidades de crescimento na empresa (Fernandes & Gutierrez, 1988), que são aspectos congruentes com a concepção eudaimônica do bem-estar. Ao mesmo tempo, é um conceito que se diferencia, por depender também de aspectos como a existência de uma compensação justa e adequada (Fernandes & Gutierrez, 1988).
Outro elemento importante a ser destacado é que a qualidade de vida no trabalho é compreendida como um macrofenômeno, relativo à aplicação de uma filosofia nas formas de gerir e organizar o trabalho (Fernandes & Gutierrez, 1988; Limongi-França, 2004). Diante do exposto, pode-se refletir que a qualidade de vida no trabalho assume um papel de possível antecedente do bem-estar (Farsen, Boehs, Ribeiro, Biavalti & Silva, 2018), em função de se referir, prioritariamente, a condições do contexto laboral, enquanto o bem-estar seria o estado vivenciado pelo indivíduo como resultado da exposição a estas condições.
Por outro lado, no caso da relação entre engajamento e bem-estar no trabalho, destaca-se que engajamento no trabalho expressa algo que o trabalhador efetivamente faz, como resultado de um estado motivacional positivo que se manifesta em sentimentos de vigor, absorção e dedicação ao trabalho (Ferreira et al., 2016). Trata-se, portanto, de um estado que não pode ser avaliado de maneira desconectada da ação, sendo mais adequadamente classificado em termos de atitude, uma vez que indica a predisposição do indivíduo em agir de uma determinada maneira (Robertson & Cooper, 2010), enquanto o bem-estar, conforme explícito na própria composição da palavra, refere-se a um estado (e apenas a um estado) do indivíduo.
Ademais, os comportamentos positivos gerados pelo engajamento são de interesse direto da organização, gerando resultados benéficos, em primeira instância, para a instituição (Robertson & Cooper, 2010). Por outro lado, o bem-estar está altamente relacionado a comportamentos positivos, mas se trata de um estado subjetivo, que é mais diretamente importante e benéfico para os trabalhadores do que para a organização em si (Juniper et al., 2011).
Outro fenômeno que, de forma recorrente, vem sendo associado ao bem-estar é o florescimento, o qual foi concebido como um conceito representativo das teorias mais atuais relacionadas ao conceito clássico de bem-estar psicológico (Diener et al., 2009). Entende-se que a nomenclatura "florescimento" pode ter sido utilizada para melhor designar a experiência positiva que o indivíduo tem quando se move em relação ao seu crescimento/desenvolvimento pessoal, de forma a não confundir esta concepção, claramente fundamentada na eudaimonia, com o conceito de bem-estar subjetivo, o qual possui uma fundamentação hedônica.
O estudo do florescimento se estendeu ao campo do trabalho, assim como os questionamentos sobre os limites e as sobreposições que podem haver entre este fenômeno e o bem-estar relacionado ao trabalho. Em sua definição, Mendonça, Caetano, Ferreira, Sousa e Silva (2014) esclarecem que o florescimento no trabalho é um fenômeno associado "[...] a uma situação de prosperidade, de desenvolvimento e a um estado progressivo de satisfação e bem-estar no contexto do trabalho" (p. 172). Nesse sentido, cabe questionar em que ponto o "florescimento" e o "bem-estar" passam a representar fenômenos distintos, para evitar que muitas nomenclaturas diferentes sejam utilizadas para designar o mesmo fenômeno.
Conforme Sonnentag (2015) enfatiza, o bem-estar é um fenômeno mutável, podendo tanto ter leves flutuações em pequenos períodos de tempo (como dias ou semanas) como podendo aumentar ou diminuir consideravelmente após longos períodos (como meses e anos). Entretanto, sua mudança controlada, promovida por intervenções positivas da organização, só pode ser viabilizada com uma compreensão mais clara deste fenômeno e da melhor forma de mensurá-lo.
Assim, como forma de facilitar a compreensão das bases teóricas, das diferentes nomenclaturas, assim como dos possíveis limites e sobreposições estabelecidos entre o bem-estar relacionado ao trabalho e outros fenômenos correlatos, apresenta-se uma síntese da análise conceitual realizada na Figura 1.
Entende-se que estas reflexões teóricas precisam ser melhor sustentadas também empiricamente, através de análises de validade convergente e discriminante, que permitam avançar no sentido de entender quais aspectos podem (e devem) ser vistos como constituintes do bem-estar relacionado ou trabalho e quais se referem a construtos próximos, porém diferentes. Para tanto, é necessário voltar a atenção também para as medidas que são utilizadas para aferir este fenômeno e as definições conceituais que as sustentam.
Bem-estar relacionado ao trabalho: medidas
Existe um interesse evidenciado, tanto no campo científico como na sociedade em geral, em avaliar o bem-estar relacionado ao trabalho para poder intervir sobre ele. Ao longo das últimas décadas, os instrumentos de medidas deste fenômeno evoluíram bastante. De início, era muito comum encontrar instrumentos de item-único, enquanto agora a tendência é a construção de escalas de múltiplos itens (Cooke, Melchert & Connor, 2016). Também é possível identificar variações nas estratégias de mensuração. Enquanto classicamente os instrumentos eram utilizados como medidas transversais, cada vez mais têm aparecido o desenvolvimento de "medidas repetidas", que buscam abarcar não apenas o estado do bem-estar, mas suas possíveis flutuações ao longo do tempo (Sonnentag, 2015).
Em termos de conteúdo, a difusão de diferentes conceitos e a diversificação de nomenclaturas utilizadas para designar o bem-estar relacionado ao trabalho interferem diretamente na construção de variados instrumentos de medida do fenômeno. A existência de instrumentos variados poderia ser considerada uma vantagem no sentido de possibilitar o acesso a múltiplas opções para acessar o fenômeno. Entretanto, tal variedade demonstra ser um perigo quando o profissional que utilizará a medida não tem clareza sobre a teoria na qual ela se fundamenta, comprometendo, assim, a sua validade, pois pode escolher uma medida que talvez não represente o mesmo fenômeno que ele pretende acessar.
Interessa sinalizar que, embora haja evidências que apontem que a utilização de medidas contextualizadas é mais eficaz do que a utilização de medidas gerais (Dessen, 2010; Warr, 1978), ainda é bastante recorrente que os estudos no campo das organizações e do trabalho façam uso de medidas gerais de bem-estar. Aqui, o foco de análise se deteve em medidas específicas ao contexto. Revisões sobre escalas que medem o bem-estar já foram feitas em estudos internacionais (por exemplo, Cooke et al., 2016; Linton, Dieppe & Medina-Lara, 2016), contudo, nenhum no Brasil, assim como também nenhum com medidas específicas ao mundo do trabalho.
Deste modo, a partir do levantamento bibliográfico realizado, foram incluídas todas as medidas encontradas na literatura brasileira que, segundo a designação dos autores da pesquisa, se referiam ao fenômeno bem-estar avaliado no contexto de trabalho ou cuja nomenclatura explicitava a avaliação de fatores classicamente descritos como definidores do fenômeno bem-estar. Os oito instrumentos nacionais que atenderam a estes critérios estão sintetizados na Tabela, que apresenta, para cada medida, sua estrutura fatorial e confiabilidade das medidas.
Cronologicamente, a primeira medida identificada na literatura foi a de Borges e Argolo (2002). Estes autores propõem a adaptação e validação de uma escala de bem-estar psicológico (Questionário de Saúde Geral - QSG-12) para uso em estudos ocupacionais. Embora a descrevam como uma escala de bem-estar psicológico, o instrumento avalia a saúde geral a partir de dois fatores: a autoeficácia, que é a percepção que o indivíduo tem acerca de sua própria capacidade de desempenho, e a depressão e esgotamento emocional. Além de tais fatores não contemplarem as conceituações mais consensuais que existem na literatura acerca do bem-estar, vale destacar que um deles ainda é negativo.
O mal-estar e o bem-estar são conceitos que, apesar de relacionados, possuem antecedentes e consequentes distintos entre si (Ferreira, Souza & Silva, 2012). Nesse sentido, salienta-se que, dentro da perspectiva da Psicologia Organizacional Positiva, é necessário que os instrumentos direcionados para a avaliação do bem-estar estejam estruturados através de descritores positivos, voltando-se, então, para o desenvolvimento do potencial humano e para a promoção de estratégias que ajudem a tornar as pessoas mais felizes e produtivas, e, ao mesmo tempo, contribuir para o funcionamento saudável dos indivíduos, grupos e instituições (Dessen, 2010).
Dentre os instrumentos que se propõem a medir o bem-estar levantados na pesquisa, o QSG-12 adaptado e validado por Borges e Argolo (2002) foi o mais antigo. Nesse sentido, percebe-se que, de maneira coerente com a maior difusão da Psicologia Positiva, os instrumentos que foram detectados após esta data, já apresentam uma determinação mais explícita de mensuração do bem-estar a partir de fatores positivos, não relacionados ao adoecimento. Entretanto, esta influência ainda não está completamente sedimentada, posto que em 2012, também é possível encontrar a escala de Bem-estar Laboral Geral (BLG), proposta por Goulart Blanch, Sahagún, e Bobsin (2012), que avalia o bem-estar a parte de dois macrofatores que representam as facetas positiva (denominada de bem-estar psicossocial) e negativa (denominada de efeitos colaterais) do fenômeno.
No ano de 2008, identifica-se a publicação de três escalas para mensuração do bem-estar relacionado ao trabalho: a Escala de Bem-Estar Afetivo no Trabalho (JAWS), proposta por Gouveia, Fonseca, Lins, Gouveia, e Gouveia (2008); a Escala de Afetos no Trabalho (ESAFE), proposta por Ferreira, Silva, Fernandes, e Almeida (2008); e a Escala de Bem-estar no Trabalho (EBET), proposta por Paschoal e Tamayo (2008). Interessa notar que todas elas incluem entre os fatores básicos de avaliação do bem-estar os afetos (positivos e negativos), explicitando a influência da concepção hedônica do bem-estar nestas medidas. Entretanto, além destes fatores, a EBET (Paschoal & Tamayo, 2008) apresenta ainda a dimensão "expressividade/realização no trabalho", a qual busca sintetizar a busca pelo desenvolvimento e pela realização pessoal que são dimensões características da perspectiva eudaimônica do bem-estar.
No que tange à EBET (Paschoal & Tamayo, 2008), cabe ressaltar ainda que houve uma aceitação bastante positiva da sua estrutura na literatura nacional, uma vez que é possível encontrar uma diversidade de estudos empíricos que usam a escala como meio de acessar o fenômeno do bem-estar no trabalho. Inclusive, esta escala já foi validada para uso fora do país (Demo & Paschoal, 2016), o que agrega ainda mais indícios para a sua estabilidade. Além de apresentar indicadores psicométricos satisfatórios, a EBET agrega como vantagem a possibilidade de mensurar, a partir de um único instrumento, tanto o bem-estar hedônico quanto o eudaimônico, ainda que nem todas as dimensões do último conceito sejam contempladas na medida.
A escala de indicadores de bem-estar pessoal nas organizações (IBEPO) foi proposta por Dessen e Paz (2010), sendo a que apresenta maior quantidade de dimensões utilizadas para acessar o fenômeno, seguida pela Escala de Dimensões Organizacionais da Qualidade de Vida e Bem-Estar no Trabalho (EDOQVBET) de Silva e Ferreira (2013). Ressalta-se que ambas as escalas têm em comum o fato de serem voltadas para a avaliação do bem-estar em contextos organizacionais. Nesse sentido, ambas apresentam dentre os fatores avaliados dimensões que representam aspectos extrínsecos ao sujeito, relacionados ao retorno financeiro e as condições relativas à realização do trabalho ("salário", "salário e benefícios", "condições de trabalho", "condições físicas e de segurança no ambiente de trabalho").
Segundo Linton et al. (2016), as escalas de bem-estar voltadas para a avaliação de determinantes são compostas por fatores que influenciam como as pessoas pensam e se sentem, enquanto aquelas voltadas para a mensuração de estados apresentam, de forma direta, os pensamentos e sentimentos que a pessoa pode ter a respeito da sua vida, ou, no caso aqui avaliado, a respeito de trabalho. Pode-se problematizar que os fatores mencionados como parte da IBEPO e da EDOQVBET não condizem teoricamente com a definição do bem-estar enquanto estado, mas representam sim antecedentes ou indicadores (determinantes), que podem ajudar a promover esta sensação positiva, estando, assim, mais associados à perspectiva de qualidade de vida no trabalho, que é um conceito que não denota diretamente apenas como a pessoa se sente, mas sim os fatores contextuais que proporcionam avaliações positivas sobre a experiência de trabalho. Tal compreensão é sinalizada pelas próprias autoras das escalas, quando optam por usar os termos "indicadores" (no caso na IBEPO) e "qualidade de vida" (no caso da EDOQVBET).
Ao mesmo tempo, é possível encontrar tanto na escala de Dessen e Paz (2010) quanto na de Silva e Ferreira (2013) dimensões que podem ser classificadas como congruentes com a perspectiva eudaimônica do bem-estar, uma vez que versam não sobre determinantes como os fatores anteriormente mencionados, mas sobre como o trabalhador de fato se sente. É o caso dos fatores que avaliam a realização pessoal através do trabalho, assim como as oportunidades de desenvolvimento e os relacionamentos interpessoais, representados na escala de Silva e Ferreira (2013) sob as denominações de "oportunidades de uso e desenvolvimento das próprias competências", "relacionamento e comunicação entre supervisores e empregados" e "relacionamento interpessoal com os colegas de trabalho", e na escala de Dessen e Paz (2010) sob as denominações de "oportunidades de crescimento", "realização", "relação com a chefia", "relação com colegas" e "relação com clientes". Comparando-os com a tradição teórica do bem-estar eudaimônico, estes fatores podem ser vistos como representantes das dimensões "relações positivas" e "crescimento pessoal" (ver Ahrens & Ryff, 2006; Ryff & Keyes, 1995; Warr, 2007). Ainda congruentes com esta perspectiva, a IBEPO (Dessen & Paz, 2010) apresenta as dimensões de valorização e reconhecimento do trabalho, que podem ser associadas à categoria de "identificação de propósito e significado" (descrita por Ryff & Keyes, 1995; Ahrens & Ryff, 2006).
Numa outra direção, Siqueira, Orengo e Peiró (2014), com base na proposição teórica do construto bem-estar no trabalho de Siqueira e Padovam (2008), elaboram o Inventário de Bem-estar no Trabalho (IBET-13) que, após as análises psicométricas, apresenta dois fatores-chave para o acesso ao bem-estar: "compromisso e satisfação" e "envolvimento com o trabalho". Os próprios autores da IBET-13 descrevem estes fatores como formas de vínculos através dos quais o trabalhador pode experimentar sentimentos e sensações positivas (Siqueira, Orengo & Peiró, 2014). Por conseguinte, conforme já discutido na sessão de análise conceitual, a definição de bem-estar utilizada como base para esta escala compreende a descrição de fenômenos que, conquanto muito próximos ao bem-estar, possuem um escopo diferente. Assim, considera-se que, embora a medida apresente indicadores psicométricos de qualidade, seu uso pode ser restrito quando a intenção de quem a utiliza é acessar diretamente o fenômeno do bem-estar e não seus correlatos.
Por fim, a escala de florescimento no trabalho (EFLOT), desenvolvida por Mendonça et al. (2014), embora não apresente em sua nomenclatura explicitamente a presunção de avaliação do bem-estar, reflete em seu conteúdo aspectos condizentes com a concepção eudaimônica do bem-estar. É interessante destacar que esta escala foi adaptada com base na proposta de Diener et al. (2010), a qual, originalmente, havia sido publicada no ano anterior (Diener et al., 2009). De forma coerente com a análise aqui realizada, em 2009, Diener et al. se referem a este instrumento como uma forma de avaliação do bem-estar psicológico.
A Figura 2 apresenta uma visão geral sobre os aspectos teóricos relativos ao embasamento de cada uma das escalas que foram aqui discutidas.
Em síntese, identifica-se nas escalas a presença de fatores tanto de ordem afetiva quanto de ordem cognitiva para a avaliação do bem-estar, porém nem sempre os fatores/dimensões utilizados para acessar o bem-estar correspondem diretamente a este fenômeno, referindo-se, pelo contrário, a fenômenos correlatos. Na maior parte dos instrumentos, existe um embasamento claro da perspectiva hedônica, sendo que não foi identificado nenhum instrumento para o contexto do trabalho que retratasse exclusivamente a perspectiva eudaimônica do bem-estar. Da mesma forma, a análise geral das escalas demonstra também que nem todas as definições de construtos de bem-estar foram operacionalizadas em forma de medida. É o caso, por exemplo, da definição exposta por Ferreira et al. (2007), que concebe o bem-estar como produto de afetos positivos e negativos, assim como da satisfação no trabalho, para o qual não se encontra um instrumento diretamente utilizado para aferir o fenômeno.
Considerações finais
Conforme demonstrado neste artigo, existe uma grande diversidade de definições e de medidas do bem-estar relacionado ao trabalho. Em alguns casos, terminologias diferentes são utilizadas para designar fenômenos que se fundamentam no mesmo lastro teórico, do mesmo modo em que são usadas nomenclaturas diferentes para designar instrumentos que medem os mesmos fatores. Em contrapartida, muitas vezes termos semelhantes são empregados para descrever fenômenos (e medidas) que se apoiam em aspectos filosóficos e epistemológicos distintos. Esta confusão do campo alerta, de um lado, para o perigo do elastecimento conceitual, que pode levar o termo bem-estar a ser utilizado em situações que vão além do seu escopo de avaliação, e, do outro lado, para o perigo da insuficiência conceitual, uma vez que o uso de definições restritas ou incoerentes pode impedir o acesso à totalidade do fenômeno.
Apesar de existirem estudos que proponham que este fenômeno deve ser compreendido como um conceito superordenado, tanto no campo de estudos do bem-estar geral (por exemplo, Seligman, 2003) quanto no campo do bem-estar específico ao contexto de trabalho (por exemplo, Simone, 2014; Fisher, 2010; Siqueira & Padovam, 2008; Soh, Zarola, Palaiou & Furnham, 2016), sugere-se, aqui, que estas propostas sejam mais extensivamente discutidas e testadas, tanto em termos conceituais quanto operacionais. Quanto maior a amplitude e pluralidade de indicadores que permitem acessar o bem-estar, maior o risco de diminuir a precisão na avaliação deste fenômeno e de outros, igualmente importantes para o campo da Psicologia Organizacional Positiva (como o engajamento no trabalho e o comprometimento organizacional, por exemplo), que não divergem completamente da concepção de bem-estar relacionado ao trabalho, mas que podem, na prática, representar variáveis à parte.
Respeitando a complexidade da tarefa de analisar as similaridades e as diferenças entre estes conceitos, o estudo aqui desenvolvido não pretende esgotar a discussão a respeito das diversificadas possibilidades de conceber e, consequentemente, de mensurar o bem-estar relacionado ao trabalho. Outrossim, ressalta a importância de que mais estudos, primeiramente de natureza teórica, e em seguida de natureza empírica, dediquem-se a reunir informações mais claras e detalhadas a respeito deste fenômeno.
Entende-se que o mapeamento e a comparação de medidas que, intituladamente, avaliam o bem-estar no contexto de trabalho no Brasil servem, então, como contribuições iniciais para um longo caminho a ser percorrido, que auxiliará os pesquisadores a utilizarem critérios de escolha dos instrumentos que considerem, acima de tudo, a fundamentação teórica que os embasa, e não fatores secundários, tais como os elencados por Linton et al. (2016), quais sejam: familiaridade, frequência de uso por outros pesquisadores. Ao mesmo tempo, entende-se que este movimento de avaliação das medidas existentes é importante para que não sejam criados instrumentos novos indiscriminadamente quando há opções disponíveis na literatura que são adequadas.
Neste sentido, como agenda de pesquisa, sugere-se, por exemplo, estudos que conduzam meta-análises que comparem dados empíricos coletados a partir de diferentes instrumentos de bem-estar, a fim de verificar aspectos de validade convergente e discriminante entre os construtos, podem trazer excelentes contribuições para o melhor refinamento metodológico e teórico do campo. Também se considera importante, conforme já vem sendo ressaltado por outros pesquisadores da área (por exemplo, Page & Vella-Brodrick, 2009), que existam pesquisas que busquem combinar o uso de construtos de bem-estar relacionados ao contexto geral (como o bem-estar subjetivo e/ou psicológico) e de construtos específicos ao contexto (como o bem-estar no trabalho), comparando seus efeitos e padrões de relação com diferentes tipos de fenômenos.
O desenvolvimento de novos estudos desta natureza pode melhor instrumentalizar profissionais a promoverem mudanças que tornem a vivência deste fenômeno mais intensa e mais presente para os trabalhadores. Assim, enfatiza-se que a investigação deste fenômeno é legítima não apenas porque a compreensão sobre o "funcionamento ótimo" dos trabalhadores pode beneficiar potencialmente as organizações, mas também porque buscar a melhoria, a felicidade e a saúde dos trabalhadores são objetivos legítimos por si sós (Panaccio & Vandenberghe, 2009; Wright, 2003).
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Endereço para correspondência:
Laila Leite Carneiro
laila_carneiro@hotmail.com
Antônio Virgílio Bittencourt Bastos
antoniovirgiliobastos@gmail.com
Submetido em: 12/04/2019
Revisto em: 16/07/2019
Aceito em: 04/08/2019