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Pesquisas e Práticas Psicossociais
On-line version ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.10 no.2 São João del-Rei Dec. 2015
ARTIGOS MULTITEMÁTICOS
Intervenção para promover habilidades sociais e reduzir problemas de comportamento de crianças em um núcleo social
Intervention to promote social skills and to reduce child behavior problems in a social group
Intervención para mejorar las habilidades sociales y reducir los problemas de comportamiento infantil un núcleo social
Saulo Valmor BatistaI; Edna Maria MarturanoII
IMestre em Psicologia pela Universidade do Estado de São Paulo
IIGraduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professora titular da Universidade de São Paulo, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
RESUMO
O objetivo do estudo foi verificar o potencial de um programa para expandir habilidades sociais e reduzir problemas de comportamento em crianças que são frequentadoras regulares de atividades educativas no contraturno da escola. Participaram 22 crianças de seis a nove anos, em núcleo de convivência mantido por organização não governamental. Foram formados dois grupos por critério de conveniência: Grupo de Intervenção - GI (n = 12) e Grupo de Comparação - GC (n = 10). Para avaliar os efeitos da intervenção foi utilizado o instrumento Social Skills Rating System. Antes e depois da intervenção com GI, as crianças se avaliaram e foram avaliadas por uma das monitoras, quanto a suas habilidades sociais e problemas de comportamento. Em seguida GC recebeu a intervenção e os dois grupos foram avaliados novamente. Os resultados não evidenciaram efeitos do programa. Foram encontrados indícios de progresso nas habilidades sociais, sem relação direta com a intervenção.
Palavras-chave: Problemas de Comportamento Infantil; Intervenção; Organização não Governamental; Habilidades Sociais.
ABSTRACT
The aim of the study was to investigate the potential of a program to improve social skills and to reduce behavior problems in children who regularly attend afterschool activities. The participants were 22 children with 6-9 years of age attending a community center maintained by a non-governmental organization. Two groups were formed by convenience: Intervention Group - GI (n = 12) and Comparison Group - GC (n = 10). To measure the effects of the intervention, the Social Skills Rating System was used. Before and after the intervention in GI, the children evaluated themselves and were evaluated by one of the monitors, with respect to their social skills and behavior problems. Then GC received the intervention and the two groups were assessed again. The results did not demonstrate the effects of the program. Some evidence of progress in social skills was found, not directly related to the intervention.
Keywords: Child behavior problems; Intervention; Non-governmental organization; Social skills.
RESUMEN
El objetivo fue evaluar un programa para ampliar las habilidades sociales y reducir los problemas de conducta en niños frecuentadores de actividades educativas en el contraturno escolar. Participaron 22 estudiantes de 6-9 años que asisten a un núcleo de vida mantenido por una organización no gubernamental. Dos grupos fueron formados por criterio de conveniencia: Grupo de Intervención - GI (n = 12) y Grupo de comparación - GC (n = 10). Los efectos de la intervención fueron evaluados con el Social Skills Rating System. Antes y después de la intervención con GI, los participantes evaluaran sus propias habilidades sociales y fueron evaluados por uno de los monitores, a respecto de sus habilidades sociales y problemas de conducta. Entonces GC recibió la intervención y los dos grupos fueron evaluados nuevamente. Los resultados no mostraron efectos del programa. Se encontró evidencia de progreso en las habilidades sociales, no relacionado con la intervención.
Palabras clave: Problemas de Comportamiento Infantil; Intervención; Organización no Gubernamental; Habilidades Sociales.
Núcleos de convivência social, com a oferta de atividades educativas no contraturno da escola, têm sido reconhecidos por sua potencialidade educativa, conforme enfatizado por Guará (2009). Essa autora assinala a flexibilidade da educação não formal para atender demandas específicas da população-alvo. Trata-se de serviços livres de pagamento por parte da clientela, mantidos por organizações não governamentais (OnG), visando à socialização de crianças e adolescentes de seis a 14 anos em áreas urbanas habitadas por famílias de baixa renda. Profissionais vinculados a serviços de educação não formal dessa natureza têm a possibilidade de planejar livremente suas propostas de atividades educativas. Essa circunstância, dada a maior vulnerabilidade para problemas de comportamento na população infantil em desvantagem econômica (Mrazek & Haggerty, 1994), coloca os núcleos de convivência social em posição privilegiada para implementação de práticas promotoras do desenvolvimento psicossocial e prevenção de problemas de saúde mental na sua clientela.
No entanto, são escassos os estudos realizados na área de psicologia que tenham por objetivo fornecer ferramentas para uso dos profissionais que atuam nesse contexto. Uma exceção é a iniciativa recente de Costa e colaboradores (Costa, 2010; Costa, Williams & Cia, 2012). Essas autoras realizaram um estudo em núcleo de convivência mantido por uma OnG, com o objetivo de avaliar os efeitos de uma intervenção, com monitores, sobre os problemas de comportamento de crianças escolares. A intervenção constou de duas fases. A primeira, de capacitação, tinha por objetivo ensinar aos monitores práticas educativas para lidar com problemas de comportamento das crianças. A segunda fase, de consultoria, teve como objetivo consolidar informações e orientações dadas durante a capacitação, bem como planejar generalização dos resultados. Além disso, visou, ainda, reelaborar e implementar diretrizes de funcionamento interno da OnG e colaborar com a organização de rotina, horário e planejamento das atividades desenvolvidas. A intervenção foi eficaz para minimizar problemas de comportamento e maximizar comportamentos pró-sociais e habilidades sociais das crianças.
O trabalho de Costa e colaboradores é exemplar, dado que promoveu mudanças na instituição, compreendendo medidas organizacionais associadas à capacitação dos monitores, o que pode ter contribuído substancialmente para a generalização e a manutenção dos ganhos obtidos. No entanto, na realidade do trabalho cotidiano em instituições, nem sempre há espaço para intervenção em nível institucional. Estudos brasileiros visando prevenir problemas de comportamento em espaços institucionais se limitam, em geral, a um trabalho com crianças. Uma breve revisão do tema é apresentada nos próximos parágrafos.
A literatura confirma amplamente a presença de problemas de comportamento na infância como um fator de risco para dificuldades adaptativas posteriores. Crianças que apresentam altos índices de comportamento agressivo na primeira infância estão em risco de menor competência acadêmica e social (Burt & Roisman, 2010; Chen, Huang, Chang, Wang & Dan, 2010). Além disso, têm mais possibilidade de desistir da escola e de ser indicados para serviços de educação especial e de saúde mental (Patterson, Reid & Dishion, 2002).
Problemas de comportamento podem ser classificados em dois grandes grupos: os externalizantes (que se expressam predominantemente em relação a outras pessoas) e os internalizantes (que se expressam predominantemente em relação ao próprio indivíduo; Del Prette & Del Prette, 2005). Comportamentos internalizantes são evidenciados por retraimento, depressão, ansiedade e queixas somáticas. Em contraposição, comportamentos externalizantes são marcados por impulsividade, agressão, agitação, características desafiantes e antissociais. Assim, os dois grupos de comportamento dificultam o desenvolvimento psicossocial da criança: por um lado, os internalizantes podem privar a criança de interagir com o ambiente, isto é, o indivíduo pode evitar iniciar interação com pares ou adultos (Bolsoni-Silva, Marturano, Pereira & Manfrinato, 2006); por outro lado, os externalizantes podem gerar conflitos e provocar rejeição de pais, professores e colegas (Patterson et al., 2002; Marinho, 2003).
Estudos sugerem que o desenvolvimento de habilidades sociais na infância constitui um fator de proteção contra a ocorrência de comportamentos antissociais (Baraldi & Silvares, 2003; Marinho, 2003; Fariz, Mias & Moura, 2005; Koch & Gross, 2005). Habilidades Sociais (HS) são entendidas como comportamentos aprendidos, apresentados pelo indivíduo diante das demandas de uma situação interpessoal. Podem ser ensinadas, aprimoradas e generalizadas por meio de procedimentos baseados em princípios de aprendizagem (Del Prette & Del Prette, 2005). Um repertório elaborado de HS tem sido considerado como importante fator de saúde psicológica, associado à aprendizagem acadêmica, ao exercício da cidadania e ao sucesso pessoal e profissional (Del Prette, Del Prette, Oliveira, Gresham & Vance, 2012; Gresham & Elliot, 1987).
Assim, tem havido grande interesse em propor, avaliar e implementar programas voltados para a promoção de HS no contexto das escolas. Dado que tanto as escolas como as instituições que oferecem atividades no contraturno escolar são ambientes coletivos, tal similaridade levou os autores deste artigo a considerar esses programas como possíveis alternativas para subsidiar o trabalho do psicólogo em núcleos de convivência social, no sentido de uma contribuição efetiva para o desenvolvimento psicossocial da clientela.
Programas para desenvolvimento de HS no contexto escolar têm sido propostos por pesquisadores brasileiros (Murta, 2005). Por exemplo, Lopes, Del Prette e Del Prette (2013) avaliaram os efeitos de um programa, baseado nas vinhetas de vídeo do RMHSC-Del-Prette, com o objetivo de ampliar o repertório de comportamentos socialmente habilidosos e aumentar o desempenho acadêmico de crianças com baixo rendimento escolar. Participaram 14 crianças, distribuídas em dois grupos, experimental e controle. As crianças foram avaliadas com o Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais antes e depois de um programa de 22 sessões grupais. O Grupo Experimental apresentou ganhos significativamente maiores que o Grupo Controle em HS e no desempenho acadêmico.
Dias (2012) investigou a efetividade de um programa de leitura dialogada de livros infantis, para a promoção de habilidades sociocognitivas, redução de problemas comportamentais e aumento das HS das crianças. Participaram 45 alunos, da última etapa da educação infantil, e duas professoras como informantes. Os resultados demonstraram efeitos positivos da intervenção; as crianças, depois de passarem pelo programa, ampliaram suas HS, ao passo que reduziram a hiperatividade e os problemas de relacionamento.
Tanto o programa de Dias (2012) como o de Lopes e colaboradores (2013) tiveram a sua validade interna verificada por meio de comparação de grupos com pré-teste e pós-teste. Dentro dos limites de um delineamento com grupos não randomizados, as mudanças observadas em ambos os estudos puderam ser atribuídas à intervenção.
Uma intervenção com diversos estudos conduzidos no Brasil é o programa Eu Posso Resolver Problemas - EPRP (Shure, 2006), uma proposta de intervenção com suficiente documentação disponível, permitindo seu uso imediato. Segundo Elias, Marturano e Motta-Oliveira (2012), em sua revisão sobre estudos com o EPRP no Brasil, o programa visa desenvolver uma classe específica de HS, as chamadas habilidades de solução de problemas interpessoais (HSPI), definidas em cinco categorias: 1. pensamento meios-fins ou planejamento sequencial ˗ habilidade de criar um plano para atingir uma meta estabelecida; 2. pensamento de soluções alternativas ˗ habilidade para gerar soluções que podem ser colocadas em ação para resolver um problema; 3. pensamento consequencial ˗ habilidade para antecipar o que pode acontecer depois, como resultado da realização de uma solução concebida para um problema; 4. consciência ou sensibilidade em relação ao seu próprio sentimento e ao sentimento dos outros; 5. pensamento causal ˗ habilidade de entender o que precipitou um ato (Shure, 2006).
O programa original, elaborado para ser utilizado por professores em sala de aula, está descrito em um manual ilustrado, disponível em português (Shure, 2006). Borges e Marturano (2002) aplicaram o EPRP em uma escola pública do interior de São Paulo, visando prevenir dificuldades de relacionamento. Participaram os alunos de duas turmas da antiga 1ª série do ensino fundamental. O programa foi aplicado a uma das turmas durante cinco meses, por uma das pesquisadoras, que era também a professora das crianças. As sessões eram ministradas duas a três vezes por semana, com duração de 15 a 20 minutos. A intervenção compreendeu os três componentes inclusos no manual do programa: lições formais, diálogo EPRP e integração no currículo. Nas comparações entre as turmas antes e depois da intervenção, verificou-se aumento significativo nas habilidades de solução de problemas interpessoais na turma exposta ao programa. Nessa turma, houve redução da participação em conflitos na sala de aula, por parte das crianças que antes do programa eram as mais envolvidas em conflitos.
Borges e Marturano (2009) realizaram um novo estudo utilizando o EPRP em uma intervenção multimodal, incluindo ensino de habilidades de solução de problemas interpessoais, valores humanos e autocontrole emocional, em uma classe de 1ª série com 30 alunos. O desempenho pró-social e a percepção de estressores dos participantes foram avaliados antes e depois da intervenção, sendo os conflitos registrados em um diário de campo. Houve redução nos conflitos interpessoais registrados no diário de campo e aumento no indicador pró-social. Comparadas a um grupo de 31 alunos que não passaram pela intervenção, as crianças apresentaram melhor desempenho pró-social e menor suscetibilidade a situações estressantes. Assim, o programa contribuiu efetivamente para melhorar os relacionamentos entre as crianças.
As pesquisas de Borges e Marturano (2002; 2009) conferem aos programas avaliados alguma validade interna e externa. Interna, já que realizaram comparação de grupos em avaliações pré e pós-intervenção, ainda que com grupos não randomizados; e externa, porque a intervenção foi conduzida pelo próprio professor na sala de aula.
Rodrigues, Dias e Freitas (2010) aplicaram o EPRP em uma escola pública de Minas Gerais, que havia solicitado ajuda para duas turmas de 1º ano que apresentavam problemas de comportamento e conflitos interpessoais. Participaram 30 crianças. O programa foi ministrado durante um semestre, fazendo parte do currículo escolar. Os encontros foram semanais com a duração de uma hora, perfazendo 15 semanas. Foram feitas quatro reuniões de orientação aos pais das crianças. Os resultados indicaram aumento de algumas habilidades, como empatia, assertividade, expressão de sentimento positivo, civilidade e responsabilidade.
Apesar de ter sido elaborado para uso no ambiente escolar, o EPRP se mostrou adequado para aplicação em contexto clínico, mediante adaptações descritas por Motta (2003). Aplicado a crianças com queixa escolar associada a problemas de comportamento em nível clínico, o EPRP obteve maior redução dos problemas de comportamento, em comparação a uma intervenção com foco nas dificuldades acadêmicas. Esse resultado se manteve seis meses após o término da intervenção, no único estudo brasileiro de seguimento com o EPRP (Elias & Marturano, 2014).
No presente estudo, tendo em vista os resultados sobre o uso do EPRP em escolas brasileiras, optou-se por uma intervenção que associasse o ensino de HSPI com a reflexão sobre valores humanos, já que essa combinação parece ter sido mais efetiva que o uso isolado do EPRP em contexto escolar (Borges & Marturano, 2009). Desse modo, o programa de intervenção focalizado neste estudo foi composto pelo currículo EPRP, acrescido de um módulo de iniciação aos valores humanos (Borges & Marturano, 2009), trabalhado por meio de histórias infantis e desenhos animados educativos.
Devido à carência de estudos na área de psicologia que tenham por objetivo fornecer ferramentas para uso dos profissionais que atuam em núcleos de convivência social com crianças, bem como a falta de pesquisas desenvolvidas nesse contexto, é importante identificar condições que possam contribuir para a eficácia do trabalho do psicólogo com essa população. Esforços nessa direção devem preencher a lacuna na formação dos psicólogos e possibilitar que profissionais que atuam nesse contexto disponham de recursos para atender à demanda.
Método
Contexto da pesquisa
A pesquisa foi realizada em um núcleo de convivência e fortalecimento de vínculos, em uma cidade de aproximadamente 650.000 habitantes no estado de São Paulo. O núcleo é mantido por OnG, em área com indicadores de pobreza urbana. As circunstâncias só permitiam um trabalho dentro de uma das oficinas oferecidas pela OnG, coordenada pelo primeiro autor. Foi feita então uma intervenção direta com as crianças, alternativa que seria viável nas condições de trabalho que se apresentavam.
Delineamento
O estudo tem um desenho quase experimental, com grupos não randomizados e avaliações pré e pós-intervenção. Desenvolveu-se em quatro etapas: a) avaliação pré-intervenção no Grupo de Intervenção - GI e, simultaneamente, avaliação pré-espera no Grupo de Comparação - GC; b) aplicação do programa no GI; c) avaliação pós- intervenção no GI e pré-intervenção no GC; d) avaliação de seguimento no GI e pós-intervenção no GC. Esse delineamento foi adotado para assegurar algum grau de validade interna ao estudo, no sentido de que as mudanças observadas nas variáveis de interesse pudessem ser atribuídas antes à intervenção que a outras variáveis, como o aprendizado de respostas socialmente desejáveis pela repetição das avaliações no GI.
Participantes
Participaram 22 crianças com idades entre seis e nove anos, em dois grupos: Grupo de Intervenção (GI), constituído pela totalidade de educandos de uma turma, em número de 12; Grupo de Comparação (GC), composto por 10 educandos de outra turma. Essas turmas incluem as crianças com menor idade que frequentam a instituição no período da manhã. O grupo de intervenção foi constituído por seis meninas e seis meninos, com idades entre seis e oito anos (M=7, DP=0,73). O grupo de comparação era formado por quatro meninas e seis meninos, com idades entre sete e nove anos (M=8,4 DP=0,69). A comparação dos grupos por meio do teste U, de Mann-Whitney, indicou que eles não eram equivalentes quanto à idade (Z = 3,33, p = 0,001) e série cursada (Z = 3,29, p = 0,001).
Além das crianças, participou como informante uma das monitoras. Ela concluiu curso superior, trabalhava há cerca de um ano na instituição, coordenava a oficina de música e passava aproximadamente seis horas semanais com as crianças.
Instrumento
Foi utilizado o Social Skills Rating System (SSRS-BR), versão brasileira (Bandeira, Del Prette, Del Prette & Magalhães, 2009). É um sistema de avaliação de habilidades sociais que inclui ainda medidas de comportamentos problemáticos e de competência acadêmica de crianças do ensino fundamental. O SSRS inclui três questionários de avaliação, destinados à criança, aos pais e ao professor. Nesta pesquisa foram utilizadas as versões para a criança e para o professor.
A versãodo aluno é composta somente pela Escala de Habilidades Sociais, com 34 itens avaliados em termos de frequência e distribuídos em seis fatores: Responsabilidade (sete itens); Empatia (quatro itens); Assertividade (sete itens); Autocontrole (quatro itens); Evitação de Problemas (seis itens); Expressão de Sentimento Positivo (quatro itens). As alternativas de respostas estão dispostas em uma escala tipo Likert, que varia de 0 a 2 (0= nunca, 1= algumas vezes e 2= muito frequente). A escala apresentou índices satisfatórios de consistência interna (alfa de Cronbach = 0,78) e estabilidade temporal (r = 0,78; Bandeira et al., 2009).
A versão do professor é composta por três escalas: uma que avalia as HS, outra que avalia os comportamentos problemáticos e uma terceira escala, não utilizada neste estudo, que avalia a competência acadêmica dos alunos. A Escala de Habilidades Sociais contém 30 itens. Essa escala compreende cinco fatores: Responsabilidade/Cooperação (15 itens), Asserção Positiva (nove itens), Autocontrole (nove itens), Autodefesa (três itens), Cooperação com Pares (quatro itens). A escala de Habilidades Sociais apresentou índices satisfatórios de consistência interna (α = 0,94) e estabilidade temporal (r = 0,71; Bandeira et al., 2009).
A Escala de Problemas de Comportamento é composta por 18 itens que avaliam a frequência de problemas de comportamento em dois fatores: problemas externalizantes (13 itens) e problemas internalizantes (seis itens). Os itens têm alternativas de resposta em uma escala que varia de 0 a 2 (0= nunca, 1= algumas vezes e 2= muito frequente). Seus índices de confiabilidade foram satisfatórios, com α = 0,91 para consistência interna e r = 80 para estabilidade (Bandeira et al., 2009).
Aspectos éticos
Foi solicitada autorização na instituição onde seria realizada a pesquisa. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP (processo nº 97.672 CAEE nº 01608812.1.0000.5407). Os pais ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As crianças deram seu consentimento verbal.
Procedimentos de Coleta de Dados e Intervenção
No ano que precedeu a coleta de dados para esta pesquisa, o primeiro autor conduziu um estudo piloto, aplicando o programa em duas turmas na mesma faixa etária das turmas pesquisadas, no período da tarde. O piloto serviu para treinamento do aplicador e para ajustes no esquema de administração das atividades.
Antes da intervenção com GI, as crianças de GI e GC foram avaliadas. GI recebeu a intervenção durante os meses de outubro e novembro de 2012. Após a intervenção com GI, os dois grupos foram reavaliados. Entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2013, GC recebeu a intervenção, com uma interrupção de duas semanas devido ao recesso das festas de fim de ano. Em fevereiro, os dois grupos foram avaliados novamente. Nesse momento, se deu a avaliação pós-intervenção de GC e o seguimento de GI, três meses após a conclusão da intervenção nesse grupo.
Os dois grupos, GI e GC, foram avaliados por meio do SSRS-BR. As crianças e a monitora responderam às versões do instrumento, destinadas, respectivamente, à autoavaliação e à avaliação pelos professores. As autoavaliações foram realizadas individualmente pelas crianças, com a assistência do primeiro autor, em sala reservada do núcleo. A criança recebia orientações sobre o instrumento e em seguida o pesquisador realizava a leitura dos itens um a um, solicitando a resposta. A monitora, por ocasião das suas avaliações, recebia uma pasta com foto de cada criança para que pudesse observar o rosto de cada participante enquanto respondia ao instrumento, visando a sua melhor identificação.
No momento da intervenção, o primeiro autor, que aplicou o programa, trabalhava na OnG havia um ano e meio, como coordenador da Oficina de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Nessa função, mantinha contato cotidiano com as crianças participantes do estudo. O programa de intervenção foi administrado em 20 sessões de duas horas, em média duas vezes por semana, durante as atividades da Oficina de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Desse modo, assegurou-se a validade externa do estudo, em termos de implementação da intervenção em contexto de vida real, no cotidiano dos participantes (Schutz, Rivers & Ratusnik, 2008).
A intervenção foi composta por dois módulos, o currículo EPRP (Shure, 2006) e um módulo de iniciação aos valores humanos. O currículo EPRP foi aplicado em 14 sessões, agrupadas em dois conjuntos. No primeiro, as crianças aprendiam habilidades sociais de reconhecimento de pistas sociais, reconhecimento das emoções em si e nos outros, autorregulação emocional e empatia. No segundo, trabalhavam especificamente as habilidades de solução de problemas interpessoais, tais como pensar em mais de uma solução, considerar as consequências e decidir que solução tomar. Em cada encontro eram realizadas cerca de sete lições do currículo.
Os temas são apresentados em um manual com 83 lições interativas, baseadas em atividades lúdicas como desempenho de papéis, dramatizações e desenhos. Cada lição tem objetivo definido, lista de materiais e guia de aplicação. O currículo subdivide-se em duas partes, por meio de passos graduados em níveis crescentes de complexidade. Na primeira parte, apresenta-se um vocabulário básico de resolução de problemas e se exercitam habilidades sociais como o reconhecimento de pistas sociais, o reconhecimento das emoções em si e nos outros, a autorregulação emocional e a empatia. A criança aprende a sequenciar ações e situá-las em momentos apropriados. A segunda parte focaliza habilidades de solução de problemas interpessoais, como pensar em mais de uma solução, considerar as consequências, decidir que solução tomar (Shure, 2006).
O módulo de Iniciação aos Valores Humanos era composto por seis temáticas e foi aplicado em seis sessões, com apoio em vinhetas de animações e narrativa dialogada de contos infantis. Os temas foram escolhidos a partir de observações prévias das crianças nas oficinas de fortalecimento de vínculos. Em cada sessão, a apresentação do tema era entremeada com pausas para questionamento aos participantes sobre o que os personagens poderiam estar pensando ou sentindo em determinados momentos; ao fim da história, as crianças eram instigadas a pensar em fins alternativos.
No primeiro encontro sobre valores humanos, foi trabalhado o tema respeito às diferenças, com a leitura do livro "Biscoito, o amigo dos ratos" de Becky Bloom. No segundo, o tema foi a cooperação, introduzido com o desenho animado "Festa na Caverna" (DVD "Os Backyardigans - Festa na Caverna"). No terceiro encontro foram realizadas atividades com o tema honestidade e as crianças participaram da contação de história do livro "Não fui Eu!", de Brian Moses e Mike Gordon. No quarto encontro, o tema tratado foi o respeito; as crianças assistiram ao vídeo "A Princesa do Egito (DVD "Os Backyardigans - Os fantasminhas"). No quinto encontro, foi abordado o tema sinceridade, com o filme "Pinóquio", da Disney, e no sexto e último encontro o tema foi a solidariedade, com o vídeo "A grande corrida" (DVD "Os Backyardigans - Festa na Caverna").
Durante a condução do programa, foi possível perceber, em ambos os grupos, um intenso interesse por parte das crianças, revelado na sua disposição para participar das atividades, rodas de conversa e diálogos. A adesão ao programa foi satisfatória, pois, com exceção de três crianças do GC, as demais compareceram a pelo menos 85% das sessões.
Nas duas fases de intervenção, com GI e com GC, o grupo que recebia as intervenções permanecia com o pesquisador duas horas semanais. No mesmo período, o grupo que não recebia a intervenção passava uma hora por semana com o pesquisador, realizando outras atividades lúdicas, como desenho e pintura, dentro da sala, ou brincadeiras coletivas no playground.
Análise dos dados
A investigação da efetividade do programa foi realizada por meio de comparações entre diferentes etapas da avaliação dentro de cada grupo, bem como comparações entre grupos em cada etapa. Para verificar variações entre etapas no GI, foram feitas as seguintes comparações: pré-intervenção × pós-intervenção, pós-intervenção × seguimento, pré-intervenção × seguimento. No GC, foram comparadas as avaliações pré-espera × pré-intervenção, pré-intervenção × pós-intervenção, pré-espera × pós-intervenção. As comparações entre GI e GC incidiram sobre cada momento da avaliação, ou seja, outubro de 2012, dezembro de 2012 e fevereiro de 2013.
Dado o pequeno número de participantes, utilizaram-se testes não paramétricos. O teste de Wilcoxon foi aplicado para comparação entre etapas de avaliação em cada grupo, consideradas duas a duas. O teste U de Mann-Whitney foi empregado para comparações entre GI e GC nos três momentos de avaliação. Para análise dos dados, foi utilizado o software SPSS for Windows, versão 21.
Resultados
As estatísticas descritivas referentes à avaliação da monitora são apresentadas nas Tabelas 1 e 2. Os resultados das comparações dentro de cada grupo, por meio do teste de Wilcoxon, são descritos no texto. Para GI (Tabela 1), não houve diferença estatisticamente significativa entre a pré-intervenção e a pós-intervenção, exceto um aumento dos problemas internalizantes (Z = 2,532, p = 0,011). Na comparação entre os resultados de pós-intervenção e seguimento, foi notado um aumento significativo em responsabilidade/cooperação (Z = 2,089, p = 0,037) e cooperação com pares (Z = 2,503, p = 0,012), bem como no total de HS (Z = 2,042, p = 0,041).
Nos três momentos da avaliação, as médias de problemas de comportamento de GI estão acima dos valores de referência do SSRS-BR, indicados na segunda coluna da Tabela 1. As médias dos problemas externalizantes são cerca de três vezes maiores que o respectivo valor de referência
Na perspectiva da monitora, ocorreram melhoras estatisticamente significativas em GC (Tabela 2), entre a pré-intervenção e a pós-intervenção, em responsabilidade/cooperação (Z = 2,201, p = 0,028) e cooperação com os pares (Z = 2,410, p = 0,016), bem como no total de HS (Z = 2,032, p = 0,042). Analogamente ao que se observa em GI, a média de problemas internalizantes avaliados pela monitora em GC tende a aumentar, porém não em nível significativo. Também nesse grupo as médias de problemas de comportamento estão acima dos valores de referência da amostra de padronização do SSRS-BR, notadamente para problemas externalizantes.
Nas comparações entre GI e GC, feitas com o teste U em cada momento da avaliação, não foram encontradas diferenças na percepção da monitora. Por economia de espaço, os resultados não são apresentados no texto.
As estatísticas descritivas referentes às autoavaliações das crianças são apresentadas nas Tabelas 3 e 4. Os resultados das comparações entre etapas, dentro de cada grupo, são descritos no texto. Para as crianças de GI (Tabela 3) não se observaram diferenças estatisticamente significativas, embora as médias de quatro entre as seis classes de HS tenham apresentado aumento nominal entre pré-intervenção e pós-intervenção, assim como o total de HS. Na comparação entre a pós-intervenção e o seguimento houve aumento estatisticamente significativo de evitação de problemas (Z = 2,729, p = 0,006). Entre a pré-intervenção e o seguimento, as crianças melhoraram significativamente sua autoavaliação de assertividade (Z = 2,409, p = 0,016), autocontrole (Z = 2,094, p = 0,036) e evitação de problemas (Z = 2,720, p = 0,007).
Em GC, cujos resultados aparecem na Tabela 4, as crianças se avaliaram com pontuação significativamente melhor em assertividade depois da intervenção (Z = 2,200, p = 0,028). Elas também tenderam a se perceber com maior evitação de problemas na avaliação pós-intervenção (Z = 1,735 p = 0,083). Entre a avaliação pré-espera e a avaliação pós-intervenção, aumentaram significativamente as pontuações em autocontrole (Z = 2,070, p = 0,038) e evitação de problemas (Z = 2,038, p = 0,042).
Em ambos os grupos, observa-se diferença estatisticamente significativa nas médias do escore total de HS, entre e primeira e a última avaliação (GI, Z = 2,121, p = 0,034; GC, Z = 2,253, p = 0,024). Essa diferença reflete aumento gradual entre autoavaliações consecutivas.
Nas comparações entre grupos, feitas com o teste U, foram encontradas algumas diferenças estatisticamente significativas, favorecendo GC. Já na primeira avaliação, os participantes de GC se avaliaram com maior autocontrole (U = 27,000 , p = 0,051). Na avaliação após intervenção em GI e após espera em GC, este obteve melhores resultados em empatia (U = 19,500, p = 0,013). Por fim, na avaliação de seguimento de GI e pós-intervenção em GC, foram encontradas médias maiores em GC para empatia (U = 24,500, p = 0,031) e expressão de sentimento positivo (U = 19,000, p = 0,012).
Em conjunto, os resultados indicam baixa eficácia da intervenção. Em contrapartida, foi possível observar melhora nas habilidades sociais das crianças no decorrer do tempo, com melhores resultados no grupo de comparação.
Discussão
A pesquisa teve como objeto de investigação um programa composto pelo currículo EPRP (Shure, 2006), que desenvolve habilidades de solução de problemas interpessoais, associado a um módulo de iniciação aos valores humanos (Borges & Marturano, 2009), utilizando histórias infantis e desenhos animados educativos. Seu objetivo foi verificar o potencial do programa para aumentar habilidades sociais e reduzir problemas de comportamento em crianças que frequentam um núcleo de convivência, situado em área com indicadores de pobreza urbana.
Confirmou-se a situação de risco para problemas de comportamento, associada à desvantagem econômica da região de moradia (Mrazek & Haggerty, 1994). As médias de problemas externalizantes na amostra do estudo foram sensivelmente superiores ao esperado com base no valor de referência do SSRS-BR. Ainda que falte uma comprovação estatística, a constatação de médias até três vezes maiores que o esperado reitera a condição de vulnerabilidade da clientela atendida no núcleo, já que a presença de problemas de comportamento na infância é fator de risco para dificuldades adaptativas ao longo do desenvolvimento (Patterson et al., 2002).
A propósito dos principais resultados da pesquisa, ou seja, aqueles que apontam para ausência de mudanças significativas nas HS e nos problemas de comportamento das crianças, depois da intervenção, é preciso reconhecer inicialmente a menor probabilidade de sucesso de estratégias focadas exclusivamente na criança, quando comparadas a intervenções sistêmicas. O trabalho de Costa e colaboradores (Costa, 2010; Costa, Williams & Cia, 2012), único localizado na literatura nacional em instituição congênere, é um exemplo significativo da vantagem de um trabalho sistêmico, de alcance institucional, dando conta, entre outros, dos aspectos organizacionais que condicionam a atuação dos profissionais e as opções de participação das crianças.
No presente estudo, a possibilidade de se testar uma estratégia estava circunscrita ao uso do tempo em uma das oficinas oferecidas na instituição, portanto, com foco apenas nas crianças. A seleção da estratégia foi apoiada nos resultados de alguns estudos que indicavam efeitos positivos, no comportamento das crianças, de intervenções voltadas para a promoção de HSPI em contexto escolar (Borges & Marturano, 2002, 2009; Rodrigues, Dias & Freitas, 2010). Cabe então buscar explicações para o aparente insucesso da iniciativa descrita nesta investigação. Provavelmente, a ausência de detecção de efeitos decorreu de uma somatória de fatores.
Pode-se pensar em condições de implementação do programa, tais como dimensionamento e distribuição da carga horária, fidelidade de implementação e treinamento do aplicador. Também a oportunidade de generalização das habilidades e conceitos aprendidos para situações de vida real é um fator a ser considerado.
Quanto à carga horária, o programa foi administrado em 20 sessões de duas horas, em média duas vezes por semana, ou seja, teve carga horária total de 40 horas. Outros autores encontraram efeitos benéficos de intervenções com dimensionamento temporal semelhante ao empregado na presente investigação (Dias, 2012; Elias & Marturano, 2014). No entanto, não há como comparar os diversos estudos apenas em termos de carga horária da intervenção, visto que eles diferem em outras condições relevantes para uma análise dos resultados, por exemplo, estratégias de administração dos programas, faixa etária dos participantes, grau de severidade dos problemas de comportamento e contexto de aplicação.
Desse modo, não se pode descartar a possibilidade de que a intervenção avaliada na presente pesquisa tenha sido insuficiente, no que se refere ao tempo, tendo em vista as características da clientela alvo. Pode ser que, em virtude de apresentarem níveis elevados de comportamento externalizante, as crianças do núcleo necessitassem de maior exposição a atividades promotoras de comportamentos prossociais para apresentarem mudanças. Essa possibilidade pode ser verificada empiricamente.
Um segundo conjunto de condições que pode afetar os resultados de uma intervenção se refere à fidelidade da implementação e ao treino do aplicador, aspectos intimamente relacionados. Quanto à implementação, a exposição das crianças ao programa pode ser considerada satisfatória, visto que 19 dos 22 participantes compareceram a pelo menos 85% das sessões de intervenção. Além dos dados de exposição, seria importante dispor de informações sobre a correspondência entre o que foi previsto e o que foi de fato implementado em cada sessão, em termos de detalhamento das atividades desenvolvidas. Como constatado por Borges e Marturano (2002), uma avaliação da fidelidade da implementação pode revelar um processo de aprendizagem do aplicador durante a administração do programa, apesar do treino prévio, o que sugeriria uma capacitação ainda incompleta. Infelizmente, não há registro para permitir tal análise, e isso constitui uma limitação do presente estudo.
O terceiro conjunto de condições a serem consideradas, relacionadas à intervenção em si, com possibilidade de afetar os resultados de uma intervenção, refere-se à oportunidade de generalização das habilidades e conceitos aprendidos para situações de vida real. Para examinar essa questão, é importante considerar as características da intervenção sob análise. Trata-se de um conjunto de dois módulos, ambos com apoio na reflexão sobre situações interpessoais. Ou seja, o programa promove habilidades que facilitam a compreensão empática, a reflexão promotora de autocontrole, o entendimento de situações sociais e a escolha do comportamento apropriado a cada situação, mas ele não treina diretamente as HS (ver, por exemplo, Lopes et al., 2013). Desse modo, a oportunidade para o grupo pensar em soluções alternativas para situações sociais problemáticas de vida real pode ser crítica para o sucesso da intervenção, visto que, quanto mais situações o grupo analisar, maiores as chances de cada criança ampliar o seu leque individual de soluções (comportamentos socialmente habilidosos, pró-sociais) compatíveis com cada situação.
Neste estudo, o psicólogo passava apenas duas horas semanais com as crianças na fase de intervenção, diferentemente de outros, em que o aplicador era o professor de ensino fundamental, que passava cerca de 30 horas por semana com os participantes (Borges & Marturano, 2002, 2009). A convivência entre o aplicador e as crianças nos intervalos entre as sessões do programa não é usual nas propostas de intervenção encontradas na literatura, mas no caso do EPRP é um ingrediente importante para a generalização dos conceitos por parte das crianças, já que permite ao adulto aplicar o "Diálogo EPRP" às situações cotidianas envolvendo conflitos entre os alunos (Borges & Marturano, 2010; Shure, 2006).
Ainda com relação à oportunidade de generalizar o que foi aprendido no programa, uma dificuldade encontrada durante as sessões foi o relato, comum nas falas das crianças, sobre a dificuldade de aplicar em suas famílias os conhecimentos obtidos nas sessões, afirmando que não eram ouvidas e não conseguiam resolver os conflitos de maneira adequada. As crianças diziam que até mesmo na instituição alguns adultos não davam espaço para elas argumentarem ou buscarem uma solução para os problemas interpessoais que aconteciam nas atividades e espaços coletivos. Fatos como esse reforçam a necessidade de intervenções sistêmicas que envolvam todos os integrantes da instituição (Costa, 2010; Costa, Williams & Cia, 2012).
Sintetizando a discussão referente aos motivos pelos quais a intervenção não mostrou efeito benéfico sobre as HS e os problemas de comportamento dos participantes, deve-se reconhecer a impossibilidade de encontrar respostas definitivas a essa questão. É possível que cada um dos fatores citados tenha interferido nos resultados, além de outros, não citados nesta discussão.
Pode-se questionar, por exemplo, se o instrumento escolhido foi sensível para avaliar os comportamentos que foram alvos da intervenção. De fato, o principal alvo do programa, as HSPI, não foi objeto de avaliação. Em contrapartida, é preciso reconhecer a compatibilidade entre as HS avaliadas pelo SSRS-BR e aquelas facilitadas pela intervenção, no que se refere à responsabilidade/cooperação, empatia, autocontrole e cooperação com pares. Na mesma direção, Elias et al. (2012) reportam sensibilidade do SSRS-BR para detectar efeitos do EPRP em contexto escolar (Elias et al., 2012). No entanto, é preciso considerar, em contrapartida, o envolvimento do avaliador na intervenção. No estudo citado por Elias e colaboradores, as próprias professoras avaliaram as HS e aplicaram o programa, o que pode ter induzido um viés positivo nas suas avaliações, o que não ocorreu no presente estudo, em que a monitora não participou da intervenção. Desse modo, não há elementos para uma resposta conclusiva à questão da sensibilidade do instrumento para avaliar os comportamentos que foram alvo da intervenção.
O estudo relatado neste artigo foi uma tentativa de estender a aplicabilidade de uma intervenção escolar ao contexto de um núcleo de convivência, com crianças em situação de risco para problemas de comportamento. Foi possível observar que alguns dos comportamentos avaliados apresentaram melhora ao longo do tempo, sem relação direta com a intervenção.
Na visão da monitora e também na autoavaliação dos alunos, em ambos os grupos, houve aumento significativo no escore total das HS entre a primeira e a última avaliação. Na perspectiva da monitora, esse incremento se explicaria por uma elevação significativa nos escores de responsabilidade/cooperação e cooperação com os pares, em ambos os grupos, entre a segunda e a terceira avaliação, que correspondem às avaliações pós-intervenção e de seguimento no GI e às avaliações pré e pós-intervenção no GC. A cooperação foi um dos temas trabalhados no módulo de iniciação a valores humanos, onde foram realizadas atividades com histórias infantis (desenhos animados e livros). Essas histórias podem ter contribuído para maior compreensão da perspectiva do outro, como afirmado anteriormente por Kalyva e Agaliotis (2009).
O aumento das HS na autoavaliação dos alunos pode ser creditado, em parte, à percepção de melhora no autocontrole, observada em ambos os grupos entre o início e o término da coleta de dados. Na instituição onde o estudo foi conduzido, são perceptíveis as dificuldades de crianças e jovens para prestar atenção nas atividades devido ao seu baixo autocontrole, sendo comum monitores recorrerem aos profissionais da equipe técnica solicitando apoio para lidar com essa situação. Durante as intervenções, o pesquisador buscou dar a maior ênfase possível a esse tema, procurando sensibilizar as crianças para os benefícios de melhorarem seu autocontrole. Apesar de as crianças se perceberem com maior autocontrole, tal fato não foi notado pela monitora. Possivelmente ela percebeu maior autocontenção das crianças e analisou esse fato como um aumento dos problemas internalizantes, resultado significativo para o GI.
Diversas interpretações podem ser dadas aos resultados de aumento das HS ao longo do tempo, sem relação direta com a intervenção. A possibilidade a ser considerada em primeiro lugar, por sua relevância, é a de uma influência positiva da participação nas atividades do núcleo. Ou seja, a frequência regular ao núcleo pode estar proporcionando às crianças oportunidades de aprimorarem suas HS no contato cotidiano com colegas e adultos, por meio de mecanismos de aprendizagem tais como modelação, seguimento de instruções, prática, feedback positivo, etc. Desse modo, ao propiciar o desenvolvimento de HS, a instituição supre as crianças com um importante fator de proteção contra a ocorrência de dificuldades de aprendizagem (Del Prette et al., 2012) e de comportamentos antissociais (Baraldi & Silvares, 2003; Marinho, 2003; Fariz, Mias & Moura, 2005; Koch & Gross, 2005), contribuindo, talvez, para trajetórias mais favoráveis ao sucesso pessoal e profissional, bem como ao exercício da cidadania (Del Prette et al., 2012; Gresham & Elliot, 1987).
Uma circunstância que pode ter contribuído para melhores resultados em HS na última avaliação está relacionada à época em que os dados foram colhidos. Depois de duas semanas de recesso no período das festas de fim de ano, é possível que tanto as crianças como os adultos tenham retornado às atividades do núcleo com melhor disposição geral em relação a si e aos outros; essa disposição pode ter influenciado as avaliações com um viés positivo. Trata-se de mera conjectura, até porque há um problema que impede a aplicação dessa hipótese explicativa ao conjunto dos resultados: seria preciso explicar por que apenas a avaliação de HS foi sensível a uma possível disposição mais otimista da monitora na volta do recesso, já que a avaliação dos problemas de comportamento não mudou nesse momento. Desse modo, a segunda explicação não exclui a primeira, que atribui as melhoras observadas a um efeito positivo da permanência das crianças na instituição.
Considerações finais
O presente estudo foi conduzido a fim de avaliar a efetividade de um programa para aumentar o repertório de HS e reduzir os problemas de comportamento em crianças que frequentam um núcleo de convivência. Devido à ausência de efeitos relacionados ao programa, foram feitas algumas suposições sobre as condições que poderiam ter contribuído para a falta de efetividade da intervenção.
A essas condições devem ser acrescentadas as limitações metodológicas, algumas já mencionadas na discussão, visto que podem ter afetado a sensibilidade dos procedimentos para capturar eventuais efeitos da intervenção. Cabe mencionar a não equivalência entre GI e GC, em termos de idade e escolaridade. Essa circunstância pode ter contribuído para as diferenças observadas nos níveis de HS autoavaliadas pelas crianças dos dois grupos, desde a primeira avaliação, no sentido de autoavaliações mais positivas das crianças do GC, mais velhas e com mais escolaridade. No contexto da pesquisa, não teria sido possível alterar o quadro, visto que os grupos foram constituídos com base na organização das turmas nos períodos matutino e vespertino.
Outra limitação importante diz respeito ao fato de que as HS foram avaliadas somente pela monitora e pelas próprias crianças. O estudo teria sido enriquecido com o julgamento dos familiares, outros monitores e os pares, mediante o uso de instrumentos apropriados, ou mesmo por observação direta das crianças durante as atividades na instituição.
Um fator que pode ter impactado diretamente os resultados foi a impossibilidade de realizar uma intervenção sistêmica na instituição. Provavelmente, uma capacitação e assessoramento das pessoas que acompanham as crianças teriam facilitado a ocorrência de momentos em que as crianças pudessem utilizar os conteúdos apreendidos nas sessões, generalizando seu conhecimento; também propiciaria que os educadores tivessem uma postura e linguagem equivalentes. O treinamento dos monitores e o acompanhamento da intervenção poderiam ser complementados com a organização de cursos de capacitação a fim de suprir lacunas na formação dos educadores, no que tange a dificuldades para lidar com os problemas de relacionamento das crianças.
Tem-se, também, como sugestão futura, a possibilidade de aplicar novamente o programa em um prazo maior de tempo, conjugando-o com intervenções que visem ao desenvolvimento de outras habilidades infantis, de modo a ampliar os benefícios para as crianças.
Por fim, é necessário levar em consideração a escassez de estudos desse gênero no contexto de OnGs que oferecem atividades no contraturno escolar. É exceção, em nosso meio, a intervenção realizada por Costa (2010) com monitores, com resultados positivos na redução de comportamentos problema nas crianças. Salienta-se, assim, a importância de novas pesquisas com crianças em núcleos de convivência, pois, segundo evidência empírica, padrões comportamentais precoces tendem a se perpetuar ao longo da meninice, principalmente quando marcados por agressividade (Ladd & Troop-Gordon, 2003).
Esta pesquisa traz pelo menos duas contribuições ao trabalho em instituições congêneres. Em primeiro lugar, ela demonstra a adequação da proposta ao contexto de instituições que oferecem programas de atividades no contraturno escolar. Essa adequação pôde ser demonstrada, por um lado, na própria concretização da proposta, evidenciando sua exequibilidade nas condições de vida real de uma instituição; e, por outro lado, no intenso interesse que as atividades despertaram nas crianças, um dado não trabalhado na pesquisa, mas altamente significativo. Tendo em vista a forma de organização desse tipo de instituição, baseada na oferta de oficinas, não é desprezível a demonstração de que o uso do EPRP associado a um módulo de iniciação aos valores humanos pode constituir uma modalidade de oficina, altamente motivadora para crianças de seis a nove anos e ao mesmo tempo exequível em termos das rotinas, organização e limites financeiros das instituições que oferecem ensino alternativo.
Em segundo lugar, o estudo possibilitou identificar que, durante o período em que ocorreu a intervenção, as crianças avaliadas demonstraram melhora ao longo do tempo, o que sugere a potencialidade educativa das OnGs para atender demandas específicas da população-alvo. Essa é uma contribuição que vem fortalecer o segmento. Em conjunto, as duas principais contribuições do estudo abrem caminho para iniciativas de aprimoramento dos serviços prestados a crianças e adolescentes em situação de risco psicossocial, em instituições que oferecem ensino alternativo no contraturno escolar, em núcleos de convivência.
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Recebido em: 2/05/2014
Aprovado em: 27/08/2015