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Pesquisas e Práticas Psicossociais

On-line version ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.13 no.1 São João del-Rei Apr. 2018

 

Formando psicólogos para o trabalho com grupos

 

Graduating psychologists to work with groups

 

La formación de los psicólogos para trabajar con grupos

 

 

Bianca Rodrigues FreitasI; Eliane Regina PereiraII

IGraduanda em Psicologia UFU
IIProfessora Instituto de PsicologiaNucleo Psicologia Social e Saúde

 

 


RESUMO

A partir de pesquisa desenvolvida com estagiárias de psicologia da Universidade Federal de Uberlândia que participaram de rodas de conversa na sala de espera de uma Unidade Básica de Saúde, este artigo discute como tem sido a formação para o trabalho com grupos nessa universidade, o que se entende por grupo, se e como essa experiência contribui para a formação dos profissionais de psicologia. Os resultados indicaram que a graduação ainda tem sido insuficiente para a formação do profissional da saúde pública, visto que a realidade encontrada é outra e que as práticas de promoção devem ser variadas e eficazes. As experiências nas rodas de conversa exemplificaram uma forma de atuação no serviço público, possibilitaram envolvimento das estagiárias e mostraram a importância da promoção de saúde.

Palavras-chave: Formação profissional. Promoção da saúde. Sala de espera. Trabalho com grupos.


ABSTRACT

From a research developed with trainees of psychology of the Federal University of Uberlândia (UFU) that participated in conversation wheels in the waiting room of a Basic Health Unit, this article discusses how has been the formation for the work with groups in that university, what is understood by group, if and how this experience contributes to the training of psychology professionals. The results indicated that graduation has still been insufficient for the training of the public health professional, since the reality found is different and that promotion practices should be varied and effective. The experiences in the conversation wheels exemplified a way of acting in the public service, made possible the involvement of the trainees and showed the importance of health promotion.

Keywords: Professional training. Health promotion. Waiting room. Work with groups.


RESUMEN

A partir de investigación desarrollada con estudiantes graduadas de psicología de la Universidad Federal de Uberlândia que participaron de ruedas de conversación en la sala de espera de una Unidad Básica de Salud, este artículo discute cómo ha sido la formación para el trabajo con grupos en esa universidad, lo que se entiende por grupo, si y cómo esa experiencia contribuye a la formación de los profesionales de psicología. Los resultados indicaron que la graduación aún ha sido insuficiente para la formación del profesional de la salud pública, ya que la realidad encontrada es otra, y que las prácticas de promoción deben ser variadas y eficaces. Las experiencias en las ruedas de conversación ejemplificaron una forma de actuar en el servicio público, posibilitaron la participación de las estudiantes graduadas y mostraron la importancia de la promoción de la salud.

Palabras clave: Formación profesional. Promoción de la salud. Sala de espera. Trabajo con grupos.


 

 

Introdução

Vários autores já discutiram a respeito da entrada do psicólogo nos serviços de saúde: Dimenstein (2000), Dimenstein e Macedo (2012) e Oliveira et al. (2004) argumentam que o psicólogo inicia suas atividades nos hospitais e ambulatórios de saúde mental e, aos poucos, vai assumindo outros espaços de saúde. Nesse momento, sua formação clínica apresenta problemas.

Entende-se que o curso de Psicologia deveria ser capaz de formar profissionais aptos a lidar com a realidade múltipla que é encontrada na saúde pública, formando psicólogos criativos, reflexivos e capazes de contextualizar sua prática, além de atenderem à realidade dos sujeitos (Romagnoli, 2006). É necessário preparar o futuro profissional para as atividades exercidas no âmbito dos serviços de saúde e assistência pública, pensando práticas coletivas e efetivas que promovam saúde.

A atuação do psicólogo em grupos oferece a possibilidade de uma intervenção mediadora que cria vínculos, possibilita vivências, apropriações do novo, reestruturação da vida e estabelecimento de novos sentidos (Andaló, 2006).

Dentre as muitas modalidades grupais, a roda de conversa é adotada por Sampaio, Santos, Agostini e Salvador (2014) como uma estratégia política que possibilita a emancipação dos coletivos. Para esses autores, a proposta se baseia na conformação circular e na inexistência de quem sabe e quem não sabe, abrindo possibilidades de uma nova forma de relacionamento entre os participantes, na qual as relações são horizontais, os sujeitos que a compõem se implicam e são atores da realidade e assim realizam trocas e produção de conhecimento.

Branco e Pan (2016) acrescentam que, por meio das rodas, os discursos, entendidos como simultaneamente individuais e sociais, têm possibilidade de serem ressignificados, produzindo múltiplos sentidos que permitem outra leitura das experiências vividas.

Oliveira, Silva, Pereira e Kodato (2013) veem a roda de conversa como possibilidade de atuação e formação, busca da coletivização do tempo-espaço, compromisso com o sujeito integral e singular. Ela promove saúde e potencializa que os sujeitos cuidem de si e do outro.

O presente trabalho foi realizado com cinco estudantes do curso de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. As participantes compartilharam um projeto de extensão em que coordenaram rodas de conversas semanais em uma Unidade Básica de Saúde da cidade de Uberlândia pelo período de um ano. A roda de conversa acontecia semanalmente, sempre no mesmo horário, em uma Unidade Básica. As extensionistas formaram duplas, uma das quais mediava a conversa e a outra escrevia o diário de campo, anotando trechos de falas dos participantes e impressões pessoais sobre os acontecimentos, tendo em vista discussões durante a supervisão. No local da roda de conversa, o procedimento das extensionistas era inicialmente convidar todos os presentes na sala de espera a organizarem um círculo com as cadeiras. Logo elas apresentavam a proposta da conversa introduzindo um recurso estético previamente escolhido em supervisão.

Esta pesquisa teve como objetivo compreender os sentidos produzidos pelas estagiárias de Psicologia em relação às intervenções que haviam sido construídas para a sala de espera e como ferramentas para a formação em Psicologia. Além desse objetivo, buscou-se identificar se as formas como as estagiárias definiram grupo se modificou após a experiência na sala de espera e avaliar se a graduação contribuiu para a formação profissional, preparando-as para o trabalho com grupos.

A prática na sala de espera e sua contribuição para o trabalho com grupos: o percurso da investigação

A pesquisa se deu em duas etapas. Antes do início do estágio, na sala de espera, foram realizadas entrevistas individuais com as cinco estagiárias do curso de Psicologia da UFU. Cada entrevista incluiu perguntas acerca da definição de grupo, vivências de grupos e formação das estudantes. Às participantes foi esclarecida a importância da sua contribuição e explicadas as etapas do projeto e os cuidados éticos adotados, sendo-lhes solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido em que concordavam colaborar na construção da pesquisa. Ao fim do estágio, uma segunda etapa de entrevistas foi realizada, dessa vez audiogravada, tendo o mesmo roteiro de perguntas como base, acrescido de questões que investigavam se e como a experiência contribuiu para a formação em Psicologia. Nessa segunda etapa de entrevistas, novas perguntas poderiam surgir para esclarecer algo que não tivesse ficado claro ou para sanar alguma curiosidade acerca do que era apresentado.

O trabalho prosseguiu com a organização do material obtido: transcrição dos áudios das entrevistas e, tendo como base os passos propostos por Aguiar e Ozella (2006), busca dos núcleos de significação para apreender a constituição dos sentidos. Durante o processo de transcrição, o material obtido foi reorganizado em "grupos para análise" ou "eixos temáticos" para facilitar seu entendimento ("estágio", "extracurricular", "disciplinas", "dificuldades", "me serve para quê?", "roda de conversa"). Para facilitar a leitura, as transcrições foram adequadas às regras gramaticais, retiraram-se repetições típicas da linguagem falada e foram ignorados trechos sem interesse para a análise, resguardado sempre o sentido expresso pelas entrevistadas.

Utilizou-se também a "transcriação" (Silva & Barros, 2010), que permitiu acrescentar elementos que mostram ao leitor o que foi apreendido pelas pesquisadoras no momento da realização da entrevista. Tal procedimento terminou no momento em que os colaboradores - as entrevistadas ou outras pessoas que se dispuseram a ler o material - avaliaram de forma positiva o texto final. A escrita foi ativa, posicionada, e deixou impressões que foram modificadas, alteradas e repensadas conforme vistas e conversadas com os colaboradores. Realizou-se, portanto, uma constante construção conjunta.

Análise de falas: grupo como espaço promotor de reflexões

O grupo é constituído por conjunto de pessoas que mantêm relações recíprocas ligadas por objetivos comuns, que interagem entre si, sendo, portanto, um processo e estando em constante movimento (Andaló, 2006). Grupo diz respeito à integração, a um espaço que possibilita reflexões e que tem a função de mediar o particular e o social, sendo também um meio de se criar realidade a partir da própria linguagem (Rasera & Japur, 2006). Para Camargo-Borges e Michima (2009), o grupo acontece nas próprias relações que nos permitem conhecer o seu funcionamento.

Segundo Dias, Silveira e Witt (2009), o grupo auxilia seus componentes de diferentes maneiras: ajusta mudanças a novas situações, trata crises, socializa, melhora o autocuidado e pode ter caráter preventivo, a partir das experiências compartilhadas pelos participantes. Os indivíduos no grupo se unem na construção de novos conhecimentos e no questionamento de discursos naturalizados, têm espaço para serem ouvidos e mantêm relações horizontais entre profissional e usuário do sistema de saúde.

Com os encontros, objetiva-se conhecer os membros, crenças circulantes, aspectos emocionais, atitudes, informações, além de criar espaços para que os sujeitos entrem em contato consigo mesmos. As conversas visam ampliar o autoconhecimento e proporcionar reflexões acerca de aspectos sociais e vivências cotidianas, sobre a comunidade e sobre o serviço de saúde utilizado (Dias, Silveira & Witt, 2009).

Como que eu defino grupo? Então, a gente parte da teoria histórico-cultural, então de acordo com o que a Silvia Lane fala, a gente entende grupo enquanto um processo, o grupo é o mediador entre o individual, entre o particular mesmo e a sociedade, então eu acho que grupo é isso mesmo, é o mediador entre o individual e a sociedade e a gente entende ele enquanto um processo e não enquanto uma coisa acabada. (Sabrina, 2. Entrevista)

O indivíduo se constitui na relação social e não pode ser compreendido fora de seus vínculos. Na relação, o sujeito se apropria dos saberes da sociedade e dos grupos aos quais pertence e ocupa diferentes posições simbólicas, baseadas em fatores culturais e históricos já determinados, mas reconstruídos a cada momento. O lugar social diz respeito a fatores pré-determinados e também a sentidos novos e passíveis de serem construídos pelos sujeitos, na relação (Zanella, Filho & Abella 2003).

Ao mesmo tempo em que as estagiárias promovem reflexões no grupo em que atuam, o movimento do próprio grupo faz as estagiárias refletirem sobre a forma de atuação, a profissão, a promoção da saúde ou sobre si mesmas. Analisando as entrevistas iniciais e finais, pode-se observar o desenvolvimento das respostas e a importância da prática para o entendimento da própria atuação como vivência e realidade e não mais mera teoria. A princípio, as respostas para "O que é grupo?" se baseavam em ser um número x de pessoas reunidas em torno de algo que fosse comum e, ao fim, pode-se observar a ampliação desse olhar. Assim, Bruna diz, na entrevista inicial, o que é grupo para ela.

O que é grupo pra mim? É uma palavra muito ampla que pode envolver significados diversos. Posso considerar um grupo enquanto pessoas esperando ônibus, ou duas pessoas conversando sobre qualquer assunto. Pensando na atividade que signifique algo, que represente e afete de alguma forma as pessoas, acho que grupo é um processo de constantes trocas (afetos, experiências), construções, aprendizados e compartilhamentos que possibilitam aos sujeitos implicação e posição afetiva. (Bruna, 1. Entrevista)

Na entrevista final, ela tem outra definição de grupo.

Grupo pra mim é um espaço em que as pessoas conseguem compartilhar coisas, serem ouvidas e a partir disso gerar alguma inquietação, nelas, de alguma forma. Então, antes, quando a gente ia estudar grupo, a gente ficava tentando diferenciar o que era grupo e agrupamento, porque que uma fila de pessoas esperando o ônibus não é grupo. Quando a gente vai fazer o grupo, a gente percebe que o grupo ganha a sua própria dinâmica, um grupo é muito diferente de outro, mesmo que tenha as mesmas pessoas, o grupo parece que tem uma vida própria, naquele lugar, naquele tempo, com aquilo que se tem conversado. Eu acho que a característica principal do que é um grupo são essas pessoas conseguindo se afetar juntas pelo conjunto, acho que é isso que define grupo. (Bruna, 2. Entrevista)

Andaló (2006) comenta Sartre dizendo que, para esse autor, o grupo é formado quando os indivíduos desenvolvem ligações entre eles; grupo é totalidade, é afastar-se da necessidade unicamente individual e ver algo comum; por isso, a mera espera do ônibus não forma um grupo. Grupo é mediação, é ter objetivos comuns e relação de reciprocidade. O grupo possibilita refletir sobre diversos assuntos cotidianos, mediando indivíduo e contexto sócio-histórico. Elementos do dia a dia são trabalhados e repensados nele, a partir da integração proporcionada entre indivíduos vinculados num contexto social.

Outra entrevistada diz inicialmente que: "Quando penso em grupo, a primeira ideia que me vem à cabeça é um conjunto de pessoas reunidas em prol ou não de alguma causa ou motivo em comum que as une de alguma forma. É estar com o outro" (Gabriela, 1. Entrevista).

Passado um ano de experiência na condução de grupos, ela diz: "Grupo? Eu vejo como um encontro de pessoas que pode gerar muitas possibilidades, de mudança, de questionamento, de reflexão, de identificação, de discórdia, de conflito, mas daí pode gerar uma potência muito grande, independente do contexto" (Gabriela, 2. Entrevista). Ela continua acreditando que o grupo se une em prol de algo, mas agora sabe que gera reflexão, questionamento, potência.

Betina fala inicialmente dos grupos comuns e depois segue a mesma reflexão proposta por Gabriela.

Do meu ponto de vista, um grupo é constituído por mais de um sujeito, que, minimamente, mantém algum tipo de relacionamento, e que estão imersos em pelo menos um contexto comum, por exemplo, na família, no trabalho, na sala de aula. (Betina, 1. Entrevista)

Eu entendo que a função de um grupo é produzir reflexão, trazer à tona aquilo que as pessoas não pensam sobre e fazer elas pensarem e refletirem sobre isso. Então, pensar sobre o cotidiano, sobre aquilo que é naturalizado na vida delas, mostrar que na verdade aquilo é algo que é construído, que faz parte da cultura, desenvolver uma coletividade que pense sobre isso. Acredito que grupo seja isso. (Betina, 2. Entrevista)

Observa-se que após a experiência as respostas demonstram maior complexidade sobre o que é um grupo, sobre sua função de fazer refletir e de como cada grupo é único e diferente do outro. Segundo Andaló (2006), um grupo é constituído por relações de reciprocidade ligadas por objetivos comuns. É nele que se aprende sobre o cotidiano, visto que é a partir dele que iniciamos o processo de associação, de integração, possibilitando questionamentos acerca da realidade vivida pelas pessoas.

Em minha opinião, grupo é um conjunto de três ou mais pessoas, que compartilham algo: seja objetivo ou uma característica ou uma situação comum, entre outros. (Ana Luísa, 1. Entrevista)

Pensava que um grupo era como um agrupamento de pessoas, mas com o tempo e com as experiências fui entendendo que grupo está relacionado à ligação que as pessoas constroem entre si, que possibilita que um possa constituir o outro, de alguma forma, em uma relação. (Ana Luísa, 2. Entrevista)

Espinosa chama de bons encontros àqueles que potencializam o sujeito; diz que o existir é potência e ao entrarmos em contato com o outro somos afetados. Quando a potência é aumentada, ocorrem os bons encontros, que são aqueles que nos ajudam a compreender melhor o mundo e assim sermos mais ativos nas nossas relações, aumentando nossa capacidade de escolha e consciência em relação ao que nos cerca e afeta. As pessoas não saem as mesmas dos bons encontros, o psiquismo funciona com base nos significados e sentidos historicamente construídos e culturalmente partilhados e a dimensão que se dá a essa significação transforma a maneira de cada um encarar a vida.

O corpo tem a potência de ser afetado pelo que o cerca e de afetar o seu entorno, e o objetivo de se saber isso é que nos tornemos mais potentes e assim aumentemos nossa capacidade de existir e de pensar. As relações que se dão no grupo, entre os corpos, permitem que os sujeitos sofram esses afetos e assim sejam alterados, de forma que a potência aumenta ou diminui, aumentando ou diminuindo a capacidade de agir de cada um.

É a esse afeto que nós agimos ou reagimos. Quando somos ativos nessa relação, quando há o bom encontro, conseguimos refletir e fazer algo produtivo que permite a expansão dos corpos envolvidos. O bom encontro eleva a potência, enquanto o mau encontro diminui e impede o desenvolvimento da potência.

Coordenador/mediador: o psicólogo no grupo

Andaló (2006) diz que os grupos têm a função de mediação. Mediar é um processo, a própria relação, que possibilita ao sujeito incorporar novos signos e repensar sua vida, permitindo apreensão de vivências, bem como de seus significados. A partir das respostas obtidas nas entrevistas finais, observa-se que a definição de grupo para as profissionais passou a ser mais que um conjunto de pessoas, sendo um espaço que propicia a criação de novas possibilidades, que viabiliza compartilhamentos, afetações, e que também gera inquietações. É um espaço promotor de reflexões sobre assuntos naturalizados, que faz pensar sobre questões que não são comumente pensadas, permitindo a ampliação das possibilidades, quebrando com o que é tido como natural.

Fica claro que as estagiárias passaram por transformação ao longo da experiência, que os grupos em que atuaram como mediadoras foram para elas próprias os mediadores do conhecimento, promovendo reflexões diversas sobre a atuação, sobre a psicologia, sobre o estar com o outro e de que forma estar.

Por mediação entende-se que a própria relação é o que facilita e possibilita ao sujeito a apreensão dos significados do mundo no qual está inserido, permitindo que ele se assenhore dos novos significados e assim remodele suas ações e sua vida, mostrando ao sujeito que nada é isolado (Andaló, 2006).

O coordenador/mediador tem um papel fundamental no grupo por estar a certa distância do que é trazido e, sendo assim, apresenta uma visão diferenciada, mais ampla e profunda, sem apelo afetivo, podendo instigar reflexões, desafiando os integrantes do grupo a questionar o que eles têm como natural, como correto, auxiliando-os a encontrar novas respostas e melhores caminhos. O coordenador utiliza seu conhecimento teórico para elaborar a vivência do grupo e assim pode mostrar a este essa elaboração como forma de ampliar a compreensão dos sujeitos ali presentes e desafiá-los para a superação das dificuldades existentes. O mediador deve explorar a diversidade dos integrantes do grupo, aproveitando a riqueza que as diferenças proporcionam e as trocas que elas possibilitam (Andaló, 2006).

No decorrer das entrevistas, algumas falas se destacaram por mostrar a forma como as estagiárias enxergam o papel do psicólogo atuando em grupos e a forma que elas próprias atuam.

Nosso objetivo era ouvir aquelas pessoas e fornecer um espaço em que elas pudessem falar de si, ouvir o outro, refletir e, nesses encontros e desencontros, ampliar as possibilidades de sentidos sobre o mundo e sobre a vida, entendendo que esse processo é promotor de saúde. No nosso trabalho em grupo, tínhamos como principal motor as perguntas, não qualquer pergunta, mas aquelas que abriam para novos sentidos, novos olhares, abriam para reflexões. Acredito que o psicólogo em grupo tem que saber manejar as questões que o grupo vai trazendo e para isso percebi a importância de estarmos abertos ao contato com o(s) outro(s). Para mim, era muito no sentido de se envolver sensivelmente com o grupo, de se permitir ser afetada, pois fui percebendo que era isso que possibilitava eu fazer pontuações ou perguntas que abririam o grupo para as possíveis ressignificações e sentidos. (Ana Luísa, 2. Entrevista)

Essas perguntas que abrem para novos sentidos e novos olhares, que abrem para a reflexão sobre a qual Ana Luísa nos fala, diz respeito ao que Souza, Oliveira, Silva, Andrade e Martins (2014) trazem como comunicação dialógica. A comunicação dialógica diz respeito a uma das possibilidades que a Psicologia encontra para trabalhar nas Unidades Básicas de Saúde no contexto grupal. É uma comunicação que visa à promoção de saúde por valorizar uma amplitude de temáticas e em que o terapeuta é parceiro na conversa, buscando ampliação de repertórios. Nela, não é preciso que haja um sujeito certo e outro errado, mas é importante que se esteja atento e curioso ao que o outro fala, com uma escuta atenta, com questionamentos que proponham reflexões com o intuito de ampliar a compreensão da fala desse outro. Na conversa dialógica, não é necessário que se mude de opinião, mas é preciso que se ouçam as diferentes opiniões, possibilitando o novo, dando lugar ao diferente.

Acho que o psicólogo trabalha de diversas formas, mas o que eu acredito que o que psicólogo tem que conseguir fazer em grupo é potencializar essas conversas, como facilitador e não como direcionador do que se tem que se conversar. Ele tem que ser um profissional que dê conta de ouvir esse grupo genuinamente. (Bruna, 2. Entrevista).

"Ser um profissional que dê conta de ouvir esse grupo genuinamente" é ter postura de curiosidade, é ter interesse sobre o que o outro fala, sobre o que o outro traz, sobre o(s) outro(s). Tal curiosidade abre espaço para uma melhor compreensão do que é trazido para conversar e possibilita maior exploração do que é compartilhado, permitindo a ampliação das possibilidades de agir, pensar e enxergar diante de tais histórias. A postura de curiosidade permite conhecer melhor o grupo, seus interesses, dificuldades, necessidades (Camargo-Borges & Michima, 2009).

Eu acredito que o psicólogo, eu gosto muito da palavra facilitador [...] Acho que a função dele é produzir perguntas na verdade, perguntas que instiguem as pessoas a pensarem. [...] Então eu acho que é uma função de fazer refletir, tomando cuidado de não julgar o que as pessoas trazem, mas de tentar entender o que elas trazem e tentar questionar a partir do que elas trazem e não a partir do saber que ele tem, afinal de contas não é um saber melhor nem pior que o de ninguém. (Betina, 2. Entrevista)

Na atenção primária, a prática grupal, além de buscar atender a uma demanda mais ampla, criar espaços de socialização e compartilhamento de conhecimentos entre usuários e profissionais, fortalecendo esse vínculo, busca também a minimização do campo cristalizado "paciente" e "especialista em saúde" (Neto & Kind, 2010). Quando Betina diz que é preciso que o psicólogo esteja destituído de seus saberes, ela diz de uma postura do não saber, que é definida como a postura que o profissional constrói em uma relação horizontalizada com o outro, saindo da dualidade "quem sabe/quem não sabe", aproveitando isso para uma escuta mais atenta do que está sendo dito pelo outro para ampliar a compreensão (Camargo-Borges & Michima, 2009).

Betina também diz gostar do uso da palavra "facilitador", por considerar que o psicólogo não leva algo de fora e que o grupo tem em si os recursos necessários. Segundo Moreira (1999), o profissional denominado facilitador é aquele que proporciona vários encontros de histórias, de vivências e de convivência. O facilitador deve possibilitar o desenvolvimento do grupo de maneira flexível e sem predeterminantes, ou seja, o facilitador não se comporta como guia do grupo, ele propicia condições mais adequadas para seu desenvolvimento dentro do ritmo do próprio grupo, deixando que seja trabalhado o tema emergente escolhido pelo grupo, sem direcionamentos.

Bruna e a Gabriela retomam em suas falas considerações sobre o papel/função do psicólogo como mediador do grupo, potencializador de falas, reflexões e também a importância de o grupo ser um espaço acolhedor para os participantes, que amplia olhares, conhecimentos e pensamentos para assim promover saúde e bem-estar.

Acho que o nosso papel na verdade é potencializar falas, potencializar reflexões e permitir que o grupo aconteça, dar esse espaço para que o grupo se concretize enquanto grupo. (Bruna, 2. Entrevista)

Dependendo do que surge é importante ser cuidado. Aí, à medida que vai surgindo, é importante que nós, enquanto profissionais, vamos mediando e acolhendo o grupo. (...) trabalhar a subjetividade, trabalhar as possibilidades mesmo dos sujeitos que estão ali, voltado pra algum tema ou não, sempre tendo em ênfase a importância de cada um que está ali e de estar gerando ampliação de repertório de vida, de reflexões sobre o que está acontecendo, o que está surgindo, de estar potencializando e estar promovendo saúde, de estar promovendo cuidado. Eu acho que o psicólogo é muito importante nesse papel de grupo como mediador, assim como outras pessoas, mas falando da psicologia, o olhar e o que a gente tem é diferente, a escuta é diferente, então eu acho que é importante, estar sempre empoderando essas pessoas porque o grupo acontece ali e todo mundo tem um papel importante por igual de alguma forma e o psicólogo media, questiona, ele liga as falas e ajuda a dar uma cara de alguma forma pra esse grupo junto com eles. (Gabriela, 2. Entrevista)

Gabriela fala que o psicólogo atua como mediador no grupo, que o psicólogo tem olhar e escuta diferentes de outros profissionais. A atuação do psicólogo na equipe auxilia na execução da tarefa de potencializar reflexões sobre o preestabelecido, o que é naturalizado pelo grupo, promover saúde e integrar o grupo como grupo junto com seus integrantes. Andaló (2006) acredita que a psicologia apresenta conhecimentos específicos que permitem a atuação em grupo do profissional de forma qualificada, permitindo que ele desenvolva novos olhares no grupo, possibilitando reflexões acerca do cotidiano e assim permitindo que dificuldades sejam ultrapassadas.

Como o psicólogo trabalha normalmente ou como a gente trabalha? Porque é diferente né, tipo, eu com a extensão eu tive uma ideia bem diferente do trabalho com grupo, então eu acho que como ele deve trabalhar, enquanto coordenador mesmo, do mesmo jeito que o grupo é um mediador entre o individual e a sociedade, o coordenador do grupo no grupo seria o mediador entre o vivido pela pessoa e a compreensão crítica desse vivido, dessa realidade. Então eu acho que o papel do psicólogo mesmo é dar espaço pra emergir essa compreensão crítica sabe, e daí nesse sentido a gente procura fazer perguntas mais amplas, tentar ir contra as nossas expectativas, não ir contra, mas não ficar presa nas perguntas que a gente pensou. (Sabrina, 2. Entrevista)

A atuação do psicólogo, segundo as entrevistadas, tem então o papel de mediador, que acolhe o grupo com toda sua bagagem teórica, dando espaço para que se repensem questões antes naturalizadas. O psicólogo, na função de coordenador, tem uma postura curiosa, que ouve e fornece um ambiente propício para os sujeitos falarem de si e estar em contato/relação, ouvindo o outro e, a partir disso, trabalha para ampliar as possibilidades de sentidos, de repertório de vida, gerar reflexões sobre o que acontece, sobre o cotidiano, promover saúde e cuidado, potencializar conversas de forma não diretiva, possibilitar ressignificações, trabalhando a subjetividade e as possibilidades dos sujeitos.

Graduação em psicologia: a formação prepara para o trabalho com grupos e para o serviço público de saúde?

O profissional psicólogo, segundo Pires e Braga (2009), foi incluído na saúde pública com o intuito de modificar o atendimento no âmbito da saúde mental, que era, até então, nos hospitais psiquiátricos. Tal inserção visava, dentre outros motivos, a redução de custos, melhoria nos atendimentos, responder às críticas sobre a Psicologia ser elitista e não pensar em práticas visando o social e, também, em função da baixa demanda aos consultórios particulares devido à crise financeira instaurada na década de 1970.

Os autores afirmam ainda que, com o passar dos anos, foi ampliado o entendimento do que é saúde, incluindo promoção e prevenção e então surgiu a necessidade de transformar, melhorar e expandir os modos de tratar e de atuar do psicólogo, exigindo mudanças e novas teorias e práticas que olhassem para a saúde de fato, enxergando o bem-estar dos indivíduos como parte disso, e não apenas a ausência de doenças (Pires & Braga, 2009). Esse campo se faz extremamente importante por incluir atividades de todos os âmbitos, primário, secundário e terciário.

A formação de psicólogos qualificados para atuarem no Sistema Único de Saúde (SUS) se baseia em alguns itens que são como guias para a prática, como o contato com a multiprofissionalidade, o compartilhamento da gestão, debates capazes de ampliar o campo profissional na área da saúde, a clínica ampliada, o desenvolvimento de atividades que visem à independência dos usuários, aumentando a capacidade deles de entendimento e ação sobre o meio, suas relações e sobre si, a diversificação de atividades, projetos terapêuticos singulares. A formação deveria estar sempre inteirada aos novos modos de gestão dos processos de trabalho no SUS.

A promoção de saúde é entendida aqui como conjunto de práticas que visam cuidar do sujeito como ser integral, enxergando saúde como bem-estar. Tais práticas são construídas no cotidiano, transformadas no dia a dia e não são necessariamente num nível macro, já que a promoção se dá em micropolíticas e também em microações. A promoção é vista como processo construído, vivido e contextualizado e trata os usuários como seres ativos nesse processo, buscando potencializá-los e, consequentemente, potencializar a própria coletividade. (Oliveira et al., 2013).

Com as entrevistas, observa-se que, na graduação em Psicologia, a mediação se dá não apenas por meio das disciplinas obrigatórias, mas também a partir de atividades complementares, as quais nem todos os discentes têm oportunidade de entrar em contato, o que gera queixa quanto à formação.

Sinceramente, pra falar de disciplina, são poucas, o que me ajudou muito mais foram as supervisões dos estágios, extensão, eventos fora (simpósio, roda de conversa da ABRAPSO, que por mais que levassem um tema específico, dá pra pensar em grupo). Então eu acho que é mais uma vivência de fora do que da grade. (Gabriela, 2. Entrevista)

É nesse movimento de buscar por fora do que é original e obrigatoriamente oferecido pela universidade, e principalmente nas atividades práticas, que as discentes conseguem mediar o conteúdo teórico à vivência prática, à realidade diversa, que é bem diferente do que geralmente é encontrado nos livros.

[...] agora na sala de espera não, você chega lá do nada, forma um grupo ali do nada e do nada sai um monte de coisas, tinha grupo que durava uma hora e meia e era paulera, tinha grupo que era cinco minutos porque de repente o povo ia pra consulta e era um atrás do outro. (Gabriela, 2. Entrevista)

Pensando na imprevisibilidade que contribui para a formação no ato, que faz pensar constantemente a atuação como profissionais de saúde, as estagiárias queixam não se sentirem preparadas para o serviço público com a formação básica oferecida pelo curso de Psicologia e pela universidade. Com isso, elas se sentem felizes por terem aproveitado a oportunidade de experimentar a sala de espera, que não abrange todos os discentes de Psicologia. O currículo é tido como limitante por apresentar pouca variação de conteúdos e pouca prática, o que gera insegurança para atuar e faz com que se vá para a prática sem saber o suficiente.

Fico muito preocupada com a nossa formação, tudo me parece muito incoerente, não formamos psicólogos capacitados para estarem em espaços públicos, no entanto é o espaço público que me parece mais oferecer trabalho atualmente. (Ana Luísa, 2. Entrevista)

Uma crítica minha ao curso, tá formando pra quê? É uma formação muito elitista, muito de consultório particular, que eu não desmereço, mas não é pra mim também, é muita psicanálise e aí é a gente que tem que fazer alguma coisa pra ir mudando isso, conversar com a coordenação, fazer abaixo-assinado, eventos, trazer outras coisas, porque eu acho muito limitante a nossa grade. (Gabriela, 2. Entrevista)

Acho que na graduação, e não só aqui na UFU, não acho que seja uma coisa da UFU, se não correr atrás dessa formação, ela não acontece. [...] me incomoda quando eu vejo a quantidade de pessoas que saem da graduação e prestam concurso público e vão passar e vão trabalhar com saúde coletiva e vão chegar lá e vão fazer grupos que nada mais são que a ampliação de uma prática clínica individual e aí a gente tem na saúde pública atendimentos individuais que são prioridades ainda e não é isso que o SUS preconiza. Acho que tudo isso vem da formação. (Betina, 2. Entrevista)

Scarcelli e Junqueira (2011) dizem que, devido à formação ser insuficiente, os estudantes saem da graduação não se adequando à realidade encontrada, não conseguindo adaptar a parte teórica aprendida à atuação, saem sem ter realizado atividades práticas satisfatórias e muitas vezes sem conhecimento suficiente acerca do sistema público de saúde e das políticas públicas e, consequentemente, incapazes de atuar nesse âmbito. Todavia, a área da saúde é a que mais tem contratado psicólogos nos últimos anos, sendo assim, é importante que as práticas desenvolvidas tenham envolvimento social e sejam fundamentadas de acordo com o público atendido e com todo o contexto, e não uma mera adaptação do contexto clínico (Pires & Braga, 2009).

É interessante pensar aqui também que inseguranças e medos diante do desconhecido são comuns e que também o é não se sentir preparada para realizar alguma prática. Trata-se de um processo contínuo de praticar, estudar, construir conhecimento, modificar a prática na tentativa de aperfeiçoá-la e assim seguir verificando o que pode dar certo, o que não dá. É um movimento dialético constante de construção em que se vai para a prática, se repensa tal prática e volta com novas ideias para uma nova prática.

Scarcelli e Junqueira (2011) ressaltam, por isso, a importância de programas como o PET-Saúde, estágios que ocorram em serviços públicos, ambientes em que a universidade se articule aos serviços de saúde, em que haja trocas de saberes entre diferentes âmbitos para reflexões e ressignificações das práticas e políticas públicas. Esses espaços, segundo as autoras, devem ser possibilitados não só pelo governo, mas incentivados pelas próprias universidades como meio de construir novas formas de se estar e enxergar esses ambientes sem perder a base teórica que as orienta.

Se não fosse esse procurar por fora, não haveria experiência nenhuma porque eu sei de muitas pessoas da minha sala que saem daqui não tendo a mínima noção de como fazer grupo, ou tendo uma noção que é de senso comum entre aspas de tudo que já viu na graduação, de transpor uma prática clínica, de atendimento individual, pra uma prática grupal, e não é isso, acho que grupo é um dispositivo que exige um estudo sobre grupos. (Betina, 2. Entrevista)

É importante que a prática grupal não seja uma transposição da prática clínica, pois, assim como Betina comenta, o trabalho com grupos exige estudo, justamente por ser um potente dispositivo. Entre os aspectos positivos do trabalho com grupos, há a integração entre profissionais e usuários, estreitamento dos laços da instituição e comunidade que auxilia na confiança e melhor desenvolvimento do trabalho e consequente aproximação com a vida cotidiana. É destaque que os grupos são dispositivos promotores de saúde e que a detecção de doenças não é a única forma de cuidado (Souza & Santos, 2012).

Mais especificamente quanto à formação para o trabalho com grupos, existe a queixa das entrevistadas de terem oportunidade em conhecer poucas variações, a maioria de forma rasa, o que em alguns momentos parece ter apenas confundido, como é dito nas falas abaixo:

Só que eu acho que na graduação a gente deveria ver esses e outros tipos de grupos [...]. (Betina, 2. Entrevista).

Eu sinto muita falta de teoria, mais disciplinas. TTG (Teorias e Técnicas de Grupo) foi muito corrido pra mim. Não que a teoria seja primordial, mas de algum lugar você tem que se sustentar e aí tem hora que igual eu te falei, grupo operativo, junto com construcionismo e depois na perspectiva histórico-cultural, é muita informação pra uma cabeça só e eu fiquei muito perdida. E aí às vezes eu fazia grupo operativo construcionista e nem sei o que saía disso. (Gabriela, 2. Entrevista).

Dentro da grade horária obrigatória, minhas experiências foram bem limitadas, apenas uma disciplina restrita ao tema. Isso por si só já é limitador, mas apesar de ter aprendido algumas correntes teóricas e ter experienciado o lugar de coordenação de grupo, vejo que não me preencheu tanto em termos de formação, especialmente por termos aprendido apenas uma forma de fazer grupo, e sua execução se restringia a poucos espaços (Ana Luísa, 2. Entrevista).

Segundo pesquisa realizada por Neto e Kind (2010), a maioria dos profissionais afirma não terem sido preparados para realizar atividades grupais e que esse aprendizado se deu com a própria prática. Os autores supõem que entre os profissionais entrevistados o sucesso das atividades em grupo se dá devido principalmente à disposição deles em aprender e não tanto pela teoria e metodologia utilizadas.

 

Considerações finais: as rodas de conversas e formação

Os espaços de formação em Psicologia devem promover reflexões e debates sobre saúde pública e questões sociais, possibilitando novas maneiras de se estar/atuar nesses ambientes, pois é a partir disso que será possível a transformação desses espaços de saúde. A partir das entrevistas realizadas, percebemos que a graduação ainda tem sido insuficiente para a atuação desse profissional na saúde pública, visto que são poucas disciplinas obrigatórias e optativas que fundamentam discussões sobre "saúde pública", ou mais especificamente sobre modos de atuação diferentes da clínica tradicional.

Em algumas falas, as estagiárias disseram que a experiência na sala de espera, por ser em um ambiente imprevisível, é bem ampla e contribuiu para a formação dos profissionais de Psicologia. O exercício de atuar em um ambiente inusitado permitiu que reflexões fossem feitas pelas estagiárias e, pensando na formação, a experiência com as rodas de conversa se relaciona, na medida em que se mostra formadora não só para o trabalho com grupos, mas de forma pessoal, também ajudando na superação de medos, nervosismo e insegurança na realização do trabalho na saúde pública, dando confiança na execução dele e sensibilidade para conseguir realmente escutar o outro, para construir bons relacionamentos e vínculos como profissional de Psicologia.

A experiência mostrou na prática como a promoção da saúde é importante e exemplificou formas de se realizar isso no serviço público, sendo útil para cada uma das estagiárias como profissionais de Psicologia. Aprenderam também sobre a importância de se manter uma posição horizontal com os usuários sem deixar de lado todo o conhecimento construído ao longo da formação, aprenderam a se utilizar desse conhecimento na atuação sem ser necessário se mostrar superior aos usuários do serviço, já que, na roda de conversa, não existe ninguém a frente ou atrás de ninguém e as relações se dão horizontalmente, fazendo com que os usuários sejam indivíduos ativos, reflexivos, críticos e se impliquem perante a realidade.

As rodas de conversa realizadas pelas entrevistadas tinham como objetivo transformar o sentido cristalizado de "aguardar", e a conversa iniciada com um recurso estético tinha o intuito de despertar afetos nos sujeitos. O psicólogo buscava instigar reflexões acerca do cotidiano com os usuários, redescobrir potências do sujeito e de cada grupo que se forma e tornar os usuários ativos em seus processos e na rede de saúde por meio de um espaço de trocas de conhecimento, ideias, experiências, sentimentos, de escuta, um espaço em que os usuários têm voz. Do contato com outros sujeitos, em forma de grupo, podem surgir novas demandas, podem-se alcançar novos espaços.

Mas, para além dos afetos produzidos nos sujeitos, nossa pesquisa identificou que as rodas de conversa possibilitaram envolvimento das estagiárias e, por ser esta uma forma de trabalho que elas consideraram eficaz, mesmo que não tenham tido cem por cento de acertos, buscariam trabalhar com base nessa experiência em seus âmbitos de atuação. Foi uma experiência ampla e cheia de imprevisibilidades que serviu para mostrar que elas não precisam temer inovar, sair do lugar, fazer diferente do que se é acostumado a fazer.

O presente trabalho se faz relevante na medida em que as rodas de conversa na sala de espera de um serviço público possibilitam outra forma de o psicólogo estar nos serviços públicos de maneira contextualizada e política. Como parte constituinte da formação das respectivas profissionais de Psicologia, enxergamos potência por possibilitar que elas próprias experienciassem e avaliassem o trabalho realizado, avaliando também de que forma a graduação contribuiu para que a Psicologia estivesse na rede pública de maneira diversa da clínica individual e privada.

Muitos trabalhos discutem as lacunas na formação em Psicologia, mas, este trabalho propôs uma investigação com recém-formados, pensando seu processo de formação, em uma proposta quase de avaliação do serviço proposto. Assim, realizar o grupo durante um ano e avaliar o trabalho indica um diferencial que pode ser adotado não apenas para pensar a formação, mas também como para pensar os serviços oferecidos à comunidade.

 

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Recebido em 31/10/2016
Aprovado em 07/03/2018

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