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Pesquisas e Práticas Psicossociais

On-line version ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.14 no.2 São João del-Rei Apr./June 2019

 

Resistências à precarização no trabalho docente: posicionamentos teóricos e metodológicos

 

Resistances to the making of the precarious on the teaching work: theoretical and methodological positions

 

Resistencias a la precarización del trabajo docente: posicionamientos teóricos y metodológicos

 

 

Maria Elizabeth Barros de BarrosI; Fabio Hebert da SilvaII; Jésio ZamboniIII; Líbia Monteiro MartinsIV; Jaddh Yasmin Malta CardosoV

IGraduada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestra em Psicologia Escolar pela Universidade Gama Filho. Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Doutora em Saúde Coletiva pela ENSP/Fiocruz
IIGraduado em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo
IIIGraduado em Psicologia. Mestre em Psicologia Institucional. Doutor em Educação. Pós-Doutorando em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo
IVGraduada em Psicologia pela Universidade Vale do Rio Doce. Mestra em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo
VGraduada em Psicologia. Mestranda em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo

 

 


RESUMO

O artigo objetiva contribuir com o desenvolvimento teórico e metodológico no campo do trabalho em Educação. Discute a situação dos professores com contratos de prestação de serviço temporário, destacando a importância de os docentes analisarem coletivamente os diferentes modos como empreendem sua atividade de trabalho na perspectiva da produção de autonomia e criação. Os recursos metodológicos propostos apoiam-se em conceitos e princípios preconizados na Ergologia e na Clínica da Atividade. Considera-se que o método é resultado de uma construção conjunta com aqueles que demandam a transformação das escolas em seu próprio fazer cotidiano, produzindo inflexões no que tenta paralisar e limitar a inventividade no trabalho. Nesse sentido, trata-se de atuar na contramão dos processos de precarização do trabalho, indagando o que está instituído: O que temos feito de nós mesmos, para onde desejamos ir, quais são nossas apostas ético-políticas?

Palavras-chave: Trabalho docente. Análise da atividade. Psicologia do trabalho. Metodologia - Psicologia.


ABSTRACT

The paper aims at contributing to the theoretical and methodological development in the education work field. It discusses the situation of teachers provided with temporary service contracts by highlighting the importance of teachers collectively analyze the different ways in which they undertake their labor activity from the perspective of production autonomy and creation. The proposed methodological sources rely on concepts and principles advocated in Ergology and Clinical Activity. It is proposed that the method is the result of a joint construction with those who demand the transformation of schools in their own daily tasks, producing inflections in trying to paralyze and limit the ingenuity at work. In this sense, it is acting against the precariousness process of work by asking what is instituted: What have we done of ourselves, where do we want to go, and what are our ethical and political stakes?

Keywords: Teaching work. Activity analysis. Work Psychology. Methodology - Psychology.


RESUMEN

El trabajo tiene la meta de contribuir con el desarrollo teórico y metodológico de lo campo de trabajo en la educación. Discute la situación de los profesores con provisión de contractos de servicios temporales, destacando la importancia de los maestros analizaren colectivamente las diferentes formas que se llevan a cabo su actividad laboral desde la perspectiva de la autonomía de producción y creación. Las características metodológicas se basan en conceptos y principios defendidos en la Ergología y la Clínica de la Actividad. Se propone que el método es el resultado de una construcción conjunta con los que exigen la transformación de las escuelas en sus tareas diarias, produciendo inflexiones en el intento de paralizar y limitar el ingenio en el trabajo. En este sentido, se está actuando en contra del proceso de precarización del trabajo haciendo lo que se instituyó: ¿Lo que hemos hecho nosotros mismos?, ¿dónde queremos ir?, ¿cuáles son nuestras apuestas éticas y políticas?

Palabras clave: Trabajo docente. Análisis de la actividad. Psicología del trabajo. Metodología - Psicología.


 

 

De onde partimos?

As pesquisas sobre o trabalho docente realizadas nos últimos 18 anos pelo Programa de Formação e Investigação em Saúde e Trabalho (Pfist) - vinculado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Subjetividade e Política (Nepesp) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) - apontam, muito frequentemente, para modos de gestão nos estabelecimentos escolares que atribuem um valor negativo para o trabalho docente, não investem em processos de formação permanente conectados às questões concretas da atividade, contribuem para a precarização1dos processos de trabalho e produzem relações extremamente adoecedoras (Barros, Ronchi & Rosemberg, 2014; Silva, Cesar & Barros, 2016).

O Pfist conclui, por meio dessas pesquisas, que uma gestão autoritária e controladora opera no sentido do impedimento da experiência de autonomia dos trabalhadores. Tal situação intenta configurar um ambiente escolar como pergaminho de ordens legislativas heterodeterminadas. O potencial de criação dos trabalhadores, que se mostra imprescindível à realização do trabalho docente, fica prejudicado por essa gestão autoritária. Os indicadores produzidos nas pesquisas permitem compreender os motivos pelos quais o número de licenças médicas aumentava, substancialmente, entre os docentes nos diferentes períodos analisados, variando de uma taxa de 12,77% a 60,13% em alguns municípios da região metropolitana da Grande Vitória/Espírito Santo (GV/ES).

Face aos números alarmantes de licenças médicas, procurou-se intervir nos processos de gestão a fim de transformá-los no sentido da produção de saúde pela construção de estratégias coletivas que viabilizem enfrentamentos aos modos de organização dos processos de trabalho que produzem adoecimentos. O conjunto de investigações do Pfist (promovendo a visibilidade de certas políticas educacionais que se expressam, sobretudo, nas condições e na organização do trabalho) indicam que colocar os processos de trabalho em análise seja crucial para produzir inflexões nas práticas em curso no campo da Educação hoje, quando prevalecem modos de trabalho na contramão de processos cogestivos, democráticos e com direitos trabalhistas assegurados.

Os resultados dessas pesquisas têm nos mostrado a importância de se investir numa direção metodológica que seja inclusiva e participativa, na qual os trabalhadores são protagonistas importantes e imprescindíveis, quando se perspectiva a transformação dos arranjos adoecedores na gestão dos processos de trabalho. Nessa direção, cabe ressaltar ainda alguns outros resultados atrelados a essas pesquisas: a criação de uma Secretaria de Saúde no próprio Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes); parcerias com Secretarias de Educação municipais para incluir em seu projeto de formação de professores a temática "processos de trabalho em Educação"; e experiências de construção de espaços coletivos de análise do trabalho nas escolas, dentre as quais as mais recentes constituem-se como projetos-piloto de Comissão de Saúde do Trabalhador - Cosat (Barros, Ronchi, & Rosemberg, 2014; Silva, Cesar, & Barros, 2016).

Pode-se, então, interpelar: os docentes estão fadados ao abandono de seus postos de trabalho? É possível modificar o trabalho em Educação, mesmo diante das condições e da organização do trabalho produtoras de adoecimento? O que "move" os professores a continuarem trabalhando? Quais táticas e estratégias os docentes têm criado para escapar ao sofrimento e ao adoecimento? Em meio a essas indagações que surgem em nosso percurso de investigação, vale a pena ressaltar que temos mapeado mudanças expressivas nos modos como os trabalhadores da Educação têm pautado esse debate, deslocando-se dos lugares de vítimas de um processo que penaliza e faz sofrer para posicionarem-se como protagonistas e artesãos das práticas em Educação. Pensar na organização do trabalho em escolas leva-nos a problematizar o adoecimento dos profissionais docentes como uma questão de saúde pública. Assim, um caso de adoecimento deixa de ser percebido como problema individual, resultado da (in)competência de um sujeito isolado para lidar com situações externas adversas, para ser entendido como um problema a ser gerido coletivamente, pois constitui-se em efeito de determinados modos de funcionamento coletivo do trabalho.

Ao investigar o trabalho docente na Rede Pública Municipal de Vitória-ES, Marchiori (2004) constatou um incessante exercício de criação, por parte dos professores, de diferentes formas de lidar com os limites impostos pelas condições e organização de trabalho, fazendo com que o objetivo de ensinar/educar os alunos seja alcançado, contornando o prescrito.

Na escola, o trabalho dos professores também mostra vitalidade, na medida em que sempre há uma busca de saídas frente às dificuldades cotidianas de falta de material, falta de apoio administrativo, falta de salário... nas tantas faltas, ainda tiram de dentro de si as energias necessárias para garantir o ensino. É esse investimento que expande a vida no trabalho das escolas e nos mostra os sinais/movimentos de saúde e de produção de sentido na atividade que realizam. (Marchiori, 2004, p. 84)

Embasando-se nas ideias de Canguilhem (2001, 2011), de Schwartz (2004), (Schwartz, Duc, & Durrive, 2010) e de Clot (2010), sustenta-se a tese de que os professores trabalham fazendo uso de recursos produzidos historicamente pelo coletivo de trabalho, desenvolvendo-os pessoalmente, criando alternativas de relação com aquilo que realizam/produzem e gerando novas normas que lhes possibilitam gerenciar as infidelidades do ambiente de trabalho. Nessa trama, a proposta é, junto com os trabalhadores e por meio da atividade docente, produzir visibilidades às formas de organização do trabalho escolar pelo debate das normas. É necessário investigar como a escola tem atualizado seus processos de trabalho e afirmar experiências de gestão que fortaleçam a comunicação cotidiana, estimulem movimentos e processos que privilegiem a circulação da fala, visando ao fortalecimento dos atos industriosos dos professores. Na direção de Clot (2010), poder-se-ia dizer que esse caminho pode ampliar o poder de agir dos trabalhadores2.

 

O ponto de vista da atividade de trabalho: a experiência do labor no contemporâneo

O debate sobre as mudanças vividas nas relações de trabalho está em plena efervescência. Nesse debate, atenta-se para as aproximações que se pode fazer entre as análises dos "modelos" de organização que têm se construído para a produção industrial e aquilo que se observa, mais especificamente, no trabalho escolar. O modo cientificista de produção do saber conduz à crença de que o homem poderia comandar todo o progresso humano a partir do progresso do conhecimento e do rendimento do trabalho. A racionalização do uso das máquinas é concebida pela racionalização da mão de obra, sendo esta considerada em função da máquina.

A racionalização, tal qual a concebeu primeiramente Taylor, seria finalmente o homem subjugado pela razão e não o reino da razão no homem. E de fato, deve-se ao mesmo tempo, para justificar o empreendimento do taylorismo, conceber o homem como uma máquina a engatar corretamente com outras máquinas, e como ser vivo simplificado nos seus interesses e reações em consideração com o meio até não conhecer outros estimulantes atrativos e repulsivos senão "o afago e o chicote". Aqui como acolá está o absurdo do pleno poder da lógica. (Canguilhem, 2001, p. 111)

Ainda segundo Canguilhem (2001), Taylor acreditava, baseado em princípios comportamentais, que a lógica utilizada para que os indivíduos se adaptassem a um novo meio geográfico cabia também para condicionar o trabalhador no novo meio industrial. Considerava, assim, que o poder determinante do meio dominaria e anularia a constituição genética e as aptidões do indivíduo. Efetuando essa lógica, Taylor buscou condicionar o trabalho humano a um jogo de mecanismos inanimados, ou seja, as máquinas e o trabalho morto3 conduziriam o processo de produção, tornando o indivíduo totalmente dependente das heterodeterminações reguladas de acordo com as exigências do alto rendimento produtivo. Dessa forma, o trabalhador é concebido como um executor neutro de prescrições matematizadas e cronometradas, sob o jugo das quais não pode escolher nem a qualidade, nem a intensidade, nem a frequência da atividade a ser realizada. Na visão taylorista, o trabalhador eficiente é o que obedece às normas e à lógica da alta produtividade. Por essa lógica, é a racionalidade técnica que figura como protagonista, em vez de o trabalhador.

Na análise de Schwartz, Duc e Durrive (2010), o taylorismo forjou o paradoxo de que nada é mais oposto ao trabalho do que a subjetividade, na medida em que o trabalhar é incluído no registro do mecânico, da execução, do assujeitamento, sendo que o sujeito não pode se expressar, a não ser fora dele. Hoje, essa herança gestionária, revestida com outras roupagens sob o signo do capital, manifesta-se em uma maneira de controlar o processo de produção que ganha estatuto e força agindo silenciosamente nos corpos dos trabalhadores, em sua condição estética, no campo das emoções, afetos, desejos e de toda sua história (Schwartz Duc, & Durrive, 2010). Há uma produção de subjetividade que busca homogeneizar o pensamento e cristalizar imaginários sociais. Não se trata, portanto, de uma produção individual, mas de uma produção de subjetividade social que pode ser encontrada em todos os níveis da produção e do consumo. Essa produção de subjetividade é

[...] essa grande fábrica, essa grande máquina capitalística que produz inclusive aquilo que acontece conosco quando sonhamos, quando devaneamos, quando fantasiamos, quando nos apaixonamos e assim por diante. Em todo caso, ela pretende garantir uma função hegemônica em todos esses campos. (Guattari & Rolnik, 2011, p. 22)

A "maquínica" do trabalho busca engolir corpos e anular diferenças, tentando transmutar esses corpos, produzindo-os como massas uniformes, sem rosto e sem nome, apenas como força de trabalho a ser dirigida. Não obstante, os trabalhadores não são passivos às estratégias de dominação, nem esse processo se desenrola sem lutas. Sempre há interferência criadora dos humanos no universo do trabalho. No curso das atividades, portanto, jamais há passividade, e, sim, microdecisões e mudanças, mesmo que de forma ínfima. Para Canguilhem (2011), executar fielmente normas e prescrições, ser determinado completamente pelas imposições de um meio exterior, não é viver, é algo de profundamente patológico, pois a vida é sempre a tentativa de se recriar parcialmente como protagonista em um meio e não como produto ou função dele.

Assim, há um apelo a um "uso", não somente a uma execução. A pura execução seria "invivível". Como as coisas nunca se dão exatamente deste jeito, então o sujeito pode viver, ou seja, tentar recentrar (mesmo no infinitesimal) o meio em torno daquilo que são suas próprias normas. É preciso que ele escolha, visto que as imposições ou as instruções são insuficientes! Então, é necessário que ele faça escolhas. É necessário que ele atribua a si próprio leis para dar conta do que falta. (Schwartz, Duc, & Durrive, 2010, p. 192)

Trabalhar, sob o prisma do "uso", é colocar em jogo limites e capacidades na atividade, é colocar-se à prova. É, de certa maneira, correr riscos, já que as normas não antecipam tudo. Trabalhar é encarar o real em sua irredutível imprevisibilidade e fazer a gestão disso, o que implica sempre algum risco. No pensamento de Schwartz, Duc e Durrive (2010), Caponi (2014) e Nouroudine (2004), os trabalhadores correm risco no trabalho porque fazem escolhas para suprir os "vazios de normas", as deficiências de orientações, de conselhos e de experiências adquiridas registradas nas prescrições e/ou nos procedimentos. Por mais minuciosas que sejam as prescrições, elas jamais conseguem antecipar completamente o trabalho. Assim, os próprios trabalhadores, vivendo o real do trabalho, buscam antecipar soluções para os problemas ainda não prescritos, cientes do risco de falhar, de criar novas dificuldades, de não agradar, de sofrer uma exposição pública dos seus erros e fragilidades. Quando se faz escolhas, de algum modo, escolhe-se a si próprio; em seguida, será necessário assumir as consequências de se ter optado.

A atividade de trabalho pode ser, então, compreendida como uma espécie de "dramática", um problema que exige tomadas de decisão singulares, de acordo com as variações do real. Se admitimos, por um lado, que o trabalho é sempre singularização e ressingularização por usos de si próprio, por outro lado, reconhecemos que o trabalhador não age de forma individual. As escolhas singulares se definem e se modulam no coengendramento do sujeito com seu meio de trabalho, de modo que nem o indivíduo nem o meio podem estar na origem da ação, já que emergem como efeitos da atividade produtiva. É a diferenciação constante que atravessa e conecta a atividade do trabalhador e a infidelidade do meio, constituindo-os como sujeito e objeto do trabalho. No cerne da atividade, está a potência de inventar e diferir, o que caracteriza o trabalho como dimensão do vivo. A potência conectiva do trabalho é também construtora de coletividades, pois ninguém trabalha sozinho. Os outros estão no trabalho por meio da prescrição, da avaliação, da conformação do espaço físico, dos objetivos, materiais e instrumentos. A alteridade é condição sine qua non da atividade de trabalho.

É que escolhendo as hipóteses, escolhendo trabalhar com tal pessoa mais do que com outra, ser atencioso mais com isto do que com aquilo, tratar a pessoa que se tem a frente de si de tal maneira mais do que de outra, enfim, fazendo todas essas escolhas, engajamos os outros com os quais trabalhamos. (Schwartz, 2010, p. 195)

A atividade de trabalho ocorre nessa tensão dos usos de si "por si" e "pelos outros", colocando em jogo recursos e capacidades largamente mais complexos do que aqueles explicitados nas prescrições (geralmente, reduzidos a capacidades individuais) e tendo em conta o que a tarefa cotidiana solicita. Há, desse modo, a utilização de recursos simultaneamente pessoais e coletivos. Essa abordagem, portanto, considera que a atividade de trabalho é realizada por um ser vivente e pulsante, ser de desejos, que carrega consigo valores e regras, que inventa maneiras de se relacionar com o ambiente em que vive, criando-o e recriando-o. Desse ponto de vista, compreender algo da história e agir nela requer se colocar no plano do (re)trabalho permanente dos valores a viver em situações de trabalho. Obrigando-se, assim, a colocar permanentemente em debate e em confronto tanto as experiências de vida e trabalho quanto os conceitos sempre provisórios com relação a essas experiências, mas indispensáveis para tentar construir coletivamente alguns encaminhamentos.

 

O trabalho na Educação: algumas singularizações

No Brasil, o quadro de sucateamento do ensino público tem se revelado de diferentes formas: equipamentos e instalações precárias e inoperantes; número de escolas insuficientes para atender à demanda; quadro reduzido de professores e demais trabalhadores da Educação; e, sobretudo, desqualificação do trabalho docente, em que se destacam o achatamento salarial e as péssimas condições de trabalho, atreladas a mais exigências de compromisso e esforço pessoal por parte dos professores. Nos últimos 20 anos, novas políticas e programas foram implementados, transformando a regulamentação da escola pública, reestruturando a gestão e o trabalho docente. Essas transformações aumentaram consideravelmente o ritmo de trabalho, no sentido de inflação das tarefas a serem cumpridas diante da elevação do número de alunos em sala de aula.

A polivalência se apresenta como uma característica do modo de funcionamento exigido dos professores. Apesar do crescimento na oferta da Educação pública, não houve aumento correlativo de trabalhadores, melhorias na formação destes e na estrutura das escolas. Impõe-se, nesse quadro, a lógica do mérito, que responsabiliza principalmente os trabalhadores pelos "insucessos" da Educação (Brito et al., 2014). Esses autores relatam que a óptica empresarial e seu discurso gerencial passam a imperar na escola pública contemporânea por meio de valorização do gerenciamento escolar em detrimento da avaliação da qualidade social dos serviços prestados; racionalização do trabalho; terceirização de algumas funções, principalmente na área de serviços gerais; e introdução de novos métodos pedagógicos e tecnologias (rede de computadores,

antenas parabólicas, vídeos, etc.), tornando o sistema escolar mais burocrático (regulamentos rígidos e rotina inflexível) ao modificarem não só o conteúdo e a forma das práticas educacionais, mas, principalmente, a organização do trabalho.

Entretanto, diante desse panorama sufocante da atividade de trabalho, os professores não estão de uma vez por todas rendidos ao trabalho morto. Por isso, procura-se apreender os movimentos que os docentes fazem não só para suportar as adversidades, mas também para constituir novas práticas normativas que ofereçam outras direções aos processos de trabalho em escolas. O desafio com que pesquisadores no campo da Educação pública confrontam-se é o de construir estratégias teórico-metodológicas que ajudem a pensar a gestão de/por coletivos de trabalho. No enfrentamento das adversidades nas quais o trabalho docente tem se configurado no contemporâneo, ressaltam-se a importância de analisar as estratégias, os combates diários dos trabalhadores tecidos nos conflitos e tensões do cotidiano, afirmando a vida nas suas diferentes dimensões. Essa abordagem privilegia movimentos de resistência e luta contra a insatisfação, a indignidade e a desqualificação decorrentes da organização do trabalho. Esses movimentos contribuem, fundamentalmente, para reorganizar o trabalho, suscitando novas vias de gestão; são importantes pistas para a criação de dispositivos de enfrentamento das adversidades decorrentes do modo como se organiza o trabalho na escola.

É preciso investir em ações que privilegiem a formação dos trabalhadores para intervir na problemática da escola. Partimos do princípio segundo o qual é possível avaliar o vivido no trabalho docente e transformá-lo quando os trabalhadores se instrumentalizam para efetuarem análises coletivas do trabalho desenvolvido nas escolas, produzindo um espaço público de debates, no qual os saberes do trabalho podem se desenvolver. Dessa forma, não apenas se ampliam as produções teóricas e metodológicas nesse campo, como são potencializadas ações que buscam criar outras formas de organização do trabalho. Aposta-se no diálogo como meio de fortalecer o gênero profissional4 e construir caminhos para a ampliação do poder de agir dos trabalhadores (Clot, 2014).

Interessa aqui o trabalho como um objeto tecido a cada situação, construído e reconstruído na atividade. Interessa o trabalhar como atividade, com seus movimentos de singularização, mais do que o trabalho constituído e acabado em produto. Falar do trabalho como atividade é falar, nesse entendimento, de produção de subjetividade, entendendo subjetividade também como processo de caráter coletivo. Para a aproximação da experiência do trabalho nas escolas, a dimensão vivida do trabalho é abordada como uma (re)criação, uma novidade que não pode ser facilmente apreendida em palavras. Os trabalhadores, considerados coletivamente, são capazes de inovações, de produzir suas próprias regras, não se limitando jamais a submeter-se às já existentes; a negociação permanente da atividade continua a existir mesmo em situações de trabalho dominado.

Nas escolas, o trabalho das equipes nunca permitiu uma divisão de tarefas como aquela da linha de montagem mecanizada, com seus postos de trabalho parcelares e tarefas simplificadas. Na escola, a taylorização nunca chegou a ocorrer como idealizada. Contudo, diversas características da gestão taylorista foram incorporadas pelo trabalho prescrito ou no ajuste da atividade. Nesse caso, a subjetividade é, ao mesmo tempo, prescrita e interdita de um modo bastante específico: prescreve-se a forma como as relações devem ocorrer, definem-se hierarquias e limites profissionais. Contudo, é impossível anular a inventividade do vivo como necessária para que o trabalho prossiga na escola. A capacidade de tomar decisões é indispensável para fazer face à extrema variabilidade e à especificidade do objeto de trabalho.

A escola é um espaço que, como tantos outros, é formado por uma diversidade de relações e de criações que sinalizam para um funcionamento híbrido. Entretanto, tal funcionamento é impedido de se desenvolver diante dos processos de disciplinarização (Foucault, 2013) que, pretendendo aumentar a produção, esquadrinham os espaços e limitam os corpos em seus encontros. Para enfrentar esse modo de gestão necrosante do trabalho em Educação, é necessário abrir espaços de discussão no cotidiano das escolas para que a luta por melhores condições de trabalho se constitua em redes de cooperação entre sujeitos produtores da Educação. Para tanto, as invenções que os trabalhadores já produzem em seu cotidiano devem ganhar visibilidade para potencializar formas coletivas de atuação e gestão.

Um dos obstáculos à promoção de espaços de debate entre educadores é a precarização das relações de trabalho entre os professores das redes públicas de ensino. Existem aqueles que foram aprovados em concurso público e efetivados, tendo assegurados diversos direitos trabalhistas, e existem os que, ano após ano, são contratados pelo prazo do ano letivo para fazer a mesma função dos efetivos sem se beneficiar dos mesmos direitos. Tais circunstâncias mostram que as escolas públicas têm operado na lógica do enxugamento da máquina estatal e da diminuição dos encargos trabalhistas com contratos de prestação de serviços temporários. O aumento da carga horária de trabalho e da carga didática em sala de aula é acompanhado pela diminuição dos quadros efetivos e pelo aumento do número de contratos temporários para suprir os desfalques, reforçando-se a precarização dos vínculos de trabalho (Milani, 2008). A precariedade dos vínculos trabalhistas instaura dificuldades para uma gestão coletiva na escola: professores que não permanecem por muito tempo na unidade de ensino; construção de planos de ação a longo prazo prejudicados; constrangimentos e submissões à hierarquia advindos da relação contratual com prazo delimitado; impossibilidades de desenvolver trabalhos coletivos e relações interpessoais que poderiam fortalecer o coletivo de trabalho.

Por que isso acontece? Há uma questão econômica, pois são menores os custos de contratação de um professor por um prazo determinado e limitado ao ano letivo do que manter regularmente um professor efetivo na função, que recebe salário no período das férias escolares e possui plano de carreira. Nos planos de carreira incorporam-se gratificações de tempo de serviço e evolução funcional aos salários. Os professores efetivos têm todos os direitos trabalhistas de um servidor estatutário, enquanto os professores contratados recebem apenas as horas trabalhadas no período de seu contrato. Essa vantagem financeira aos cofres públicos resulta numa série de complicações quanto aos processos de gestão do trabalho em Educação, marcado pela provisoriedade e mudanças constantes na equipe de trabalho. É preciso considerar que uma questão política está atrelada à questão econômica, uma vez que a precariedade das relações trabalhistas, derivadas da rejeição aos direitos conquistados historicamente pelos trabalhadores, cria condições para o exercício de gestão autoritária pelos constrangimentos que a insegurança no emprego promove. Sennett (2010) argumenta que a hegemonia contemporânea das relações de curto prazo no trabalho (repudiando a perspectiva de estabilidade empregatícia e exaltando a flexibilidade no trabalho em equipes provisórias) resulta em uma corrosão do caráter pela ausência de condições para a construção de valores coletivos que dependem da convivência a longo prazo. A fragilidade ética resultante desse quadro expressa, portanto, uma política governamental de Educação marcada pelo descaso quanto à qualidade dos processos educacionais.

Os professores contratados em regime de designação temporária prestam um concurso público. Sendo aprovados, são a eles oferecidos contratos de trabalho com os mesmos deveres e obrigações do professor efetivo, porém com um salário menor e sem os mesmos direitos. Ano após ano, o professor participa da atribuição de aulas, faz exames médicos e de laboratório, assinando seu contrato sempre depois do início do ano letivo, geralmente no mês de março, para cumprir um ano letivo inteiro e ser dispensado em dezembro. As prefeituras5 cortam metade do salário de dezembro (que é proporcional aos dias letivos do mês) e o professor deixa de existir na rede de Educação municipal até que assine um novo contrato no ano seguinte. Pela necessidade de trabalho e na esperança da efetivação, o professor permanece nessa vida de vínculos de curto prazo.

Diante desse quadro, o que interessa é conhecer mais de perto o que se vive nas situações de trabalho na escola hoje, mediante as novas configurações do capitalismo, e avaliar as modalidades de relações que fazem frente a essa situação, mesmo que de forma ínfima, em curso nas escolas. É fundamental criar outros possíveis6 no trabalho em Educação, apostando neles como potencial de revolta contra o que está instituído e, principalmente, na força de criação de outros modos de trabalhar-viver. Esse potencial existe e ele constitui o real pela criação de outras formas de trabalho, está no saber da experiência.

Essa perspectiva de pesquisa parte do princípio de que o docente é um pesquisador e participante ativo da gestão do seu trabalho. Sendo aquele que experimenta as dores e os prazeres do seu fazer, consequentemente, o docente é capaz de produzir conhecimento acerca desse fazer e, ao mesmo tempo, produzir estratégias de enfrentamento e resistência cotidiana. Trata-se de uma experiência compartilhada, tornada possível pela coletivização de estratégias e saberes. Isso se expressa, por exemplo, na fala de professores durante oficinas de trabalho desenvolvidas em nossas pesquisas: "Muitas vezes andamos lentamente da sala de professores até a sala de aula, essa seria uma forma de garantir um intervalo inexistente oficialmente, mas imprescindível para continuar o trabalho". Entre sorrisos e falas, esse modo de andar compõe a gestão do trabalho e da saúde dos profissionais da Educação. Forjar um meio para que tais modos de andar se desenvolvam, salientando seus traçados impregnados de sentidos, em estratégias de intervenção na organização do trabalho é um horizonte importante.

A exigência de autonomia e flexibilidade, que se observa atualmente no processo de trabalho, confrontada com a apatia relatada pelos docentes no curso da atividade, leva à busca de uma ampliação do grau de autonomia dos trabalhadores. Tal objetivo supõe a produção de sujeitos capazes de inventar formas de enfrentar novas e velhas situações, utilizando-se para isso da própria experiência construída historicamente nas situações de trabalho. Desse ponto de vista, os dispositivos utilizados na análise do trabalho devem incidir sobre a experiência de trabalho dos sujeitos envolvidos como participantes de um determinado ofício, de modo a transformá-la, tornando-a útil na construção de novas experiências (Clot, 2010).

No trabalho em sala de aula, na sala dos professores com seus pontos diários, nos corredores povoados de afetos e sinetas, como se movimentam os docentes? Que jogos de práticas acionam? Que engrenagens colocam em funcionamento? Como se gerem entre formas panópticas, corporificadas pelas divisões espaciais e temporais, pela vigilância dos alunos e das coordenações pedagógicas e, insidiosamente, pela autovigilância? Como lidam com seus fazeres transformados em números, feito posição em uma escala que reduz o seu fazer a um jogo de comparações? Como tecem no cotidiano outros usos não previstos? Como se movem nos movediços da fragmentação de seus fazeres? De que maneiras enfrentam a solidão de suas práticas? Que alianças tecem? Que recusas estabelecem em meio a um trabalho que invade a vida do professor fora da escola? Que dramáticas dos usos de si vivenciam? Que distâncias experimentam entre o trabalho prescrito e o trabalho real? De que maneiras agenciam produções de sentidos em suas atividades? Como lidam com o caráter extenuante e empobrecido de suas tarefas? Como os docentes agem a partir da prescrição no seu trabalho? Como, ao trabalhar, inventam mundos, se constituem? No cotidiano inventam-se mil maneiras não autorizadas ou antevistas, fabricam-se outras maneiras de empregar os objetos, possibilitando metamorfoses inúmeras e infinitesimais. Assim, para analisar o cotidiano, faz-se necessário inventar outros instrumentos que não aqueles arranjados pela racionalidade científica. Urge mergulhar no interjogo dos sujeitos com seus mundos de fazer-saber, apontando a marginalidade das (re)invenções trilhadas silenciosamente. Como caçadores, restam aos indivíduos astúcias, reinvenções dos códigos demarcados. Dessa forma, ler, conversar, habitar, cozinhar - fazeres e sabores cotidianos - permitem jogar com os acontecimentos, sem nomeá-los, datá-los ou demarcar lugares. Fazeres que, pelos seus usos, (re)introduzem mobilidades de interesses e prazeres. Há quatro séculos aprendemos a desqualificar saberes cotidianos e passamos a submetê-los ao julgo das ciências (saber instituído) para se tornarem confiáveis (Garcia & Alves, 2002). Como perceber as multiplicidades desses conhecimentos se os produzimos em nossas ações cotidianas tomados pela sensação do habitual e corriqueiro? Sua análise não se torna irremediavelmente comprometida, já que, para compreender, é iminente a separação entre sujeitos e objetos? Ora, é preciso outras lógicas, como apontam Garcia e Alves (2002), é urgente narrar a vida.

É imprescindível tomar os fazeres cotidianos como espaços de gestão e afirmação da vida. Portanto, analisar o trabalho docente como atividade cotidiana é enfocar seus contornos, suas nuances, suas trilhas silenciosas. Trata-se de produzir visibilidades das táticas que resistem à captura da lógica de sobrecodificação da vida que procura modelizá-las por metro-padrão. O trabalho solicita arbitragens, engajamentos, escolhas e reajustamentos para os imprevistos que a tarefa exige. Nisso reside a infidelidade do meio, pois os acontecimentos são as transformações processando a história no mundo de maneira que não se pode antecipar definitivamente seus produtos. A imprevisibilidade do real e a variabilidade das situações de trabalho com que os trabalhadores se deparam a cada dia envolvem diferentes processos decisórios que apontam para uma gestão micropolítica durante o exercício da atividade. Desse modo, entende-se que, embora sob condições muito adversas, quando a máquina do trabalho busca engolir os atos criadores dos viventes humanos, os ambientes laborais insistem em se configurar num "espaço de possíveis", pelo qual os sujeitos se manifestam no ato de trabalho por meio da "atividade industriosa" (Schwartz, 2004), pela diversidade de "usos de si" que sinalizam para a afirmação do movimento da vida.

 

Para onde vamos?

Até aqui, discutiram-se as diretrizes teórico-metodológicas que têm norteado o percurso de pesquisas do Pfist no campo da Educação nos últimos 18 anos e que, basicamente, giram em torno da inseparabilidade entre gestão, trabalho e saúde. A essa altura, convém pensar para onde esse percurso se conduz atualmente, para onde vai em meio ao trabalho docente no contemporâneo. Pode-se perceber, pelas questões colocadas até aqui, acompanhando os processos de trabalho e gestão na Educação, aquilo que o Pfist considera como uma força essencial nas resistências do trabalho docente aos processos de precarização: a aposta em espaços coletivos de análise do trabalho.

Investe em processos de formação que operam na experiência de trabalho, dialogando com os trabalhadores sobre o cotidiano em escolas e na lida com as questões concretas. Na abordagem pelo diálogo, as pessoas são confrontadas consigo mesmas e com o que foram em uma situação anterior. Num jogo de interpelação - convocação e reconvocação - da experiência, as pessoas se veem diante de suas circunstâncias de vida, de suas histórias e, sobretudo, da possibilidade de fazer diferente o que há muito acreditava-se somente ser possível de um determinado modo. Ao considerar o potencial educativo da situação de trabalho retomada em diálogo, afirma-se que os processos de aprendizagem se efetivam no cotidiano de trabalho, gerando a compreensão de que trabalhar é formar-se. Gerir variabilidades é deslocar-se, é aprender! Reconhecer que, no trabalho que já se faz, a aprendizagem se efetiva de maneira situada. Reconhecer torna-se um movimento de conhecer novamente, de se espantar com a inventividade efetiva no microscópico da atividade de trabalho, em vez da mera reprodução do conhecimento instituído.

Isso se efetiva num processo de fortalecimento de coletivos de trabalho, dialogando com os pares em atividade, construindo estratégias de enfrentamento à supressão do poder de agir do trabalhador. Nada é absolutamente previsível e, se não conta com uma rede de apoio forte e articulada, o trabalhador fica fragilizado e a dimensão processual do trabalho se torna invivível e invisível (Schwartz, 2004). Em tempos de precarização das relações de trabalho na Educação brasileira, para onde vamos? Seguindo as pistas das problematizações trazidas à baila, deixa-se de responder a essa pergunta, pois não há como prever aonde chegar. Entretanto, podem-se criar estratégias que orientem as apostas, buscando intervir nos processos em curso, produzindo inflexões radicais no estado atual das situações de trabalho em escolas. Em vez das (in)seguranças advindas das previsibilidades que se podem forjar, os riscos de uma luta cujo terreno é o próprio trabalho cotidiano. É preciso produzir conhecimentos que operem essa realidade, ou seja, que promovam mudanças diretas na organização do trabalho a partir da gestão imanente da atividade docente.

 

Referências

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Recebido em: 17/4/2017
Aprovado em: 7/3/2019

 

 

1 A precarização do trabalho refere-se à flexibilização na contratação de trabalho, acompanhada pela diminuição do emprego e pelo aumento da informalidade (Fernandes & Helal, 2010). Referindo-se a um processo social, histórico e cultural que envolve a vida das pessoas dentro e fora do trabalho, pode-se afirmar que esse "[...] é um processo complexo, pois mantém a relação capital/trabalho em sua essência, ao tempo em que transmuta as suas formas de existência. Ou seja, forja mudanças epidérmicas, de superfície, através de diferenciados estatutos de trabalhadores que camuflam a relação essencial capital/trabalho, confundindo as figuras sociais básicas representativas - empregado e empregador - que norteiam a vigência e a aplicação das leis trabalhistas. Neutraliza e anula a regulação social do trabalho (com a consequente perda de direitos conquistados pelos movimentos sociais anteriormente), naturalizando o trabalho precário, banalizando a injustiça social e a violência no trabalho (principalmente, a violência psicológica)" (Franco, Druck & Seligmann-Silva, 2010, p. 230).
2 Poder de agir é expressão cunhada por Yves Clot (2010), junto com sua equipe de pesquisadores em clínica da atividade reunidos no Conservatoire National des Arts et Métiers (Cnam), a partir da Filosofia de Baruch Espinosa e da Psicologia de Lev Vigotski. O conceito de poder de agir refere-se ao grau de autonomia dos trabalhadores sobre seu trabalho - o que está relacionado à questão da subjetividade, ou seja, à ampliação ou diminuição da potência de afetar e de ser afetado em situação de trabalho concreta.
3 O conceito de trabalho morto é a contrapartida do conceito de trabalho vivo em Karl Marx. "O trabalho vivo deve apoderar-se dessas coisas, despertá-las dentre os mortos, transformá-las de valores de uso apenas possíveis em valores de uso reais e efetivos" (Marx, 1985, p. 153). O trabalho morto é a atividade impedida de se desenvolver, constrangida pelas prescrições racionalistas que pretendem submeter a realidade produtiva aos modelos de eficiência e tratar o humano como máquina programável. Nesse sentido, Clot (2010) propõe que o sentido da intervenção psicológica nos meios de trabalho seja o de favorecer o desenvolvimento dessas possibilidades em atividades concretas, de modo que os impedimentos da organização racional do trabalho sejam ultrapassados pelos próprios trabalhadores.
4 Conceituação produzida por Clot e Faïta (2000) e Clot (2010, 2014) a partir do conceito de gênero de discurso em Bakhtin (2011). Refere-se a um modo de regulação decorrente de mecanismos de cooperação entre trabalhadores, nos quais se encontram regras formais e informais de ação comum, como variantes normativas à disposição das situações de trabalho. Diz respeito a um referencial comum de conhecimentos operativos, componente de um corpo social que se interpõe às pessoas no trabalho, ligando-as à história de um meio de vida e trabalho. A vitalidade dos gêneros está nos processos de estilização que caracteriza o trabalho como invenção cotidiana. "Por meio do gênero, toda a história da gestão imanente dos processos de trabalho pelos próprios trabalhadores entra em jogo na atividade; todas as escolhas, impasses, disposições e conflitos se conservam, revivem e transformam pelas situações de trabalho" (Clot, 2014, p. 104).
5 Nessas considerações, partimos da experiência de pesquisa desenvolvida no município de Serra/ES há cerca de 15 anos, mas entendemos tratarem-se de processos comuns a diversas outras redes de Educação na realidade brasileira contemporânea.
6 É importante destacar que o possível, para nós, não se refere a opções estabelecidas, ou seja, à disponibilidade atual de um projeto se realizar. A palavra possível não está designando, aqui, alternativas reais e imaginárias, mas emergência dinâmica de novo. O possível aponta para a criação, a invenção do que não está arrolado como possibilitado. Assim, o campo dos possíveis não se confunde com a delimitação do realizável num determinado momento.

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