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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.13 México July 2008

 

ENTORNO AMBIENTAL Y PROCESOS PSICOLÓGICOS

 

Práticas de envolvimento socioambiental com moradores do entorno de uma reserva florestal em Manaus-AM

 

 

Maria Ines Gasparetto HiguchiI; Daniele da Costa CunhaII

IInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus -AM
IIUniversidade Federal do Amazonas, Manaus-AM (Brasil)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho discute a trajetória das motivações e das interações sociais entre membros de um grupo formado com moradores do entorno da Reserva Florestal Adolpho Ducke, em Manaus- AM. O processo fundamentado na pesquisa-ação-participante foi tecido numa diversidade de situações e vivências produzidas pelo próprio grupo no período de dois anos. Além dos aspectos específicos de sociabilidade e intersubjetividade dos membros, observou-se uma temporalidade inerente aos acontecimentos vividos no grupo. Os diferentes momentos cronológicos da mobilização grupal indicaram estratégias diferenciadas na elaboração de base de sustentação para atividades operativas. Constatou-se que a mobilização para ações coletivas de cuidado sócio-ambiental está intrinsecamente associada às vivências cotidianas dos membros fora e dentro do grupo. Da mesma forma, estratégias grupais se mostravam mais bem sucedidas quando os sujeitos se envolviam na elaboração de metas, cujo processo culminasse numa visibilidade social imediata e concreta.

Palavras-chave: Grupos, Envolvimento comunitário, Meio ambiente.


ABSTRACT

This work discuss the motivations and the distinct interactive processes among members of adults residents near to a Forest Reserve in Manaus-AM. This study based on participative research was developed through multiples living processes constructed by the group during two years. In addition of the specific intersubjectivity and sociability of the members, it was observed a peculiar temporality of social interaction in the group trajectory. The different chronology of the social mobilization of the group demanded different strategies for concrete actions, in the same way that the collective actions for socio-environmental care were associated to living experiences in a day-to-day basis among them, inside and outside the group. The members were only fully involved when the activities could strength their social recognition.


 

 

Introdução

Este trabalho discute a trajetória das interações sociais entre membros de um grupo formado com moradores do entorno da Reserva Florestal Adolpho Ducke (RFAD), um fragmento florestal urbano de Manaus-AM,durante dois anos - de 2004 a 2006. O grupo de adultos, homens e mulheres, foi formado a partir da sensibilização da necessidade de preservação dos recursos naturais da reserva e de maior cuidado socioambiental3.

Os sujeitos envolvidos são moradores da periferia cujas moradias irregulares, sob o ponto de vista de posse da propriedade, lhes fornece uma base significativa de insegurança como cidadãos. Tal situação gerada pelos problemas de imigração de grandes massas vindas do interior do Estado ou de outras regiões cujas condições sociais os colocavam numa seara de exclusão, chegam em Manaus em busca de uma melhor qualidade de vida e renda. Todos moram em terrenos ocupados a partir das chamadas “invasões”, que chegaram nos limites da RFAD, na zona leste de Manaus, cujo entorno não poderia, por lei, abrigar moradias numa distância de 30 a 50 metros. Entretanto, lá vivem por volta de 5 a 10 anos, em suas casas que adquirem estruturas cada dia mais permanentes. Os serviços públicos de abastecimento de água, energia e urbanização ainda são insipientes, fazendo com que essas pessoas se utilizem dos recursos naturais da reserva de forma intensa e predatória, quando não são impedidos pela vigilância do serviço ambiental do município ou do Instituto de Pesquisas que mantém a reserva para estudos científicos.

Se por um lado os recursos ambientais da reserva estão sob ameaça dessa ocupação desordenada, a vida dessas pessoas se define pela incerteza de continuarem nesse lugar sob a ameaça de serem removidos para outra área. O medo real ou imaginário de remoção está presente no cotidiano dessas famílias e se constitui como um aspecto de identidade grupal.

O presente trabalho se propôs compreender como se configuram os aspectos psicossociais de um grupo formado por pessoas que histórica, social e geograficamente encontram-se marginalizadas. Neste intrincado processo que envolve a administração de conflitos sociais e dificuldades emocionais e cognitivas, nos propomos a abertura de um espaço de discussão e de cuidado para com estes indivíduos e com o ambiente em que vivem. Acreditamos que ao compreender as pessoas e suas relações estaremos compreendendo o uso social do espaço e dos recursos naturais da reserva florestal. Nesse sentido o objetivo principal deste estudo se voltou para elucidação das formas de pensar e agir diante da mobilização para questões sócio-ambientais.

 

Grupos e mobilização comunitária

Ao pensar em promover contextos generativos de bem estar socioambiental, os grupos comunitários são espaços ainda pouco freqüentados pelos psicólogos. Essas matrizes de vivências psicossociais podem revelar muitos comportamentos contemporâneos, entre eles aqueles direcionados ao cuidado ambiental. O processo de construção de envolvimento comunitário e a sensibilização em direção a cidadania ambiental estão intrinsecamente ligadas com as questões cotidianas vivenciadas pelos sujeitos envolvidos e, portanto devem ser incluídos nas proposições mobilizatórias.

Tajfel (1982) afirma que as questões relacionais dos fenômenos sociais devem ser avaliadas como núcleo central de interesse da psicologia social, e ainda que deve ser o marco inicial para as pesquisas e intervenções nesta área. O autor argumenta ainda que o homem constrói e é construído de forma simbiótica por seu meio social. O aporte teórico central deste estudo é de que a formação da pessoa se dá, em grande parte, num âmbito relacional complexo com o entorno em que está engajada e com outras pessoas (Higuchi, 2002).

A dinâmica relacional desenvolvida entre os membros num contexto de grupo é uma forma importante na compreensão dos aspectos de coesão, pertença e conflitos numa sociedade. A noção de grupo concebida por Guareschi (1996), propõe que a existência ou não de um grupo está ligada à existência de relações entre os membros deste grupo. Segundo Guareschi (ibid) as relações são uma condição vital para determinar a existência do grupo em si e sua conseqüente trajetória. Portanto, as relações são aspectos inevitáveis a serem considerados numa intervenção cuja meta seja a mudança ou transformação social e bem estar psicossocial.

A definição de grupo apresentada por Guareschi (1996) implica no entendimento da relação como um direcionamento de uma coisa para outra, onde algo só é reconhecido para ele quando está em contato com seu oposto, propondo assim um movimento, um processo de deslocamento entre dois pontos. Assim sendo, a compreensão do processo grupal também se dá neste nível de movimento, onde o absoluto se torna impossível, pois o grupo é sempre dinâmico. Guareschi pontua ainda que as leituras realizadas de um grupo, tal qual uma foto, sempre são referentes a um momento específico, não podendo assim ser vistas de forma estática e descontextualizadas de uma determinada situação. Segundo o autor, o que se pode definir acerca do processo grupal são os tipos de relações momentaneamente estabelecidas. Dessa forma, é possível conceituar grupo como um conjunto de sujeitos que ao se relacionarem entre si (e só pela relação) sentem que formam um grupo. Essas relações estabelecidas no bojo do grupo por sua vez, são recursivas, hologramáticas e sócio-historicamente construídas.

Além da dinamicidade cronológica, há ainda o aspecto de pertencimento, que segundo Tajfel (1982), é crucial na definição de grupo. Tajfel (ibid), define um grupo a partir do mútuo sentimento de pertença entre seus membros, isto é, um grupo é definido pelo próprio conjunto de pessoas pelo fato de que sentem tal agregação como um grupo. Sendo assim, a visão clara de que se é membro de um grupo juntamente com as avaliações positivas ou negativas que esse fato implica, adicionado a um investimento emocional, aumentará a interatividade e engajamento do indivíduo em uma grande variedade de situações sociais. Este é um modelo recursivo na medida em que situações sociais que impulsionam o indivíduo a agir de acordo com sua pertença no grupo irão acentuar identificações grupais podendo despertar, ou até mesmo, gerar este sentimento de pertença a priori inexistente. Ao se agruparem e olharem para o outro lidando com as diferenças e similitudes, o envolvimento inevitavelmente acontece.

O cotidiano, as emoções e as relações entre os membros do grupo, são fatores que caracterizam a atividade grupal interna (Freud, 1921; Moreno, 1983; Maturana e Rezepka, 2000; Maturana, 2001). Porém num grupo, cujos membros trazem fortes relações de vizinhança, aspectos externos estão inevitavelmente presentes na dinâmica grupal. Souza (2000) e Kalina e Kovadloff (1978), mesmo que num contexto diferenciado salientam que o lugar de moradia seja a cidade ou bairro, aproxima ou distancia as pessoas nos momentos de discussão dos interesses da coletividade. Souza (ibid) reafirma que o modelo atual de cidade tende a favorecer o distanciamento, e por isso é necessário se estabelecer os laços comunitários para que se encontrem ligados aos interesses coletivos. As relações comunitárias entre os membros agem de forma decisiva para o funcionamento grupal, pois tais relações estão embebidas em processos emocionais e cognitivos (Tajfel, 1982) e imersas nas relações de poder que agem na sociedade (Focault, 1986).

Morin (2005) lembra que a sociedade contemporânea em sua situação de alta complexidade deve buscar sua coesão não somente pelas relações de poder ou pela imposição de leis justas, mas também pela promoção dos seus sujeitos de competências como solidariedade, responsabilidade, inteligência, iniciativa e consciência dos cidadãos. Estas características devem ser exaltadas para a convivência em comunidade, lembrando que existe um vínculo indissolúvel entre solidariedade, complexidade e liberdade.

 

Metodologia

O método de investigação foi o da pesquisa ação participante (López-Cabanas e Chacón, 2003). No período de dois anos o grupo foi acompanhado semanalmente por nossa equipe de trabalho, e nesta vivência relacional foi possível realizar a leitura da dinâmica adotada pelo grupo. Os encontros do grupo eram realizados nas dependências do Jardim Botânico, situado na borda da Reserva Florestal, distante poucos metros das residências dos participantes. Participaram desse processo de formação grupal, homens e mulheres na faixa etária entre 20 a 75 anos. O número de membros do grupo foi variável com uma média de 10 a 15 participantes assíduos, de forma que passaram pelo grupo cerca de 70 pessoas. São fontes de dados todos os envolvidos nas reuniões semanais do grupo bem como os eventos associados à formação do grupo

Dutra (2002) entende que a pesquisa é uma elaboração constituída acerca de um fenômeno, de forma tal que ao lidarmos com uma pesquisa concluída acabamos por nos deparar com o relato da trajetória vivenciada pelos envolvidos. A trajetória desenvolvida com o grupo pode ser pontuada por momentos que embora distintos, são complementares. Procuramos assim observar a dinâmica do processo de formação do grupo, seguido pelo desenvolvimento das atividades intragrupais, ou seja, as estratégias cotidianas dos membros no espaço do grupo, complementado pelas ações de mobilização extragrupal, referentes a atividades promovidas pelo grupo para outras pessoas da comunidade.

 

Formação do grupo

Desde os primeiros momentos de ocupação da área do entorno da reserva florestal administrada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), os moradores mantinham uma relação de distanciamento, ora por temor de serem expulsos de um lugar que sabiam ser proibido morar, ora por não compreenderem a existência de uma área verde tão imensa que impedia os necessitados de moradia construir as suas numa cidade que cresce espantosamente na periferia e teve na reserva um obstáculo (Higuchi, 1999; Silva, 2000). Após diversas vistas domiciliares, percebeu-se que os moradores se ressentiam da falta de um diálogo mais substancial, algo que pudesse aproximá-los de uma nova aliança.

A estratégia utilizada inicialmente foi a da promoção de grandes reuniões comunitárias no espaço do Jardim Botânico. Nestas reuniões eram realizadas palestras de cunho informativo e de sensibilização a respeito da necessidade de preservação da Reserva Ducke além de outros assuntos apontados pelos moradores como, por exemplo, a permanência da moradia no borda imediata da reserva.

Durante as reuniões comunitárias propôs-se a formação de um grupo que teria um caráter protetor da Reserva Ducke, e também funcionaria como espaço de discussão acerca de assuntos pertinentes àqueles moradores do entorno. Assim formou-se o grupo, denominado pelos membros fundadores como “Grupo de Amigos da Reserva Ducke” (GARD).

A medida em que as reuniões ocorriam, o aspecto de preservação ambiental da reserva se esvaecia num bojo de necessidades mais prementes daquelas pessoas. No processo de desenvolvimento dos encontros ficava cada vez mais evidente que a motivação principal dos membros do recém formado grupo era buscar resolver a permanência e posse definitiva de suas propriedades, ou seja, desejos individuais que se coletivizavam numa circunstância de esperança. De forma geral os membros buscavam caminhos para satisfazerem seus interesses e necessidades e viam nos pesquisadores, vistos como representantes do poder público, uma possibilidade de mediação do problema vivido. Esse interesse embora não explicito, emergia nas falas a todo o momento. Na “utopia” dos pesquisadores de preservação e cuidado da reserva florestal, surgia a “utopia” dos moradores de segurança de suas moradias. Havia outras necessidades a serem satisfeitas. Isso fica evidente nesse comentário feito por um dos moradores: “Que resultado isso [biodiversidade da reserva] terá para a comunidade? Acho que pra comunidade não têm importância esses assuntos. As pessoas estão esperando pra resolver a situação desses terrenos que a gente mora.

Tais utopias justificavam inicialmente a organização grupal. Considerando, porém uma máxima de Marx e Engels (1984) que para fazer história os homens precisam estar em condições de viver, inserir questões de cuidado com os recursos ambientais os membros tinham antes que pensar numa questão única: a da moradia e do morar. A prioridade dos moradores estava em suprir a satisfação da necessidade de moradia segura, mas tais cronologias não se constituíram num tempo linear, e sim de forma cíclica e reincidente. A história da preservação estaria sendo escrita de modo concomitante, ou seja, ao buscar um morar seguro, essas pessoas estavam ao mesmo tempo, e gradualmente, consolidando uma aliança com a reserva que fazia divisa com seus terrenos.

Nesse novo espaço de busca compartilhado entre pesquisadores e moradores foi se construindo uma trajetória de manifestação comum de sonhos, porém forjado em modos individualizados. Essas diversidades comportamentais e cronologias individuais esperadas para a solução desses sonhos, carregava o grupo de momentos que serpenteavam entre harmonia e conflito, satisfação e frustração, empenho e passividade.

As relações interpessoais por sua vez regiam e eram regidas tanto pelas diversidades quanto pelas similitudes de interesses dos sujeitos implicados no processo grupal, de modo que havia momentos de grande instabilidade. Essas situações não eram geradas unicamente no âmbito do grupo, mas também com o que acontecia fora dele. É importante ressaltar que a maioria dos membros já mantinha uma relação anterior e externa à formação do grupo. Alguns eram vizinhos próximos, parentes, e outros eram casais. Abrir novas possibilidades e reescrever a história nessas circunstâncias envolvia inevitavelmente considerar e reavaliar tais relações e contextos. Em muitos momentos situações externas ficavam mais expostas e exigiam cautela nas discussões, uma vez que o grupo trazia conflitos extremos como ameaças de morte recebidas por manifestarem no grupo determinadas opiniões e ter fora dele repercussões com outros moradores, ou ainda separações iminentes entre casais pelo fato de um não sustentar o ponto de vista do outro quando em embate de idéias num evento.

À parte dessas situações o grupo agiu e serviu como arena de promoção de outras relações afetivas e sociais, onde cada membro se via legitimado e reconhecido na comunidade, como representante dos desejos e interesses de todos, como alguém que mediava e promovia benefícios, entretenimento e auxílios aos que não podiam participar do grupo por motivos de trabalho. Todas essas interações se davam numa diversidade de atividades que aqui apresentamos como intra e intergrupais.

 

Ações intragrupais

Como ações intragrupais consideramos o programa, a estrutura do cotidiano grupal, no qual se inseriam as dinâmicas de grupo, as visitas técnicas, e os eventos comemorativos.

O programa foi sendo construído conjuntamente de forma que estavam inseridos aspectos levantados previamente no diagnostico socioambiental feito nas visitas domiciliares. Um dos aspectos seria a formação de habilidades sociais, tendo em vista que muitos dos conflitos evocados se originavam em simples modos sociais, que eram considerados “educados” demais para gente como eles, ou deselegante pensar diferente. Fischer (s/d) pontua que o exercício da individualidade na coletividade é algo que precisa ser estimulado e preparado.

As atividades desenvolvidas semanalmente tinham um objetivo específico para cada encontro as quais eram operacionalizadas distintamente com dinâmicas de grupo, os eventos comemorativos (natal, aniversário, páscoa etc) e as visitas técnicas (lugares turísticos da cidade, instituições públicas e de ensino). Essas atividades serviram tanto como pretexto pedagógico quanto meios para elucidação dos desejos e dos momentos grupais vivenciados.

As dinâmicas de grupo favoreciam imensamente a discussão de temas mais subjetivos, cuja linguagem não conseguia traduzir a complexidade das vivencias e modos de pensar. O conteúdo lúdico amenizava avaliações individuais e coletivas, de modo a aceitar e poder enfrentar uma necessidade de mudança. As técnicas utilizadas facilitaram uma auto-reflexão grupal de forma crítica promovendo o dialogo espontâneo. Através dos jogos foi possível discutir as dimensões das práticas de poder, onde o grupo pôde reconhecer que suas atuações também são, em muitas ocasiões, pautadas na exclusão e na submissão das quais se consideravam vítimas passivas.

Os eventos comemorativos foram momentos de integração e desenvolvimento de laços afetivos. Os eventos se tornavam um espaço para conversar sobre o cotidiano, compartilhar experiências criando vínculos favoráveis ao sentimento de pertença grupal. A solicitude e a fartura de alimentos trazidos para as confraternizações demonstravam a importância atribuída a estas ocasiões. Mesmo tendo um baixo poder aquisitivo não os impedia de fazer quitutes requintados. Observava-se nos detalhes da apresentação o carinho e cuidado no processo de confecção e tipo de produtos usados - “usei manteiga mesmo, não margarina, pra ficar mais gostoso”. O êxito era comemorado com troca de receitas e procedimentos. As frustrações decorrentes de acidentes com um ou outro ingrediente que não combinava no seu desejado paladar, exigiam de grupo uma segunda chance, “da próxima vez vou acertar”. Essas trocas mediadas pelos arranjos decorativos, pela culinária e lembrancinhas, abriam novas possibilidades utilizadas pelo grupo. Esses aspectos confirmam o que Tajfel (1982) diz quando coloca que o fator emocional perpassa os fatores sóciocognitivo e avaliativo, para consolidarem uma nova historia nas relações sociais.

As visitas técnicas por sua vez, proporcionaram vivências de expansão físicas e simbólicas, um transporte geográfico e social, que foram incorporadas como empoderamento individual e coletivo do grupo. Através destas visitas eles conheceram lugares onde eles não se sentiam no direito de entrar como, por exemplo, no Teatro Amazonas. Por mais democrático que seja um ambiente, este é na sua essência instituído para certas pessoas (Fischer, s/d). Entrar no domínio do outro, de poucos, possibilitou sentimentos de apropriação deste lugar histórico como parte de sua própria história, a história do GARD que pode ir onde quiser, ser cidadão de Manaus. Outra visita, a de ir ao campus do INPA, instituição tida como poderosa, encastelada por doutores, seres “inteligentes e evoluídos", também possibilitou uma experiência de aproximação, tal qual um vizinho que abre as portas para dar boas vindas ao outro. Esse gesto eles próprios estariam imitando com outros novos moradores. Em ambos os casos apenas os membros do GARD estavam presentes. Essa exclusividade era vista como privilégio, e por conseguinte, esse fato os faziam sentirem-se pessoas especiais.

 

Ações extragrupais

As ações extragrupais estiveram associadas às ações de integração e mobilização de outros moradores. A partir da demanda que emergia na interação com os demais moradores, o GARD passou a realizar reuniões comunitárias e cursos de capacitação.

O objetivo traçado pelo grupo era o de esclarecer a comunidade acerca de questões que consideravam relevantes, sempre relacionadas a uma melhor condição de vida no bairro. Os assuntos das reuniões eram definidos nos encontros semanais do grupo, assim como eram atribuídas funções para cada membro. Estas reuniões funcionaram como momentos de legitimação e visibilidade social dos membros do GARD diante da comunidade.. A identidade social de membro do GARD se concretizava no uso da camiseta verde claro serigrafada com logotipo por eles elaborado, e do crachá com o respectivo nome, foto e a inscrição “membro fundador”. O crachá tornava concreta sua pertença num grupo que já se tornava conhecido no bairro, nas reportagens de jornal ou entrevistas na TV. O GARD era falado no dia-a-dia da comunidade e reconhecido nas instituições como INPA e Secretaria de Meio Ambiente Municipal. O reconhecimento externo trouxe mais coesão e identidade grupal. Com a promoção e valorização pessoal aflorava gradativamente um sentimento de coletividade. Ser membro do GARD sinalizava um reconhecimento que se estendia além do entorno da reserva florestal, “aonde eu ando por essa baixada..., as pessoas falam comigo e eu tenho certeza que foi por causa da reunião”.

O desenvolvimento de ações que transcendiam o próprio grupo proporcionaram momentos de reflexão sobre conflitos emergentes. As dificuldades inerentes entre o propor, planejar, executar e avaliar eram evidentes e causava um mal estar inicial e algumas evasões. Os que permaneciam no grupo iam gradativamente forjando uma necessidade de planejarem somente o que seria capaz de ser feito, evitando assim a mesma censura dada aos políticos.

Ainda que reduzido o grupo manteve-se como entidade reconhecida, mas na dificuldade de solucionar os complexos problemas de posse de propriedade e serviços de urbanização, os membros mudaram de estratégia e propuseram a realização de cursos de capacitação profissional. Foi com a realização dos cursos que o número de participantes do GARD aumentou consideravelmente, chegando a um novo momento nessa trajetória. Novos vínculos foram estabelecidos, de forma muito rápida entre os membros. Ainda permanecia presente o desejo de reconhecimento pessoal, de promoção e valorização social. No entanto, os cursos aliviaram esta demanda de valorização e serviram como estímulos para pensar e discutir acerca de outras ações concretas a serem desenvolvidas extragrupo.

As capacidades valorizadas durante os cursos engendraram, assim, um novo tempo grupal. O GARD como grupo de referência no bairro já agregava novas possibilidades, como por exemplo, a mobilização de artesãos e a conseqüente criação da Feirarte uma feira de artesanato que passou a ser feita uma vez por mês no Jardim Botânico. Pelo sucesso dessa atividade, o GARD se redefiniu e passou a ter como prioridade o artesanato com temas relacionados à flora e fauna da reserva florestal. Foi nesse momento que os interesses centrados na propriedade deram lugar ao interesse pelos recursos ambiental, do bairro e da floresta. As realizações concretas que surgiam a partir de busca de novas realizações se deslocaram da esfera estrita da situação de moradia. Esse novo tempo que aparece em ações diferenciadas, continua trazendo o antigo e presente desejo de reconhecimento e valorização e inclusão social: “estou feliz de estar participando de um evento como esse e de vocês estarem interessados em nos ouvir embora somos todas inexperientes, mas conseguimos nossa exposição”.

O grupo foi povoado com novos rostos preservando sua dinâmica, considerando obviamente subjetividades diferentes.Com o sucesso da Feirarte novos moradores começam a participar do GARD. Nesse movimento de entrada-saída, os membros remanescentes tentam manifestar um certo desconforto e resistem à entrada de novos moradores. O fechamento do grupo não ocorre de forma explicita, mas velada e latente, visível na imposição de normas que dificultam àqueles que querem apenas se beneficiar de algumas ações como, por exemplo, nas falas destes membros “será que não está bom de artesão no grupo?” “Se quiser tem que participar das reuniões sempre!” Tais falas expõem a preocupação do grupo em relação ao seu funcionamento, que requer uma coesão para a garantia de uma identidade grupal. E esta identidade grupal é configurada ou reconfigurada por conflitos e consensos.

Neste intrincado contexto é que surgem práticas diversificadas, ora de fechamento ora de abertura do grupo, ora de verbalizações ora de silêncios. Desta forma este grupo foi construindo um caráter flexível e um espaço subjetivo mais amplo, deixando visíveis temporalidades sistêmicas no processo de formação não de um grupo permanente, mas de grupos distintos, mesmo que com membros contínuos ou membros passageiros. O GARD para seus membros passou a ser uma referência pessoal e social, como se pode verificar nos relatos: “Fazer parte dessa família pra mim é muito importante, pois é algo novo para me dedicar”; Agora podemos conseguir muito mais em grupo do que cada uma em sua casa”.

Estes relatos nos possibilitam compreender que fazer parte de algo que promove a inclusão, a autonomia e a liberdade guiada pela responsabilidade crítica é uma possibilidade transformadora. A trajetória grupal vivenciada, apoiada na noção trazida por Morin (2003) de que somente através da complexidade se faz possível a compreensão da possibilidade de “autonomia relativa” do sujeito, nos leva a conclusão de que as ações para envolvimento e desenvolvimento comunitário devem promover auto-estima, ampliar as habilidades e dilatar as possibilidades de forma tal que os sujeitos envolvidos possam ampliar seu foco motivacional e se reconhecer como capazes de reafirmar seu espaço e sua história.

Nesse contexto não se pode cristalizar uma postura de intervenção, mas acreditamos que a compreensão ética dos processos de mobilização para o cuidado com o meio social e natural, deve buscar um contato genuíno e direto com o contexto da intervenção. Esse processo gera opções e possibilidades de novas formas de pensar e agir direcionadas à promoção da cidadania ambiental, na sua mais ampla concepção.

 

Considerações Finais.

Um grupo não tem seu marco inicial no primeiro encontro entre os seus membros. Qualquer pessoa que nele chega, traz consigo uma multiplicidade de vivências, relações, significados, e expectativas. Esse repertório individual se encontra com outros repertórios na formatação de outro coletivo. Esse agrupamento não é mera associação de individualidades, mas a constituição de um coletivo que se sobrepõe aos membros participantes. Essa construção requer um longo caminho e temporalidades que não são lineares nem constantes, mas necessariamente majorantes no consenso, na tolerância e no respeito às necessidades mais prioritárias. O grupo é, portanto, produto e produtor de novas relações, de novos modos de agir e pensar sobre si, sobre os outros e sobre o ambiente em que cada um se acha inserido.

A história escrita no GARD traz algumas reflexões pertinentes de um modo de fazer acontecer a Educação Ambiental. A primeira delas refere-se ao exercício contínuo da postura crítica e dialógica. A escuta ao outro (comunidade) e o respeito aos saberes, os quais são fundamentais no processo de constituição grupal (formação, mobilização e empoderamento), assim como na mediação nos conflitos e evasões. Outro aspecto igualmente importante é a escolha de procedimentos metodológicos que dêem conta da complexidade do fenômeno em ação. Por isso, a pesquisa-ação-participante mostrou-se como um caminho que faz sentido para as pessoas e denota responsabilidade social da pesquisa.

Finalizando, falar de preservação ou conservação da natureza é passar pela compreensão dos significados que lhes é dado pelas pessoas nas relações cotidianas. Nesse processo, as práticas de envolvimento socioambiental trazem à baila mundos individuais que se entrelaçam nas experiências coletivas e marcam no ambiente e nos seus elementos constituintes a própria existência das pessoas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Maria Ines Gasparetto Higuchi
E-mail: mines@inpa.gov.br
Daniele da Costa Cunha
E-mail: danielecunha_1@hotmail.com

 

 

Notas

3Este projeto desenvolvido pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Psicologia e Educação Ambiental - LAPSEA/INPA, teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM.

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