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Psicologia em Pesquisa

On-line version ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.5 no.1 Juiz de Fora Aug. 2011

 

ARTIGOS

 

Fatores Associados à Baixa Performance Acadêmica de Alunos Superdotados

 

Factors Associated with Low Academic Performance of Gifted Students

 

 

Vanessa Terezinha Alves Tentes de Ourofino I; Denise de Souza Fleith II; Fernanda do Carmo Gonçalves II

I Secretaria de Educação do Distrito Federal e Universidade de Brasília
II Universidade de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar fatores associados à baixa performance acadêmica de alunos superdotados. Essa condição, denominada em inglês de underachievement, é caracterizada pelo descompasso entre o potencial revelado e a performance na realização de tarefas na escola e na vida. Os fatores mais recorrentes na literatura são os individuais ou internos - motivação, autoconceito, criatividade - e os ambientais ou externos como família e escola. Espera-se com este estudo auxiliar especialistas, educadores e familiares a reconhecerem a existência dessa condição e os fatores associados, para que possam propor práticas educativas e pedagógicas adequadas às necessidades e características dessa subpopulação de superdotados.

Palavras-chave: Superdotação; condição underachievement; alunos superdotados underachievers; fatores associados.


ABSTRACT

This paper aims to analyse factors associated with low academic performance of gifted students. This condition, known as underachievement, is characterized by imbalance between the potential and proven performance in tasks in school and in life. The most common factors in the literature are individual or internal - motivation, self-concept, creativity - and the external or environmental ones, such as family and school. It is expected that this study help experts, educators and families to recognize the existence of this condition and related factors, so they can offer proper training and educational practices to the needs and characteristics of this subpopulation of gifted students.

Keywords: Gifted students; underachievement, gifted underachievers; associated factors.


 

 

Mentes brilhantes têm desafiado a ortodoxia há séculos na compreensão do potencial superior exibido por alguns indivíduos nas ciências, nas artes e em uma infinidade de campos do saber e das capacidades humanas (Alencar & Galvão, 2007). Nessa direção, a área de estudos sobre altas habilidades tem se preocupado em investigar questões que esclareçam a multidimensionalidade do fenômeno da superdotação, tanto na perspectiva do sucesso vivenciado pela população de superdotados, quanto na elucidação dos possíveis fatores e condições inerentes à baixa produtividade e insucesso de uma parcela desse grupo.

Compreende-se por superdotado o indivíduo que demonstra habilidades muito acima da média em alguma área do conhecimento humano, seja das produções intelectuais, artísticas, relações sociais, criativas, esportivas e psicomotoras. A concepção de superdotação que fundamenta este estudo está apoiada no Modelo dos Três Anéis formulado por Renzulli (1986), no qual se destaca a combinação de habilidade geral acima da média, criatividade e motivação como traços decisivos na organização do fenômeno das altas habilidades (Fleith, 2009; Virgolim, 2007). Incursões em subpopulações especiais de superdotação tornam o desafio ainda mais instigante, por se constatar uma realidade paradoxal revelada por alguns estudantes superdotados em sua trajetória escolar (Matthews & McBee, 2007; Neihart, 2002).

O estudante com potencial superior tem sido reconhecido por demonstrar facilidade de aprendizagem e apresentar rendimento acadêmico bastante satisfatório, geralmente acima da expectativa para o seu grupo etário e série. Contudo, em alguns casos, o superdotado não consegue estabelecer uma relação harmoniosa entre seu potencial e sua performance escolar. Estudiosos da área consideram essa condição, denominada em inglês de underachievement, como um dos maiores problemas a ser enfrentado na educação de superdotados (McCoach & Siegle, 2003; Montgomery, 2009; Reis & McCoach, 2000; Renzulli, Reid & Gubbins, 1992).

A definição de underachievement não guarda consenso entre os especialistas. Uma formulação viável e abrangente enfatiza a discrepância entre o potencial revelado (habilidade) e a performance (realização) de indivíduos superdotados diante das situações que a vida lhes oferece, seja na resolução de problemas, na constituição e alcance de metas pessoais, familiares e profissionais ou mesmo em relação à motivação para atingir sua autorrealização.

Em relação ao contexto escolar, Reis e McCoach (2000) esclarecem que as divergências constatadas entre capacidade ou potencial (mensurada por escores em realizações padronizadas ou avaliações cognitivas e intelectuais) e realização ou performance (mensurada por notas escolares, avaliação de professor, mentor) caracterizam a baixa performance acadêmica. Para essas autoras, é considerado nderachiever o estudante superdotado que exibir alto potencial cognitivo em testes padronizados; demonstrar baixa performance acadêmica, ou seja, desempenho incompatível com o potencial revelado; apresentar rendimento acadêmico inferior ou ter enfrentado obstáculos no transcurso de seu desenvolvimento escolar; e ainda, ser descrito por seus professores e mentores como superdotado com baixo desempenho ou baixa performance acadêmica. Por esse parâmetro, o superdotado underachiever é o indivíduo que não responde adequadamente às expectativas escolares e sociais conforme prediz o seu potencial, revelando lacunas e insucesso em suas produções em sala de aula (Coil, Rhoads, Smith & Merrit, 2008).

Montgomery (2009) defende que o termo superdotado underachiever deve ser empregado quando comprovadamente o indivíduo apresentar discrepâncias reais entre o potencial estimado e a produtividade atual. A autora relata que o termo é geralmente utilizado para se referir às dificuldades comportamentais, hiperatividade, atenção reduzida e falta de perseverança para completar tarefas. Para ela, se o estudante apresentar comportamentos similares a esses, mas mantém uma produção efetiva no contexto escolar, de acordo com o seu potencial, não pode ser definido como underachiever. E acrescenta que uma postura negativa, adotada por professores, pais e especialistas, denuncia uma forma limitada de compreensão do complexo fenômeno da baixa performance acadêmica.

Os resultados apontados no relatório Uma Nação em Risco: o Imperativo da Reforma Educativa, divulgado em 1983 pela Comissão Nacional de Excelência em Educação dos Estados Unidos, mostram que 50% dos alunos americanos superdotados, identificados no ensino fundamental e médio, não atingem níveis ótimos de desempenho acadêmico (National Commission on Excellence in Education, 1983). Esses dados, apesar de terem sido divulgados nasúltimas décadas do século XX, ainda são relevantes e bastante citados na literatura internacional, mostrando de alguma forma que a problemática acerca do superdotado underachiever persiste na tônica atual (Adelson, 2007; Bethea, 2007; Clark, Lee, Goodman & Yacco, 2008; Hannah & Shore, 2008; Villatte & De Leonardis, 2010).

No Brasil, os problemas relacionados ao baixo desempenho e ao fracasso escolar são contundentes e refletem a falta de equidade frente à qualidade de educação que se almeja. Chamam a atenção os dados oficiais divulgados no Censo Escolar 2010, ano base 2009, demonstrando que no país existem 53.791.142 estudantes matriculados na Educação Básica, sendo que desse total, 398.155 são alunos da educação especial e apenas 5.186 alunos são considerados superdotados (Ministério da Educação, 2010). Esse dado requer uma reflexão tanto em relação aos processos de identificação do aluno superdotado, quanto aos registros oficiais que ainda são organizados de forma declaratória por parte das autoridades competentes. Diante desse quadro, se fortalece a concepção de que muitos alunos superdotados são invisíveis ao sistema e certamente entre esses estão muitos underachievers. Ainda mais complexa é a situação daqueles que mesmo identificados como superdotados apresentam uma produtividade aquém de seu potencial, revelando uma desconexão entre habilidade e o desempenho acadêmico real e, por esse motivo, acabam excluídos do processo educacional (Montgomery, 2009; Ourofino, 2005; Ourofino & Fleith, 2005).

Embora esse tema seja estudado há décadas em todo o mundo e principalmente por especialistas norte-americanos e europeus, a literatura brasileira sobre a condição underachievement ainda é escassa. Este artigo tem como objetivo apresentar fatores associados à baixa performance acadêmica de indivíduos superdotados, fomentando as discussões e reflexões sobre o tema.

Para a realização do estudo teórico foram analisados capítulos de livros, dissertações, teses e artigos procedentes de periódicos científicos publicados nosúltimos 10 anos. Os textos foram selecionados a partir de buscas em bancos de dados eletrônicos, acessados por meio dos repositórios eletrônicos de informação científica, periódicos científicos e acervos bibliográficos público e particular. Espera-se que essas contribuições possam auxiliar especialistas e educadores a reconhecerem a existência dessa condição e a identificar fatores associados a ela, a fim de intervir de maneira adequada, transformando casos de insucesso de superdotados em histórias acadêmicas bem sucedidas, tanto na escola quanto na vida.

 

Fatores Associados à Condição de Underachievement e Superdotação

A revisão de literatura aponta controvérsias entre estudiosos do fenômeno underachievement, principalmente no que tange às causas e aos fatores que influenciam a manifestação dessa condição entre indivíduos superdotados. Porém, existe a concordância de que esses indivíduos demonstram vulnerabilidades afetivas e emocionais que os colocam em situação de risco social. São apontadas como causas da baixa performance acadêmica em superdotados: a dificuldade de adaptação ao ensino regular pouco desafiador; pressão para se adequar às normas; isolamento social; e dinâmica familiar conflituosa, rígida e com altas expectativas (Baker, Bridger & Evans, 1998; Coil et al., 2008; Matthews & McBee, 2007; Montgomery, 2009; Reis & McCoach, 2000; Rimm, 2003).

A trajetória de insucesso acadêmico de estudantes superdotados, segundo Coil e colaboradores (2008), é marcada por lacunas entre a capacidade e o desempenho alcançado nas atividades exigidas pela escola. Esses autores verificaram, por meio de estudos de casos múltiplos, que os sinais da condição underachievement aparecem nos primeiros anos escolares e os efeitos negativos são cumulativos em todo o processo de desenvolvimento. As causas mais frequentes da baixa performance acadêmica são a baixa autoestima; pressão por parte de pais, mentores e pares; dificuldades para estabelecer objetivos a longo prazo; e tédio com os trabalhos desenvolvidos em sala de aula vinculados a um currículo tradicional.

É observada na literatura uma triangulação de possíveis causas em que estão presentes fatores relacionados ao indivíduo, à família e à escola. Montgomery (2009) destaca que a condição underachievement é resultado de uma interação inadequada de fatores internos e externos que influenciam negativamente as produções acadêmicas do indivíduo superdotado e representam barreiras às suas altas habilidades. Para essa autora, os fatores internos (falta de motivação, personalidade instável e dificuldade específica de aprendizagem) e os externos (cultura, poucas oportunidades de desenvolver atividades criativas, ausência de desafios cognitivos e processo de avaliação escolar autoritário) interagem entre si, são complementares, interdependentes e representam a chave de entendimento do fenômeno da baixa performance acadêmica.

Fatores associados ao indivíduo como a depressão, a ansiedade, o perfeccionismo, a baixa autoestima e o autoconceito negativo são apontados como preceptores de baixa performance acadêmica. Outros fatores como rebeldia, irritabilidade, não conformismo, déficit de aprendizagem, desorganização, impulsividade e déficit de atenção, imaturidade social e estabelecimento de metas irreais também podem estar associados ao fenômeno underachievement (Baslanti & McCoach, 2006; McCoach & Siegle, 2003; Reis & McCoach, 2002; Rimm, 2003). Os fatores mais recorrentes na literatura associados a essa condição são os individuais ou internos - motivação, autoconceito e criatividade - e os fatores ambientais ou externos - família e escola. Cada um dos fatores será primeiramente abordado na perspectiva do fenômeno de superdotação e em seguida em um paralelo com a condição underachievement.

 

Fatores Individuais: Motivação, Autoconceito e Criatividade

Os fatores individuais ou internos influenciam o desenvolvimento do superdotado e ao mesmo tempo caracterizam seu comportamento. É importante lembrar que os fatores estão intimamente relacionados e o que acontece em uma dimensão pode afetar a outra (Alencar & Fleith, 2003). O impacto dos fatores individuais sobre o desenvolvimento do indivíduo superdotado pode ser examinado por meio de sua conduta e da análise da qualidade de suas produções e expressão criativa. Verifica-se que a presença desses fatores em condições favoráveis promove o desenvolvimento pleno do indivíduo, ao passo que em situações inibidoras a baixa performance pode ser constatada. Combinação de habilidades cognitivas, capacidade imagética, autonomia crítica, flexibilidade, entre outras características, formam um espectro de potencialidades na expressão das variáveis individuais. Esses aspectos são também destacados por Alencar e Galvão (2007), que consideram as características pessoais como contribuição primeira para a criação nas ciências e nas artes. Para os autores, os atributos pessoais aliados ao clima sociocultural e as vivências experienciadas nos primeiros anos de vida do indivíduo, sob influência da família e da escola, podem tanto facilitar como obstruir a produção criativa.

Motivação. Vários autores apresentam a motivação como uma dimensão importante capaz de mobilizar o indivíduo na direção de metas específicas, que conduzem à sua realização como pessoa (Amabile, 1986; Bzuneck, 2004; Csikszentmihalyi, 1990; Neves & Boruchovitch, 2007). A falta de motivação para criar, aprender e utilizar as potencialidades inerentes ao superdotado é motivo de preocupação, pois pode levar o indivíduo a não se engajar em seu processo de desenvolvimento superior. Sem motivação o indivíduo não avança na construção de ideias e produtos originais, pode desperdiçar seu talento ou, ainda pior, orientá-lo para práticas inadequadas ao convívio social.

De acordo com Neves e Boruchovitch (2007), a motivação é um elemento decisivo na consolidação dos processos cognitivos, social e afetivo, consistindo em uma direção natural do ser humano para apreender o mundo que o cerca. Renzulli (1986) também sintetiza a noção de motivação como energia pessoal canalizada para uma meta, seja na execução de um trabalho ou na organização de uma ideia. Nessa direção, Bzuneck (2004) refere-se à motivação como uma dimensão humana complexa de caráter dinâmico e processual que promove o direcionamento e a persistência necessários ao alcance de um determinado objetivo. A orientação e importância da motivação como forças internas e externas ao indivíduo que influenciam a sua produção criativa e sustentam a manutenção de esforço em direção a uma meta é destacado por Amabile (1996) e Lubart (2007). Também a motivação é entendida como um conjunto de fatores psicológicos inter-relacionados ao ambiente e que atuam na dinâmica do indivíduo determinando a maneira como ele estabelece, persiste e alcança seus objetivos e metas, tanto em uma dimensão guiada pela vontade e pelo prazer, quanto por necessidades de sucesso e reconhecimento.

Assim, um aluno intrinsecamente motivado para aprender pode ser identificado quando seu envolvimento com as atividades escolares é caracterizado pelo interesse na tarefa, sendo essa geradora de satisfação. No entanto, quando o aluno realiza as atividades escolares com o intuito de obter recompensas materiais ou sociais, sua motivação para aprender é tipicamente extrínseca (Neves & Boruchovitch, 2007). Essas autoras consideram que a motivação para aprender é a responsável pela autorregulação da aprendizagem exercendo influência sobre o desempenho escolar. É possível que alunos sejam simultaneamente intrínseca e extrinsecamente motivados, mas para alguns indivíduos, entre eles o superdotado, a paixão por aprender, o estudo deliberado e a perseverança revelam a natureza intrínseca de sua motivação.

De modo geral, os superdotados demonstram motivação intrínseca evidenciada por predileção aos estudos independentes ao invés de trabalhos em grupos, assumem a responsabilidade pelas atividades acadêmicas e aprendizagens dos colegas de classe e revelam comportamentos de autorregulação da aprendizagem (Chagas, 2008; Ourofino, 2007). A correlação entre os estilos de aprendizagem, a performance acadêmica, a motivação e a persistência na realização dos trabalhos escolares foram analisadas por Rayneri (2006), em estudo conduzido com 80 estudantes superdotados do ensino médio. Os resultados demonstraram correlação positiva entre performance e motivação. Do mesmo modo, o índice de correlação é alto entre motivação e persistência na realização dos trabalhos escolares. As correlações foram positivas também entre estilos de aprendizagem (estudo independente e efetivação de projetos) e motivação. Por outro lado, entre o estilo de aprendizagem (habilidades manuais e cinestésicas) e motivação foi verificada correlação negativa.

Montgomery (2009) ressalta que os underachievers enfrentam dificuldades para administrar sua motivação, e por essa razão fracassam em autorregular sua aprendizagem. Outro aspecto levantado por essa autora diz respeito à baixa motivação aplicada nas tarefas escolares pouco desafiadoras. O underachiever oscila quanto à sua disposição para se envolver nas atividades acadêmicas e responde negativamente às estratégias pedagógicas usuais. O aluno pode se apresentar bastante motivado em uma determinada disciplina e desmotivado em outra. Essa dinâmica instável dificulta a avaliação escolar por parte do professor, o que pode trazer prejuízos ao rendimento do aluno.

Autoconceito. Consistentemente, os aspectos relacionados ao autoconceito têm sido apontados por muitos pesquisadores como uma variável importante nos comportamentos superdotados e criativos, intrinsecamente associada às demais variáveis que estruturam a superdotação (Fleith, 1999; Harter, 1985; Neihart, 2002; Renzulli, 1986; Virgolim 2007).

Segundo Alencar e Fleith (2003), o autoconceito diz respeito à imagem subjetiva que cada indivíduo possui de si mesmo e que passa a vida tentando manter e melhorar, estando intimamente relacionado à autoestima e à ideia que o indivíduo tem de si mesmo. Contudo, a falta de definição clara, concisa e universalmente aceita do que seja o autoconceito tem constituído uma grande provocação para pesquisadores.

O autoconceito não é estático, mas composto de várias dimensões ou domínios, sendo, assim, suscetível a mudanças. O autoconceito configura-se por um conjunto de percepções que o indivíduo tem de si mesmo, construídas e fundamentadas nas experiências pessoais e características personológicas, diretamente afetadas por seu contexto e pelas respostas que oferece às múltiplas situações que emergem em sua vida (Harter, 1985; Plucker & Stocking, 2001). Harter afirma que o autoconceito é um construto multidimensional relacionado às aprendizagens vivenciadas e às experiências de sucesso e de fracasso acumuladas no transcorrer da vida.

Em relação à baixa performance acadêmica, superdotados underachievers tendem a demonstrar autoconceito negativo quando comparados aos superdotados. Isso sugere que esses indivíduos possuem grande sensibilidade e necessitam de encorajamento para reconhecer e utilizar seus potenciais (Matthews & McBee, 2007; McCoach & Siegle, 2003; Montgomery, 2004; Ourofino, 2005). A baixa autoestima verificada nos underachievers, segundo Coil e colaboradores (2008), está associada ao insucesso desses estudantes e, por isso, deve receber atenção especial quando da formulação de estratégias para reverter tal condição underachievement.

Criatividade. É concebida como um processo de gerar novas ideias, produtos e ações e está associada ao talento e à capacidade do homem para encontrar respostas para seus problemas. Envolve aspectos como fluência, flexibilidade e originalidade de pensamento e, ainda, abertura a novas experiências, curiosidade, sensibilidade e coragem para correr riscos. Csikszentmihalyi (1996) propõe que mais importante do que definir criatividade é investigar em que medida os ambientes sociais, culturais e históricos reconhecem ou não uma produção criativa. Portanto, criatividade não pode ser entendida como resultante exclusivamente do produto individual, mas de sistemas sociais que julgam esse produto.

A revisão de literatura conduzida por Kim (2008) buscou analisar a condição underachievement na perspectiva da criatividade. Essa autora verificou que devido à baixa performance acadêmica, muitos superdotados são ignorados quanto ao seu potencial criativo. Apontou também que cerca de 30% dos alunos superdotados que abandonam a escola são altamente talentosos em áreas não valorizadas pelo contexto acadêmico. Kim desmistifica a criatividade como um dom e destaca que as características dos underachievers na área acadêmica se assemelham às dos underachievers da área artística. Finalmente, a autora concluiu que os ambientes nos quais os superdotados underachievers estão inseridos devem favorecer o atendimento às suas necessidades especiais, e que os atores presentes nesses contextos precisam estar imbuídos de uma orientação pró-ativa, de compreensão, de liberdade e de responsabilidade, para que possam se tornar altamente produtivos e superar as limitações desta condição.

Os superdotados underachievers tendem a manter as características associadas ao comportamento altamente criativo. No entanto, utilizam o pensamento divergente e a atitude não conformista como elementos quase exclusivos em seus processos criativos (Kim, 2008; Montgomery, 2009; Villatte & De Leonardis, 2010). Esse modo de agir associado aos demais aspectos promotores de baixa performance denota intolerância e suscita rótulos indesejáveis, bem como uma produção criativa aquém das expectativas para o potencial revelado.

O pensamento divergente, no contexto escolar, geralmente é confundido com resistências para aceitar regras e disposição para fantasiar e assim o manejo de ideias e o pensamento imaginativo são equivocadamente entendidos como devaneio e distração (Rimm, 2003). O entendimento sobre o conceito de criatividade e suas nuances, bem como saber reconhecer o pensamento divergente como uma das características do processo criativo de alguns indivíduos, possibilita que essa variável não seja ignorada ou erroneamente avaliada. Portanto, deve ser dada importância especial à imaginação e à criatividade como os principais fomentadores de desenvolvimento e inovação, entendendo que essas são as manifestações da liberdade humana que podem ser ameaçadas pela padronização dos comportamentos individuais e coletivos.

 

Fatores Ambientais: Escola e Família

As contribuições teóricas em superdotação são densamente incorporadas por estudos que se referem aos importantes papéis exercidos pela escola e pela família, como instituições responsáveis pela qualidade do desenvolvimento do indivíduo superdotado. Uma das exigências do século XXI é a diversidade de talentos e de personalidades, impondo que se ofereça às crianças e aos jovens, todas as possibilidades possíveis de desenvolvimento e experimentação. As preocupações acerca da excelência intelectual, da criatividade e da qualidade de vida das pessoas devem estar presentes nos debates realizados nas variadas instâncias educativas, no sentido de orientar práticas escolares e familiares eficientes na promoção de potenciais talentos.

Escola. Em detrimento dos movimentos de educação inclusiva, o sistema educacional atual ainda está organizado para atender seus alunos em uma perspectiva homogeneizada, fundamentada em um currículo mínimo e com pouca flexibilidade. Essa visão de escola exige padronização em relação aos comportamentos dos alunos, ignorando seus estilos de aprendizagem e prejudicando, assim, sua participação ativa no processo de construção do conhecimento. Em relação ao aluno superdotado tal realidade é ainda mais danosa, pois afeta diretamente a possibilidade de que ele exerça integralmente seu potencial intelectual e criativo. Sternberg (2000) argumenta que provavelmente os alunos que se entediaram com as propostas escolares não tiveram oportunidades de se tornarem especialistas em suas áreas de interesse e nem a chance de desenvolver seus potenciais para a vida.

Em se tratando de alunos superdotados underachievers os desafios educacionais são ainda mais contundentes, na medida em que as características desses alunos requerem da escola propostas inclusivas mais amplas no atendimento às necessidades educacionais associadas à superdotação e, ao mesmo tempo, na reversão da baixa performance acadêmica. Para Sternberg (2000), os alunos com baixo desempenho escolar são pouco motivados, revelam dificuldades para planejar e monitorar suas ações, demonstrando limitação para criar e lidar com resolução de problemas, de não utilizarem adequadamente seus conhecimentos, suas habilidades e ainda subestimarem sua capacidade cognitiva. Ourofino (2005) observou que alunos underachievers, duplamente excepcionais com comorbidades como Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade revelam dificuldades de aprendizagem quando comparados aos superdotados e tendem a obter escores significativamente inferiores nas medidas de autoconceito que envolvem competência acadêmica, aparência física, conduta comportamental e autoestima global. Ao lidar com esse segmento de alunos superdotados a escola deverá, antes de tudo, acolhê-los em suas diferenças, compreendê-los em suas necessidades educacionais especiais e criar mecanismos que impeçam o desperdício do valioso capital humano.

Família. A influência do contexto familiar no desenvolvimento dos talentos e potencialidades dos filhos tem sido amplamente considerada nas pesquisas em superdotação (Chagas, 2008; Clemons, 2008; Delou, 2007; Sparfeldt, 2006). O papel da família no reconhecimento e no encaminhamento de superdotados é fundamental, pois as crianças com esse perfil, desde os primeiros anos de vida, já manifestam comportamentos e interesses que são sinalizadores de desenvolvimento precoce. Pais atentos podem perceber essas peculiaridades e estimular características indicadoras de altas habilidades.

Estudos atuais mostram que a influência da família e dos filhos superdotados é recíproca, e interage de modo dinâmico e bidirecional ao longo do curso de vida (Chagas, 2008; Olszewski-Kubilius, 2002, 2003). A qualidade da interação no seio da família afeta significativamente o desenvolvimento da criança que, por sua vez, cria demandas nos pais na busca de estímulos cada vez mais elaborados na direção de uma atmosfera familiar rica em oportunidades de crescimento individual e social.

Aspesi (2007) relata que, na literatura, as famílias dos superdotados, de modo geral, são descritas como harmoniosas, afetivas, coesa e com menos conflitos. Essas famílias geralmente são mais centradas em seus filhos, promovem um ambiente enriquecido em termos de variações de estímulos, revelam altos padrões de desempenho, criam mecanismos de independência e monitoramento sedimentados em padrões claros de conduta e desempenho, mantêm alta expectativa em relação ao desenvolvimento dos filhos e dispõem de uma rede de apoio promotora de desenvolvimento de altas habilidades.

Estudos em superdotação focalizam a atuação da família em múltiplos contextos de desenvolvimento do superdotado, mostrando o impacto da presença dos pais no direcionamento das habilidades dos filhos. Essa presença nem sempre se traduz em experiência positiva dada a pressão que alguns pais acabam por exercer sobre seus filhos (Montgomery, 2003, 2009; Neihart, 2002; Rimm, 2003; Webb et al., 2005). Alguns autores advertem que a tensão que se forma em relação às elevadas expectativas pode implicar descompassos no desenvolvimento dos filhos e baixo desempenho (Bethea, 2007; Montgomery, 2003, 2009). Já Winner (2000) verificou que, em se tratando de talentosos na área de música e esportes, a falta de expectativas elevadas em relação ao desenvolvimento dos filhos, por pais que não valorizam ou não estabelecem altos padrões, é que leva ao baixo desempenho.

Segundo Rimm (2003), as pressões sofridas pelos superdotados, em função de altas expectativas dos pais, dizem respeito a uma pseudo e imperiosa necessidade de ser extraordinariamente inteligente e perfeito ou "o mais inteligente"; o desejo de ser extremamente criativo eúnico, que pode se traduzir em inconformismo; e a preocupação em ser admirado por seus pares, devido à aparência, à inteligência e à popularidade. As pressões constantes, o esforço excessivo e os resultados abaixo das expectativas reduzem a motivação do indivíduo e o conduz ao fracasso. O reflexo dessa condição na escola é instantâneo e reinicia esse ciclo de difícil ruptura, de altas expectativas, de cobranças familiares e dos pares, de estresse, de baixa autoestima, de desatenção, de procrastinação para realizar as tarefas, de resultados acadêmicos insuficientes até que a família, a escola e o próprio indivíduo encontrem mecanismos de reversão da condição underachievement.

Reis e McCoach (2000) sumarizaram 23 pesquisas acerca da dinâmica familiar de estudantes superdotados underachievers realizadas entre os anos de 1971 e 1998. A revisão sugere que as famílias de underachievers demonstram pouco interesse quanto ao processo de educação dos filhos, exercem influência negativa sobre as atitudes e comportamentos dos filhos para com a escola e propiciam um ambiente familiar muito restritivo e pouco estimulador. Paradoxalmente, essas famílias fazem cobranças irreais quanto aos resultados obtidos em relação ao desempenho acadêmico, exigindo rendimento escolar muito acima das expectativas e das condições que foram oferecidas aos filhos. Autopercepção, atitudes para com a escola e motivação compõem um conjunto de variáveis relacionadas à baixa performance acadêmica de estudantes superdotados. Clemons (2008) investigou a autopercepção, atitudes para com a escola e motivação de um grupo de adolescentes underachievers para verificar se existia relação entre essas variáveis e o estilo parental. Os resultados apontaram uma correlação positiva entre o estilo parental e a performance acadêmica. Quanto mais responsivo o estilo parental, maior a performance acadêmica dos filhos e, quanto mais afetivo o estilo parental, maior a motivação em relação aos estudos e mais positivas são as atitudes para com a escola.

A análise dos fatores externos mostra que a colaboração entre a escola e a família é de fundamental importância para o desenvolvimento do superdotado (Aspesi, 2003; Dessen & Braz, 2005; Polônia & Senna, 2005). Para Silverman (1993), a relação saudável entre essas duas instituições é indispensável para a promoção do bem estar do aluno superdotado. A descontinuidade entre essas parcerias pode atingir a produção escolar e impedir a inclusão dos alunos. A colaboração entre os pais e professores, a mútua participação e envolvimento com a escola refletem positivamente no desempenho dos filhos, nos processos de aprendizagem e no fortalecimento dos vínculos familiares.

 

Considerações Finais

A condição underachievement demonstrada por estudantes superdotados suscita muitos questionamentos por parte dos pais, professores e profissionais envolvidos com essa temática. As frustrações são inevitáveis quando se constata a incapacidade ou a falta de motivação do aluno em demonstrar suas habilidades e alto potencial na concretização de resultados favoráveis ao seu desenvolvimento e à sua realização. A literatura atual aponta estudos que visam à compreensão do fenômeno, das características e das causas, embora ressalte que não há um consenso quanto à definição de underachievement (Bethea, 2007; Clemons, 2008; McCoach & Siegle, 2003; Montgomery, 2009; Reis & McCoach, 2000; Renzulli, Reid & Gubbins, 1992). Reconhecidamente esse é um desafio para os pesquisadores, pois a falta de uma definição adequada compromete a distinção entre o aluno regular, que não atingiu seus objetivos acadêmicos por fatores associados às dificuldades de aprendizagem, de comportamento e às limitações cognitivas diante do currículo escolar, e aquele aluno superdotado, que demonstra produtividade acadêmica incompatível com seu potencial.

Além disso, a baixa performance acadêmica de superdotados frequentemente não é reconhecida por muitos profissionais e estudiosos que trabalham com esse estudante. Neste sentido, Renzulli e colaboradores (1992) são enfáticos ao defenderem a necessidade de pesquisadores priorizarem o desenvolvimento de estudos sobre subpopulações especiais de superdotados, principalmente porque esse grupo tende a apresentar baixa performance em seu processo de desenvolvimento acadêmico, dificuldades emocionais e sociais.

Ademais, destaca-se a necessidade de reconhecimento dos fatores associados à condição underachievement para compreender o superdotado na complexidade de suas características e nas nuances que o fenômeno da superdotação revela em suas múltiplas dimensões e contextos, a fim de se estabelecer estratégias coerentes de intervenção para a reversão das características de baixa performance. Essa realidade será possível pela integração de práticas educacionais inclusivas que avaliem e monitorem de maneira individualizada os aspectos de desenvolvimento do underachiever para acolher seu estilo de aprendizagem, esclarecendo seus pontos fortes e limitações, com vistas à personalização da aprendizagem e maximização de suas potencialidades, em resposta efetiva às suas necessidades educacionais especiais, na promoção do sucesso escolar e no bem estar almejado por esses alunos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Vanessa Terezinha Alves Tentes de Ourofino
C 01 lote 1/12 Sala 508
CEP 72010-010 Taguatinga – DF
E-mail: psivan@terra.com.br

Recebido em Dezembro de 2010
Revisto em Março de 2011
Aceito em Abril de 2011