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Psicologia em Pesquisa
On-line version ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.16 no.2 Juiz de Fora May/Aug. 2022
https://doi.org/10.34019/1982-1247.2022.v16.32369
ARTIGOS
Modelo Bioecológico e Psicologia Ambiental: revisão sistemática sobre adolescência e espaços urbanos
Bioecological Model and Environmental Psychology: a systematic review on adolescence and urban spaces
Modelo Bioecológico y Psicología Ambiental: revisión sistemática sobre adolescencia y espacios urbanos
Gleidson Jordan dos SantosI; Larissa Medeiros Marinho dos SantosII
IUniversidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: gleidson@ufsj.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6916-5215
IIUniversidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: larissa@ufsj.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4906-4163
RESUMO
Realizou-se uma busca, orientada pelo guia PRISMA, nas três principais revistas de psicologia ambiental e nos indexadores LILACS, PePSIC e SciELO pelos descritores adolescent, urban space, Bronfenbrenner e bioecological, entre 2015 e 2020. O objetivo foi realizar uma revisão sistemática envolvendo estudos desses campos, comparar as definições encontradas e, a partir delas, discutir aproximações e distanciamentos dessas teorias. Os resultados demonstraram que os adolescentes mais jovens tendem a ser tratados como crianças e os mais velhos como adultos. Os estudos que utilizaram as abordagens em conjunto conseguiriam se aprofundar melhor na relação contexto social-ambiente físico.
O modelo bioecológico do desenvolvimento e a psicologia ambiental possuem características comuns e são frequentemente utilizados em conjunto em pesquisas que envolvem o estudo dos contextos (Oliveira & Morais, 2019; Rollings, Wells, Evans, Bednarz, & Yang, 2017; Tiriba & Profice, 2019). Porém, em cada um desses campos do conhecimento psicológico, existem particularidades, que, muitas vezes, confundem-se e podem emaranhar o leitor que não tenha se aprofundado nesses campos, tal como acontece, por exemplo, com o conceito de ecológico. Este estudo parte dessa premissa e, com base no interesse sobre a temática adolescência, objetivou realizar uma revisão sistemática envolvendo estudos desses campos, comparar as definições encontradas e, a partir delas, discutir aproximações e distanciamentos entre essas teorias.
A adolescência pode ser compreendida de diferentes formas e sua conceitualização está em constante discussão. A Organização Mundial de Saúde (World Health Organization [OMS], 2020) define esse período como sendo marcado por mudanças biopsicossociais que se estendem dos dez aos 19 anos, mesmo critério adotado pelo Ministério da Saúde do Brasil (2020) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,1997). Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8069, 1990) estabelece essa fase entre os 12 e 18 anos. Em termos gerais, o constructo adolescência pode ser considerado uma construção histórica, com raízes sócio-histórico-culturais e econômicas, tal como descrito por Schoen-Ferreira, Aznar-Farias e Silvares (2010). No entanto, para esta revisão, será levada em consideração a definição indicada pela OMS.
Moser (2018) afirma que o cerne da psicologia ambiental é o estudo da pessoa em relação com o ambiente, o que inclui as relações com outras pessoas implicadas nele. A área possui objetivos científicos, instrumentos teóricos e metodológicos específicos, e visa estudar conjuntamente comportamentos e cognições relacionados ao ambiente em suas dimensões físicas e sociais. De acordo com o autor, suas teorias são embasadas em contatos ou fatos colocados em evidência no campo de pesquisa.
Para Gonçalves (2007), o ambiente enquanto contexto permite a sua apropriação, incluindo seus simbolismos e o desenvolvimento da identidade social. Essa relação das pessoas com o ambiente possui uma dimensão vivenciada, que trata das experiências que se tem nesse local, e uma simbólica, que diz respeito às representações mentais que o local proporciona para as pessoas. Para a autora, a apropriação funciona como um processo de identificação no qual a pessoa pode se apropriar do espaço, deixando sua marca. Consequentemente, ela o transforma dando início a um processo de reapropriação constante.
O modelo bioecológico, por sua vez, é descrito por Bronfenbrenner (1979), Bronfenbrenner e Crouter (1983) e Bronfenbrenner e Morris (1998) como uma evolução do sistema teórico para o estudo do desenvolvimento humano ao longo do tempo, sendo este definido como o fenômeno de continuidade e de mudança das características biopsicológicas dos seres humanos como indivíduos e grupos. Bronfenbrenner (1995) apresentou, nos primeiros anos do seu trabalho, uma forte ênfase na importância da mudança social não apenas como uma espécie de chave para compreender as origens dos padrões contemporâneos de desenvolvimento como também para contribuir com a política e a ação social.
Bronfenbrenner e Morris (1998) e Bronfenbrenner (2011) afirmam que o desenvolvimento humano ocorre por meio de processos de interação recíproca em longos períodos de tempo, o que é denominado de processos proximais. Esses processos são considerados a força motriz primária do desenvolvimento humano, sendo a forma, o poder, o conteúdo e a direção deles, ao longo do tempo, produtores desse desenvolvimento. Uma proposta de pesquisa nessa abordagem deve levar em consideração o processo, a pessoa, o contexto e o tempo (PPCT) para compreender, efetivamente, os fatores motivacionais do desenvolvimento.
Moser (2018) apresenta a contribuição das representações sociais como fundamentais para a psicologia ambiental. Nesse contexto, o modelo bioecológico de desenvolvimento humano se encontra dentro de um paradigma sociocultural. Para o autor, o ambiente fornece sentido e identidade, situando o sujeito pessoal, social, econômica e culturalmente. Essas representações são consideradas modalidades de conhecimentos compartilhados por um grupo social, que permitem a gestão das relações sociais, a interpretação e o controle do ambiente além de poder servir como justificativa para comportamentos e posicionamentos. Há, então, uma abertura para um campo de oportunidades de construção social, sejam elas espontâneas ou encorajadas, havendo espaço para a investigação das possibilidades de desvendar ou emergir o protagonismo juvenil.
Este artigo é resultado de uma revisão sistemática, que teve como objetivo investigar as publicações realizadas nos últimos cinco anos sobre a adolescência e sua relação com a cidade em revistas especializadas em psicologia ambiental e nos principais indexadores de psicologia e saúde que tenham publicado esse tema a partir dos referenciais do modelo bioecológico de desenvolvimento humano. A partir desses achados, pretende-se descrever a visão dessas abordagens sobre a adolescência além de tentar compreender as possíveis aproximações e distanciamentos entre esses dois campos do conhecimento psicológico.
Palavras-chave: Adolescentes; Psicologia Ambiental; Modelo Bioecológico; Revisão Sistemática.
ABSTRACT
A search was carried out, oriented by the PRISMA guide, in the three main environmental psychology journals and in the LILACS, PePSIC, and SciELO indexes for the descriptors adolescent, urban-space, Bronfenbrenner, and bioecological, between 2015 and 2020. The objective was to carry out a systematic review involving studies of these fields, to compare the definitions found, and to discuss the approaches and distances from these theories. The results showed that younger adolescents tend to be treated as children and older as adults. Studies that used the approaches together would be able to go deeper into the relationship between social context and physical environment.
Keywords: Adolescents; Environmental Psychology; Bioecological Model; Systematic Review.
RESUMEN
Se realizó una búsqueda en las tres principales revistas de psicología ambiental y en los indexadores LILACS, PePSIC y SciELO con los descriptores adolescent, urban-space, Bronfenbrenner y bioecological, entre 2015 y 2020, orientados por el PRISMA. El objetivo fue realizar una revisión sistemática que involucre estudios de estos campos, comparar las definiciones encontradas y discutir las aproximaciones y distanciamientos entre estas teorías. Los resultados mostraron que los adolescentes más jóvenes tienden a ser tratados como niños y los mayores como adultos. Los estudios que utilizaron abordajes en conjunto consiguieron profundizar en la relación entre el contexto social y el entorno físico.
Palabras clave: Adolescentes; Psicología Ambiental; Modelo Bioecológico; Revisión Sistemática.
Método
Esta revisão sistemática segue o guia PRISMA (Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises), que, segundo Galvão, Pansani e Harrad (2015) é o nome atualizado do instrumento QUOROM (Qualidade dos Relatos de Meta-análises), após sua revisão e atualização. Esse modelo busca a revisão da literatura, de modo sistematizado e explícito, a partir de uma pergunta claramente formulada pelos pesquisadores, o que permite selecionar e avaliar pesquisas que serão incluídos no estudo (Galvão et al., 2015).
Esse modelo recomenda a utilização de uma lista de verificação com 27 itens e um fluxograma contendo quatro etapas, que têm como objetivo auxiliar os pesquisadores a relatarem revisões sistemáticas e meta-análises (Galvão et al., 2015). A partir da pergunta inicial, os autores elencaram os descritores na língua inglesa, com base no pressuposto de que é o idioma mais comum nas traduções de títulos e resumos, e realizaram a busca nos principais indexadores disponíveis.
Levantamento Bibliográfico
Foi realizada, entre os meses de junho e julho de 2020, pesquisa por meio da ferramenta de busca avançada do Google Scholar, especificando as principais revistas de psicologia ambiental (PsyEcology, Environmental & Behavior e Journal of Environmental Psychology) com os termos adolescent e adolescent and urban space. Os autores optaram por utilizar apenas os resultados referentes à soma dos descritores adolescent and urban space, por apresentarem os resultados de maior interesse para este estudo.
Também foram realizadas buscas no mesmo período e com a mesma ferramenta, porém especificando os indexadores SciELO, LILACS e PePSIC com os termos adolescent and urban space and Bronfenbrenner e adolescent and urban space and bioecological. A adição dos termos Bronfenbrenner e bioecological se deve à não existência de periódicos específicos que abordem, exclusivamente, artigos relacionados ao modelo bioecológico de desenvolvimento humano. Todas as buscas foram limitadas ao período de 2015 a 2020, ou seja, os últimos cinco anos anteriores a esta revisão. A justificativa para a delimitação desse período de tempo se dá devido às discussões realizadas no programa de pós-graduação dos autores sobre a atualidade dos estudos que devem compor a revisão.
Após a primeira etapa de pesquisa, os artigos foram selecionados a partir do título e do resumo. Foram considerados os estudos que traziam implícita ou explicitamente o envolvimento com adolescentes ou com o espaço urbano. Foi possível notar que muitos estudos apresentavam os termos pesquisados apenas nas referências bibliográficas. Em seguida, os artigos selecionados foram lidos integralmente, sendo excluídos os capítulos de livro, as revisões de literatura e os estudos que não envolveram ou citaram os adolescentes e o espaço urbano. Os passos estão descritos na Figura 1. Em seguida, nas Tabelas 1, 2 e 3, são apresentados os estudos elegíveis para a síntese qualitativa.
Resultados
Concepções sobre a Adolescência
As pesquisas encontradas envolveram idades bem variadas, entre oito e 86 anos, e a delimitação da maioria das selecionadas para síntese qualitativa não teve foco na faixa etária classificada como adolescência; contudo, foram mantidas por incluírem a faixa etária entre dez e 19 anos (WHO, 2020). Nove artigos dos 28 trouxeram especificidades da adolescência, enquanto 12 incluíram os adolescentes entre as crianças, já que envolveram idades mais jovens; dois trataram de jovens universitários, enquadrando pessoas nos anos finais da adolescência como adultos ou jovens adultos e; dois artigos envolveram um público geral sem foco etário.
Foi possível notar que a abordagem teórico-metodológica utilizada nas pesquisas não influenciou nessa categorização, porém a predominância de faixas etárias menores ou maiores a influenciaram significativamente. As pesquisas que envolveram predominantemente idades menores de 13 anos tenderam a tratar os adolescentes incluídos na amostra como crianças e, em sua maioria, como estudantes. Já estudos que envolveram adolescentes mais velhos, a partir dos 18 anos aos 19 anos, tiveram uma amostra preponderantemente adulta, incluindo-os nessa classificação, ou os trataram apenas como universitários, sem especificar se jovens ou adultos.
A justificativa predominante para a realização das pesquisas foi a utilização dos resultados para o planejamento de políticas públicas e de planejamento urbano, o que inclui a mobilidade urbana. A inserção de elementos naturais no ambiente escolar e acadêmico, a influência do ambiente no desenvolvimento cognitivo e as percepções de lugar e sobre a vizinhança, também, apareceram nos estudos sintetizados.
Oliveira, Reis, Vandenberghe, Souza e Medeiros (2020) descreveram a adolescência como uma fase de transição biológica, psicológica e social, entre a infância e a vida adulta, considerada como uma construção histórico-cultural. Os estudos de Christian et al. (2017) e de Larson et al. (2019) utilizaram predominantemente o termo "youth" para representar a juventude. Já Tiriba e Profice (2019) apontam que, entre povos indígenas, de maneira diferente do que acontece na cultura ocidental predominante, crianças, entre as quais aquelas na faixa etária da adolescência, participam das atividades e compartilham do conhecimento da tribo além de serem valorizadas enquanto guardiãs do conhecimento tradicional, o que diminui a cobrança pelo seu desenvolvimento cognitivo e prontidão para aprendizagem.
Groshong, Stanis, Kaczynski e Hipp (2018) trouxeram aspectos negativos da percepção dos adultos sobre os adolescentes. Os autores citaram o barulho e a baderna ocasionados por alguns adolescentes e o desencorajamento promovido por pais para que seus filhos não utilizem alguns ambientes em determinados horários devido à insegurança, principalmente as garotas. Falando nelas, Rodriguez et al. (2015) e Cohen, Han, Kraus e Young (2019) deram especial atenção às especificidades do sexo feminino na juventude, trazendo suas particularidades e diferenciações com o gênero masculino, principalmente no que tange à sua maior vulnerabilidade.
Nos estudos encontrados, os adolescentes foram colocados em uma posição de passividade, principalmente quando considerados crianças. Christian et al. (2017), por exemplo, ouviram os adolescentes de 16 e 17 anos; no entanto, no caso dos participantes entre 5 e 15 anos, as respostas foram dadas por seus tutores. Oliveira e Morais (2019) não incluíram nenhum adolescente ou criança em sua pesquisa, porém foram inseridos na sua síntese qualitativa, pois os adultos relataram projetos sociais da comunidade voltados para esse público, citaram o afastamento dos jovens dos campos de futebol por medo da violência e associaram a falta de espaços de lazer aos riscos de os jovens se envolverem com a criminalidade e o uso de drogas. A maioria dos estudos sintetizados trouxe aspectos sobre a percepção dos pais ou dos adolescentes e crianças sobre o espaço, como Zhou, Li e Larsen (2016), que trabalharam com o mapeamento geográfico de lugares, feito digitalmente, e a percepção de quais são bons ou maus lugares para a criança frequentar.
O estudo de Slater, Pugach, Lin e Bontu (2016) trouxe questões mais ativas a respeito dos seus participantes. Os autores trataram a participação social na instalação, uso e manutenção de aparelhos de atividade física em parques, apresentando uma posição mais ativa dos participantes ao responderem às entrevistas. Todavia, o enfoque do estudo não foi nos adolescentes, mas estes foram incluídos na amostra geral de usuários do parque, uma vez que a pesquisa não especificou faixas etárias, generalizando os usuários dos locais estudados.
Concepções sobre Ambiente e Contexto
Os estudos de psicologia ambiental que utilizaram o modelo bioecológico envolveram tanto aspectos ambientais, como características do ambiente natural e construído, quanto contextuais, abordando questões socioculturais, assim como o artigo que trouxe a teoria socioecológica. As pesquisas de psicologia ambiental, que não trouxeram essas bases, trabalharam com descrições mais físicas sobre as características ambientais, incluindo coordenadas geográficas e detalhes arquitetônicos ou de design, utilizando os dados sociodemográficos apenas para fins de classificação; enquanto aquelas com foco exclusivo no Modelo Bioecológico trouxeram questões mais subjetivas sobre o contexto e a relação com o ambiente, mas sem dar ênfase a detalhes mais descritivos do ambiente.
Estudos sintetizados com foco no modelo bioecológico abordaram, primordialmente, contextos específicos de vulnerabilidade social; enquanto os estudos de psicologia ambiental buscaram amostras mais amplas, porém com menos detalhes contextuais. No seu estudo, Barros e Pinheiro (2020), por exemplo, aplicaram um questionário a 484 estudantes sobre cuidado ambiental e suas implicações, e realizaram entrevistas semiestruturadas de forma complementar. Rollings et al. (2017) utilizaram uma amostra de 341 crianças da zona rural para investigar vizinhança e qualidade de vida. Já Oliveira et al. (2020) trabalharam com jovens em centros de referência em assistência social, Lima e Morais (2019) acompanharam jovens em situação de rua e Oliveira e Morais (2019) entrevistaram dez líderes comunitários em uma ocupação urbana caracterizada por baixos indicadores sociais. Alves, Lemos, Brito, Martins e Almeida (2016) afirmaram que os espaços sociais e familiares mais favorecidos econômica e culturalmente se beneficiam de mais oportunidades advindas de uma cultura dominante, tendo acesso a ferramentas que os ajudam a otimizar o seu desenvolvimento cognitivo. Isso inclui acesso a melhores condições urbanas.
Não quer dizer que os estudos com ênfase na psicologia ambiental não abordam as questões sociais, apenas que os estudos levantados não se aprofundaram nessa questão. Groshong et al. (2018) discutiram a acessibilidade equalitária das pessoas aos ambientes e abordaram questões sociais relativas à violência, por exemplo, entretanto de maneira mais superficial se comparadas às investigações que dão maior ênfase ao estudo dos contextos.
A mobilidade urbana, transporte ou caráter transitório dos ambientes também se fez presente nos artigos sintetizados. Uma das formas de rastrear a mobilidade foi por meio do uso dos aparelhos com GPS (Global Positioning System) citados nos estudos de Rodriguez et al. (2015) e Loebach e Gilliland (2016). Dentre os objetivos de Islam, Moore e Cosco (2016), está a verificação de como o uso da terra influencia no que há para fazer em uma vizinhança. Isso inclui as construções próximas à residência de uma pessoa, havendo maior tendência de permanência na vizinhança quando há presença de mais prédios comerciais, educacionais ou pontos de lazer e prática de atividades físicas. O estudo de Groshong et al. (2018) revelou que os adolescentes pesquisados, geralmente, não usam o parque mais próximo de sua casa, mas se locomovem para um que contenha as comodidades desejadas, como parques de skate, trilhas para caminhada e banheiros, mesmo que estejam em áreas mais distantes das que residem.
Espaços Urbanos e Naturais
A discussão sobre espaços urbanos e naturais, ou a presença de elementos naturais no ambiente construído, foi recorrente nos estudos analisados. Tiriba e Profice (2019) trazem que, apesar de a urbanização ser um processo que ocorre no mundo todo, os critérios de classificação de uma região como zona rural ou urbana é diferente entre os países. No caso do Brasil, os autores apontam que há um mosaico de ambientes, uma vez que existem elementos urbanos entre os naturais e a presença de elementos naturais nos espaços urbanos.
Alves et al. (2016) trouxeram comparações entre o impacto das variáveis sociofamiliares nos ambientes rurais e urbanos. Larson et al. (2019) e Kelz, Evans e Röderer (2015) também abordaram os ambientes rurais. Nos demais estudos, predominaram os espaços urbanos, ou os naturais urbanizados, ou seja, aqueles com grande presença de elementos naturais, mas que foram modificados pelo homem.
Zhu e Fu (2017) trabalharam especificamente com os espaços coletivos, abordando espaços públicos e semipúblicos e citando o engajamento social nas atividades dentro dos bairros. Zhou et al. (2016) e Crawford, Holder e O'Connor (2017) abordaram a questão do ambiente público, trazendo, mesmo que minimamente, a questão do acesso aos ambientes.
Um dos pontos que permearam boa parte das discussões sobre o esverdeamento dos espaços foi o caráter restaurador dos ambientes. Christian et al. (2017) e Larson et al. (2019) buscaram entender a influência da exposição a esses ambientes sobre o tempo de tela, isto é, se a exposição aos espaços com presença de elementos naturais influenciou o tempo de uso dos dispositivos eletrônicos. Já Alves et al. (2016) e Donovan, Michael, Gatziolis e Hoyer (2020) fizeram a correlação desses locais com o desempenho escolar.
Greenwood e Gatersleben (2016) abordaram a dependência do uso de tecnologia e como os adolescentes se "conectam" de forma diferente com a natureza em relação aos adultos. Esse estudo concluiu que a interação social atuou enquanto um suporte de restauração mais intenso do que o próprio contato com a estrutura do ambiente. É importante lembrar que as pessoas também são consideradas parte do ambiente ou contexto.
As pesquisas encontradas a partir desta revisão sistemática em ambas as abordagens trouxeram alguma comparação envolvendo contextos urbanos ou suburbanos. Após a análise da síntese qualitativa dos artigos levantados, é possível considerar que os estudos com o modelo bioecológico aborda questões do contexto, principalmente social, de maneira mais detalhada e aprofundada, enquanto os estudos da psicologia ambiental apresentaram mais os dados estatísticos referentes ao contexto.
Discussão
Em se tratando da psicologia, é imprescindível relembrar as origens da disciplina, que possui forte influência no método experimental, só passando a considerar o contexto nas últimas décadas, fato que tornou possível o surgimento da psicologia ambiental (Pinheiro, 1997). O autor aponta que, na tentativa de superar deficiências sobre paradigmas da psicologia frente aos problemas ambientais, buscou-se superar a separação entre comportamento e cognição em sua relação com o ambiente, objetivando a contribuição da psicologia ambiental para a relação pessoa-ambiente. O autor cita, também, que há, nessa interlocução, uma dualidade, sendo uma interna, que é própria das bases da psicologia, e outra externa, relacionada ao estudo do ambiente. Essa segunda face tem forte influência em arquitetura e planejamento ambiental, geografia e ciências bio/ecológicas (Pinheiro, 1997). Isso justificaria bastante o uso de características relacionadas ao design dos ambientes, dados sociodemográficos, coordenadas geográficas e elementos ecológicos mais presentes nos estudos de psicologia ambiental incluídos nesta síntese qualitativa.
Para Lerner, Lewin-Bizan e Warner (2011) e Bueno, Vieira, Crepaldi e Schneider (2015), o modelo bioecológico do desenvolvimento humano pode ser considerado uma teoria sistêmica, sendo as bases epistemológicas dessa abordagem a complexidade, instabilidade e intersubjetividade do objeto de estudo, o homem e sua relação mútua com o ambiente. Bronfenbrenner (2011) afirma que esse modelo teórico evoluiu do estudo do desenvolvimento humano ao longo do tempo, o que inclui as discussões sobre uma abordagem mais integral da pessoa no ambiente, que deveria abordar todos os aspectos inerentes a esse processo longitudinal. De acordo com o autor, os processos de desenvolvimento humano sofrem influência de eventos e de condições do meio ambiente. Esse reconhecimento permite dar maior importância para políticas públicas e intervenções sobre o contexto e essas informações ajudam a compreender por que os estudos envolvendo esse modelo tendem a focar mais em questões sociais como situação de vulnerabilidade e políticas públicas nos estudos sintetizados.
Observa-se que, nos estudos identificados, outra diferença é o uso do termo "ecológico". Na psicologia ambiental, ele tem uma ligação mais íntima com o ambiente natural, o que remete muito à ideia de natureza e à relação com os aspectos arquitetônicos e de estrutura física dos ambientes construídos, enquanto nas pesquisas com base no modelo bioecológico do desenvolvimento humano, o ecológico envolve múltiplos contextos, com grande complexidade. Uma proximidade é que ambas trabalham com o sentido de interdependência da pessoa com seu ambiente ou contexto, mas em níveis diferentes, como foi possível observar nesta revisão sistemática.
Foi possível observar, ainda, como as bases teóricas dos estudos lidam com as diferentes temáticas abordadas, tendo elas um manejo similar no que tange à forma como se remetem ao ambiente e às definições de ecológico. Todavia, por se tratar de um levantamento bibliográfico, que é a proposta deste artigo, há limitações no que concerne ao aprofundamento das questões levantadas, sendo necessária a realização de estudos futuros. Outros pontos a serem destacados são os de que as bases epistemológicas dos campos de conhecimento aqui abordados têm influência significativa nas metodologias utilizadas e que o uso em conjunto delas tem enorme potencial para o preenchimento de lacunas na coleta e produção de dados.
Considerações Finais
Em relação a uma abordagem integral da relação pessoa-ambiente ou da pessoa com seu contexto, as pesquisas envolvendo os modelos teóricos isolados, seja com base apenas no modelo bioecológico ou na psicologia ambiental, não conseguiram dar conta dos princípios epistemológicos estabelecidos na constituição de ambas. Nos estudos sintetizados, a psicologia ambiental acabou limitando sua contextualização a dados sociodemográficos, enquanto o modelo bioecológico não conseguiu dar conta de aspectos estruturais do ambiente físico. Porém, é importante ressaltar que é essencial a análise dos objetivos de cada estudo, para os quais as abordagens demonstraram dialogar de maneira eficiente. Por outro lado, estudos que utilizaram tanto a psicologia ambiental quanto o modelo bioecológico ou a abordagem socioecológica demonstraram mais propriedade ao abordarem a relação pessoa-ambiente, levando em consideração os atributos das variáveis contextuais.
No Brasil, alguns autores têm trabalhado nas definições do modelo bioecológico e da psicologia ambiental no contexto nacional. Koller, Morais e Paludo (2016) desenvolveram um método de estudo do desenvolvimento humano denominado de inserção ecológica, adaptando e operacionalizando o modelo bioecológico no contexto brasileiro. Já Pinheiro e Günther (2008) organizaram um trabalho, que reúne variados métodos, os quais podem ser desenvolvidos nos estudos envolvendo a relação pessoa-ambiente no mesmo contexto. Sendo assim, há caminhos possíveis para o diálogo e a interlocução desses autores que abranjam a complexidade das relações das pessoas com o ambiente, incluindo tanto aspectos estruturais quanto contextuais.
Por fim, é possível notar que o diálogo entre as duas abordagens tem muito a contribuir para os estudos envolvendo adolescência e espaço urbano. Porém, considera-se que é preciso que seja dado mais espaço de fala para os adolescentes e que a construção coletiva dos espaços públicos necessita de atenção, além de levar em consideração a adolescência enquanto uma das partes intrínsecas de uma comunidade, que tem muito a contribuir para a construção de ambientes mais justos e igualitários. Por não se tratar de uma revisão que inclua meta-análise, faz-se primordial uma análise estatística futura para aprofundamento dos resultados obtidos.
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Endereço para correspondência:
Gleidson Jordan dos Santos
gleidson@ufsj.edu.br
Recebido em:27/09/2020
Aceito em:27/01/2021