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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
On-line version ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.1 no.2 Juiz de fora Dec. 2008
ARTIGOS
Adaptação de instrumento de autopercepção da qualidade de vida para indivíduos saudáveis
Adaptation of an instrument of self-perception of quality of life for healthy individuals
Alina Gomide Vasconcelos; Eduardo de Paula Lima; Vitor Geraldi Haase*
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
RESUMO
A qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) é um desfecho cuja avaliação tem despertado interesse crescente na área de saúde, principalmente no caso de doenças crônicas como a esclerose múltipla (EM). Uma das principais dificuldades na área é dispor de instrumentos que permitam tanto a avaliação de aspectos específicos pertinentes a cada doença, quanto à comparação entre diferentes entidades nosológicas. Tendo por base um modelo modular, que permite a avaliação simultânea de questões específicas e genéricas, e o qual foi validado para uso no Brasil, desenvolveu-se um instrumento para a comparação da QVRS entre indivíduos saudáveis e portadores de doenças crônicas como a EM. No presente estudo, de natureza preliminar, descreve-se o desenvolvimento do instrumento chamado DEFIS e suas características psicométricas relacionadas à consistência interna e capacidade de discriminar entre portadores de EM e três amostras da população saudável (estudantes universitários, educadoras e técnicas de enfermagem). Os resultados mostram que a versão adaptada do DEFIS para ser utilizada na população saudável possui características psicométricas adequadas, o que permite seu uso para comparar e discriminar o perfil de qualidade de vida dos indivíduos saudáveis do perfil dos portadores de EM.
Palavras-chave: Esclerose Múltipla, Qualidade de Vida, Psicometria
ABSTRACT
Health-related qualify of life (HRQOL) is being increasingly recognized as an important outcome in the health sciences, especially in relation to chronic diseases such as multiple sclerosis (MS). One of the main shortcomings in the field is the lack of instruments designed to simultaneously assess specific aspects pertaining to each disease and general questions, which would allow comparisons to be made between different nosological entities. We based our work on a modular model, which allows the assessment of both specific and generic aspects of HRQOL, and which was validated for use in Brazil. Building on the modular model we developed an instrument called DEFIS, designed to compare HRQOL between MS individuals and the healthy population. In this preliminary study, we report on the instrument development and its psychometric characteristics (internal consistency and criterion validity). Results show that the adapted DEFIS version is psychometrically adequate to compare and discriminate between the HRQOL profiles of MS patients and three samples from the healthy population (university students, preschool teachers, and nurses).
Keywords: Multiple Sclerosis, Health-Related Quality of Life, Psychometrics
O construto qualidade de vida tem despertado interesse crescente de pesquisadores no contexto do atendimento aos portadores de doenças neurológicas cronicamente incapacitantes tais como a esclerose múltipla (Moons, Budts & Geest, 2006). Entretanto, não existe um consenso a respeito de sua definição devido ao caráter complexo e heterogêneo do construto. Poder-seia parafrasear uma definição famosa de inteligência psicométrica dizendo que "qualidade de vida é aquilo que os questionários de qualidade de vida medem".
É possível considerar que esse construto apresenta certo parentesco com conceitos desenvolvidos nas ciências sociais e comportamentais, tais como felicidade ou bemestar subjetivo (Diener, Oishi & Lucas, 2003). O construto bem-estar subjetivo é complexo, constituindo-se de pelo menos dois fatores, um cognitivo e outro afetivo. O componente cognitivo é denominado satisfação com a vida e reflete avaliações globais que o indivíduo faz sobre o seu bem-estar no âmbito de um determinado referencial temporal. O componente afetivo, por outro lado, compreende a valência positiva ou negativa das emoções ou sentimentos predominantes. Um outro modelo, de bem-estar psicológico, acrescenta uma dimensão motivacional à felicidade, a qual recobre o grau de realização do indivíduo e sua predisposição para empreender ou aceitar desafios (Ryan & Deci, 2001).
A utilização de questionários ou escalas de qualidade de vida na avaliação do impacto das doenças crônicas sobre a saúde dos pacientes, bem como do efeito de tratamentos e políticas públicas, pode ser interpretada como uma tentativa de operacionalizar a definição de saúde preconizada pela OMS como um estado ou processo mais amplo de bem-estar biopsicossocial, que ultrapassa a mera ausência de doença (WHO, 1980). Estes questionários foram construídos a partir da experiência de clínicos e profissionais atuando com grupos específicos de pacientes, considerando adicionalmente dados de entrevistas realizadas com portadores de diversas patologias crônicas. Sendo assim, alguns autores questionam a validade da utilização do construto e das escalas empregadas na sua avaliação (Pukrop, 2003).
Uma análise do conteúdo das diversas escalas de qualidade de vida atualmente utilizadas revelou que as mesmas são bastante heterogêneas (Moons et al., 2006). A maioria das escalas de qualidade de vida compreende itens que avaliam aspectos da satisfação com a vida (bem-estar global ou geral), sintomas emocionais ou psiquiátricos, tais como ansiedade ou depressão (componente cognitivo, avaliativo do estado emocional), bem como sintomas da própria doença (como dores, fadiga etc.) e o impacto funcional da doença (como capacidade de deambulação, autocuidado, desempenho ocupacional, participação familiar e social etc.). Esse último aspecto avaliado nas escalas de qualidade de vida é superponível ao construto funcionalidade tal como concebido na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), proposta pela OMS (Khan & Pallant, 2007).
Cella, Dineen e Arnason (1996) desenvolveram uma abordagem modular à avaliação da qualidade de vida, cujos questionários (Webster, Cella & Yost, 2003; Flood et al., 2006; Harding, Cella, Robinson, Mahadevia, Clark & Revicki, 2007; Champion, 2008) compreendem uma parte geral, que permite realizar comparações entre doenças ou condições de saúde distintas, e uma parte específica, que aborda as percepções dos pacientes sobre sintomas ou aspectos da funcionalidade característicos de uma dada condição. A escala desenvolvida para e esclerose múltipla (EM) foi adaptada e validada em diversos países (Cella et al., 1996; Rivera-Navarro Benito-León, Morales-González, grupo GEDMA, 2001), inclusive no Brasil (Mendes, Balsimelli, Stangehaus & Tilbery, 2004) com o nome de DEFU - Escala de Determinação Funcional de Qualidade de Vida em pacientes com Esclerose Múltipla. A análise do conteúdo da escala permite constatar que os diversos itens da DEFU operacionalizam ao menos cinco domínios relacionados à avaliação da qualidade de vida: 1) cognitivo ou satisfação com a vida (p.ex., "Estou satisfeita com a qualidade da minha vida", "Estou frustrada devido às minhas limitações"); b) afetivo (p.ex., "Sou capaz de aproveitar a vida", "Estou deprimida devido às minhas dificuldades"); c) motivacional (p.ex.,
"Sinto-me motivada para realizar coisas"); d) funcionalidade (p.ex. "Sinto falta de energia", "Tenho dificuldades para andar"); e e) sintomas da doença (O calor me faz ficar cansada", "Tenho dores").
Trabalhando com avaliação da qualidade de vida em portadores de EM percebe-se que, além das dificuldades inerentes ao construto, há uma lacuna na literatura no que se refere a padrões de comparação com a população em geral, "saudável". A maioria dos estudos relatando comparações entre a qualidade de vida de portadores de EM e indivíduos saudáveis utilizaquestionários genéricos (McCabe & McKern, 2002; Pollman Busch & Voltz, 2005; Stone, Sharpe, Rothwell & Warlow, 2003). Consideramos, portanto, oportuna a adaptação de um instrumento modular, que tanto permitisse realizar comparações genéricas com a população em geral, quanto avaliar sintomas específicos à EM. Este trabalho relata os procedimentos para adaptação de uma escala modular de avaliação de qualidade de vida em portadores de EM (DEFU) para utilização em pessoas saudáveis da população em geral (DEFIS - Escala de Determinação Funcional de Qualidade de Vida em Indivíduos Saudáveis), analisando adicionalmente algumas de suas características psicométricas (consistência interna e validade de critério). Somente estudos comparativos entre indivíduos portadores de condições crônicas de saúde e indivíduos saudáveis possibilitarão a construção de um referencial mais preciso quanto ao impacto das diversas doenças crônicas e de seus tratamentos sobre os portadores.
A partir dos resultados desse estudo, pretende-se confirmar as características psicométricas do instrumento desenvolvido para avaliar o perfil da qualidade de vida de indivíduos saudáveis.
Método
Participantes
Participaram do estudo 222 indivíduos, subdivididos em quatro grupos, a saber: portadores de EM, estudantes universitários (UNI), profissionais de educação infantil (EDU) e técnicas em enfermagem (ENF). Ressalta-se que por se tratar de um estudo que trabalha com uma amostra clínica, não foi possível coletar informações sobre todas as variáveis de todos os participantes do grupo de portadores de EM. Esse fato explica a variação no número de sujeitos em cada uma das características analisadas no trabalho. As características demográficas dos participantes do estudo são apresentadas na Tabela 1.
Os portadores de esclerose múltipla foram recrutados entre os pacientes do Centro de Investigação em Esclerose Múltipla de Minas Gerais (CIEM-MG). Os participantes dos demais grupos foram recrutados na comunidade, a partir da rede social dos pesquisadores (amostragem por conveniência). O grupo de estudantes universitários foi escolhido com o intuito de constituir um referencial de indivíduos jovens e com alto nível de escolarização formal. Os outros dois grupos não-clínicos foram escolhidos em função do nível médio de escolaridade formal e de nível sócio-econômico e da predominância de indivíduos do sexo feminino, características essas semelhantes às observadas no grupo de EM. A distribuição do gênero não foi uma variável controlada. A freqüência de participantes do sexo feminino no grupo de EM (71%) foi menor do que nos grupos de comparação agregados (89%, qui2=12.85, p<0.001).
Em relação ao grupo de portadores de esclerose múltipla, algumas informações devem ser acrescentadas referentes aos parâmetros clínicos. O diagnóstico foi realizado pela equipe de neurologia do CIEM-MG e seguiu os critérios propostos McDonald et al. (2001). Na caracterização da forma clínica foram seguidos os critérios de Lublin e Reingold (1996). Finalmente, duas escalas para mensuração do nível de comprometimento neuropsicológico foram utilizadas: o Índice Ambulatorial (Hauser et al., 1983), que avalia a capacidade de deambulação do paciente, e a Expanded Disability Status Scale (EDSS) (Kurtzke, 1983), que é uma escala de comprometimento neurológico em cinco domínios funcionais. A Tabela 2 apresenta os parâmetros da doença.
Procedimentos - O estudo fez parte de um projeto previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP-UFMG), parecer número 197/01 de 21/11/2001, e a participação condicionada ao esclarecimento dos objetivos e procedimentos do estudo, bem como à assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido. A aplicação dos questionários foi realizada individualmente ou em grupos de 4 a 15 participantes. A aplicadora foi uma estudante de iniciação científica em Psicologia, especificamente treinada e supervisionada por um psicólogo clínico.
A análise estatística dos dados coletados a partir dos instrumentos utilizados teve como o objetivo comparar as possíveis diferenças entre os quatro grupos estudados nos três instrumentos selecionados, bem como examinar a acurácia e consistência interna do instrumento desenvolvido. Para isso, foi utilizado o método de Análise de Variância (ANOVA Univariada) com correções de Bonferroni para as comparações múltiplas, a fim de avaliar as diferenças encontradas. A estimativa da área sob a curva ROC foi o método utilizado para verificar a acurácia dos instrumentos. Por fim, a consistência interna foi calculada a partir do coeficiente alfa de Cronbach. As análises estatísticas foram realizadas com o SPSS versão 12.0, sendo o valor p < 0.05.
Instrumentos
Foram utilizados três instrumentos de avaliação do funcionamento psicossocial amplamente utilizados na população brasileira portadora de EM: Inventário Beck para Depressão (IBD; Beck, Ward, Medelson & Erbaugh, 1961; Gorenstein & Andrade, 1998, Haase et al., 2004), Escala de Severidade de Fadiga (FSS; Krupp, LaRocca, Muir-Nash & Steinberg, 1989; Haase et al., 2004) e Escala de Determinação Funcional de Qualidade de Vida em pacientes com Esclerose Múltipla (DEFU; Cella et al., 1996; Mendes et al., 2004).
O escore total do FSS é obtido a partir do somatório dos itens marcados indicando a prevalência dos sintomas da fadiga. Dessa mesma forma, o escore total do IBD é o resultado da soma dos itens e permite a classificação de níveis de intensidade de depressão (0-10: ausência de depressão; 11-20: depressão leve; 21-25: depressão moderada; acima de 26: depressão grave). Em contrapartida, o escore total referente ao DEFU é calculado a partir da soma dos itens marcados, sendo que quanto maior este valor, menor é o comprometimento da qualidade de vida dos participantes.
Adicionalmente, foi desenvolvido um instrumento análogo ao DEFU para aplicação em indivíduos da população em geral. O desenvolvimento do novo instrumento baseou-se em recomendações técnicas contemporâneas (Pasquali, 1999), sendo empregados, inicialmente, dois juízes que identificaram itens potencialmente inadequados, sugerindo uma nova formulação para os mesmos. A versão construída a partir desta revisão foi então aplicada individualmente em 5 pessoas com escolarização formal equivalente ao ensino fundamental incompleto, para verificar a compreensão e adequação dos itens, sendo realizadas novas modificações. Finalmente, a versão final do instrumento foi desenvolvida a partir de um grupo focal com 15 portadores de EM, o qual se reuniu em duas sessões de duas horas com intervalo de uma semana. Durante as reuniões foram discutidos comparativamente os itens da nova escala a ser aplicada em indivíduos saudáveis e a versão validada para a população brasileira de portadores de EM. As sessões foram gravadas e transcritas e as transcrições comparadas com a versão original norteamericana e a versão validada para a língua portuguesa para desenvolver a versão final do instrumento que foi denominado Escala de Determinação funcional de Qualidade de Vida em Indivíduos Saudáveis (DEFIS) - Anexo 1. Este questionário é composto por 6 subitens quantificáveis assim como a versão desenvolvida para os portadores de EM, são eles: mobilidade, sintomas, estado emocional, satisfação pessoal, pensamento e fadiga e situação social e familiar. As respostas estão formatadas em uma escala tipo Likert com escores que variam de 0 a 4 para cada item, sendo considerado o escore reverso para as questões construídas de forma negativa. Sendo assim, quanto maior o escore total encontrado, melhor é a avaliação subjetiva da QVRS.
Resultados
A análise descritiva das respostas aos diversos questionários pelos membros dos quatro grupos é apresentada na Tabela 3.
Foram realizadas análises de variância (ANOVA Univariada) tendo como objetivo identificar diferenças significativas entre as médias amostrais dos quatro grupos nos três questionários separadamente. Houve diferenças significativas entre as médias amostrais dos grupos nos três instrumentos selecionados (todas a p<0.001). Com o intuito de detalhar esse achado, identificando a origem das diferenças, foram realizadas comparações múltiplas entre os diversos grupos, utilizando a correção de Bonferroni. A Tabela 4 apresenta os resultados das análises post hoc.
A partir das comparações múltiplas quanto ao perfil de qualidade de vida das amostras utilizando o método Bonferroni (post hoc) percebe-se que as diferenças estatisticamente significativas encontram-se entre o grupo de EM e os diversos grupos de comparação nos três instrumentos (todas a p<0.001), não havendo diferenças significativas entre os grupos de comparação. Ou seja, o grupo de EM apresenta indicadores de QVRS sistematicamente comprometidos na comparação dois a dois com os outros grupos.
Análises de variância (ANOVA Univariada) também foram realizadas para as variáveis sóciodemográficas: idade, escolaridade e sexo. A partir dessas análises, constatou-se que houve diferenças estatisticamente significativas apenas entre as amostras de EM e EDU (p=0.046) no que diz respeito ao grau de escolarização formal (p=0.009). Já em relação à idade, houve diferenças estaticamente significativas entre as amostras de UNI e os demais grupos e entre EDU e os portadores de EM, como era de se esperar.
A análise da curva ROC foi utilizada usando o método não paramétrico (Greiner, 2000). As áreas sob a curva de cada instrumento foram calculadas e podem ser matematicamente interpretadas como a probabilidade de se classificar corretamente indivíduos de um grupo (apresenta a patologia) ou de outro (não apresenta a patologia). As áreas sob a curva ROC foram calculadas para a discriminação entre os portadores de EM e os grupos de comparação agregados (controles), para cada um dos instrumentos. As áreas calculadas foram iguais a: 0.761 (ep=0.037, p<0.001, 0.609<IC95<0.833) para o IBD, 0.800 (ep=0.046, p< 0.05, 0.711<IC95<0.899) para o FSS, e 0.942 (ep=0.018, p<0.001, 0.906<IC95<0.978) para o DEFU/DEFIS.
A consistência interna foi calculada utilizando o coeficiente alfa de Cronbach. Quanto mais próximo de 1 o coeficiente de Cronbach, maior é a consistência interna apresentada pelo instrumento. Os coeficientes calculados para o FSS (EM=0.927, Controles=0.877), IBD (EM=0.906, Controles=0.729), e DEFU/DEFIS (EM=0.910, Controles=0.878).
Discussão
O DEFIS é um instrumento modular para a avaliação da qualidade de vida, o qual foi desenvolvido como uma versão para a população geral de um instrumento em uso com portadores de EM, desenvolvido e validado por Cella et al. (1996, vide a versão brasileira, denominada DEFU, desenvolvida por Mendes et al., 2004). O desenvolvimento do DEFIS permitirá que sejam realizadas comparações do perfil de portadores de EM com indivíduos saudáveis.
Os resultados do estudo, ainda que preliminares, sugerem que a versão adaptada do DEFIS é adequada e seu conteúdo equivalente ao do DEFU. Esta afirmação é feita com base no resultado de sucessivos ciclos de avaliação do conteúdo e equivalência das escalas, as quais permitiram o desenvolvimento da versão final, com base na opinião de juízes, indivíduos da população em geral com baixo nível de escolarização formal e portadores de EM engajados em um programa de reabilitação psicossocial.
Do ponto de vista psicométrico, a consistência interna do DEFIS pode ser considerada boa, já que os coeficientes alfa situaram-se acima de 0.85. De acordo com o teste de Mitrushina et al., (1998) resultados iguais ou maiores a 0.80 são indicativos de boa confiabilidade do instrumento. Já a validade de critério situou-se na faixa elevada conforme os critérios de Swets (1988), uma vez que a área sob a curva ROC foi superior a 0.978 (com limite inferior do IC95 igual a 0.906).
A partir da análise dos dados, pode-se afirmar que a DEFIS possui consistência interna e acurácia adequadas o que permite seu uso para comparar e discriminar a performance dos portadores de EM dos participantes do grupo controle. Vale ressaltar que as diferenças observadas entre as amostras do estudo em relação à amostra de UNI já eram esperadas de acordo com exposto anteriormente como justificativa para a escolha desse grupo para compor os participantes do estudo.
O uso de mais de um instrumento na coleta de dados viabilizou a confirmação da existência de validade de critério do DEFIS. Esse tipo de validade refere-se ao grau de eficácia que o instrumento possui em predizer um desempenho específico do sujeito (Pasquali, 1999). Nesse sentido, o próprio desempenho do sujeito em outros instrumentos independentes daquele que se deseja validar, torna-se um critério externo contra o qual o desempenho naquele é comparado. No presente estudo, a validade de critério utilizada foi do tipo concorrente, de acordo com qual houve uma convergência dos resultados nos três instrumentos em cada um dos grupos.
A análise qualitativa do conteúdo dos instrumentos DEFU e DEFIS nos grupos focais confirmou a validade de conteúdo do mesmo.
Em relação ao perfil de qualidade de vida da amostra de indivíduos saudáveis, em geral os resultados coincidem com aqueles apontados pela literatura (Vickrey, Hays, Harooni, Myers & Ellison, 1995; Fischer, LaRocca, Miller, Ritvo, Andrews & Paty, 1999; Amato, Ponziani, Rossi, Liedl, Stefanile & Rossi, 2001). Porém, dois dados encontrados são discrepantes e por isso, devem ser discutidos. Primeiramente, apesar da maioria dos estudos realizados com amostras formadas por jovens indicar resultados satisfatórios em relação ao perfil geral da qualidade de vida nos jovens (Pichler, 2006), nesse estudo encontra-se um resultado discrepante em relação à amostra de universitários (UNI) que apresenta alto escore médio em relação à fadiga quando comparado aos resultados médios dos outros grupos nãoclínicos do estudo. Supõe-se que esta percepção deve-se ao fato de que os estudantes universitários, apesar de estarem envolvidos em um projeto pessoal, estão submetidos a fatores que podem contribuir para uma percepção de estado de fadiga superior àquele esperado, pois também se dedicam a atividades remuneradas extracurriculares. Essa hipótese pode ser confirmada pelo perfil socioeconômico e cultural dos alunos da graduação da UFMG publicado pela Fundação Mendes Pimentel, no qual 39.5% dos alunos pesquisados trabalhavam em atividades remuneradas não acadêmicas. (FUMP, 1997)
O segundo ponto de discrepância se refere ao perfil da qualidade de vida geral das técnicas em enfermagem. Apesar dos estudos apontarem para a existência de um perfil de qualidade de vida deteriorado como reflexo das dificuldades que essas profissionais enfrentam no cotidiano de trabalho (Estryn-Behar, 1990; Lambert, 2001; Tan, 1991; Marnot, 1996 citados por Tountas et al., 2003) podendo estar submetidos à síndrome de burnout (Priebe, 2005), os resultados desse estudo indicaram o contrário. O grupo das profissionais de enfermagem apresentou escores médios relativamente superiores em todos os instrumentos utilizados. A hipótese para esse fato refere-se ao contexto da testagem. Esta foi realizada em um hospital de pequeno porte de uma cidade do interior do estado de Minas Gerais, em que as pessoas têm condições de vida relativamente estáveis, e podem ter sido influenciadas por fatores de desejabilidade social no momento de responderem aos questionários o que refletiu em resultados não representativos dos índices de satisfação com a vida e de fadiga.
Em relação à hipótese do paradoxo da felicidade (Albrecht & Devlieger, 1999), de acordo com a qual os indivíduos acometidos por doença crônica podem apresentar uma percepção de qualidade de vida (bem-estar subjetivo) igual ou superior quando comparado com a percepção de indivíduos saudáveis a respeito do bem estar próprio, esta não foi confirmada pelos dados deste estudo. Constatou-se que a inexistência de uma percepção subjetiva superior a respeito do bem-estar pelo grupo de EM. Ressalta-se que este é um estudo preliminar e sua limitação em relação a essa questão deve-se a existência de apenas um item no instrumento DEFU /DEFIS que trata especificamente da avaliação do bemestar subjetivo. Propõe-se que estudos futuros utilizem, além do DEFU, outras escalas que operacionalizem de forma mais abrangente esse construto, como por exemplo, a escala de Satisfação com a Vida (SWLS) proposta por Diener (1985) composta por 5 itens que avaliam especificamente o bem-estar subjetivo, o que trará mais consistência relativa aos resultados dos estudos com DEFU.
Concluindo, o DEFIS permitirá a realização de comparações entre o perfil da QVRS entre grupos clínicos e não-clínicos contribuindo para uma melhor compreensão dos diversos aspectos psicossociais envolvidos na EM além de oferecer elementos para a elaboração de políticas de intervenção mais eficientes.
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Recebido em: 02/04/08
Aceito em: 13/08/08
* Endereço eletrônico para correspondência: vitor.haase@gmail.com