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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
On-line version ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.2 no.2 Juiz de fora Dec. 2009
ARTIGOS
Pessoas com deficiência: comprometimento organizacional, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho1
People with disability: organizational commitment, work conditions and quality of working life
Maria Nivalda Carvalho-Freitas2,I; Antônio Luiz MarquesII; Luciana A. D. de AlmeidaII
IUniversidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei, Brasil
IIUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi identificar as bases do vínculo que se estabelece entre as pessoas com deficiência e a organização na qual trabalham e as possíveis relações entre comprometimento, condições de trabalho e satisfação com fatores de qualidade de vida. Foram utilizados os construtos de qualidade de vida no trabalho, comprometimento organizacional e ações de adequação das condições e práticas de trabalho. Os resultados indicam que o comprometimento e a satisfação das pessoas com deficiência estão associados com aspectos organizacionais e não com o tipo de deficiência ou dificuldade de se inserir no mercado de trabalho. Esse resultado reforça a importância de desenvolvimento de políticas públicas que assegurem educação e trabalho para essa população e políticas organizacionais que garantam a manutenção da qualidade de vida desses trabalhadores.
Palavras-chave: Pessoas com Deficiência, Comprometimento Organizacional, Condições de Trabalho, Qualidade de Vida no Trabalho
ABSTRACT
The aim of this research was identify the bases of the relationship that bind employees with disability to the organization where they work. Furthermore, it intends to analyze the possible connections among commitment, work conditions and satisfaction with working life factors. It was used the constructs of quality of working life, organizational commitment and actions of adequacy in practices and work conditions. The results indicate that the people with disability commitment and their satisfaction were associated with organizational aspects and they are not associated with the kind of disability or with difficulty to insertion in the work market. This result reinforces the importance of developing public policies that insure education and work to these people and organizational policies to maintain the quality of working life of these employees.
Keywords: People with Disability, Organizational Commitment, Work Conditions, Quality of Working Life
Com a regulamentação das leis 8.213/91 e 7.853/89, garantindo a reserva de vagas no trabalho para as pessoas com deficiência (PcDs), a gestão desse tipo de diversidade passa a ser um tema de interesse de profissionais e pesquisadores que investigam questões relacionadas ao mundo organizacional. É indubitável o papel que o trabalho ocupa na vida das pessoas, e, sobretudo, em grupos marginalizados historicamente, uma vez que se constitui como principal elemento na minimização da exclusão social a qual tais grupos são expostos (Schur, 2002).
Batista (2004) revela a existência de atitudes paradoxais na inserção no trabalho de PcDs, em que se pode encontrar a aberta segregação dessas pessoas, alocando-as unicamente em atividades consideradas inferiores, tendo por critério a deficiência; e o reconhecimento, por parte de algumas corporações, do valor da atividade exercida pelo profissional, o que pode ser notado nas políticas de inserção e alocação de pessoas com deficiência de acordo com suas potencialidades para o trabalho.
Pesquisas realizadas com as pessoas com deficiência já inseridas no mercado formal de trabalho têm revelado que a adaptação das condições de trabalho tem sido a principal preocupação das organizações (Bahia & Santos, 2008; Carvalho-Freitas & Marques, 2007). Também tem sido observado pelas pesquisas que essas pessoas apresentam níveis de satisfação elevados em relação aos diversos fatores relacionados à qualidade de vida no trabalho; sendo o único aspecto a apresentar nível considerável de insatisfação o relacionado às possibilidades de carreira e progressão dentro das organizações (Almeida, Carvalho-Freitas & Marques, 2008; Barbosa-Gomes, 2009). Além disso, já foi constatado que existem relações entre a adequação das condições e práticas de trabalho das organizações e a satisfação no trabalho de pessoas com deficiência (Almeida et al., 2008).
Por outro lado, existem opiniões divergentes em relação ao vínculo que as pessoas com deficiência mantêm com o trabalho: muitas pessoas acreditam que as pessoas com deficiência são incapazes e que elas se valem da deficiência para não trabalhar adequadamente (Carneiro & Ribeiro, 2008; Nascimento, Damasceno & Assis, 2008); outras pessoas acreditam que as PcDs são mais comprometidas com o trabalho devido às dificuldades para se conseguir um emprego; e muitos gestores têm dúvida em relação ao vínculo das pessoas com deficiência com o trabalho, isto é, se o compromisso que elas têm com o trabalho se diferencia do das demais pessoas (Carvalho-Freitas, 2009a).
Esse cenário levou à condução da presente pesquisa, que tem por objetivo identificar as bases do vínculo que se estabelece entre as pessoas com deficiência e a organização na qual trabalham e suas possíveis relações com condições de trabalho e satisfação com fatores de qualidade de vida. Deste modo, pretende-se aumentar o escopo de conhecimento sobre o vínculo dessas pessoas com as organizações e contribuir para um melhor entendimento do tipo predominante de vínculo estabelecido entre as pessoas com deficiência e as organizações que as inserem.
Referencial teórico
Conforme documento da Secretaria Internacional do Trabalho (2006), relativo às recomendações da Organização Internacional do Trabalho sobre a gestão da deficiência no local de trabalho, a pessoa com deficiência é definida como um indivíduo que em decorrência de deficiência física, auditiva, visual ou múltipla tem perspectivas reduzidas para obter, manter e progredir em um emprego apropriado. No entanto, se se retoma a forma como a deficiência é vista ao longo da história (Carvalho-Freitas & Marques, 2007) verifica-se que as perspectivas dessas pessoas são dependentes do contexto histórico, social e espacial no qual estão inseridas. Nesse sentido, a deficiência precisa ser entendida como fruto das articulações construídas entre as condições físicas, biológicas ou mentais, de um lado, e as contingências históricas, de outro, que poderá tanto contribuir para uma maior inclusão social e no trabalho dessas pessoas quanto para potencializar sua discriminação.
Para buscar identificar as bases do vínculo que se estabelece entre as PcDs e a organização onde elas trabalham será utilizado o conceito de comprometimento organizacional. A escolha desse conceito se deve às questões identificadas em pesquisas anteriores e que se relacionavam às dúvidas em relação ao compromisso das PcDs com o trabalho, ao comprometimento delas etc. (Carneiro & Ribeiro, 2008; Carvalho-Freitas, 2009a; Nascimento et al., 2008). Fazendo uma revisão de possíveis conceitos que poderiam ser utilizados para identificar as bases do vínculo que as PcDs estabelecem com as organizações em que trabalham verificou-se que o conceito de comprometimento organizacional era o mais pertinente para responder aos objetivos da presente pesquisa.
Embora Rodrigues e Bastos (2009) argumentem que uma extensa agenda de pesquisa tem envolvido os pesquisadores, com vistas a superar os problemas conceituais e empíricos na pesquisa sobre comprometimento organizacional, esse conceito tem sido amplamente utilizado em investigações empíricas nacionais e internacionais. Esses autores identificaram 24 diferentes definições científicas do comprometimento que foram classificadas em dois tipos de vínculo e quatro características básicas, a saber: vínculo ativo (engajamento/empenho extra e identificação/ afeto) e vínculo passivo (permanência e instrumentalidade/relação de troca).
Ainda que não haja consenso quanto ao conceito, optou-se por utilizar uma idéia que parece central nas discussões dos pesquisadores, referendada por Siqueira e Gomide Júnior (2004), e que consiste no pressuposto de existência de uma concepção genérica de comprometimento organizacional como vínculo que se estabelece entre o trabalhador e a organização de trabalho, isto é, o comprometimento organizacional é visto como um estado psicológico que caracteriza a relação do indivíduo com a organização. Também Bastos, Brandão e Pinho (1997) concordam que "predomina, largamente, o tratamento do construto como disposição. Assim, o comprometimento é tomado como um estado, caracterizado por sentimentos ou reações afetivas" (p. 100, grifo dos autores).
No entanto as pesquisas divergem em relação à natureza do vínculo estabelecido; segundo esses pesquisadores, duas bases psicológicas de comprometimento são identificáveis na atualidade: a base afetiva que se ancora no pressuposto de que o indivíduo se identifica e nutre sentimentos positivos ou negativos em relação à organização de trabalho da qual faz parte; e a base cognitiva que se sustenta a partir da premissa de que o indivíduo desenvolve na relação com a organização um conjunto de crenças sobre recompensas, sustentadas sobre relações de troca com a organização. O comprometimento, isto é, o vínculo que o indivíduo constrói com a organização na qual trabalha, se sustenta a partir dessas duas bases psicológicas (afetiva e cognitiva), as quais contribuem para o aparecimento de estilos de comprometimento distintos.
Considerando essas bases do comprometimento, Allen e Meyer (1996) desenvolveram um modelo de análise de comprometimento organizacional que considerava três componentes desse vínculo: um afetivo, de base psicológica afetiva; um instrumental; e um normativo, os dois últimos de base cognitiva. A predominância maior de um, ou outro, componente configura os estilos de comprometimento. Cada estilo de comprometimento revela aspectos específicos e diferenciados do vínculo estabelecido com a organização. O componente afetivo refere-se à identificação do indivíduo com as metas organizacionais, assim como a introjeção de seus valores, assumindo-os como próprios e está associado ao desejo de permanecer na organização. O componente instrumental indica o grau em que o trabalhador se mantém ligado à organização devido ao reconhecimento de custos associados com sua saída da empresa; é observado em função das recompensas e custos associados à condição de integrante da organização, ou seja, à intenção de manter-se engajado na organização enquanto esta apresenta benefícios que compensem a sua escolha de trabalhar na mesma. O componente normativo indica o grau em que o trabalhador possui sentimento de obrigação, ou dever moral, de permanecer na organização, isto é, os indivíduos comprometidos apresentam algumas características em seu comportamento, não porque eles calculem que obterão benefícios pessoais apresentando-os, mas sim porque acreditam que é certo fazê-lo; o indivíduo guia suas ações por padrões e pressões normativas por ele internalizadas. Os trabalhadores podem perceber os três estados simultaneamente, só que em níveis diferentes. Por exemplo, alguns trabalhadores podem sentir grande desejo de permanecer na organização, aliada à necessidade e obrigação de ficar. Outros podem sentir uma grande vontade de permanecer na organização, mas não têm necessidade e nem se sentem obrigados a tal.
Visando contemplar os componentes do comprometimento organizacional e a predominância de estilos de comprometimento foi utilizado, na presente pesquisa, o questionário de comprometimento organizacional validado por Rego, Cunha e Souto (2007). As pesquisas sobre comprometimento organizacional têm indicado que a percepção de suporte organizacional é um antecedente relevante no estabelecimento de um comprometimento organizacional, principalmente, afetivo (Siqueira, 2002). Suporte organizacional é entendido como "as crenças dos empregados acerca do grau em que a organização se preocupa com o bem estar de seus empregados" (Siqueira & Gomide Jr., 2004, p. 312). Conforme Bastos (1994) existem múltiplos aspectos relativos ao contexto de trabalho que favorecem o estabelecimento dos vínculos do trabalhador com a organização. Na presente pesquisa buscou-se verificar se o estilo de comprometimento estava relacionado com a adequação das condições de trabalho percebidas pelas PcDs e com a satisfação com fatores relacionados à qualidade de vida no trabalho.
A importância das ações de adequação das condições de trabalho remete à importância do entendimento do espaço social no processo de inserção de PcDs. Kitchin (1998) aborda o papel do espaço na reprodução e manutenção dos processos de exclusão e indica a necessidade de uma investigação do processo sócio-espacial, o qual reproduz as relações sociais, para compreender como as pessoas tornam-se marginalizadas e excluídas dentro da sociedade. Para ele, o espaço seria um continente ativo da vida social, e não somente um continente pacífico da vida.
Em relação às pessoas com deficiência, Kitchin (1998) afirma que o espaço é socialmente produzido para excluí-las de duas maneiras: organizado para mantê-las "no lugar delas"; ou como "textos" sociais que comunicam a elas que estão "fora do lugar". Tais processos de exclusão ocorrem no ambiente de trabalho, no transporte público, nos espaços de lazer, etc.
Carvalho-Freitas (2007) sugere a utilização da terminologia ações de adequação das condições e práticas de trabalho, ao invés do termo espaço, por nomear de forma mais explícita os elementos cuja presença ou ausência modificam a relação de forças entre pessoas com e sem deficiência nas organizações. Essas ações de adequação contemplam tanto modificações no espaço concreto de trabalho quanto implementações de práticas específicas que visem dar condições de igualdade ao trabalho das pessoas com deficiência. Na presente pesquisa foi utilizado o Inventário das Ações de Adequação das Condições e Práticas de Trabalho (Carvalho-Freitas, 2009), composto por três fatores:
Fator 1 - Sensibilização: refere-se à percepção em relação às ações da empresa para sensibilizar as chefias e funcionários para a inserção de pessoas com deficiência e fornecer informações sobre saúde e segurança no trabalho à essas pessoas.
Fator 2 - Adaptações: percepção das pessoas sobre as adaptações nas condições e instrumentos de trabalho realizadas pela empresa para facilitar a inserção de pessoas com deficiência.
Fator 3 - Práticas de RH: adequação das práticas de seleção, treinamento, promoção e transferência realizadas pela empresa com vistas a inserir as pessoas com deficiência.
Para verificar a satisfação das PcDs com fatores relacionados à qualidade de vida no trabalho, foi utilizada a contribuição teórica de Walton (1973) que buscou identificar elementos nas organizações de trabalho que pudessem garantir a humanização das relacões de trabalho e que haviam sido "... negligenciados pelas sociedades industriais em favor do avanço tecnológico, da produtividade e do crescimento econômico" (p. 11). O referido autor identifica oito fatores que afetam de modo significativo a qualidade de vida do trabalhador:
Fator 1 - Compensação adequada e justa (remuneração)
Fator 2 - Condições de segurança e saúde no trabalho (condições de trabalho)
Fator 3 - Uso e desenvolvimento de capacidades
Fator 4 - Oportunidade de crescimento contínuo e segurança (oportunidades de crescimento profissional)
Fator 5 - Integração social na organização
Fator 6 - Constitucionalismo (direitos na instituição)
Fator 7 - O trabalho e o espaço total da vida (equilíbrio trabalho e vida)
Fator 8 - Relevância do trabalho na vida (relevância do trabalho)
Na presente pesquisa foi utilizado o inventário de qualidade de vida adaptado a partir do Modelo proposto por Walton (Carvalho-Freitas & Marques, 2008) para a população de PcDs.
Método
Visando verificar se o fato de se ter deficiência era um fator distintivo no tipo de vínculo estabelecido com a organização que inseria as PcDs, buscou-se configurar a amostra com pessoas que tivessem tido acesso à escolarização, com no mínimo ensino fundamental completo, o que as colocariam, em princípio, com as mesmas possibilidades de conseguir um trabalho que pessoas com a mesma escolaridade. Além disso, optou-se por pesquisar um único tipo de segmento de mercado, visando assegurar uma amostragem de PcDs que atuassem em condições similares de organização do trabalho. Optou-se, então, por pessoas que atuavam em instituições financeiras, mais especificamente bancos. Essa escolha também se justifica porque a maior concentração de PcDs no mercado de trabalho formal do país encontra-se no setor de serviços (48,39%), conforme Neri, Pinto, Soares e Costilha (2003).
Durante o primeiro trimestre de 2009 foram entrevistadas 33 pessoas com deficiência na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)3. A amostragem da pesquisa foi de conveniência, devido à dificuldade de acesso aos sujeitos da pesquisa: a participação das pessoas com deficiência era livre e esclarecida, porém, a forma de acesso a essas pessoas pôde se dar apenas através dos locais de trabalho, pois não havia como localizar PcDs com o perfil desejado de outra forma. Essa estratégia apresentava um problema que era a necessidade de autorização dos bancos para localizar e convidar essas pessoas para participar da pesquisa, o que trouxe inúmeras dificuldades, pois muitos bancos não consentiram que os pesquisadores abordassem as PcDs que trabalhavam na agência, mesmo sendo esclarecido que a pesquisa não precisaria ser realizada na agência, nem no horário de trabalho. De 10 bancos privados identificados como tendo em seu quadro de pessoal PcDs, apenas quatro consentiram que se abordassem as PcDs que trabalhavam em suas agências. Por outro lado, algumas PcDs convidadas não quiseram participar da pesquisa. É importante sublinhar que os pesquisadores não tinham nenhuma relação com os bancos pesquisados, o que é explicitado inclusive pela dificuldade encontrada para conseguir autorização dessas instituições financeiras para a realização da pesquisa.
Foram consideradas de forma indistinta, pessoas com deficiência física e sensorial (auditiva e visual), que não possuíam nenhum déficit cognitivo ou distúrbio mental. Nenhuma pessoa com deficiência visual fez parte da amostra, embora também fizessem parte dos interesses da pesquisa, porém não haviam trabalhadores com essa deficiência nas organizações pesquisadas.
O método de pesquisa utilizado foi o survey de desenho tranversal, tendo sido utilizados como instrumentos de coleta de dados os seguintes questionários: Questionário de Satisfação com Fatores de Qualidade de Vida no Trabalho, adaptado a partir do Modelo de Walton (1973) por Carvalho-Freitas e Marques (2008); Questionário de Comprometimento Organizacional, validado por Rego et al., (2007); e Inventário de Ações de Adequação das Condições e Práticas de Trabalho (IACPT) construído e validado por Carvalho-Freitas (2009).
Foi realizada uma primeira análise dos dados utilizando-se da estatística descritiva, visando descrever os fatores dos questionários analisados. Também foi verificado se havia correlações entre os estilos de comprometimento identificados e as Ações de Adequação das Condições e Práticas de Trabalho; e entre os estilos de comprometimento e o Inventário de Satisfação com Fatores de Qualidade de Vida no Trabalho. Foi utilizado o coeficiente de correlação rho de Spearman, visando constatar se os fatores estavam associados e qual a direção e intensidade dessa associação, isto é, se a variação de um fator analisado estava relacionada com a variação de outro fator considerado na investigação; se a direção era positiva, quanto mais aumentava a concordância em relação a um fator, aumentava-se a concordância em relação ao outro fator; ou negativa, aumentando-se a concordância com um fator, diminuía-se a concordância com outro; e se as correlações eram intensas, isto é, mais próximas de +1 ou -1. Considerando que a escala Likert adotada (discordo totalmente a concordo totalmente) poderia não apresentar uma distribuição normal, a escolha pelo coeficiente rho de Spearman se configurou na decisão mais adequada (Malhotra, 2001).
Também foi realizado o Teste de Qui-Quadrado de Independência, com nível de significância de 0,05, para verificar se os estilos de comprometimento e os resultados de satisfação com fatores de qualidade de vida apresentados dependiam de dados característicos da amostra como: sexo, idade, escolaridade, faixa etária, tipo de deficiência, cor, renda familiar, empregos anteriores, sistema de cotas, ou se o estilo de comprometimento dependia do fato de ser ou não o primeiro emprego formal da PcD.
Análise dos Dados
Primeiramente será apresentada a caracterização da amostra estudada - 33 pessoas com deficiências empregadas em quatro instituições financeiras privadas da RMBH - em relação aos seus dados pessoais e funcionais, com o auxílio da estatística descritiva. Em seguida, com o auxílio dessa mesma estatística, serão apresentados os resultados das percepções referentes aos fatores abordados - Comprometimento Organizacional, Ações de Adequação das Condições e Práticas de Trabalho e Satisfação com Fatores de Qualidade de Vida no Trabalho. Posteriormente, serão apresentados os resultados dos testes de correlação de Spearman entre os referidos fatores, com o objetivo de averiguar as relações existentes entre as percepções dos mesmos. Por último, serão apresentados os resultados do Teste de Qui-Quadrado de Independência realizado.
Caracterização da amostra
Com base nos resultados apresentados na Tabela 1, é possível observar que a maioria das pessoas com deficiência inseridas em instituições financeiras privadas, na RMBH, é do sexo feminino (57,6%), solteira (57,6%), com idade predominante entre 25 e 29 anos (41,9%). No tocante a cor, observa-se que a maioria da amostra se declarou branca (57,6%) e ressalta-se que nenhum entrevistado se declarou negro. A maioria dos sujeitos possui elevado nível de escolaridade, com um total de 69,7% com nível de escolaridade correspondente ao superior incompleto e completo. A respeito do tipo de deficiência que os sujeitos entrevistados possuem, notou-se somente a presença das deficiências auditiva e física, sendo esta última encontrada na maioria dos sujeitos (87,9%). As demais deficiências (visual, múltipla) não foram apresentadas por nenhum entrevistado. A respeito do número de moradores que os entrevistados possuem por domicílio, observa-se que a maioria possui 3 ou 4 moradores, totalizando 60,6% da amostra total. Sobre a renda que a familiar, nota-se que a maioria possui um total de 4 a 7 salários-mínimos.
Considerando os aspectos funcionais da amostra pesquisada, observa-se, na Tabela 2, que a maioria já havia trabalhado no mercado informal anteriormente (51,5%), mas que o atual emprego não se apresenta enquanto primeiro emprego formal (90,9%). A maior parte dos entrevistados já teve dois empregos formais anteriormente (39,4%), com um tempo total de permanência nos mesmos equivalente de 1 a 5 anos (45,5%).
Também se observa na Tabela 2 que, em relação ao atual emprego, a maioria conseguiu por meio do Sistema de Cotas (73,3%), com permanência de 1 a 5 anos (45,5%). Sobre o cargo ocupado, nota-se que maioria dos entrevistados ocupa cargo de escriturário de caixa (48,3%), sendo o cargo gerencial ocupado por dois entrevistados. A respeito da remuneração, recebem em maioria, o equivalente a 3 salários mínimos (54,5%).
Considerando as características gerais da amostra, verifica-se que ela foi, em sua maioria, composta por indivíduos do sexo feminino, diferindo dos resultados encontrados na pesquisa "Retratos da Deficiência no Brasil" (Néri, Pinto, Soares & Costilha, 2003), na qual foi verificada que a proporção de homens, com alguma deficiência e inseridos no mercado formal de trabalho, é consideravelmente maior que a de mulheres com deficiência regularmente empregadas, 65,76% contra 34,26%, respectivamente. No que concerne à faixa etária dos participantes da pesquisa, nota-se que a maior parte de indivíduos está na faixa entre 25 e 44 anos, o que se encontra em consonância com os resultados do país (Néri et al., 2003).
A prevalência de indivíduos solteiros é similar aos resultados de outros estudos realizados com PcDs (Almeida et al., 2008; Carvalho-Freitas, 2007). A escolaridade superior incompleta encontrada, com grande parte dos participantes fazendo o curso superior no presente momento, difere da distribuição de PcDs inseridos no mercado formal do país em que 31,20% têm de 0 a 4 anos de estudo e 31,18% têm de 8 a 12 anos de estudo. No entanto, conforme Néri et al. (2003) a participação de PcDs no mercado formal de trabalho aumenta de acordo com os anos de estudo, quando comparado com a população total do país.
No que diz respeito ao tipo de deficiência, os dados da presente pesquisa não diferem dos dados do país em que predominam pessoas com deficiência física, seguido por pessoas com deficiência auditiva no mercado formal de trabalho (Instituto Ethos, 2007). Também em relação ao tempo de trabalho, os resultados da população brasileira tomados em seu conjunto de 1 a 5 anos concentram a maior parte de PcDs presentes no mercado formal de trabalho, resultado similar ao da presente pesquisa.
Análise dos fatores relacionados ao comprometimento no trabalho
Foram analisados, através da estatística descritiva, os três componentes do comprometimento organizacional:
Comprometimento afetivo: analisando os resultados verifica-se que 89% das PcDs estabelecem vínculos de afeto positivo com a organização que trabalham e permanecem na organização porque desejam. Analisando as questões do fator constata-se que 94% deles afirmaram ter uma forte ligação de simpatia com a organização; 82% dos mesmos se sentem "parte da família"; e 90% têm orgulho em dizer a outras pessoas que fazem parte da organização em que trabalham.
Comprometimento normativo: analisando de forma geral o fator verifica-se que 24% das PcDs compartilham desse tipo de vínculo, isto é, compartilham de um sentimento de obrigação, ou dever moral, de permanecer na organização. Ao considerar a hipótese de receber uma oferta de melhor emprego, 47% dos sujeitos entrevistados acreditam que não seria incorreto deixar a atual organização, 28% demonstraram-se indiferentes e somente 25% acreditam que não deveriam deixar o atual emprego. Com relação à hipótese de não deixá-lo por sentirem que possuem obrigações para com as pessoas que ali trabalham 42,4% dos sujeitos discordam, 33,3% demonstram indiferença e 24,3% concordam. No momento, caso deixar o atual emprego trouxesse vantagens, metade da amostra acredita que não seria incorreto sair da organização, 28,1% demonstram indiferença e somente 21,9% concorda que isto seria errado.
Comprometimento instrumental: Analisando o fator de forma geral, constata-se que 29% das PcDs se mantém ligado à organização devido ao reconhecimento de custos associados com sua saída da empresa e têm a intenção de manter-se na organização enquanto esta apresentar benefícios que compensem a sua escolha de trabalhar na mesma. Verificando as questões do fator verificase que para a maioria dos entrevistados (75,8%), a manutenção do vínculo com a atual organização não se deve à percepção de que possuem poucas oportunidades de emprego em outras organizações; ou porque se saísse seriam necessários grandes sacrifícios pessoais (76%). Em relação ao não abandono da organização por considerar as perdas financeiras que seriam prejudiciais, 48,5% discordam que isso aconteça, 33,3% demonstraram indiferença e somente 18,2% concordam que essa assertiva seja verdadeira.
De forma geral, verifica-se a predominância do componente afetivo do vínculo entre as PcDs e as organizações que as inseriram, com predominância de um desejo de permanecer na organização porque se sentem parte integrante dela. No entanto, os componentes instrumental e normativo também estão presentes.
Análise dos fatores relacionados às condições de trabalho
Analisando os fatores relacionados às ações de adequação das condições e práticas de trabalho verifica-se que:
Fator 1 - Sensibilização: Analisando de uma forma geral o fator verifica-se que 77% das PcDs concordam que existam atividades de sensibilização para a inserção de PcDs nas organizações que trabalham. Analisando as diversas questões do fator, constata-se que: sobre as informações que recebem sobre saúde e segurança no trabalho, a maioria da amostra concorda que essas informações são oferecidas de forma acessível (79%). Observou-se que 60% das pessoas com deficiência entrevistadas relataram que são realizadas atividades de formação, instrução e informação para as mesmas. Além disso, 82% das mesmas relataram que quando estas ocorrem, são veiculadas de forma que não as coloquem em desvantagem em relação às demais pessoas que não possuem deficiência. Concordam ainda que são realizadas sensibilização das chefias (82%) e dos grupos de trabalho (82%) com relação à inserção de pessoas com deficiência.
Fator 2 - Adaptações: Também 77% da amostra pesquisada concordam que foram feitas adaptações nas condições de trabalho para a inserção de PcDs nas organizações em que trabalham. A respeito das adaptações físicas necessárias à inserção dessas pessoas (rampas, elevadores, degraus sinalizados com cores vivas, adaptação de banheiros e bebedouros etc.), 79% dos respondentes afirmaram que estas foram realizadas no local de trabalho. Com relação às aquisições ou modificações dos locais de trabalho que visem à locomoção e o acesso das pessoas com deficiência, 82% da amostra afirmou que essas têm ocorrido. 70% dos sujeitos afirmaram que há redistribuição de tarefas conforme as suas necessidades; e que é feita alocação das pessoas com deficiência em áreas de fácil acesso (76%).
Fator 3 - Práticas de RH: De forma geral, 73% das PcDs concordam que as organizações adequaram as práticas de Recursos Humanos visando facilitar o acesso das PcDs ao trabalho. Pouco mais de metade da amostra (51,5%) afirmou que há treinamento das Brigadas de Incêndio para a evacuação de pessoas com deficiência. A maioria dos sujeitos afirmou que os procedimentos de promoção e transferência das pessoas com deficiência são sistematizados, tendo por critério, a capacidade (85%) e experiência no trabalho (88%). Além disso, foi afirmado por 67% dos entrevistados que durante o processo de seleção os procedimentos utilizados asseguraram a possibilidade de realização por parte dos mesmos.
Analisando as ações de adequação das condições e práticas de trabalho verifica-se que, embora a percepção de existência dessas ações nas organizações pesquisadas seja grande, mais de 20% da amostra pesquisada não percebe a existência dessas ações nas organizações.
Análise dos fatores relacionados à satisfação no trabalho
Em relação à satisfação com fatores relacionados à qualidade de vida no trabalho foi verificado que:
Remuneração - A respeito do salário recebido, 87,9% da amostra declarou estar satisfeita com o mesmo. Ao comparar o salário com as atividades desenvolvidas, 84,5% demonstrou satisfação, o mesmo ocorrendo com 88% ao compará-lo com o recebido pelos demais colegas. Sobre os benefícios recebidos (seguros, planos de saúde) a que têm direito, 94% dos entrevistados relataram satisfação.
Condições de trabalho - A maior parte da amostra declarou estar satisfeita com a jornada de trabalho (91%), com os recursos que a instituição oferece para realizar as funções (90,5%), com o grau de segurança pessoal que percebem ao realizar suas atividades (91%) e com as condições físicas que percebem no local de trabalho (82%). A satisfação também foi verificada na maioria da amostra no tocante as adequações necessárias para o desempenho de suas funções (rampas, elevadores, banheiros, sinalização sonora etc) (91%); com as modificações feitas nos equipamentos a fim de facilitar o trabalho (94%); e com as informações recebidas sobre saúde e segurança no trabalho (88%).
Uso e desenvolvimento de capacidades - Sobre a liberdade de ação que possuem para realizar o trabalho, 97% dos entrevistados demonstraram satisfação. Esta mesma percepção foi observada por 85% dos sujeitos no tocante ao grau de liberdade que possuem para tomar decisões relativas às atividades desempenhadas, por 88% sobre as oportunidades que possuem para aplicar no trabalho os conhecimentos e/ou habilidades que possuem. Além disso, 82% delas demonstraram satisfação com relação às oportunidades de realizar atividades desafiantes, e 97% com a possibilidade de desempenhá-las do início ao fim, bem como sobre as informações necessárias para realizá-las desta forma.
Oportunidades de crescimento profissional - Sobre as oportunidades de "crescer" como pessoa humana na realização do trabalho, 91% dos entrevistados demonstraram satisfação. A maioria da amostra também apresentou esta percepção em relação às oportunidades que a instituição oferece para que possa desenvolver novos conhecimentos e habilidades relacionadas às funções desempenhadas (81%). Entretanto, ainda sendo maioria, uma porcentagem menor de sujeitos demonstrou satisfação com a segurança que percebem quanto ao futuro na instituição: 62,5%.
Integração social na organização - 97% da amostra afirmou estar satisfeita com o relacionamento social estabelecido com seus superiores, bem como o apoio recebido pelos mesmos no desenvolvimento do trabalho. Toda a amostra apresentou satisfação com o relacionamento estabelecido com os colegas e diversos grupos da instituição. Além disso, 94% relataram satisfação com o clima de amizade e respeito que percebem no local de trabalho e 81% com a maneira que os conflitos são resolvidos na instituição.
Direitos na instituição - Toda a amostra apresentou satisfação para com o tratamento justo recebido por parte de seus superiores, bem como o respeito que a instituição demonstra ao direito de inserção no trabalho da pessoa com deficiência. 97% estão satisfeitos com o respeito apresentado pela instituição no tocante aos direitos estabelecidos em lei e 94% em relação à liberdade que sentem para reivindicá-los. Sobre o empenho da organização em implementar as sugestões feitas pelos sujeitos entrevistados e colegas, 97% dos sujeitos relatou satisfação e 90% tiveram a mesma percepção sobre o respeito ao direito de pertencerem ao sindicato da classe.
Equilíbrio trabalho e vida - A maioria da amostra afirmou estar satisfeita com o espaço de tempo que o trabalho ocupa na vida (87,5%); com o tempo que resta depois do trabalho para se dedicar ao lazer (81%); e com o respeito por parte da instituição à privacidade após a jornada de trabalho (97%). Esta última porcentagem de entrevistados satisfeitos também foi verificada em relação ao equilíbrio entre trabalho e lazer que possuem.
Relevância do trabalho - 94% dos entrevistados relataram que estão satisfeitos com a importância das atividades que exercem, com a possibilidade de contribuir para com a sociedade ao trabalhar e com a responsabilidade social que o trabalho desempenhado possui. 97% dos entrevistados demonstraram satisfação com o respeito que a sociedade atribui à instituição na qual trabalham e 93% com as atividades desempenhadas ao exercer a função.
De forma geral as PcDs estão satisfeitas com os diversos fatores que contribuem para a manutenção de suas qualidade de vida no trabalho. Apenas um fator apresentou um índice de insatisfação maior, que se refere à manutenção de seus empregos e ao futuro dessas pessoas na instituição, com 37,5% das PcDs insatisfeitas com essa questão. Tendo em vista os demais dados analisados, pode-se levantar a hipótese de que essa insatisfação se refere à própria realidade do setor que, por sua própria característica de instituição privada, não oferece garantias de permanência dos trabalhadores.
Correlação entre fatores
Visando verificar, então, se o estilo de vínculo estabelecido estava associado às condições de trabalho e à satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho foram realizadas as correlações apresentadas a seguir:
Comprometimento organizacional e ações de adequação das condições e práticas de trabalho
Conforme pode ser verificado na Tabela 3, quanto maior a percepção de existência de ações de sensibilização por parte da organização maior são os Comprometimentos Afetivo e Normativo. As demais ações de adequação das condições e práticas de trabalho não estão associadas aos estilos de comprometimento das PcDs.
Comprometimento organizacional e os fatores de satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho
A partir dos resultados apresentados na Tabela 4 verifica-se que:
1) Quanto maior a satisfação com a remuneração; com as oportunidades de crescimento profissional; com o respeito da instituição pelos direitos das PcDs; com o equilíbrio trabalho e vida pessoal; e com a relevância do trabalho: Maior o Comprometimento Afetivo das PcDs.
2) Quanto maior a satisfação com a remuneração: Maior o Comprometimento Normativo.
3) Nenhum fator de satisfação no trabalho está correlacionado com o Comprometimento Instrumental.
O teste de Qui-Quadrado realizado não demonstrou relação de dependência entre os estilos de comprometimento e os dados demográficos da amostra pesquisada, o que significa que os estilos de comprometimento das PcDs não podem ser associados a nenhuma característica da população, ficando restrita sua associação à características de suporte percebidas em relação à organização. Também em relação à satisfação com fatores de qualidade de vida no trabalho e dados demográficos, o Teste de Qui-Quadrado não demonstrou nenhuma relação de dependência.
Discussão
A partir da realização da presente pesquisa foi possível constatar que as PcDs estabelecem diferentes tipos de comprometimento com as organizações que as inserem, sem necessariamente a presença de um estilo eliminar a possibilidade de aparecimento do outro estilo. No entanto, o tipo de comprometimento predominante encontrado foi o de base afetiva que se funda no desejo dessas pessoas de permanecerem nas organizações em que trabalham.
A presença do comprometimento normativo, ancorado em valores morais e no sentimento de obrigação de permanecer na organização é menos importante para as PcDs, o que problematiza a percepção de gestores (Carvalho-Freitas, 2009a) e do senso comum de que as PcDs inseridas seriam mais comprometidas, pois elas ficariam em dívida de gratidão em relação à empresa que as contrataram. Possivelmente, a Lei de Cotas favoreça a minimização tanto desse estilo de comprometimento como o do comprometimento instrumental, uma vez que as PcDs reconhecem que existem possibilidades reais de inserção delas no mercado formal de trabalho, o que pode ser comprovado na própria caracterização da amostra em que 90,9% das PcDs já tiveram outros empregos formais.
De forma geral, poderia se dizer que as PcDs permanecem nas organizações que trabalham porque desejam e se sentem parte delas (comprometimento afetivo), mais do que por sentimentos de obrigação, gratidão (comprometimento normativo) ou porque acreditem não ter outras possibilidades de trabalho (comprometimento instrumental).
Analisando os fatores organizacionais que poderiam se relacionar com o tipo de vínculo estabelecido, verifica-se que as ações de sensibilização realizadas pelas organizações estão relacionadas positivamente com a presença do comprometimento afetivo e do comprometimento normativo. Nesse sentido, acentua-se a importância das práticas de sensibilização nas empresas que inserem PcDs. As ações de adaptação das condições de trabalho e das práticas de Recursos Humanos não estão relacionadas com nenhum dos tipos de comprometimento, no entanto, são ações que estão concretamente relacionadas com as possibilidades reais de acessibilidade e desempenho cotidiano do trabalho dessas pessoas.
Além disso, verifica-se que as PcDs apresentam níveis de satisfação com praticamente todos os fatores de Qualidade de Vida no Trabalho. Poderia se cogitar que essa satisfação se daria em função do tipo de deficiência ou de não se ter tido outros empregos anteriormente, porém, os resultados indicaram que não existe relação de dependência entre esses fatores. No entanto, seria relevante pesquisar, em um mesmo contexto de trabalho, se os resultados de comprometimento e satisfação no trabalho apresentam diferenças significativas entre pessoas com e sem deficiência, pois, embora possam ser encontradas pesquisas realizadas com bancários que identificam elevados índices de satisfação com o trabalho, como a investigação conduzida por Donaire, Zacharias & Pinto (2004), é recorrente na literatura científica estudos sobre insatisfação no trabalho, sofrimento e adoecimento de bancários (Borges, 2001; Carijó & Navarro, 2009; Gravina & Rocha, 2006; Mergener, Kehrig & Traebert, 2008; Murofuse & Marziale, 2001).
Analisando as correlações entre comprometimento organizacional e satisfação com os fatores de qualidade de vida no trabalho, verifica-se uma relação direta e positiva entre eles, isto é, quanto maior o comprometimento afetivo maior a satisfação com os fatores de qualidade de vida no trabalho relacionados às políticas organizacionais, tais como: remuneração, oportunidade de crescimento profissional, direitos na instituição, equilíbrio trabalho e vida e relevância do trabalho. Tal resultado demonstra a importância da garantia desses fatores para a manutenção do desejo de permanecer na organização por parte das PcDs. É também interessante notar que o comprometimento instrumental não está relacionado com nenhum fator de satisfação no trabalho, nem com as ações de adequações das condições e práticas de trabalho.
É relevante sublinhar também que fatores demográficos, como tipo de deficiência e dificuldade na obtenção de emprego anterior no mercado formal, comumente associados ao maior comprometimento das PcDs no trabalho e aos resultados de satisfação dessas pessoas, não se apresentaram relacionados na presente pesquisa (não existe relação de dependência entre eles). Os fatores associados ao comprometimento e à satisfação das PcDs são decorrentes das políticas organizacionais percebidas pelas PcDs na empresa, resultados esses similares às pesquisas desenvolvidas com trabalhadores sem deficiência (Chang Jr., Santos, Silva, Chang & Nogueira, 2007; Donaire et al., 2004; dentre outras). Esses resultados indicam que em condições de garantia de acesso ao mercado de trabalho, o vínculo das PcDs com as organizações é similar ao das demais pessoas. Possuir deficiência física ou auditiva não se constitui em um fator de distinção para o estilo de comprometimento com o trabalho. O que se associa ao vínculo estabelecido são as políticas e práticas organizacionais de valorização do trabalhador. Nesse sentido, é importante refletir que são pessoas, que possuem uma deficiência, que são contratadas pelas organizações.
A deficiência tem sido historicamente um fator de discriminação social (Carvalho-Freitas & Marques, 2007), negando o acesso e as possibilidades de trabalho daqueles que a possuem. No entanto, minimizando os fatores de discriminação e garantindo o direito ao trabalho, o vínculo dessas pessoas com as organizações dependerá de outros fatores que não o tipo de deficiência per si.
Esses resultados, embora apresentem limites em função do tamanho da amostra e da sua composição - pessoas com escolaridade mais alta, residentes em uma capital do Estado onde as ofertas de emprego são maiores do que em cidades do interior; e empresas que muito provavelmente desenvolviam estratégias mais definidas de inserção de PcDs - eles ajudam a melhor compreender esse processo, pois indicam que é necessário deslocar o olhar da pessoa com deficiência para a organização que a insere, pois o comprometimento e a satisfação delas estão associados com aspectos organizacionais e não com o tipo de deficiência apresentada ou dificuldade de se inserir no mercado de trabalho. Esse resultado reforça a importância de desenvolvimento de políticas públicas que assegurem educação e trabalho para essa população e políticas organizacionais que assegurem a manutenção da qualidade de vida de seus trabalhadores.
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Recebido em: 23/11/09
Aceito em: 22/12/09
1 Apoio: FAPEMIG.
2 Contato: carvalhofreitas@mgconecta.com.br
3 A Região Metropolitana de Belo Horizonte é a terceira maior aglomeração urbana do país, com 4,9 milhões de habitantes (IBGE, 2006). Seu produto interno bruto em 2002 correspondia a cerca de 40 bilhões de reais, dos quais aproximadamente 65% pertenciam à cidade de Belo Horizonte (BH). Apesar de formada por 34 municípios, 80% da população desta Região concentra-se em cinco deles: BH, Contagem, Betim, Ribeirão das Neves e Santa Luzia. As PcDs equivalem a aproximadamente 13,5% da população total.