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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
On-line version ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.9 no.1 Juiz de fora June 2016
ARTIGOS
As redes sociais virtuais e a dinâmica da internet
Virtual Social Networks and the dynamics of internet
Nádia Laguárdia de Lima1; Jacqueline de Oliveira Moreira; Márcia Stengel; Lucas Matos Maia
Universidade Federal de Minas Gerais /Pontifícia Universidade Católica - MG
RESUMO
Este artigo apresenta o resultado de um levantamento bibliográfico realizado em uma pesquisa que objetiva compreender os relacionamentos amorosos de adolescentes na internet. Realizou-se uma investigação no PePSIC das produções entre 2002 e 2013. O levantamento apontou um número reduzido de trabalhos de psicologia sobre o tema e desatualização das redes sociais utilizadas como objeto de estudo. O número reduzido de trabalhos pode ser justificado tanto por limites do nosso instrumento de pesquisa quanto pela atualidade do tema. A desatualização das redes sociais revela o dinamismo próprio da internet. Entretanto, as subjetividades não se transformam com a mesma velocidade das tecnologias, demonstrando que tais pesquisas não se tornam obsoletas. É preciso considerar que a enorme presença da internet em todos os setores da vida humana justifica o incremento de pesquisas sobre o tema.
Palavras-chave: internet, redes sociais, contemporaneidade, relacionamentos amorosos.
ABSTRACT
This article presents the results of a bibliographical search conducted with the goal to understand the romantic relationships of teenagers on the internet. A research in PePSIC was conducted, and the productions between 2002 and 2013 were analyzed. This research revealed a small number of psychology works on the matter, as well as the outdating of the social networks used by them as objects of study. The reduced number of works was evidenced when confronted with data from interviews with university students, conducted at a second moment during this research. The reduced number of works can be justified both due to the limitation of our research tools and to the actuality of the theme. The downgrading of social networks reveals the dynamism of the internet. However, subjectivities are not transformed at the same speed as technologies, demonstrating that such research did not become obsolete. We need to consider that the large presence of the internet in all sectors of life justifies the development of the research on this topic.
Keywords: internet, social networks, contemporaneity, romantic relationships.
O presente artigo apresenta parte de uma pesquisa interdisciplinar e interinstitucional que busca investigar em que medida a internet introduz mudanças nas concepções e/ou nas formas de relacionamento amoroso entre adolescentes. Para este artigo, será apresentado o resultado de um levantamento bibliográfico realizado na primeira etapa da pesquisa, sobre a internet e as redes sociais, com ênfase no subtema "relacionamentos amorosos", nos Periódicos Eletrônicos em Psicologia - PePsic. A partir do levantamento bibliográfico objetivou-se conhecer as produções bibliográficas sobre o tema, e tal levantamento apontou um número reduzido de trabalhos de psicologia sobre o tema, bem como a desatualização com relação às redes sociais utilizadas como objeto de estudo. A desatualização foi evidenciada ao se confrontarem tais resultados com os dados das entrevistas semiestruturadas presenciais realizadas com jovens de 18 anos de uma universidade particular de Belo Horizonte, realizada no segundo momento da pesquisa. A escassez de pesquisas sobre o tema no campo da psicologia pode ser justificada tanto pela atualidade do tema quanto pelos limites do nosso instrumento de pesquisa, como será discutido nos seus resultados. A desatualização das redes sociais mencionadas nos artigos revela o próprio dinamismo da internet, a fluidez e o imediatismo que caracterizam o universo virtual, com o consequente surgimento e desaparecimento constante de redes sociais virtuais.
A dinâmica da internet e os seus efeitos subjetivos e sociais
A internet introduz uma nova percepção espacial e temporal, promovendo uma dinâmica própria ao ciberespaço que afeta profundamente o campo social. Entretanto, no que se refere aqui especificamente à percepção do tempo, para alguns autores, esta já poderia ser identificada na passagem da modernidade para a pós-modernidade. Se a modernidade concebe o tempo como um encadeamento coerente de fatos, ou seja, como uma sucessão cronológica que ressalta a ideia de marcha contínua e automática em direção ao progresso, a visão contemporânea não percebe o tempo como linearidade homogênea, mas como uma realidade intangível, em permanente fluir. O tempo é visto como uma dimensão na qual se cruzam ritmo e acaso, velocidade e inércia, aceleração e quietude, não possui ordenamento ou lei presumível, princípio ou fim definível e é impossível de ser dominado (Santos & Oliveira, 2001).
Maffesoli (1996) destaca que os objetos de comunicação que nos cercam se tornam um condensado de tempo e espaço, aniquilando o futuro e promovendo um instante eterno. As tecnologias virtuais incrementam essa percepção temporal, introduzindo a simultaneidade. A rapidez proporcionada pela revolução digital invade a vida social, levando ao abandono de velhas formas sociais e à mudança das percepções e das noções sobre identidade pessoal e sociedade.
Santos (2013) observa que a aceleração contemporânea pode ser tomada como um conjunto de acelerações superpostas, pois toda transição de um período histórico para outro é percebida como acelerada. A cada época acompanhamos as reações de admiração ou de medo diante do inusitado e a dificuldade para entender os novos esquemas e para encontrar um novo sistema de conceitos que expressem a nova ordem. Para o autor, na época atual, a sensação de um presente que foge, ou seja, a vivência do efêmero, não é uma criação exclusiva da velocidade, mas de outra vertigem, trazida com o império da imagem e a forma como ela é engendrada através das tecnologias das comunicações a serviço da mídia. Esse é um arranjo deliberadamente destinado a impedir que a ideia de duração se imponha. A fluidez e a competitividade favorecem a circulação do dinheiro e a ação soberana do mercado.
Para Lipovetsky (2005), a sociedade atual caracteriza-se pela égide dos dispositivos abertos e plurais, marcada pela indiferença em massa e pela personalização hedonista. Há uma retração do tempo social e individual, com a produção acelerada de objetos, o que nos leva a consumir cada vez mais não só os próprios objetos, mas também informações, esportes e viagens, formação e relações, música e cuidados médicos. O consumismo alcança a esfera particular, até "o devir do ego conclamado a conhecer o destino da obsolescência acelerada, da mobilidade, da desestabilização" (Lipovetsky, 2005, p. 20). Essa velocidade tecnológica é, pois, adequada à sociedade de consumo. Na mesma perspectiva, Rifkin (2001, p. 9) observa que "o tempo e a atenção se tornaram a posse mais valiosa, e a própria vida de cada indivíduo se torna o melhor mercado". A economia global é dirigida pela aceleração acentuada na inovação tecnológica e é regida pela velocidade e pela imaterialidade. No capitalismo adaptado à dinâmica das redes, o valor está na velocidade de acesso.
Se a modernidade é marcada pelo individualismo, Lipovetsky (2005) postula que a nossa época intensifica o individualismo e diversifica as possibilidades de escolha, liquidificando os pontos de referência e incrementando um processo de personalização impulsionado pela aceleração das técnicas. A velocidade imposta pelo consumo é favorecida pelo desenvolvimento das tecnologias digitais, que, cada vez mais personalizadas e individuais, imprimem um novo formato ao consumo, expandindo-o infinitamente.
Tapias (2003) argumenta que, apoiando-se na tecnologia digital, a nova sociedade e sua cultura constituem o novo mundo digital, que, à maneira das impressões digitais, deixa a sua marca em todos os setores da vida social. A tecnologia digital gera uma densa retícula de relações pelas quais reconstruímos a realidade sociocultural em que nos inserimos, transformando radicalmente as estruturas da realidade social a partir do momento em que modificamos os dois pilares da realidade cultural humana: a comunicação e a produção. Ainda segundo o autor, a tecnologia atual alcançou uma potência inusitada e a sua capacidade de construção do mundo é de um nível inédito na história da humanidade. Para Tapias (2003), as novas tecnologias da informação e da comunicação ajustam-se à época de fragmentação do sujeito, de expansão ilimitada das diferenças, de identidades mutantes, de reconfiguração da realidade a partir de novas e múltiplas coordenadas. O espaço e o tempo são vividos de maneira profundamente alterada em relação ao passado, o tempo real nos instala na simultaneidade e na virtualidade, abrandando as rígidas fronteiras que até então delimitavam o real e o irreal, reconfigurando a realidade social. Há uma perda de sentido na cultura atual. O verticalismo das formas anteriores de estruturação social é substituído por estruturas horizontalistas, que, segundo o autor, muitas vezes são pseudo-horizontais, pois camuflam as relações de poder nas redes informáticas. O autor acredita que a internet não favorece a socialização, ao contrário, ela fomenta o individualismo, pois as conexões em rede não compensam a carência de relações face a face. Elas criam o individualismo em rede, pois engendram o auto-encerramento de cada um dos indivíduos sobre o seu aparelho tecnológico.
Para Bauman (2001), vivemos no tempo instantâneo e sem substância, que é também um tempo sem consequências: "Instantaneidade significa realização imediata, no ato, mas também exaustão e desaparecimento do interesse" (p. 137). O advento da instantaneidade conduz a cultura e a ética humanas a um território inexplorado, onde "a maioria dos hábitos aprendidos para lidar com os afazeres da vida perdeu sua utilidade e sentido" (Bauman, 2001, p. 149). Essa lógica acelerada do consumo, impulsionada pelas tecnologias digitais, incide sobre as relações sociais e amorosas. Em Amor líquido (2004), o autor postula que o desvanecimento das habilidades de sociabilidade é reforçado e também acelerado pela tendência a tratar o outro ser humano como objeto de consumo. Buscar parceiros na internet "é como folhear um catálogo de reembolso postal que traz na primeira página o aviso: compra-não-obrigatória e a garantia ao consumidor da devolução do produto caso não fique satisfeito" (Bauman, 2004, p. 85). Assim, o ritmo acelerado e a velocidade, impostos pelas novas tecnologias virtuais e pelo consumismo, afetam todos os domínios da vida social, imprimindo um valor econômico às relações humanas.
Numa perspectiva mais otimista, Castells (2013) defende que as redes horizontais, multimodais, tanto na internet quanto no espaço urbano, podem criar companheirismo. A horizontalidade das redes pode favorecer a cooperação e a solidariedade, ao mesmo tempo em que reduz a necessidade de liderança formal. Os movimentos políticos em defesa da democracia iniciados na rede são exemplos disso. Eles são movimentos profundamente autoreflexivos, questionam-se frequentemente através dos múltiplos grupos de discussão das redes sociais. Para o autor, essa "é uma sociedade em rede autoconstruída com base na conectividade perpétua" (Castells, 2013, p. 169).
Motivados pela reflexão dos autores que analisam os efeitos das redes sociais sobre os vínculos sociais e amorosos, decidimos por realizar um levantamento da produção científica na área das ciências humanas sobre internet, ciberespaço e redes sociais, para conhecermos o panorama das pesquisas publicadas sobre essa temática.
Métodos
Para realizar o levantamento no site PePSIC, recorremos a quatro verbetes-guia: "Internet", "Ciberespaço", "Cibercultura" e "Redes Sociais", respeitando o recorte temporal de artigos e produções bibliográficas entre 2002 e 2013. O levantamento bibliográfico com o verbete "Internet" identificou 28 artigos; com o verbete "Redes Sociais", localizou 15 artigos; e os verbetes "Cibercultura" e "Ciberespaço" obtiveram um artigo cada, num total de 45 produções.
As Tabelas 1 e 2 apresentam os artigos encontrados utilizando-se os verbetes "Internet" e "Redes sociais", respectivamente.
Ao pesquisar os verbetes "Ciberespaço" e "Cibercultura", encontramos apenas um trabalho acerca de cada verbete, a saber, respectivamente: "O fascínio e a alienação no ciberespaço: uma perspectiva psicanalítica" (Lima, 2006), e "Transitando entre folhas e bytes: a expressão da mídia impressa e da mídia digital na cultura e na produção de subjetividades" (Wulfhorst, 2004). Com o objetivo de perceber o panorama atual das produções científicas no campo da psicologia sobre "Redes Sociais" e "Internet", os artigos foram organizados em categorias. Inicialmente, dividimos o tema "Redes Sociais" em duas categorias. A primeira, intitulada "Outras redes sociais", foi utilizada para agrupar os artigos que abordam outros tipos de redes não virtuais, como as redes de apoio social, redes de influência no trabalho, dentre outras. A segunda categoria, "Redes sociais para outros fins", inclui os artigos sobre as redes sociais da internet para outros fins que não o relacionamento amoroso, que apresentou apenas um resultado. Figura 2. Tipos de redes sociais estudadas nos artigos pesquisados.
O único trabalho categorizado como "Redes sociais para outros fins" tem como título: "Redes Sociais e indicações para processos de recrutamento e seleção: uma análise pela perspectiva dos candidatos" (D'Avila, Regis & Oliveira, 2010) e aborda o tema das redes sociais virtuais voltadas para o recrutamento e seleção.
Estabelecemos três categorias para os artigos referentes ao verbete "Internet", a saber: "Práticas psicológicas através da internet", categoria que reúne artigos que discutem a eficácia da internet para finalidades psicológicas, como aplicação de testes, orientação vocacional e terapias online; "Internet para outros fins", que inclui artigos dos campos da saúde, educação e política; e "Internet e subjetividade", que abrange os artigos sobre as questões subjetivas, que, por sua vez, se dividem em subcategorias: comportamentos, violência, compulsão e relacionamentos.
Como podemos perceber, oito artigos se inserem em "Práticas Psicológicas através da internet", sete na categoria "Internet para outros fins" e treze em "Internet e subjetividade". No primeiro grupo, "Práticas Psicológicas através da internet", não dividimos os trabalhos, uma vez que o tema se encontra distante do nosso objeto de pesquisa. Já na categoria "Internet para outros fins", os sete artigos foram divididos conforme os seus conteúdos.
Dentre estes artigos da categoria "Internet para outros fins", apenas dois aproximam-se, de fato, da psicologia. O primeiro, "Tecnologías y Neuropsicología: Hacia una Ciber Neuropsicología" (Soto- Pereza, Martin, & Jimenez-Gomes, 2010), relaciona a internet com a neuropsicologia, e o segundo, "Práticas culturais em campanhas políticas online uma análise da campanha presidencial brasileira de 2010 via twitter" (Nunes Fonseca, & Abreu Vasconcelos, 2013), faz uma análise do comportamento dos candidatos presidenciáveis no Twitter durante as eleições de 2010.
Na categoria "Internet e subjetividade" os artigos estão divididos em sete temas.
O artigo da subcategoria "Autopercepção" tem como título "Mídia e Psicologia: considerações sobre a influência da internet na subjetividade" (Moreira, 2010), e apresenta uma reflexão sobre a influência da internet na subjetividade, e o artigo sobre o brincar intitula-se: "O brincar e realidade virtual" (Romão-Dias & Nicolaci-da-Costa, 2012). A subcategoria "Comportamentos" abrange dois artigos, "A expressão e a elaboração do luto por adolescentes e adultos jovens através da internet" (Peruzzo, 2007) e "Considerações sobre o massacre de Realengo" (Lopes, 2012). Ambos apresentam algumas considerações psicanalíticas sobre o massacre de Realengo, dando enfoque ao comportamento do condenado em questão.
O artigo da subcategoria "Autopercepção" tem como título "Mídia e Psicologia: considerações sobre a influência da internet na subjetividade" (Moreira, 2010), e apresenta uma reflexão sobre a influência da internet na subjetividade, e o artigo sobre o brincar intitula-se: "O brincar e realidade virtual" (Romão-Dias & Nicolaci-da-Costa, 2012). A subcategoria "Comportamentos" abrange dois artigos, "A expressão e a elaboração do luto por adolescentes e adultos jovens através da internet" (Peruzzo, 2007) e "Considerações sobre o massacre de Realengo" (Lopes, 2012). Ambos apresentam algumas considerações psicanalíticas sobre o massacre de Realengo, dando enfoque ao comportamento do condenado em questão.
A subcategoria "Compulsão", por sua vez, teve um artigo, "Autoestima y relaciones interpersonales em sujetos adictos a internet" (Jimenez & Pantoja, 2007), originário da Venezuela, que discorre sobre a autoestima e as relações interpessoais de pessoas viciadas em internet. O artigo "Efeitos da Globalização e da Sociedade em Rede Via Internet na Formação de Identidades Contemporâneas" (Silveira, 2004) representou a subcategoria "Identidades", e o artigo mexicano "Violencia em internet: Nuevas víctimas, nuevos retos" (Trujano Ruiz, Dorantes Segura & Trovilla Quesada, 2009), abordou a subcategoria "Violência", discutindo a maneira como o tema se relaciona com a web. A última subcategoria, designada como "Relacionamentos", a mais importante para a nossa pesquisa, inclui seis artigos, relacionados abaixo.
Nesta subcategoria, de especial interesse para a nossa pesquisa, buscamos identificar, em cada artigo, o referencial teórico utilizado, a concepção de amor apresentada, as redes sociais estudadas e as suas datas de publicação.
No que tange ao referencial teórico, os seis artigos compartilham das mesmas fontes, recorrendo a autores que analisam a contemporaneidade e a cultura digital nos campos da psicologia social, da filosofia, da psicanálise e da sociologia. Quatro artigos utilizam como referência a autora Nicolacida-Costa (Dias & Teixeira, 2008; Donnamaria & Terzis, 2012; Civiletti & Pereira, 2002; Nicolaci-Da-Costa, 2002), quatro fazem referência a Turkle (Donnamaria & Terzis, 2009; Donnamaria, & Terzis, 2012; Civiletti & Pereira, 2002; Romão-Dias, Nicolaci-Da-Costa, 2005), três utilizaram Bauman (Romão-Dias, Nicolaci-da-Costa, 2005; Nicolaci-da-Costa, 2002; Donnamaria, & Terzis, 2012) e três referenciaram Pierre Lévy (Civiletti, 2002; Donnamaria, 2012; Donnamaria & Terzis, 2009). Além destes, três artigos trabalham com teóricos da psicanálise, mais precisamente Freud, Lacan e Pichon Riviére (Donnamaria & Terzis, 2009; Nicolaci-da-Costa, 2002; Romão-Dias, Nicolaci-da-Costa, 2005).
Apenas dois artigos apresentam alguma concepção de amor: "Sobre a evolução de vínculos conjugais originados da internet" (Donnamaria & Terzis, 2009) e "Algumas notas sobre relações humanas mediadas por computadores" (Donnamaria & Terzis, 2012). O primeiro artigo estuda a evolução de vínculos conjugais que se originaram da internet, utilizando o método psicanalítico de investigação, e fornece uma breve descrição histórica e sociocultural do amor, desde o século XVII, tempo do "amor romântico", até o século XXI, época do amor fugaz. Os autores concluem que a internet não cria, mas possibilita a reprodução de uma série das vicissitudes possíveis na vida offline, com alguns processamentos próprios de um relacionamento à distância, o qual demanda tempo de elaboração demarcado por determinadas etapas, em um processo em que o bem ou mal suceder estão condicionados à maturidade das pessoas envolvidas tanto quanto estão em suas relações presenciais.
Já o segundo artigo é o que mais se aproxima da nossa proposta de pesquisa, pois oferece uma reflexão sobre o desenvolvimento da internet e, especificamente, das relações humanas através da internet. Ele faz uma breve construção da origem da internet, discute as projeções otimistas e pessimistas sobre a sua expansão, analisa o mundo virtual e apresenta algumas considerações de usuários que utilizam a rede como forma de relacionamento. Sobre a concepção de amor, os autores compartilham das ideias de Bauman (2004) acerca da fragilidade das relações amorosas.
Os demais artigos apontam as possibilidades de se vivenciar o prazer, a paixão e o desejo nas redes sociais virtuais. Destaca-se a desatualização das redes sociais mencionadas pelos autores nestes artigos.
As redes sociais mais utilizadas como objeto de estudo dos autores foram as Salas de Bate Papo online. As publicações ocorreram nos seguintes anos: 2002, 2008, 2009 e 2012. O artigo que mencionou do ICQ e IRC foi publicado em 2002; e, em 2009, um mesmo artigo considerou Fóruns, MSN, Skype, Sites de encontros e Orkut. Nota-se, portanto, que redes sociais mais atuais, como Facebook, Tinder e WhatsApp, não foram mencionadas, demonstrando uma desatualização das pesquisas.
A fim de conhecermos as redes sociais mais utilizadas atualmente, utilizamos os dados coletados através de 14 entrevistas semiestruturadas com jovens universitários de 18 anos, realizadas entre 2014 e 2015, com o objetivo de servir à nossa pesquisa, que busca compreender os efeitos da internet nas relações amorosas entre adolescentes. Para este artigo, interessam as falas dos jovens sobre as redes sociais que utilizam, permitindo-nos comparar suas informações com os dados levantados na pesquisa bibliográfica.
O Facebook é a rede social mais utilizada pelos entrevistados, o WhatsApp aparece em segundo lugar, o Instagram em terceiro e o Tinder em quarto. As outras redes sociais apresentam certa posição de equivalência. Apesar de o WhatsApp aparecer em segundo lugar, os adolescentes entrevistados afirmam fazer um uso cada vez maior desta rede social, devido à participação e ao controle dos pais no Facebook. Já no WhatsApp, as formações de grupo e as mensagens compartilhadas são mais restritas.
Se compararmos as redes sociais mencionadas pelos artigos estudados em relação às que os jovens entrevistados utilizam, percebemos que apenas o Skype permanece atual. Algumas redes sociais mencionadas nos artigos foram citadas pelos entrevistados a título de lembrança: "na época do MSN" ou "na época do Orkut". A Figura 8 a seguir apresenta as redes sociais mencionadas pelos jovens entrevistados.
O MSN e o Orkut foram mencionados pelos jovens para se referir ao tempo passado, enquanto o Chat UOL, o Instagram e os blogs foram citados como exemplos de redes utilizadas por pessoas próximas. No caso do Chat UOL, os dois exemplos envolveram traição através da internet. As demais redes sociais, WhatsApp, Hornet, Grindr e Scruff, foram mencionadas apenas como conhecidas.
Resultados e Discussão
Constatamos um número reduzido de artigos publicados no site do PePSIC que utiliza um dos quatro verbetes-guia: "Internet", "Ciberespaço", "Cibercultura" e "Redes Sociais". Foram identificados apenas 45 artigos no período entre 2002 e 2013. Das três categorias estabelecidas para o verbete "Internet", a categoria "Internet e subjetividade", mais próxima do nosso campo de investigação, abarca a maior parte das pesquisas publicadas. A variedade temática presente nessa categoria demonstra algumas das possibilidades de pesquisa nesse campo, a saber: violência, comportamentos, identidade, brincar, compulsões, sexualidade e relacionamentos. A subcategoria relacionamentos apresenta apenas seis artigos. Constatamos que os autores destes artigos utilizam fontes teóricas comuns, em especial dos campos da psicologia social, da sociologia, da filosofia e da psicanálise.
Alguns autores consideram que a internet interfere nas relações sociais e amorosas, outros acreditam que ela opera apenas como um lócus preliminar para o encontro presencial. Entretanto, os autores evitam utilizar critérios de valor para comparar as relações sociais estabelecidas fora da internet com as relações mediadas por computadores. De uma maneira geral, consideram as redes sociais como espaços válidos de comunicação e de relacionamento social, mas com características próprias, e também como espaços de vivência de múltiplas identidades, de desejos e de experiências prazerosas. Eles demonstram que as interações contínuas nas redes sociais interferem nos relacionamentos off-line e vice-versa. Alguns destacam a liquefação dos laços sociais na contemporaneidade.
O volume reduzido de artigos de psicologia encontrados no site do PePSIC não aponta, necessariamente, para uma escassez de trabalhos sobre o tema. Escolhemos os quatro verbetes-guia descritos acima pela sua abrangência. Mas é preciso considerar que, em relação aos termos de busca, muitos estudos não incluem os termos "Internet", "Ciberespaço" ou "Cibercultura" como palavras-chave, mas sim outras expressões. Além disso, a expressão "Redes sociais" passou a ser utilizada com maior frequência pelos autores nos últimos anos. Se tivéssemos incluído na busca outras palavras, tais como "Chats" ou "Orkut", termos menos utilizados atualmente, mas que eram muito mencionados no início dos anos 2000, certamente alcançaríamos mais resultados. Cabe destacar ainda que a psicóloga Ana Maria Nicolaci-da-Costa foi pioneira no Brasil na constituição de grupos de pesquisa acerca das relações entre psicologia e internet, publicando vários artigos e orientando muitas dissertações e teses sobre o tema. Assim, este levantamento bibliográfico não faz jus à sua importante contribuição nesse campo, provavelmente devido aos limites de nossa chave de busca.
A contínua migração entre redes sociais pelos jovens, evidenciada pela desatualização das redes sociais mencionadas pelos autores, ilustra o dinamismo próprio da internet e o caráter efêmero de seus dispositivos, que são adequados à lógica do consumo. Além disso, como mencionado pelos jovens, a popularização de determinada rede social faz com que ela vá perdendo valor para certo grupo de pessoas, pois deixa de ter um caráter de exclusividade.
Entretanto, como já indicamos ao longo deste artigo, as subjetividades não se transformam com a mesma velocidade com que caminha o avanço tecnológico, o que demonstra que tais pesquisas não se tornam rapidamente obsoletas. Nesse sentido, os artigos publicados no espectro de tempo englobado por nossa pesquisa, apesar de se referirem a aplicativos que hoje estão desatualizados, contêm importantes reflexões sobre as subjetividades de nossa época.
Conclusão
O cenário das redes sociais é dinâmico, assim como a própria internet e o contexto contemporâneo. Nesse mundo sem fronteiras definidas, em que as tradições perdem as suas bases e os sentidos se multiplicam na horizontalidade expandida pela rede, acompanhamos as reconfigurações dos laços e dos valores compartilhados socialmente.
As redes sociais oferecem aos sujeitos novos espaços de pertencimento, reconhecimento e relacionamento social. Os psicólogos precisam conhecer esses novos lócus de circulação social, as suas especificidades, os seus códigos de funcionamento, a sua linguagem e as mudanças que eles introduzem em todos os âmbitos da vida cultural e social.
As pesquisas sobre as redes sociais encontram vários desafios, dentre eles, a rapidez da análise dos dados, em função de sua rápida desatualização. Entretanto, os dispositivos tecnológicos são meios de expressão da subjetividade contemporânea, mas esta não se oblitera tão rapidamente quanto os aplicativos, de forma que a rápida desatualização dos programas não necessariamente invalida o resultado da pesquisa.
Consideramos, finalmente, que há uma penetração cada vez maior das tecnologias digitais na cultura atual, acarretando transformações cada vez mais intensas no campo social, demonstrando a importância do incremento de pesquisas sobre o tema.
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Recebido em: 17/01/2016
Aceito em: 12/08/2016
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