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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
On-line version ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.17 no.2 Brasília Apr.-Jun. 2017
https://doi.org/10.17652/rpot/2017.2.12742
A gente só vê glamour: um estudo de psicologia do trabalho com músicos profissionais
We only see glamour: a work psychology study with professional musicians
Solo vemos glamour: un estudio de psicología del trabajo con músicos profesionales
Cristiane Siqueira da Rocha Lage; Vanessa Andrade de Barros
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
RESUMO
O artigo trata de investigação realizada acerca das vivências e das repercussões da atividade de trabalho na saúde e no cotidiano de músicos profissionais, a partir do referencial teórico e metodológico da ergologia e da psicossociologia do trabalho. A pesquisa, de natureza qualitativa, apontou que a atividade de trabalho na música é permeada por constrangimentos relacionados às exigências da atividade, às cobranças por altos padrões de desempenho e ao mercado de trabalho, altamente competitivo e predominantemente informal. A presença de dor relacionada às demandas físicas e cognitivas do fazer musical foi apontada pelos entrevistados como a principal repercussão da atividade no cotidiano e principal motivo pelo qual buscaram atendimento. O cansaço físico e mental, sintomas de ordem psíquica e sacrifícios de ordem social e familiar foram outras repercussões descritas pelos músicos. Esses achados corroboram os dados já apresentados pela literatura e desconstruíram a visão de uma atividade de trabalho glamourosa.
Palavras-chave: músico profissional; trabalho; saúde.
ABSTRACT
The article deals with research about the experiences and repercussions of work activity on the health and daily life of professional musicians, based on the theoretical and methodological reference of ergology and work psychosociology. The research, of a qualitative nature, pointed out that the work activity in music is permeated by constraints related to the demands of the activity, to the high standards of performance and to the labor market, which is highly competitive and predominantly informal. The presence of pain related to the physical and cognitive demands of the musical making was pointed out by the interviewees as the main repercussion of the activity in the daily life and main reason for which they sought care. The physical and mental fatigue, psychic symptoms and sacrifices of social and family order were other repercussions described by the musicians. These findings corroborate data already presented in the literature and have disrupted the vision of a glamorous work activity.
Keywords: musician; work relationships; health.
RESUMEN
El artículo se ocupa de la investigación acerca de las experiencias y el impacto de la actividad de trabajo en la salud y la vida cotidiana de los profesionales de la música, desde el marco teórico y metodológico de la ergología y psicosociología trabajo. La investigación cualitativa, señaló que la actividad de trabajo en la música está impregnada por dificultades relacionadas con los requerimientos de la actividad, los gastos de un alto nivel de rendimiento y el mercado de trabajo, altamente competitivo y predominantemente informal. La presencia de dolor relacionado con las exigencias físicas y cognitivas del hacer musical fue identificado por los encuestados como el principal impacto de la actividad en la vida diaria y el principal motivo de consulta. La fatiga física y mental, síntomas de orden psíquico y sacrificios sociales y familiar fueron otros efectos descritos por los músicos. Estos resultados corroboran la información ya proporcionada en la literatura y deconstruido la visión de una actividad de trabajo glamoroso.
Palabras-clave: músico profesional; trabajo; salud.
Esta pesquisa, realizada no âmbito do curso de mestrado em psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), teve como objetivo compreender as vivências e as repercussões da atividade de trabalho na saúde e no cotidiano de músicos profissionais. Fundamentada no referencial teórico e metodológico da ergologia e da psicossociologia do trabalho, buscou articular os aspectos macro (a construção do ofício, as políticas e a organização do mercado) e micro (debates de normas e valores) envolvidos na atividade de trabalho na música, com o intuito de melhor apreender como ocorre a relação entre as normas antecedentes, as variabilidades presentes nas situações de trabalho e as possibilidades encontradas pelos trabalhadores para instaurar novas normas, ressingularizando o meio e produzindo a própria saúde.
Intervir nas relações entre trabalho e saúde é o objetivo do campo da saúde do trabalhador. Para isso, os estudos partem do processo de trabalho e levam em conta a experiência e a subjetividade do trabalhador. É nos grupos humanos, inseridos em contextos sociais específicos, e não nos indivíduos, que se buscam os nexos biopsíquicos historicamente determinados das doenças, pois se entende que os ambientes são uma síntese das formas sociais. Essa compreensão distancia-se da concepção de causalidade das doenças, que estabelece um vínculo causal das doenças a um agente específico ou a um grupo de fatores de risco presentes no ambiente de trabalho. A saúde, portanto, é vista como uma luta permanente em meio às forças políticas. Assim, para combater os danos à saúde é necessário conhecer o trabalho (como ele é efetivado e sob quais condições sociais), modificando o processo de trabalho e as relações sociais que o envolvem (Brito, 2004).
As atividades de criação artística têm sido associadas às profissões nas quais há grande liberdade, nas quais sobressaem aspectos relacionados à satisfação e ao prazer no trabalho, como: variedade e grau de autonomia no planejamento das tarefas, valorização de competências individuais, prestígio social da profissão e status atribuído àqueles que têm sucesso (Menger, 2005). Contudo, essas profissões, concretamente, padecem de constrangimentos, conflitos e tensões inerentes às relações capitalistas de trabalho como em qualquer métier.
Considerada improdutiva e ligada ao lazer e ao ócio, a atividade de trabalho na música tende a ser vista muito mais como um estado do que como uma verdadeira profissão. A percepção social relativa aos músicos passa geralmente por considerá-los como seres humanos especiais, admirados e idealizados como indivíduos plenos e libertos, dotados de grande autonomia e que fazem da sua vocação seu objetivo de vida (Adenot, 2010). Tal percepção reforça a ideia de uma atividade distanciada do trabalho comum, o que contribui para a desvalorização dos processos de formação profissional e fragilização das relações trabalhistas (Requião, 2008).
Diferentes estudos e revisões de literatura têm tratado das demandas físicas e dos altos índices de adoecimento musculoesquelético e de dor relacionados ao exercício da profissão musical (Costa, 2003; Fragelli, Carvalho, & Pinho, 2008; Frank & Mühlen, 2007; Kaneko, Lianza, & Dawson, 2005; Kenny & Ackermann, 2013; Oliveira & Vezzá, 2010; Petrus, 2005). Os achados dessas pesquisas apontam a prevalência de adoecimento relacionado a desordens musculoesqueléticas e à presença de dor decorrente da prática profissional na ordem de 55 a 90%.
Estudos também demonstram que aspectos relacionados à dimensão psíquica e cognitiva, como tensão, nervosismo, ansiedade e cansaço mental, impactam fortemente a saúde desses trabalhadores (Barbar, Crippa, & Osório, 2014; Dobson, 2011; Kenny & Ackermann, 2013; Nascimento, 2013; Rocha, Dias-Neto, & Gattaz, 2011). A cultura da dedicação extremada e a busca pela execução impecável, assim como a ansiedade frente à plateia e o medo de errar são algumas das particularidades do meio musical que têm levado seus profissionais às vivências de sofrimento que nada lembram o trabalhador inventivo e realizado.
As consequências da expansão das políticas liberais no campo das artes e dos espetáculos, os constrangimentos vivenciados pelos profissionais, as condições e as relações de trabalho estabelecidas no meio musical, por sua vez, foram estudados por Coli (2003, 2006), Lisboa (2014), Menger (2005), Pichoneri (2006, 2011), Requião (2008), Segnini (2006, 2007), que demonstraram que aspectos como a flexibilidade, a exigência de alta qualificação técnica, a predominância de ocupações temporárias e a fragilidade na regulamentação da profissão e na garantia de direitos trabalhistas são um retrato do mundo musical na atualidade.
A perspectiva ergológica e a psicossociologia do trabalho: Diálogos possíveis
A ergologia amplia o olhar sobre as diferentes dimensões da atividade humana e, ao mesmo tempo, enfatiza o micro das situações de trabalho, buscando a possibilidade de melhor se aproximar da complexidade das atividades. Propõe para tal colocar em debate os diferentes saberes, disciplinas e abordagens sobre o trabalho (Athayde & Brito, 2011; Schwartz & Durrive, 2007; Trinquet, 2010), buscando compreender como ocorre a gestão da distância ineliminável entre prescrito e real, que passa por escolhas realizadas em função de valores. Assim, no interior da atividade existem sempre debates de normas e valores (Schwartz, 2014; Schwartz & Durrive, 2007), que orientam a renormalização do que é anterior à atividade (normas antecedentes) de acordo com a história, os valores singulares e os usos - é necessário que o trabalhador faça uso de si, de suas capacidades, de seus recursos e das suas escolhas para gerir as variabilidades. O uso de si por si se refere à imposição das microescolhas que precisam ser realizadas e que possibilitam ao sujeito gerir as infidelidades do meio, ressingularizando-o de acordo com suas normas de vida, e o uso de si por outros se refere às imposições e demandas do universo da atividade de trabalho.
De fato, como indica Schwartz e Durrive (2007), o sujeito é sempre convocado a fazer uso de si para tratar os acontecimentos do meio e para lidar com aquilo que foge da sequência habitual da vida. Isso também gera novas variabilidades, transformando a relação com o meio e entre as pessoas.
Nesse ponto, a ergologia se apoia na noção de saúde proposta por Canguilhem (1990), segundo a qual essa seria a capacidade de estabelecer normas diferentes em situações diferentes. Assim, ao se engajar no debate de normas, nessa tentativa de "desanonimar" o meio, há sempre para o sujeito um risco de falhar, pois, ao ter que tomar decisões, preenchendo o vazio de normas ou aquilo que não está contemplado nas regras ou nos procedimentos, o sujeito corre o risco de gerar novas dificuldades, de desagradar, de falhar (Schwartz & Durrive, 2007). A saúde, então, é a procura do sujeito por um equilíbrio entre suas próprias normas e aquelas do coletivo, da organização ou do universo político no qual está inserido. De acordo com Canguilhem (1990), é uma forma de abordar a existência com uma sensação não somente de possuidor, mas, se necessário, de criador de valor, de instaurador de normas vitais. O adoecimento, por outro lado, caracteriza-se como uma redução da margem de tolerância às infidelidades do meio.
Assim é que os trabalhadores, ao serem confrontados com o real, precisam gerir diversos aspectos (históricos, sociais, singulares, etc.) que perpassam sua atividade. Para tal, utiliza-se de si, de seu corpo, de seu intelecto e de suas aprendizagens e busca recriar o mundo, o meio onde vive e trabalha, de acordo com seus valores, buscando certo equilíbrio entre o que lhe exigem e o que coloca de si - processo que visa à produção da saúde.
Para melhor compreender a atividade de trabalho, a ergologia pressupõe o diálogo entre as diversas disciplinas que se debruçam sobre esse campo. De acordo com os objetivos desta pesquisa e, principalmente, por seu interesse em abordar os aspectos psicossociais da atividade, os sentidos e a repercussão do trabalho no cotidiano dos músicos, a psicossociologia do trabalho aparece como um importante aporte teórico que contribui de maneira especial para a compreensão de aspectos como o "desenvolvimento da atividade própria do sujeito (e da subjetivação que daí decorre), a ligação entre a atividade e a práxis, bem como a participação no trabalho de cultura e em todos os campos de atividades" (Lhuilier, 2014, p.17). Além disso, a psicossociologia do trabalho lança luz sobre aspectos subjetivos, simbólicos, pulsionais e libidinais envolvidos nas vivências de prazer e sofrimento na atividade de trabalho.
A possibilidade de diálogo entre a ergologia e a psicossociologia ocorre, pois ambas as perspectivas sustentam que, para a compreensão da complexidade da atividade, é necessário buscar a inter, multi e transdisciplinaridade na produção de saberes (Cunha, 2014). Como aponta Cunha (2013), "o desafio é comum: integrar em nossas análises um olhar plural sobre a experiência dos trabalhadores, examinando esta experiência como complexa, compreendendo os saberes e os valores mobilizados e construídos nas situações de trabalho visando sua transformação"1 (p. 78).
Além disso, ambas as perspectivas compartilham o entendimento de que só é possível construir conhecimentos sobre o trabalho se os protagonistas da atividade cooperarem em dispositivos e abordagens metodológicas especialmente criadas para esse fim. Ao realizarem uma leitura antropológica do trabalho e colocarem em cena sujeitos inteiros, a psicossociologia e a ergologia contribuem para esclarecer múltiplos aspectos da experiência de trabalho (prazer, dor, sofrimento, saúde) e do exercício profissional (Cunha, 2014).
Método
Este estudo exploratório, de natureza qualitativa e de perspectiva compreensiva - "uma proposta é compreensiva quando se esforça sistematicamente para responder à questão: por que, nessa situação, as coisas se passam assim?"2 (Jobert, 2014, p. 62) - foi realizado no Serviço Especial de Saúde dos Trabalhadores, vinculado ao Hospital das Clínicas da UFMG (SEST/HC/UFMG), e construído de acordo com os elementos trazidos pelos sujeitos participantes da pesquisa durante a inserção no campo. Inicialmente foram realizadas observações e conversas informais com os músicos e com os profissionais do serviço. Em seguida, os pesquisadores começaram a participar do processo de avaliação dos atendidos, que consiste em anamnese clínica e ocupacional com os médicos residentes, discussão coletiva dos casos e um momento de avaliação multidisciplinar, em que são observados aspectos relacionados à queixa do paciente, assim como questões posturais com e sem a utilização do instrumento musical. Nesse momento, o paciente pode dialogar com a equipe e também observar gestos e movimentos que ainda não havia percebido durante a sua prática profissional, recebendo orientações e indicações necessárias para seu tratamento.
Em grande parte, além das recomendações individualizadas, os músicos são encaminhados pela equipe para a participação no grupo de autogerenciamento coordenado pela terapeuta ocupacional do serviço, em que também nos inserimos, com o objetivo de nos aproximarmos dos músicos e conhecer melhor suas demandas e sua realidade profissional. Segundo Lima (no prelo), o objetivo do grupo é "aguçar a percepção dos riscos de adoecimento ocasionados pelo processo de trabalho e desenvolver estratégias de enfrentamento a partir de propostas de tratamento dos sintomas e da prevenção de outros acometimentos, potencializando a autonomia do sujeito". Para atingir tal objetivo, os participantes são orientados durante os encontros do grupo sobre as técnicas de autogerenciamento e exercícios relacionados à consciência corporal. Também são abordados temas como a ansiedade presente na prática profissional e o processo de trabalho.
Participantes
A partir da inserção nas avalições e nos grupos realizados no primeiro e no segundo semestre de 2015, cinco músicos foram selecionados para participar da pesquisa, sendo um com formação técnica, um com formação superior e três cursando o nível superior na área de música e que declararam exercer alguma atividade profissional remunerada como músico em apresentações solo, em grupos ou em orquestras ou que atuavam como professores ou técnicos em shows e gravações. A escolha dos entrevistados ocorreu de forma aleatória e de acordo com a disponibilidade e o interesse dos músicos em participar da pesquisa. Assim, a proposta do estudo foi apresentada em um dos encontros do grupo de autogerenciamento e, com aqueles que se voluntariaram, foi agendado um encontro individual para a realização da entrevista.
Instrumentos, procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos
As entrevistas ocorreram no próprio serviço e, apesar da utilização de um roteiro, optou-se por trabalhar com entrevistas abertas em profundidade, por permitirem explorar os temas de uma forma mais livre e de acordo com os interesses, saberes e valores dos entrevistados (Minayo, 2007). Foram realizadas também análises de prontuários de músicos atendidos nesse serviço, buscando identificar informações como: sexo, idade, escolaridade, ocupação, tipo de instrumento, experiência na música e experiência profissional, vínculo trabalhista, principais queixas físicas e relato de afastamento da atividade profissional. Ao coletar esses dados, a intenção foi identificar a população de músicos atendida no ambulatório. Além disso, foram levantadas outras informações que porventura poderiam ter relação com o trabalho e afetar a saúde do músico, como a carga de trabalho.
Buscando respeitar os padrões éticos e os regulamentos exigidos em todas as pesquisas que envolvem seres humanos, foram fornecidas aos participantes todas as informações sobre a pesquisa e uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para que conhecessem os objetivos e os métodos do estudo e concedessem sua anuência. Além disso, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG em 06 de maio de 2015, sob n� 1.057.281.
Procedimentos de análise de dados
Os dados foram analisados a partir de uma perspectiva qualitativa da análise de conteúdo, em que foram realizadas leituras sistemáticas das informações colhidas durante a inserção nas práticas de grupo e nas entrevistas realizadas com os músicos. Posteriormente, esses dados foram organizados e agrupados de acordo com os temas presentes nas falas dos participantes, facilitando o processo de análise e interpretação. Assim, foi proposto um exercício de objetivação da realidade, a fim de identificar variáveis que possibilitassem, a partir dos depoimentos colhidos, a expressão de características e opiniões singulares, que em alguns momentos se acrescentam e em outros se contrapõem (Minayo, 2012; Minayo & Guerriero, 2014).
Resultados e discussão
O SEST/HC/UFMG é referência para ações de saúde de alta complexidade no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), desenvolvendo ações assistenciais, individuais e coletivas de promoção da saúde, prevenção de doenças e vigilância voltadas para as diversas categorias de trabalhadores (Silveira, Dias, Silva, & Pinheiro, 2013). Desde 2009, devido ao alto índice de adoecimento de trabalhadores do campo das artes performáticas, o SEST/HC/UFMG desenvolve ações específicas para dançarinos, atores e músicos, proporcionando a esses profissionais serviços de tratamento sintomático, técnicas de correção postural, readequação de performance e estratégias de autogerenciamento para o enfrentamento dos riscos de adoecimento decorrentes da atividade laboral (Lima, no prelo).
Na Tabela 1, apresentamos os dados do levantamento realizado nos prontuários do SEST/HC/UFMG.
A partir dessa breve descrição do contexto investigado e do perfil de músicos atendidos pelo SEST/HC/UFMG em 2015, são apresentados os principais resultados da pesquisa realizada. Serão tratadas as repercussões psicossociais da atividade de trabalho na vida cotidiana desses músicos, entendidas como variáveis psicossociais -que dizem respeito aos desdobramentos da atividade de trabalho nos processos de subjetivação - e que impactam a saúde física e psíquica desses profissionais.
Repercussões psicossociais da atividade de trabalho na vida dos músicos
Como aponta Lhuilier (2005), no trabalho o sujeito põe em jogo sua vida pessoal (história, experiência profissional e extraprofissional) e social (convivência, identidade e reconhecimento) e precisa se confrontar com as vicissitudes do real (físico e das relações sociais). Quando esse confronto se dá de forma equilibrada e o sujeito consegue criar, desenvolver-se e ultrapassar os constrangimentos, ele pode encontrar satisfação e realização no trabalho. No entanto, quando os constrangimentos extrapolam a capacidade do sujeito de superá-los, o trabalho pode tornar-se extremamente penoso - "o sujeito se atrofia e sua vida psíquica fica anestesiada" (Lhuilier, 2014, p. 11).
A partir dos relatos, verificou-se a presença de constrangimentos que fazem parte da atividade de trabalho na música, tais como a cobrança por altos padrões de desempenho e a configuração do mercado de trabalho, altamente competitivo e composto predominantemente por ocupações informais. Estes foram citados como os principais fatores que podem exacerbar as tensões implícitas nas tarefas e exige do sujeito estratégias de gestão do/no trabalho.
Conforme Schwartz e Echternacht (2007), "trabalhar é gerir-se em um meio circunscrito por normas de ordem técnica, organizacional, gerencial, em meio às estruturas produtivas que heterodeterminam os objetivos do trabalho humano, seus instrumentos, seu tempo, seu espaço" (p. 22). Contudo, essas heterodeterminações não excluem as singularizações, as mobilizações de saberes e valores, que fazem com que as situações sejam sempre transformadas pela experiência humana. A gestão de si e da própria saúde são elementos estruturais da atividade humana, já que o sujeito busca sempre singularizar o meio em função de suas próprias normas internas - normas de saúde e dos valores que as sustentam. De tal modo, a singularização do meio produtivo é sempre uma "tentativa de construção de um meio coerente com as próprias normas de vida e com o próprio corpo em atividade" (p. 22).
Na música: "Você não pode errar jamais"
A pesquisa realizada apontou que a cobrança pela excelência aparece como um importante fator de constrangimento na atividade de trabalho na música, pois uma das características das artes performáticas, como a apresentação de uma ópera ou uma orquestra, é o caráter volátil "do produto" oferecido, já que, ao ser produzida, a música é imediatamente consumida pela audiência, inviabilizando modificações (Coli, 2006). Uma nota mal tocada ou uma interpretação mal conduzida pode ser imediatamente percebida pela plateia e influenciar o julgamento sobre a capacidade e o desempenho do músico, maculando sua imagem frente à audiência e seus pares. Devido à impossibilidade de refazer o que já foi emitido, o erro adquire uma importância ainda maior e exerce uma pressão constante na busca pela execução impecável.
Como em outras atividades de trabalho, existem estratégias para lidar com o erro, contudo, os participantes desta pesquisa percebem que uma falha, mesmo que mínima, acarreta uma sobrecarga e pode prejudicar toda uma apresentação, como descreve um de nossos entrevistados: "E esse erro de uma pequena nota no meio de uma música muito grande, esse erro mexe comigo, eu já começo a pensar no erro que eu tive e o restante da música já fica prejudicado". (Marcelo)3
Submetidos a exigências de perfeição, cobranças externas de professores, maestros ou de contratantes e devido à institucionalização da excelência no meio musical, os músicos entrevistados almejam padrões de performances difíceis de serem alcançados e, mesmo reconhecendo a possibilidade de falhar, mostram-se angustiados, aceitam e internalizam o preceito de que devem sempre acertar.
Porque a gente é ser humano e a gente erra. Não tem como tudo sair perfeito. Como estou numa escola de música, numa orquestra que é para alunos, estou ali para aprender. Agora, se eu estivesse numa orquestra profissional, aí já era diferente. Porque ali você não pode errar jamais, né? (Amanda)
Desde a formação, os músicos são submetidos a cobranças, e os professores contribuem para a disseminação e perpetuação das exigências de perfeição, como revela um dos entrevistados:
São profissionais da música que são cobrados desse jeito, e esse pensamento vem passando de geração em geração. Esses profissionais que são cobrados acabam dando aulas, porque sempre o músico acaba dando aula e vai passando isso pra frente: que o músico não tem direito de errar. (Marcelo)
O olhar e o julgamento do outro e a possibilidade de não ser mais chamado para novos trabalhos é apontada como uma preocupação constante para o músico.
Porque, se você errou uma vez, você não é chamado para o próximo cachê. O músico tem que chegar lá e tocar certo. Só assim ele vai ser chamado para o próximo cachê. (...) É cobrado sempre do músico estar tocando correto, não pode errar, você tem que sentar lá e fazer o serviço, pronto e acabou. (Marcelo)
O sentimento de ser constantemente vigiado, avaliado e pressionado transforma a possibilidade de falhar em um fantasma.
Imagina você tocando sozinha e todo mundo olhando só para você. Qualquer coisa que você errar todo mundo vai ver (...). Acho que esse é o pior: de ver que as pessoas estão com o olho assim em mim, olhando. Me deixa muito ansiosa. (Sandra)
Ao tratar da pressão exercida pela chefia, Lima (1998) afirma que a vigilância permanente é colocada pelo trabalhador como uma fonte de medo -medo de perder o emprego, medo de ser repreendido e humilhado diante dos colegas, medo de errar ou de não alcançar a produção exigida. No caso da música, os trabalhadores estão constantemente submetidos à supervisão de professores, maestros ou contratantes e soma-se a essa pressão a necessidade de se apresentar em público e de ser mais uma vez submetido à apreciação, ao julgamento da plateia. Essa exposição leva à criação de fortes controles internos e solicita a regulação de sentimentos.
O mercado de trabalho
A literatura sobre o trabalho na música demonstra que o mercado de trabalho nessa área tem se caracterizado por uma intensa competitividade, em que as ocupações são em sua maioria informais. Pichoneri (2011) demonstra que no Brasil, apesar do número de músicos no mercado de trabalho entre 2002 e 2008 ter aumentado, não houve ampliação de postos de trabalho formais, e sim um crescimento das ocupações por "conta própria" - o número de músicos nessa condição cresceu de 55.613, em 2002, para 84.296, em 2008. Neste estudo, verificou-se maior inserção dos músicos no mercado informal: dos 29 participantes dos grupos realizados pelo SEST/HC/UFMG, 28 declararam exercer alguma atividade profissional remunerada na área da música, sendo que apenas três músicos relataram ter vínculo trabalhista formal.
As incertezas quanto à inserção profissional, assim como as diferenças salariais, são uma marca do trabalho no mundo das artes na contemporaneidade. A forma de contratação na música contribui para a geração dessa incerteza, uma vez que nas artes predominam os contratos de trabalho hiperflexíveis, em que o trabalhador é contratado ou despedido de acordo com a necessidade, sem ônus para o empregador (Menger, 2005). As relações de trabalho nesse meio configuram-se pela sua efemeridade e se, por um lado, o artista goza de maior liberdade, por outro, perde qualquer tipo de garantia, cabendo a ele valer-se de si para gerir as incertezas, recorrendo à sua reputação e às suas relações para conseguir novos trabalhos.
Você tem que estar sempre em contato com outros trompetistas, com outros amigos da área da música para que o serviço aconteça. Às vezes, eu tenho medo. Às vezes, eu fico satisfeito, porque eu consigo bastante serviço. Mas é um negócio muito, muito, assim, incerto. A gente não tem a certeza que sempre vai acontecer. (Marcelo)
Imposições da atividade
Ao longo da pesquisa e com a aproximação da atividade de trabalho na música, buscou-se apreender os diferentes modos com que os sujeitos lidam com as prescrições, as pressões e as exigências de sua atividade e as suas repercussões sobre sua saúde e suas relações. Encoberto pela beleza de uma apresentação musical, há sempre um imenso esforço em termos de concentração, processamento multissensorial de informações e memória. O uso do corpo, as exigências físicas e cognitivas, as dores e ansiedades diante do público e da possibilidade do erro e a rotina de estudos que, muitas vezes, leva ao cansaço físico e mental foram apontados pelos músicos entrevistados como as principais imposições da atividade e que repercutem trazendo sofrimento e danos à saúde física e mental.
Por ser uma atividade cujo aprendizado ocorre de forma gradativa e para a qual a habilidade no uso do instrumento se consolida com o tempo e a experiência, a prática constante e a manutenção de uma rotina diária de estudos são descritos pela literatura (Costa, 2003; Lisboa, 2014) e também por nossos entrevistados como de suma importância para a carreira musical. Entretanto, como apresenta Costa (2003), há na música uma cultura da dedicação sem limites, na qual se associa que só é possível alcançar o desenvolvimento na carreira se houver sacrifícios e, assim, a dedicação extremada é vista como natural.
As principais repercussões da intensa rotina de estudos e da cultura da dedicação podem ser percebidas pelos músicos entrevistados nesta pesquisa em vários aspectos da sua vida. No âmbito social, é necessário abrir mão de alguns períodos de convivência com familiares e amigos para cumprir a agenda de estudos e apresentações, certo isolamento é apontado como uma das repercussões dessa rotina.
A vida do músico é assim, você se acostuma a ter essa vida diferente, a estar sempre abrindo mão de um período. As pessoas, às vezes, estão se divertindo, às vezes, você não pode estar ali. Você tem que estar lá no quarto sozinho estudando. Essa é a vida do músico. É uma vida voltada realmente para aquilo (...) a vida da gente é diferente né? Aí tudo vai girar em torno daquilo (...) E a vida do músico é assim: você se condiciona para aquilo que você vai fazer. Se você precisa de muita concentração, você vai evitar fazer determinadas coisas. (Luciana)
Dores e danos
Devido à natureza do fazer musical e à sua alta demanda física e cognitiva, a dor é apontada como a principal repercussão da atividade no dia a dia dos músicos e o principal motivo da procura pelo atendimento no SEST/HC/UFMG. A literatura consultada (Cassapian & Pellezen, 2010; Costa, 2003; Costa & Abrahão, 2004; Fragelli et al., 2008; Frank & Mühlen, 2007; Lima, 2007; Lima, no prelo; Petrus, 2005) também demonstra que a dor e as lesões decorrentes do esforço repetitivo na atividade de trabalho são os principais agravos à saúde do músico.
A dor na profissão musical está relacionada a um uso intensivo da musculatura, podendo tanto ocorrer na adaptação do corpo às características do instrumento e suas demandas físicas como ser um sintoma de desordens musculoesqueléticas. Fatores intrínsecos ao sujeito, como constituição corporal, estado físico, flexibilidade muscular e patologia muscular prévia, assim como fatores extrínsecos, como técnica, posturas, tipo e sustentação do instrumento, força para tocar e despreparo muscular, somados ao tempo de treinamento diário, ao tamanho e ao peso do instrumento, podem ser associados à origem de uma sobrecarga mecânica em estruturas sensíveis à dor. Essa sobrecarga pode ultrapassar a capacidade de sustentação do tecido, causando ruptura, que, se não for cicatrizada adequadamente, dificulta a recuperação ocasionando a presença de inflamação e dor (Costa, 2003; Fragelli et al., 2008).
A fala de Luciana, uma das participantes da pesquisa, ilustra bem como a dor, além de afetar sua atividade profissional, interferindo na capacidade de estudo e de trabalho, dificulta a realização de outras atividades, repercutindo sobre outros domínios da vida.
[As dores] Primeiro em relação à música, me impedem de estudar o tanto que eu quero. Me impedem de ter essa dedicação como eu gostaria. Às vezes, me atrapalha carregar o instrumento (...). Fora isso, me atrapalha nas coisas da casa, eu evito, por exemplo, limpar as coisas porque não vou dar conta. Se eu começar, não vou dar conta ou vou ficar muito ruim.
Cansaço mental, ansiedade e medo do palco
Estudos sobre o trabalho na música (Costa, 2003; Nascimento, 2013; Petrus, 2005) são unânimes em afirmar a existência de intensas demandas cognitivas e psíquicas nessa atividade. São comuns as queixas de estresse, tensão, ansiedade e mesmo desenvolvimento de distúrbios psicossomáticos. O cansaço mental foi apontado como a principal repercussão das longas horas de estudo e do exercício profissional sobre a cognição, assim como a dificuldade de se desligar das tarefas do trabalho, que acabam interferindo no sono.
Eu acho que o que mais me cansa é o mental, porque você tem que estar ali, ativo, tem que pensar num milhão de coisas quando você está estudando. Na orquestra, você tem que estar: atenção na partitura, atenção na mão, atenção no maestro, atenção no espalla. Então, o que dá mais mesmo é o cansaço mental (...). Antes de dormir, às vezes, eu estou tão ligada que, às vezes, estou cantando a partitura de orquestra, pensando em outra coisa, tudo ao mesmo tempo, sabe? (...) eu estava com muita dificuldade para dormir. (Amanda)
Conforme Costa (2003), a ansiedade na profissão musical decorre de uma dupla pressão: "da exigência de atenção da tarefa, de alta solicitação cognitiva, e no medo de ser punido publicamente, no sentimento de estar sendo comparado, vigiado e pressionado" (p. 36). A pressão exercida pela exposição pública, pelo medo de errar e ser julgado representa uma carga psicológica importante e leva, muitas vezes, à intensificação da fadiga e da ansiedade (Costa, 2003; Lima, 1998).
Como apresentam Barbar et al. (2014) e Nascimento (2013), a ansiedade de performance4 musical tem sido amplamente estudada e aparece como a principal manifestação de ordem psíquica relacionada à atividade. Grupo de transtornos que afetam indivíduos que precisam se apresentar em público, como artistas e esportistas, a ansiedade de performance caracteriza-se pelo medo da exposição, de fracassar ou de parecer ridículo (Barbar et al., 2014; Nascimento, 2013; Rocha et al., 2011). No âmbito musical, há um número expressivo de pessoas acometidas por esse tipo de ansiedade, contudo, mesmo já tendo sido realizado diversos estudos, não há estatísticas precisas sobre a população atingida (Barbar et al., 2014). Estima-se que entre 15 e 25% dos músicos sejam acometidos pela ansiedade de performance em grau mais severo (Nascimento, 2013). Segundo a literatura, as mulheres têm maior predisposição para desenvolver o transtorno (Barbar et al., 2014).
Neste estudo, durante os grupos realizados pelo SEST/HC/UFMG e nas entrevistas, foi possível perceber um número considerável de músicos que relatam conviver com a ansiedade, principalmente em situações de apresentação em público ou em momentos de avaliação na universidade ou em concursos. A ansiedade na profissão musical afeta não só o desempenho, mas traz também importantes repercussões sobre o corpo. O tensionamento aparece como um reflexo da ansiedade, ocasionando ou intensificando a dor:
Eu ficava muito nervosa para tocar, muito nervosa mesmo. E aí o coração acelerava, eu tremia muito (...). E aí vai gerando muito trauma. (Amanda)
Dói porque eu começo a ficar tensa, eu tipo enrijeço o músculo, sabe? Principalmente do ombro. Aí tipo, trava. Aí o ombro está travado e dói. (Sandra)
O prazer na atividade de trabalho na música
Se, por um lado, a presença de constrangimentos, dores e ansiedades é uma constante no cotidiano da atividade dos músicos profissionais, por outro, os participantes desta pesquisa também trouxeram vivências e sentimentos ligados ao prazer e à satisfação decorrentes da atividade profissional. Aspectos como o uso da criatividade para superar as dificuldades em determinados trechos de peças ou para tornar a tarefa menos repetitiva e a possibilidade de realizar algo belo e transmitir algo bom para as pessoas aparecem nos relatos como fonte de satisfação e possibilidade de ir além do que está posto.
Porque a gente gosta mesmo e, é assim, você vai tocar alguma coisa e aí você fica: "ai meu Deus, porque que eu fui me meter nisso?". Mas depois que você toca, você sente uma sensação muito boa, você se sente realizado. E acho que tem essa questão de você passar, de você transmitir uma emoção para as pessoas. De você tornar a vida das pessoas mais agradável. Acho que passa por tudo isso, sabe? Mas o que faz a gente suportar essa pressão é porque existe essa recompensa: de você estudar e de você alcançar um progresso, de você desempenhar bem o seu trabalho. Existe essa recompensa, com certeza existe esse prazer. (...) Então eu acho que existe sim esse prazer e essa satisfação de você fazer algo bonito, porque a música vai te cativando. (Luciana)
Como aponta Lhuilier (2014), a busca por superar as dificuldades da atividade solicita a invenção e a transgressão e relaciona-se não só com a eficácia, mas também com a própria saúde. A criatividade dá ao sujeito a sensação de poder agir sobre a vida e o sentimento de que vale a pena viver. Em seu trabalho, o músico utiliza-se do que está disponível no seu inventário de recursos, mas também daquilo que pode criar. Podemos dizer que o prazer no trabalho está relacionado à possibilidade de criação e afirmação do eu. Ao criar, o sujeito faz reconhecer sua singularidade por meio de suas práticas (Lhuilier, 2005).
Nesta pesquisa, verificou-se que a atividade de trabalho na música vai além do universo de encantamento e bem-estar. Os relatos colhidos descontruíram a visão de uma atividade de trabalho glamourosa e corroboraram os dados já apresentados pela literatura em relação às exigências, aos constrangimentos, às tensões, às ansiedades, às dores e aos danos decorrentes dessa atividade profissional.
Constatou-se também que a existência de inúmeros constrangimentos presentes no universo musical e a busca constante por altos padrões de desempenho e pela excelência têm limitado a atividade normativa dos trabalhadores. Entretanto, ainda assim restam possibilidades criativas, em que o trabalhador pode refazer algumas normas, tornando a atividade possível, como bem nos ensina Schwartz e Durrive (2007).
Porém, essa capacidade dos trabalhadores de instaurar novas normas de vida e de saúde fica comprometida quando as coerções são tamanhas, quando o músico se sente impedido de renormalizar e singularizar as tarefas, o que provoca o desgaste e o sofrimento, fazendo com que, muitas vezes, não mais consiga desempenhar sua atividade como gostaria e nem se reconhecer no que faz. Além disso, a precarização do mercado de trabalho na música, a competitividade e os contratos de trabalho incertos e de curta duração empurram o músico para o isolamento e dificultam a construção coletiva de estratégias de gestão da atividade e de resistência.
Apesar da predominância de aspectos que repercutem negativamente sobre a vida do músico, a satisfação vivenciada na atividade aparece nos relatos de todos os participantes desta pesquisa e está ligada à possibilidade de criação e ao prazer de realizar algo belo, de transmitir algo bom para as pessoas, o que, de certa forma, minimizaria o peso das exigências. Na execução de seu trabalho, os músicos se sentem ativos e propositivos. Nesse contexto, é possível fazer escolhas e criar estratégias para lidar com os problemas e com dificuldades do repertório, ao mesmo tempo em que, por meio da música, podem proporcionar algo agradável para as pessoas e assim construir um ambiente melhor para si e para os outros viverem. É essa possibilidade de transformar sua situação de trabalho, reconhecendo-se no que faz e engajando-se em uma história coletiva, que faz da atividade de trabalho operador de desenvolvimento humano e da saúde (Silva & Ramminger, 2014).
Se, por um lado, temos na contemporaneidade modos de organização do trabalho na música marcados pela precariedade e nocividade, por outro, não podemos perder de vista a potência normativa do trabalhador (Silva & Ramminger, 2014), sua capacidade proativa e criadora (Schwartz & Durrive, 2007). Assim, é necessário pensar na saúde do músico a partir das singularidades da situação de trabalho, além de considerar as experiências e a subjetividade do trabalhador.
Os resultados desta pesquisa não pretendem estabelecer generalizações sobre a realidade pesquisada, pois compreendemos que a experiência nunca poderá ser totalmente objetivada e que a pesquisa é sempre a tentativa parcial e inacabada de produção de conhecimento. Assim, os resultados dizem respeito a esse contexto específico e têm como limitador o número reduzido de participantes.
A pesquisa realizada busca trazer uma contribuição da psicologia do trabalho para a compreensão dos fatores relacionados às condições e à organização do trabalho que afetam a atividade de trabalho na música e as consequências para a saúde desses profissionais. Assim, entendemos ser importante a realização de outras investigações sobre esse universo laboral, como, por exemplo, os debates de normas e valores que participam da atividade desses profissionais e também o sofrimento psicológico decorrente das cobranças e da busca constante pela perfeição no meio musical. Esperamos também que os resultados de nossa pesquisa possam contribuir para aprimorar as intervenções no campo da saúde dos trabalhadores.
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Endereço para correspondência:
Cristiane Siqueira da Rocha Lage
Av. do Contorno, 9494, Prado
Belo Horizonte, MG, Brasil, 30110-017
E-mail: crispsibh@gmail.com
Recebido em: 10/08/2016
Primeira decisão editorial em: 22/09/2016
Versão final em: 29/11/2016
Aceito em: 30/11/2016
Pesquisa financiada pela Fapemig (bolsa de mestrado)
1 "L'enjeu est commun: intégrer un regrd pluriel sur l'expérience des travailleurs dans nos analyses,examinant cette expérience comme complexe, comprenant des savoirs et des valeurs mobilisés et construits dans les situations de travail visant leur changement" (Cunha, 2013, p. 78).
2 «Une démarche est «compréhensive»lorsque elle s'esfforce systématiquement de répondre à la question: pourquoi, dans telle situation, les choses se passent elles ainsi? »(Jober, 2014, p. 62).
3 Nomes fictícios.
4 Também chamada de medo de palco, é uma queixa comum entre os músicos e se define como a presença de altos níveis de ansiedade antes, durante e após a performance musical. Manifesta-se por meio de sintomas afetivos, cognitivos, comportamentais e somáticos e pode prejudicar uma apresentação ou mesmo levar o músico a se esquivar de situações em que precise se apresentar em público. Tem relação com o medo do julgamento e, em situações extremas, pode fazer com que o músico abandone a carreira (Nascimento, 2014).