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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
On-line version ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.17 no.2 Brasília Apr.-Jun. 2017
https://doi.org/10.17652/rpot/2017.2.12854
Cultura organizacional: revisão sistemática da literatura
Organizational culture: a systematic literature review
Cultura organizacional: una revisión sistemática de la literatura
Rômulo Ferreira Barale; Benedito Rodrigues dos Santos
Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, Brasil
RESUMO
A produção de conhecimento em cultura organizacional é caracterizada pela multiplicidade de perspectivas conceituais, teóricas e metodológicas, o que gera a necessidade de análise dos principais temas relacionados ao fenômeno nas organizações. Por isso, realizou-se uma revisão sistemática da literatura sobre cultura organizacional em junho de 2015, com a seleção de artigos publicados entre 2002 e 2015 nas bases SciELO e PePSIC. A análise dos dados de 53 estudos permitiu a identificação de seis categorias analíticas relacionadas às temáticas do fenômeno: (a) mudanças no modelo de gestão, (b) relações de poder, (c) gestão de pessoas, (d) estudos de culturas organizacionais específicas, (e) teste ou proposição de abordagem teórica e (f) instrumentos de medida. Os resultados demonstraram dispersão de questões e de temas, não apontando uma agenda convergente de pesquisas. Um consenso entre os pesquisadores é a necessidade de avaliar aspectos culturais das organizações antes de qualquer proposta de pesquisa ou de intervenção.
Palavras-chave: cultura organizacional; revisão sistemática; psicologia organizacional.
ABSTRACT
The production of knowledge on organizational culture has been characterized by a multiplicity of conceptual, theoretical, and methodological perspectives, which raises the need to analyze the major themes related to this phenomenon in organizations. Thus, a systematic review of the literature on organizational culture was carried out. The survey took place in June 2015, with the selection of 53 articles published between 2002 and 2015 indexed in the SciELO and PePSIC bases. The analysis of the data allowed us to identify 6 analytical categories related to the phenomenon: changes in the management model, power relations, management of people, studies of specific organizational cultures, test or theoretical approach proposition, and measurement instruments. The results show a dispersion of subjects and themes without pointing towards a converging research agenda. A consensus among researchers is the need for assessing cultural aspects of organizations prior to proposing any research project or intervention.
Keywords: organizational culture; systematic review; organizational psychology.
RESUMEN
La producción de conocimiento en la cultura organizacional se caracteriza por la multiplicidad de perspectivas conceptuales, teóricas y metodológicas, lo que genera la necesidad de un análisis de los principales temas relacionados con el fenómeno en las organizaciones. Por ello, se llevó a cabo una revisión sistemática de la literatura sobre cultura organizacional en junio de 2015 con la selección de 53 artículos publicados entre 2002 y 2015 en las bases SciELO y PePSIC. El análisis de los datos permitió la identificación de 6 categorías de analíticas relacionadas con los temas del fenómeno: cambios en los modelos de gestión, las relaciones de poder, gestión de personas, estudios de culturas organizacionales específicas, prueba o proposición de abordaje teórica y instrumentos de medición. Los resultados muestran una dispersión de cuestiones y temas, no señalando una agenda de investigación convergente. Un consenso entre los investigadores es la necesidad de evaluar los aspectos culturales de las organizaciones antes de cualquier propuesta de investigación o intervención.
Palabras-clave: cultura organizacional; revisión sistemática; psicología organizacional.
Tema estudado com ampla tradição na antropologia, a cultura foi cunhada pelas disciplinas organizacionais, a partir da década de 1970, com a denominação de cultura organizacional ou cultura cor porativa (Barreto, Kishore, Reis, Baptista, & Medeiros, 2013). Desse momento em diante, houve profusão de trabalhos com distintas abordagens teóricas e metodológicas, gerando múltiplos conceitos que, em algumas situações, complementam-se e, em outras, excluem-se mutuamente, refletindo a diversidade e a falta de consenso ainda presentes na área do comportamento organizacional.
Questão provocadora e norte do presente artigo é a existência ou não de consenso a respeito da definição de cultura organizacional entre os pesquisadores da área. Possível resposta está na existência de um emaranhado de definições conceituais para esse constructo. A definição ainda permanece como ponto primordial para compreender as dificuldades e os desafios teóricos e epistemológicos no estudo do tema. A falta de consenso para a definição de cultura, contudo, é nítida, o que torna oportuna a argumentação de Júnior e Borges-Andrade (2004), para quem a imensa pluralidade de conceitos torna necessária a análise dos motivos pelos quais pesquisadores elaboram recortes de determinados aspectos culturais. Mais que descrever conceitos e modelos teóricos sobre o tema, é essencial o questionamento sobre qual é o interesse do pesquisador ao abordar o fenômeno, uma vez que tal interesse repercutirá no próprio objeto de estudo e em sua definição conceitual.
A perspectiva de cultura utilizada neste artigo se aproxima daquela concebida pelo antropólogo Eric Wolf, que fez uma releitura do conceito de cultura definido por Geertz - sistema de significados - incorporando a este uma relação estruturante do poder. Aqui, o termo cultura encampa vasto estoque de inventários, materiais, repertórios de comportamento, representações mentais e práticas sociais, dinamicamente colocados em movimento por diferentes atores, de diferentes gerações e gêneros (Wolf, 1999, 2001). A produção de sentidos ocorre em uma arena cultural cujo processo é imbricado em relações de poder que, por sua vez, conectam o que ocorre nas relações sociais e institucionais ao domínio dos símbolos e dos significados (Schoenmakers, 2012).
Em relação às abordagens teóricas e metodológicas, Smircich (1983) buscou ordenar as perspectivas desse campo e apontou pelo menos duas tendências para os estudos sobre cultura organizacional. Na primeira vertente teórica, autores como Schein, Pettigrew, Ouchi, Charles Handy, Peters e Waterman, Deal e Kennedy e Pascale e Athos postularam, de modo geral: que as organizações têm uma cultura que revela fenômenos dentro da instituição, potencializando ou não o desempenho organizacional; que as organizações podem mensurar e até mesmo gerenciar, mudar ou criar cultura, dependendo da aplicação de metodologias; que os líderes formam e alteram a cultura, sendo estes os seus papéis mais primordiais (Smircich, 1983). Essa primeira vertente, a mais dominante na área do comportamento organizacional, reflete o caráter funcionalista e gerencialista na abordagem do fenômeno.
A contraposição é encontrada no viés crítico e socioantropológico da segunda vertente, cuja principal argumentação gira em torno do combate ao caráter gerencial da cultura, isto é, da impossibilidade de manipulação intencional do fenômeno em todos os seus aspectos. Em que pesem as diferenças entre seus trabalhos, autores como Chanlat, Dupuis e Aktouf podem ser agrupados nessa categoria para a compreensão das dimensões simbólicas da realidade organizacional (Smircich, 1983). Para Smircich (1983), essa segunda tendência encara o pressuposto de que a organização é uma cultura de ações compartilhadas a serem explicadas pelos aspectos expressivos, ideacionais e simbólicos.
Coube a Martin e Frost (2001) outro ordenamento, que leva em consideração a homogeneidade e a heterogeneidade cultural nas organizações. O campo parecia uma arena de disputas entre os que acreditavam na existência de uma única cultura organizacional (homogênea) e os que pressupunham haver múltiplas culturas (heterogeneidade). Desse debate, surgiram três formas diferentes de se compreender a cultura organizacional: integração, diferenciação e fragmentação. A perspectiva sob a qual a organização deve ter a mesma cultura faz parte da abordagem da integração. Na diferenciação, encontrou-se, por um lado, a premissa de que há diferentes grupos detendo culturas distintas dentro da instituição e, por outro lado, a possibilidade de agrupamentos humanos poderem partilhar, ainda que apenas temporariamente, valores e posturas conforme seus interesses, condicionando suas ações no ambiente organizacional. Esta última forma foi denominada, por Martin e Frost (2001), como fragmentação cultural.
Júnior e Borges-Andrade (2004), ao analisarem a produção empírica brasileira sobre a percepção de cultura organizacional entre os anos de 1996 a 2001, pontuaram a multiplicidade de perspectivas conceituais, teóricas e epistemológicas que impossibilita o agrupamento dessas mesmas perspectivas em um marco teórico passível de ser denominado cultura organizacional. Nesse cenário, esses autores defenderam a necessidade de se examinar, de forma pormenorizada, os temas de estudos relacionados ao assunto a fim de que se investigue o atual estado da arte dessa área no Brasil.
Tendo por referência esse apontamento, a presente pesquisa visa a realizar uma revisão sistemática da literatura brasileira sobre cultura organizacional. Tem, como objetivos, investigar quais são as principais temáticas relacionadas a esse fenômeno, revelando os consensos e os dissensos entre os pesquisadores no que tange aos seus achados e às suas discussões e conclusões, bem como frisar pontos que necessitam de maior esclarecimento e de investimento empírico.
Método
Tendo como ponto de partida a continuação da análise dos estudos empíricos brasileiros sobre cultura organizacional de Júnior e Borges-Andrade (2004), realizou-se, no mês de junho de 2015, o levantamento de artigos completos indexados nas bases SciELO (Scientific Electronic Library Online) e PePSIC (Periódicos Eletrônicos em Psicologia). Essas bases foram escolhidas por integrarem a produção de diversas áreas do conhecimento e, principalmente, por serem referências na área da administração (SciELO) e da psicologia (PePSIC e SciELO), conforme indicado pelo Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Utilizou-se, em todos os campos das referidas bases, o descritor cultura organizacional com a aplicação de filtro para publicações entre os anos de 2002 até 2015, tendo em vista a continuidade do trabalho de Júnior e Borges-Andrade (2004), que analisaram o tema até 2001.
Com suporte na leitura e na análise dos resumos, selecionaramse os estudos que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: (a) publicação na modalidade de artigo científico, (b) estudo de caráter empírico e (c) coleta de dados em organizações brasileiras ou em multinacionais instaladas no Brasil. Como critério de exclusão, não se admitiram, para a composição final desta pesquisa, artigos que tivessem como foco temas outros, como clima e aprendizagem organizacional, orientação empreendedora e cultura geral não aplicada às organizações.
Os dois autores do presente trabalho atuaram como juízes para realizar, de forma independente, tanto a extração dos dados quanto a seleção e a análise dos estudos aqui considerados. Em casos de dúvida acerca do quantitativo e da seleção dos estudos, um terceiro juiz foi convocado para analisar, discutir e decidir cada caso. Os dois primeiros juízes prepararam um arquivo eletrônico para a organização dos dados, que incluíam as variáveis metodológicas e as principais conclusões dos artigos, com o intuito de responder à questão norteadora desta revisão sistemática: que principais temas estão relacionados com cultura organizacional e revelam os consensos e os dissensos entre os pesquisadores?
A seleção inicial resultou em 386 estudos, dos quais 355 foram da base de dados SciELO e 31, daPePSIC. Tendo como base a leitura do título e do resumo de cada um, 63 atenderam aos critérios de inclusão e dois foram excluídos pelo fato de serem repetidos nas duas bases de dados. Na leitura dos artigos na íntegra, mais oito foram excluídos por não terem, como objetivo central, o estudo de cultura organizacional, conforme explanado no critério de exclusão. Dessa forma, a amostra final resultou composta por 53 artigos. As fases do processo para obtenção dos textos analisados na presente revisão estão demonstradas na Figura 1.
Após nova leitura, na íntegra, dos 53 artigos da amostra final, iniciou-se a análise dos dados. A geração das categorias analíticas baseou-se nas conclusões essenciais das pesquisas, transformadas em unidades de registro (com parágrafos, frases e palavras) comparáveis e semanticamente equivalentes em seus conteúdos. Assim, tais categorias foram concebidas conforme critérios e princípios da exclusão mútua, da homogeneidade, da fertilidade de inferências e da objetividade fundamentada na clareza e na compreensão do conteúdo (Bardin, 2011). Agruparam-se os estudos segundo suas conclusões de mesmo núcleo temático, conforme as etapas da técnica de análise de conteúdo propostas por Bardin (2011). Não houve, portanto, um modelo prévio de agrupamentos.
Conforme sugere Bardin (2011), a geração das categorias consistiu em (a) resumir o texto contido nos artigos; (b) aglutinar termos e conteúdos correlatos em categorias iniciais, intermediárias e finais consoantes com a ocorrência de temas; e (c) estabelecer inferência dos conteúdos de acordo com a pretensão do presente estudo. O resultado foi a concepção das categorias: mudanças no modelo de gestão, relações de poder, gestão de pessoas, estudos de culturas organizacionais específicas, teste ou proposição de abordagem teórica e instrumentos de medida.
Resultados
Caracterização dos estudos
Em relação à área de conhecimento dos periódicos pesquisados, dois pontos se sobressaíram. Primeiro, a tamanha diversidade de áreas que tiveram trabalhos em cultura organizacional: administração (n = 31), psicologia (n = 9), enfermagem (n = 7), engenharia de produção (n = 2) sistemas e tecnologia da informação, saúde e segurança do trabalho, interdisciplinar e economia (n = 1). Segundo, a grande concentração de artigos em revistas de administração, com 58,49% das publicações (n = 31).
Em relação aos aspectos metodológicos, os estudos de caso foram predominantes, posto que 42 artigos (79,24%) adotaram esse formato, retratando o interesse dos autores em abordar, com profundidade, apenas uma realidade específica e reforçando a lógica da impossibilidade de generalização dos dados. Esses estudos não seguiram um delineamento amostral comparativo. Discutiram o tema, detalhadamente, no âmbito de uma área ou com foco de investigação. Predominou a pesquisa qualitativa (n= 34; 64,15%), seguida da abordagem quantitativa (n = 15; 28,30%) e da pouca utilização da combinação quali-quantitativa (n = 4; 7,55%).
Na caraterização da amostra sob o prisma das duas vertentes teóricas e metodológicas ressaltadas na introdução desta exploração -visão funcionalista e visão crítica ou socioantropológica (Smircich, 1983) -, o cenário revela o pleno domínio da área de comportamento organizacional pela primeira tendência, com 77,36% das publicações (n = 41) contra 22,64% (n = 12) na segunda perspectiva epistemológica. Esse mapa revela a principal postura científica da área do comportamento organizacional: predomínio em abordar cultura como variável da organização passível de manipulação.
Relação dos temas com cultura organizacional
Com a análise dos dados, foram possíveis a concepção de categorias analíticas de acordo com as conclusões essenciais das pesquisas e a obtenção de um panorama geral acerca dos relacionamentos dos temas existentes nos delineamentos empíricos nacionais. O detalhamento da análise será apresentado a seguir com as seguintes categorias: mudanças no modelo de gestão, relações de poder, gestão de pessoas, estudos de culturas organizacionais específicas, teste ou proposição de abordagem teórica e instrumentos de medida.
Mudanças no modelo de gestão. Processos de mudança nas organizações estão mais frequentemente relacionados com cultura organizacional, que representa o conjunto com o maior número de pesquisas (n = 13). O marco aglutinador desta categoria foi a preocupação desses estudos em tecer conclusões a respeito do relacionamento entre alguns aspectos da cultura e mecanismos de modernização e de inovação da gestão. Nessa vertente, intervenções gerenciais, tais como implantação do planejamento estratégico, inovação e melhoria de fluxo do trabalho, informatização da gestão e otimização da produção foram questões centrais dos estudos.
Quanto ao processo de planejamento estratégico, dois estudos de caso frisaram a importância de se analisar a cultura organizacional antes de qualquer forma de implantação da gestão estratégica (Júnior, 2013; Kich & Pereira, 2011). O estudo de caso de Júnior (2013) concluiu que uma cultura caracterizada pela forte centralização burocrática e pela hierarquização de decisões tem grande potencial impeditivo na formulação e na consecução do plano estratégico. O estudo de caso de Kiche Pereira (2011) apontou que a existência de uma cultura de formação continuada é o principal fator de sucesso para o planejamento estratégico, por contribuir fortemente no processo de comunicação entre os trabalhadores.
Em questões de inovação do ambiente e dos procedimentos administrativos, estudos apontaram a consistência de tais processos sendo determinada pela existência de características culturais, como tolerância à ambiguidade e ao erro, natureza desafiadora do trabalho, suporte e capacidade das lideranças, comunicação clara, coesão e reconhecimento de esforços, que favorecem a inovação e a saúde do trabalhador (Machado, Carvalho, & Heinzmann, 2012; Nagano, Stefanovitz, & Vick, 2014; Santos, Fonseca, & Sauerbronn, 2014; Tomazoni, Rocha, Kusahara, Souza, & Macedo, 2015).
Na informatização da gestão, duas investigações se destacaram na análise da forte influência da cultura organizacional: uma na implementação de um portal corporativo em uma instituição militar e outra na gestão de projetos em empresas de consultoria e de desenvolvimento em tecnologia da informação. As conclusões são aquelas de que tanto fatores internos, como a missão e a estrutura rígida interna legitimada entre os funcionários, quanto a forma tradicional de se trabalhar adquirida no histórico das empresas são componentes de resistência para a mudança e a informatização da gestão.
Relações de poder. Nove pesquisas da amostra abordaram conflitos ocupacionais, hierarquia funcional, papel do gestor na distribuição do poder e processos decisórios categorizando-os como configurações de relações de poder. Destacaram-se estudos com análise e com coleta de dados realizados em ambiente hospitalar (Carvalho, Rocha, Marziale, Gabriel, & Bernardes, 2013; Marziale et al., 2013; Rocha, Marziale, Carvalho, Cardeal Id, & Campos, 2014). Tais pesquisas indicaram que valores e práticas caracterizadores da cultura do hospital apresentam elementos, como uma estrutura rígida e hierarquizada, que reforçam a centralização do poder. Desse modo, os aspectos culturais dos hospitais geram relações de poder entre os indivíduos, tendo, como consequência, diferentes concepções na estruturação do trabalho, individualismo e competição entre os membros, com a posterior desvalorização dos trabalhadores.
Quanto ao papel do gestor, Leite-da-Silva, Junquilho, Carrieri e Melo (2006) concluíram que cabe a ele enfrentar as configurações de poder imbricadas nas subculturas da organização para que ele mesmo possa respeitar e sensibilizar os demais acerca das diversidades nos processos de diferenciação e de fragmentação cultural, não buscando apenas o elemento de consenso entre os colaboradores. Rigotto, Maciel e Borsoi (2010), sob outra ênfase, concluíram que o exercício do poder autoritário dos gestores transcende as relações interpessoais porque se relaciona com políticas de gestão.
Gestão de pessoas. Na categoria de gestão de pessoas, foram incluídas 11 pesquisas sobre as seguintes temáticas: liderança, comprometimento organizacional e políticas de gestão de pessoas. Embora pareça ser pequena a diversidade de temáticas, as conclusões sobre esta categoria analítica ampliaram o leque de temas relacionados com cultura organizacional, tais como políticas de capacitação, de remuneração, de retenção e de sucessão. Preocupações quanto à formulação de políticas de gestão de pessoas são debatidas com conclusões sobre variadas questões: elementos culturais são essenciais na concepção de políticas, haja vista sua influência na construção da identidade dos trabalhadores (Resende & Paula, 2011); mudanças na cultura de violência da polícia, por exemplo, podem ser efetivadas mediante intervenções psicológicas com vistas à melhoria na autoestima dos agentes (Andrade & Souza, 2010); perfis culturais, junto com questões ambientais e pessoais, impactam na formulação de políticas de gestão (Rocha, Pelogio, & Añez, 2013).
Na área de capacitação, destacou-se a pesquisa que deu ênfase à cultura de aprendizagem como facilitadora de mudanças no processo de ensino-aprendizagem (Silva & Leite, 2014). Subsistemas de retenção de talentos e estratégias de remuneração foram tratados em duas pesquisas. Russo, Tomei, Linhares e Santos (2012) correlacionaram os tipos de cultura organizacional (segundo a tipologia de Handy dos deuses da administração) com estratégias de remuneração, concluindo que o desenvolvimento de políticas salariais depende da respectiva tipologia adotada em cada organização. Quanto à retenção de talentos, Oliveira e Honório (2014) concluíram que a evasão dos talentos iniciantes em empresa do setor jornalístico se dava pela característica cultural da instituição voltada para a estagnação, sem a possibilidade de mobilidade interna.
Sobre a relação entre cultura e comprometimento organizacional, o estudo de Naves e Dela Coleta (2003) concluiu que a cultura de função, caracterizada por ser tipicamente burocrática, foi o principal preditor do comprometimento normativo: o funcionário se engaja nas ações da empresa porque se sente obrigado. A cultura de tarefa, por sua vez, é a preditora essencial para o comprometimento afetivo. Trata-se de um tipo de cultura voltada para a meritocracia, alcançando a afetividade do indivíduo em relação à empresa. Em outra pesquisa, fatores como dificuldades motivacionais, insatisfações com o salário e com promoções, cultura organizacional frágil, diversidade de vínculos empregatícios e ausência de um plano de carreira atualizado não permitiam que o comprometimento se concretizasse (Borges, Lima, Vilela, & Morais, 2004). O único trabalho que tratou de liderança não encontrou relações de causa e efeito entre liderança transformacional e cultura, mas somente algumas correlações, possibilitando comentários sobre gestão de pessoas (Barreto et al., 2013).
Estudos de culturas organizacionais específicas. A categoria "Estudos de culturas organizacionais específicas" reuniu oito pesquisas, que tiveram por objetivo a investigação e a análise das singularidades culturais de uma instituição particular. Nesse viés e como consequência lógica, o formato de estudo de caso correspondeu à totalidade dos oito artigos. Constatação de destaque foi a ênfase dada nas conclusões sobre a prevalência de fragmentação e de diferenciação cultural no bojo das organizações refletida nas representações e nas concepções diferentes e, muitas vezes, ambíguas de indivíduos e de grupos (Cavedon & Ferraz, 2006; Júnior, Paiva, Muzzio, & Costa, 2011).
Outros elementos abordados foram: desempenho institucional, gestão em organizações não governamentais (ONG) e mal-estar no trabalho. Em relação ao desempenho institucional, Saraiva (2002) demonstrou o quanto a lógica burocrática de uma universidade tem reflexos perceptíveis sobre a cultura organizacional, produzindo comportamentos que não geram o desempenho esperado pelos funcionários. Desvendando a cultura em ONG, Santos, Lopez e Añez (2007) propuseram que o modelo de gestão mais adequado para essas organizações é aquele que respeita suas realidades regionais e o espírito inerente aos seus caracteres sociais. Finalmente, no que tange ao mal-estar no trabalho, Ferreira e Seidl (2009) concluíram que é possível identificar a cultura organizacional de um banco mediante o diagnóstico das condições de ambientes e de gestão do trabalho provocadoras do mal-estar vivenciado pelos empregados.
Teste ou proposição de abordagem teórica. A categoria "Teste ou proposição de abordagem teórica" incluiu as testagens de modelos teóricos que versam a respeito do fenômeno cultural nas organizações e as proposições de abordagens. Com fulcro na versão de Hofstede, o direcionamento do estudo de Lopes e Hilal (2011) foi para a verificação de aspectos teóricos à luz da congruência entre cultura nacional e organizacional. A inferência principal está na possibilidade de convivência, em uma mesma empresa, de distintos traços advindos da cultura organizacional brasileira com práticas estrangeiras, porém, essa importação exige atenção dos gestores para detectar momentos de tensão e planejar formas de transição e de assimilação do trabalho (Lopes & Hilal, 2011).
Pelo modelo de oito componentes culturais de House, um estudo diagnosticou níveis de presença desses fatores e suas relações com avaliação em instituições de educação (Dela Coleta & Dela Coleta, 2007). O teste teórico apontou a existência dos componentes, indicando a universalidade dos fatores encontrados em diferentes países e classes de instituições. Veiga e Machado (2011), por sua vez, testaram parte da teoria da adequação cultural (TAC) de Handy, que relaciona tamanho da empresa, ciclos de vida, padrões de trabalho e pessoas às diferentes combinações culturais. Os resultados reforçaram a TAC como meio de entendimento das relações seguras entre as forças influenciadoras do equilíbrio organizacional e a combinação cultural. Os autores concluíram que essa teoria possibilita diagnósticos confiáveis acerca do parâmetro cultural.
Na proposição de abordagem, dois foram os enfoques. O primeiro se refere àutilização das categorias de espaço e de tempo para analisar cultura organizacional, haja vista estarem essas instâncias relacionadas com a percepção, o comportamento e as representações dos indivíduos (Fantinel & Cavedon, 2010). O segundo, à apreensão da cultura por meio dos aspectos simbólicos que estão além do ambiente interno, tendo em conta a identificação de componentes externos de legitimação social (Ferraz, 2011).
Instrumentos de medida. A adaptação, o desenvolvimento e a validação de instrumentos psicométricos para mensuração de cultura organizacional agregaram três publicações com distintas escalas. Ferreira, Assmar, Estol, Helena e Cisne (2002) validaram o Instrumento Brasileiro para Avaliação da Cultura Organizacional (IBACO), o mais aplicado no campo nacional. Eles recomendaram a utilização do IBACO em futuras pesquisas, todavia, sugerindo cautela, haja vista alguns índices de consistência interna apenas satisfatórios.
Oliveira e Gomide Júnior (2009) adaptaram e validaram o Organizational Culture Inventory (OCI), proposto por Cooke e Lafferty (1989). Não foi confirmada a estrutura teórica proposta pelos autores norte-americanos, porém, Oliveira e Gomide Júnior (2009) creditam tal resultado às diferenças culturais entre a realidade brasileira e a norte-americana, recomendando o uso da escala no Brasil devido à sua estrutura empírica e a seus favoráveis índices de confiabilidade.
A escala de cultura de aprendizagem denominada Dimensions of the Learning Organization Questionnaire (DLOQ) foi validada por Menezes, Guimarães e Bido (2011). A versão reduzida do instrumento foi legitimada, mostrando também que a cultura de aprendizagem tem poder explicativo para 43% da variância do desempenho organizacional. Cabe destacar que essa escala avalia a cultura das organizações que aprendem, abarcando 21 itens distribuídos em sete fatores: (a) oportunidades para a aprendizagem contínua, (b) questionamento e diálogo, (c) colaboração e aprendizagem em equipe, (d) sistemas para capturar e compartilhar a aprendizagem, (e) delegação de poder e responsabilidade, (f) desenvolvimento da visão sistêmica da organização e (g) estímulo à liderança estratégica para a aprendizagem.
Discussão
Comparações com a revisão anterior de Júnior e Borges-Andrade (2004) são essenciais na medida em que revelam o panorama das últimas duas décadas de pesquisas empíricas brasileiras e prognosticam setores que ainda necessitam de esclarecimentos. No que tange à área de conhecimento dos artigos, destaca-se a crescente multidisciplinaridade na abordagem do fenômeno cultural no âmbito das organizações devido à diversidade de áreas que tiveram trabalhos em cultura organizacional explicitados na seção de resultados. Ainda, a grande concentração de artigos em revistas de administração indica um resultado similar ao encontrado por Júnior e Borges-Andrade (2004), embora eles tenham pesquisado apenas em revistas da administração e da psicologia. Isso revela que a cultura organizacional ainda permanece como tradição no campo administrativo.
Quanto aos temas, continuam sendo prevalentes os estudos sobre mudança organizacional, os quais concluem que características como forte centralização burocrática, grande hierarquização de decisões e estrutura rígida interna têm enorme potencial impeditivo na aceitação das mudanças de gestão por parte dos funcionários (Júnior, 2013). Outra similaridade entre o estudo de Júnior e Borges-Andrade (2004) e outras pesquisas é a preocupação quanto a relações de poder e a características culturais das instituições, embora haja uma diversidade temática das conclusões relacionando configurações de poder com variados aspectos de conflitos e de tomadas de decisões (Carvalho et al., 2013; Rocha et al., 2014). Organizações familiares foram pouco estudadas, com apenas duas investigações da amostra, dado este que confirma a reflexão apontada por Júnior e Borges-Andrade (2004) no que tange à dificuldade de coleta e de análise de dados nessas instituições.
Quanto ao tema liderança, a presente revisão sistemática sobre cultura organizacional alcançou apenas um estudo (Barreto et al., 2013), ao contrário da revisão de Júnior e Borges-Andrade (2004). Explicação possível para tal disparidade nos achados pode ser dada pela diferença, entre os autores, na nomeação da variável. Neste estudo, os artigos que versavam sobre o papel do gestor e o exercício do poder pelos gerentes foram classificados em outra categoria. Ainda assim, a quantidade de pesquisas sobre liderança continuaria sendo menor se comparada às amostras das duas revisões.
No âmbito das discussões metodológicas, a utilização do estudo de caso em 79,24% dos artigos representa uma expansão desse uso se comparado aos 50% dos estudos da amostra de Júnior e Borges-Andrade (2004). Justificativa pode ser creditada à pluralidade do fenômeno cultural traduzida pela necessidade de se tratar o tema pela heterogeneidade local e grupal, ou seja, de se levar em conta o aprofundamento das características de cada organização para não cometer equívocos com improváveis generalizações (Muzzio & Costa, 2012). Conquanto haja o debate acerca da importância da generalização e da inferência dos achados nas produções de conhecimento, as fortes marcas das pesquisas em cultura organizacional continuam sendo a mensuração e a análise aprofundada do tema para um único contexto.
A pouca utilização da combinação de instrumentos quantitativos com metodologias qualitativas chamou a atenção pelo fato de ser este um resultado contrário ao encontrado e sugerido por Júnior e Borges-Andrade (2004). Na revisão dos referidos pesquisadores, da amostra final de 12 estudos, sete (mais de 50%) tiveram como base essa junção metodológica. Na presente pesquisa, apenas quatro estudos lançaram mão dessa combinação, o que podeser um indício de menor precisão e fundamentação empírica que sustentem as análises e as conclusões apontadas pelas pesquisas. Esse argumento está presente em discussões teóricas do campo de cultura organizacional sob a perspectiva de que o melhor investimento empírico para abordar esse objeto estaria na junção de técnicas quali-quantitativas pelo fato de proporcionar mais clareza e concisão quando da apreciação e da validação dos dados.
A técnica do grupo focal foi utilizada em apenas três artigos. Grupo focal ou relatos verbais de grupos foram propostos por Júnior e Borges-Andrade (2004) com vistas acombater a tendência dos pesquisadores da área de comportamento organizacional a abordar apenas a percepção individual dos envolvidos. Mais uma recomendação não atendida, reforçando a ressalva dos autores Júnior e Borges-Andrade (2004) acerca das dificuldades teóricas e epistemológicas do estudo da cultura organizacional traduzidas pelo uso crescente do método fenomenológico e seus riscos, como a indefinição do objeto e a impossibilidade de validação de resultados no tema de cultura.
Saindo do âmbito das comparações entre as duas revisões, uma discussão importante quanto ao viés teórico e epistemológico é o amplo domínio de pesquisas com abordagem funcionalista e positivista, corroborando indicações presentes em debates do campo e apontando o maior interesse dos pesquisadores em focar a culturapor meio de instrumentos. Entretanto, destaque significativo pode ser dado as 12 pesquisas que primaram pela abordagem crítica ou simbólica, demonstrando indícios de uma crescente preocupação em estudar a cultura organizacional pela perspectiva antropológica com base no método etnográfico. A principal justificativa reside na defesa desse método como ferramenta apropriada para se produzir conhecimento de forma mais realista e próxima dos aspectos culturais envolvidos em qualquer agrupamento de trabalho (Cavedon, 2003; Mascarenhas, 2002). Apesar da vantagem da metodologia etnográfica em permitir uma análise mais equilibrada entre traços culturais semelhantes e diferentes, possibilitando o estudo de configurações culturais circunscritas a cada organização específica, torna-se necessário reconhecer que uma de suas limitações é a impossibilidade de efetuar comparações entre culturas em escala ampliada.
Chama a atenção o grande número dos artigos revisados - vale notar que um dos critérios de inclusão foi o caráter empírico desses textos - que circunscrevem seus objetos de estudo no interior de um marco teórico conceitual de cultura ou que se valem do repertório conceitual de cultura organizacional, constitutivo do campo ou apropriado pelo campo. A perspectiva de Schwartz (1994, 1999), de que a cultura organizacional pode ser mais bem compreendida por meio dos valores culturais, foi pouco citada nos artigos da amostra. Para o referido autor, valores possuem dimensão cultural que reflete os temas ou os problemas que a sociedade enfrenta na regulação da atividade humana, e essa dimensão cultural pode ser comparada entre países com base em amostras nacionais. Em que pese essa baixa citação, deva-se ressaltar que Schwartz é um ícone na literatura sobre cultura pelo fato de seus estudos de valores culturais (Schwartz, 1999; Schwartz & Ros, 1995) serem a base para propostas teóricas e metodológicas, mais especificamente a partir da proposição do modelo de valores organizacionais de Tamayo (1996), no Brasil, e da construção e da validação de instrumentos de medidas nacionais fundamentados na mesma abordagem dos valores organizacionais (Tamayo & Gondim, 1996; Tamayo, Mendes, & Paz, 2000).
Além dessa observação sobre a influência de Schwartz, ressalte-se a do modelo de Hofstede, Neuijen, Ohayv e Sanders (1990) sobre estudos brasileiros. Esses autores postulam que a cultura organizacional se revela por intermédio de práticas culturais, tais como rituais, símbolos e heróis, as quais refletem as dimensões e os valores mais inconscientes das organizações que ditam suas alternativas para lidar com o ambiente, não sendo, portanto, diretamente observáveis. Hofstede et al. (1990) propõem a abordagem dos valores organizacionais como núcleo sustentador de práticas e de comportamentos que configuram as culturas de cada organização. Os autores defendem a mensuração da cultura com base na percepção que os membros têm acerca dos valores existentes e praticados em cada instituição.
Fundamentados em tais concepções, esses autores alcançaram reconhecimento internacional ao identificarem, mediante pesquisa transnacional conduzida em 72 subsidiárias diferentes da International Business Machines Corporation (IBM), em países distintos, quatro dimensões culturais comuns: distância do poder, evitação de incertezas, individualismo versus coletivismo e masculinidade versus feminilidade. A análise do impacto desses postulados é significativa devido à constatação de oito artigos da amostra que utilizaram o referencial teórico oriundo da proposta de Hofstede et al. (1990).
Pesquisa de amplo destaque foi a de Ferreira et al. (2002), que validou o instrumento de medida IBACO, o mais aplicado em âmbito nacional desde sua validação no país. Todas as outras sete pesquisas com esse referencial utilizaram esse instrumento para mensurar valores e práticas culturais existentes em diversos contextos de trabalho, com escopos distintos de investigação.
Ancorada também em uma perspectiva de valores para o estudo de cultura organizacional, a tipologia cultural de Cameron e Quin (2006), advinda do modelo de valores competitivos de Quinn e Rorbaugh (1981), destaca-se como influente na literatura por abordar valores culturais como potenciais preditores de eficácia organizacional. Cameron e Quin (2006) propuseram quatro tipos de culturas que servem de referência para as organizações lidarem com seu ambiente interno e externo: cultura clã ou grupal, cultura hierárquica, cultura de adhocracia ou inovativa e cultura de mercado ou racional. Existe a possibilidade de coexistência das citadas tipologias em uma organização, porém, é de grande importância o equilíbrio entre elas para que a instituição não se torne disfuncional (Cameron & Quin, 2006). Duas pesquisas da presente amostra traduzem a influência do modelo de Cameron e Quin (2006) em âmbito nacional ao proporem a tipologia desses autores como referencial para abordar cultura organizacional e para relacionar liderança à cultura organizacional (Barreto et al., 2013) e associar as variáveis de clima organizacional à cultura nas organizações (Rocha et al., 2013).
Ainda acerca das discussões sobre perspectivas teóricas, oportuna é a tarefa de se circunscrever a análise de cultura organizacional no âmbito de um debate mais contemporâneo sobre cultura em sua dimensão antropológica, contribuindo para se retirarem as amarras da cultura organizacional como variável da organização ou ainda da busca evolucionista de determinantes culturais universais. Em tempo, questionamento importante nesse debate é aquele sobre se adianta saber que tantos países compartilham determinados valores se não se discutem os sentidos atribuídos a esses valores em contextos culturais distintos.
A perspectiva de Wolf (1999, 2001) pode ser útil na reproposição do conceito de cultura organizacional, pois reconhece a existência de formações culturais globais e, ao contrário dos relativistas culturais mais ortodoxos, busca identificar conexões entre formações culturais globais, não na perspectiva de mapeamento de suas universalidades, mas naquela da compreensão de como os seus significados são contextualizados e interpretados no âmbito local. Mais do que a quantidade de organizações em que determinados traços culturais estejam presentes, o interesse acadêmico deve recair sobre as configurações da cultura de cada uma das organizações e sobre as políticas de constituição identitárias. Na vertente de Wolf (1999, 2001), admitem-se a possibilidade de estabelecer conexões entre formações culturais e também a viabilidade de comparar traços culturais, inclusive assimétricos e desiguais.
Em relação à análise do ponto de vista conceitual, as definições utilizadas para denominar cultura organizacional são vastas, porém, um dado oportuno para discussão é a existência de 25 pesquisas (quase metade da amostra) que sequer apontaram a definição que serviu de referência para suas análises e conclusões. Quando não há menção acerca da definição do constructo, o questionamento posterior é o de que se estariam os autores dos artigos avaliando o mesmo tema e denominando-o cultura organizacional. Principal impacto desse processo resulta na necessidade de cautela e de atenção a qualquer análise comparativa entre os estudos em questão. Ademais, Schein (1992) aparece como o autor mais referenciado pelas pesquisas brasileiras quanto ao conceito de cultura organizacional, postulando-a como um padrão de pressupostos básicos que a organização tem para enfrentar seus problemas de adaptação externa e interna.
Uma limitação do presente estudo diz respeito ao critério de inclusão. Admitiram-se publicações na modalidade de artigo científico, não se aceitando teses, dissertações e relatos de pesquisas em congressos. Em que pese essa restrição, acredita-se que a inclusão desses demais gêneros não afetaria, de modo significativo, os resultados desta revisão sistemática.
Com base na análise das pesquisas, verificou-se que, entre as principais temáticas relacionadas à cultura organizacional, é possível afirmar que as publicações desta amostra revelaram diversos relacionamentos de variáveis com cultura, sinalizadores para a dispersão de indagações científicas, que não apontam para uma agenda convergente de pesquisas nas organizações. Em que pese o maior número de estudos classificados na categoria de mudanças no modelo de gestão, tal resultado não demonstra uma linha comum que norteie o investimento empírico. A tarefa de juntar as variáveis em categorias analíticas fez-se necessária devido ao amplo número de temas investigados e associados com cultura organizacional. Consenso no campo, mesmo inserido nessa amplitude temática, é a ressalva apontada pelos autores dos artigos da amostra aqui considerada quanto à necessidade de considerar e avaliar aspectos culturais de uma organização antes de qualquer proposta de pesquisa ou de intervenção prática. Essa condicionante foi unanimidade entre os artigos, demonstrando a força preditiva que o tema cultura possui na área do comportamento organizacional.
Para futuras pesquisas na área, destaca-se o indicado por Júnior e Borges-Andrade (2004) no que tange à ausência de análise do relacionamento entre cultura organizacional e suporte oferecido pelas instituições em momentos posteriores às mudanças empreendidas, haja vista o predomínio dessa temática encontrado nas duas revisões. Desse modo, cabe a análise de como as organizações, ao longo do tempo, proporcionaram ambiente facilitador ou dificultador para a adesão de novas práticas de trabalho.
Do ponto de vista metodológico, avanços poderiam ser obtidos na investigação acerca do desenvolvimento e da mudança da própria cultura organizacional por meio da interpretação minuciosa da dinâmica sociocultural presente em uma instituição ou em parte dela. Para tal ação, parece consistente a discussão da viabilidade do método etnográfico com vistas a promover pesquisas interpretativas que analisem os desafios diários das organizações com compreensão mais abrangente das relações e das atuações dos homens nesse contexto.
Por meio deste estudo, examinou-se a relação de temas com cultura organizacional. A categorização das temáticas possibilitou a obtenção de um panorama do campo, disponibilizando aos estudiosos e aos profissionais da área do comportamento organizacional material que forneça embasamento para futuras indagações e intervenções mais efetivas no âmbito da gestão organizacional.
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Endereço para correspondência:
Rômulo Ferreira Barale
SMAS, Trecho 01 C, Bloco J, Apartamento 401, Bairro Zona Industrial Guará, Condomínio Living Superquadra Park Sul
Brasília, DF, Brasil, 71218-010
E-mail: romulobarale@gmail.com
Recebido em: 08/09/2016
Primeira decisão editorial em: 16/10/2016
Versão final em: 17/1/2017
Aceito em: 17/1/2017