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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
On-line version ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.4 Brasília Oct./Dec. 2018
https://doi.org/10.17652/rpot/2018.4.13727
A influência dos vínculos com a organização sobre o bem-estar subjetivo do trabalhador
The influence of links with the organization on the worker's subjective well-being
La influencia de los enlaces con la organización sobre el bienestar subjetivo del trabajador
Graceane Coelho de SouzaI; Carolina Villa Nova AguiarII; Laila Leite CarneiroI
IUniversidade Federal da Bahia, Bahia, Brasil
IIEscola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Bahia, Brasil
RESUMO
Este estudo objetivou buscar evidências de validade discriminante entre os vínculos organizacionais comprometimento e entrincheiramento. Para tanto, foram testadas através de análises de correlação e regressão as relações entre ambos os vínculos e o bem-estar subjetivo (BES), utilizando uma amostra com 310 trabalhadores de diferentes organizações. Os resultados demonstraram que os vínculos se comportaram de maneira oposta em relação às diferentes dimensões do BES, uma vez que o comprometimento organizacional indicou ser capaz de aumentar experiências positivas (afetos positivos e pela satisfação com a vida) e diminuir experiências negativas (afetos negativos) para o trabalhador, enquanto o entrincheiramento organizacional foi capaz de aumentar experiências negativas (afetos negativos) e de diminuir parcialmente as positivas (afetos positivos, sem influência sobre a satisfação com a vida). Esses resultados condizem com a agenda de pesquisa nacional que vêm acumulando evidências de que estes vínculos são distintos, uma vez que possuem antecedentes e consequentes distintos.
Palavras-chave: bem-estar; trabalho; comprometimento; entrincheiramento.
ABSTRACT
This study aimed to find evidence of discriminant validity between the commitment and entrenchment organizational ties. To do so, the relationships between both ties and subjective well-being (SWB) were tested through correlation and regression analyses, using a sample of 310 workers from different organizations. The results showed that the links behaved in opposite ways in relation to the different dimensions of SWB, since organizational commitment demonstrated the capacity to increase positive experiences (positive affects and satisfaction with life) and decrease negative experiences (negative affects) for the worker, while organizational entrenchment was able to increase negative experiences (negative affects) and partially reduce positive ones (positive affects, without influence on satisfaction with life). These results are consistent with the national research agenda, which has been accumulating evidence that these links are distinct since they have different antecedents and consequences.
Keywords: well-being; work; commitment; entrenchment.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo encontrar evidencia de la validez discriminante entre los enlaces de compromiso y de atrincheramiento con la organización. Para este fin, usando análisis de correlación y regresión se han probado las relaciones entre ambos enlaces y el bienestar subjetivo (BES), usando una muestra de 310 trabajadores de diferentes organizaciones. Los resultados mostraron que los enlaces se comportan de manera opuesta con respecto a las diversas dimensiones de BES, ya que el compromiso con la organización indicó ser capaz de aumentar las experiencias positivas (emociones positivas y la satisfacción con la vida) y disminuir las experiencias negativas (emociones negativas) para el trabajador, mientras que el atrincheramiento con la organización fue capaz de aumentar las experiencias negativas (afecto negativo) y parcialmente reducir el positivo (afecto positivo, sin influencia en la satisfacción con la vida). Estos resultados son consistentes con la agenda nacional de investigación que se ha ido acumulando evidencia de que estos enlaces son diferentes, ya que tienen diferentes antecedentes y consecuencias.
Palabras-clave: bienestar; trabajo; compromiso; atrincheramiento.
O estabelecimento de vínculos com pessoas, grupos, objetos e lugares faz parte da essência da natureza humana. Com as organizações, não é diferente: indivíduos tendem a desenvolver diferentes tipos de ligações com as empresas para as quais trabalham. Tais ligações, por sua vez, são capazes de desencadear uma variada gama de percepções, afetos, intenções e ações nos trabalhadores (Siqueira & Gomide-Jr., 2014).
Entre os vínculos organizacionais mais explorados na literatura, encontra-se o comprometimento, que vem sendo alvo de contínuos estudos há décadas (Bastos & Rodrigues, 2015). Apesar desse destaque, e talvez em função da grande diversidade de estudos, não há um consenso acerca da definição do comprometimento organizacional. Na década de 1980, esse vínculo foi conceituado a partir de uma perspectiva unidimensional que enfatizava a natureza afetiva do vínculo, definindo-o como um estado no qual o indivíduo se identifica com uma organização e seus objetivos e desejase manter nela como membro (Mowday, Porter, & Steers, 1982).
Já nos anos 1990, um modelo tridimensional para a compreensão do vínculo foi proposto por Meyer e Allen (1991). De acordo com os autores, processos psicológicos distintos estariam na base do construto e, por essa razão, três dimensões precisariam ser contempladas: a) afetiva (comprometimento como um apego e identificação com a organização); b) de continuação (envolve uma avaliação cognitiva dos custos associados à saída da organização); c) normativa (relaciona-se à adesão às normas da organização, a partir de pressões normativas por ela introjetadas).
A perspectiva tridimensional do comprometimento tornou-se claramente hegemônica, passando a guiar a produção científica da área por muitos anos. Recentemente, no entanto, esse modelo passou a ser alvo de questionamentos envolvendo problemas conceituais e empíricos que apontam para a ambiguidade e imprecisão do construto (Meyer, Stanley, Herscovitch, & Topolnytsky, 2002; Moscon, 2009; Rodrigues & Bastos, 2010; Solinger, Olffen, & Roe, 2008; Silva & Bastos, 2010).
Uma vez identificadas diversas fragilidades inerentes ao modelo tridimensional do comprometimento organizacional, iniciou-se uma agenda de pesquisa de estudos que objetivaram alcançar uma melhor delimitação do fenômeno (Bastos & Aguiar, 2015; Bastos, Maia, Rodrigues, Macambira, & Borges-Andrade, 2014; Rodrigues, 2009, 2011; Rodrigues & Bastos, 2010; Silva, 2009, 2013; Silva & Bastos, 2010). Essas pesquisas, em conjunto, sugeriram a retomada de uma definição mais restrita do construto, voltando a tratá-lo a partir de uma abordagem unidimensional, na qual apenas a base afetiva é considerada como parte de sua essência.
Ao assumir a unidimensionalidade do comprometimento organizacional, surge a necessidade de se investigar novos conceitos que contemplem os aspectos das bases normativa e de continuação, presentes no modelo tridimensional, mas retiradas da nova proposta de compreensão do vínculo. É desse movimento que emergem as propostas de criação de dois novos tipos de vínculos organizacionais: o entrincheiramento e o consentimento (Rodrigues, 2009; Silva, 2009). Enquanto o entrincheiramento organizacional surge para contemplar os motivos que levam o trabalhador a permanecer na organização em função da limitação de alternativas percebidas e, ainda, dos custos profissionais associados à sua saída, o consentimento pretende referir-se à internalização do papel de subordinação que leva o trabalhador a obedecer às normas organizacionais (Rodrigues & Bastos, 2010; Silva & Bastos, 2010).
Para a consolidação dos conceitos de entrincheiramento e consentimento organizacionais, entretanto, é fundamental que sejam conduzidos estudos que atestem a validade discriminante entre esses vínculos. Nos últimos anos, algumas pesquisas foram conduzidas nesse sentido, em especial no que se refere à discriminação entre o comprometimento e o entrincheiramento organizacionais (Aguiar, 2016; Aguiar, Bastos, Jesus, & Lago, 2014; Rodrigues, 2011). Entre as razões para a maior atenção dedicada ao entrincheiramento (em oposição ao consentimento), pode-se citar o fato de esse vínculo ter uma base teórica mais consolidada, uma vez que a sua proposta emergiu da importação de um conceito preexistente no âmbito da carreira: o entrincheiramento com a carreira (Blau, 2001; Carson, Carson & Bedeian, 1995; Scheible, Bastos, & Rodrigues, 2007). Além disso, o consentimento organizacional ainda apresenta algumas fragilidades conceituais que precisam ser superadas antes de um maior investimento nas análises discriminantes (Peixoto, Bastos, Soares, & Lobo, 2015).
Tendo em vista o cenário de desenvolvimento atual da área, este artigo se concentrará na busca de evidências adicionais de validade discriminante entre o comprometimento e o entrincheiramento organizacionais. Para isso, serão testadas as relações entre ambos os vínculos e o bem-estar subjetivo, construto até então não contemplado pelas produções que fazem parte da agenda de pesquisa da área.
O bem-estar é um fenômeno que vem recebendo mais atenção no meio científico, especialmente a partir da década de 1990. O interesse crescente acompanha um movimento global de ênfase em valores humanísticos e maior preocupação com a qualidade de vida em cenários diversos, inclusive nas organizações. Assim, sentir-se bem configura um estado almejado por muitos indivíduos e também cada vez mais procurado pelas empresas (Sonnentag, 2015). Nesse sentido, os estudos conduzidos sobre o bem-estar buscam compreender como as pessoas se sentem e também como avaliam suas experiências de vida, tanto gerais quanto relacionadas a domínios específicos, como o do trabalho (Ilies, Aw, & Pluut, 2015).
A definição do que significa "sentir-se bem", entretanto, não é consensual na literatura, variando desde uma perspectiva hedônica, na qualse compreende o bem-estar como prazer ou felicidade, até uma perspectiva "eudaimônica", na qual o bem-estar é compreendido como uma experiência de completude, de propósito e significado (Carneiro & Fernandes, 2015; Sonnentag, 2015). Embora ambas as perspectivas tenham bases teóricas sólidas, é da tradição hedonista que emerge o construto conhecido como bem-estar subjetivo, o qual se destaca como principal representante do fenômeno nas pesquisas científicas conduzidas no contexto do trabalho, conforme pode ser verificado em bases de dados de artigos nacionais e internacionais.
O termo bem-estar subjetivo (BES) foi proposto inicialmente por Diener (1984) e corresponde ao resultado conjunto de: 1) uma experiência cumulativa de afetos, na qual são consideradas as frequências de afetos positivos e negativos vivenciadas, e, mais especificamente, a predominância dos primeiros sobre os últimos; e 2) uma avaliação cognitiva que a pessoa realiza acerca da sua satisfação com a vida. Assim, conforme sintetizado por Albuquerque e Tróccoli (2004), BES elevado "inclui frequentes experiências emocionais positivas, rara experiência emocional negativa (depressão ou ansiedade) e satisfação não só com vários aspectos da vida, mas com a vida como um todo" (p. 154).
Segundo Diener e Ryan (2008), altos níveis de BES estão associados a diversos fatores positivos da experiência laboral, tais como melhores retornos financeiros (independentemente da ocupação do indivíduo), maior tendência de gostar do trabalho realizado e, consequentemente, maior probabilidade de recebimento de avaliações de desempenho favoráveis e engajamento em comportamentos de cidadania organizacional. Entretanto, a associação entre o BES e os vínculos que o trabalhador estabelece com a organização ainda não está clara (Bastos et al., 2013; Meyer & Maltin, 2010). Diante disso, a presente pesquisa propõe-se a contribuir com evidências de validade discriminante entre os vínculos de comprometimento e entrincheiramento organizacionais ao verificar como esses dois vínculos se associam ao BES.
No que se refere ao vínculo comprometimento organizacional, revisões de literatura conduzidas por Bastos e colaboradores (2013) e por Meyer e Maltin (2010) indicam que ele é capaz de promover o prazer ou bem-estar do trabalhador, uma vez que o fato de se sentir afetivamente ligado à organização auxiliaria o trabalhador a enfrentar os fatores negativos relacionados ao trabalho, diminuindo, assim, os impactos de possíveis agentes estressores (Meyer & Maltin, 2010; Panaccio & Vandenberghe, 2009). Entretanto, cabe ressaltar que o baixo consenso na literatura quanto à estrutura desses construtos centrais (comprometimento organizacional uni ou tridimensional; BES geral ou específico ao contexto, de base hedônica ou eudaimônica) exige que a leitura sobre as relações estabelecidas entre esses dois fenômenos seja feita com cautela.
Assim, no que tange ao comprometimento como construto unidimensional de base afetiva, não foi encontrado na literatura nenhum estudo dedicado à avaliação de suas relações como BES. É possível, contudo, que resultados de pesquisas que utilizaram construtos próximos ao comprometimento afetivo e ao BES possibilitem a identificação de tendências que, por sua vez, subsidiem a elaboração de hipóteses para este estudo.
Entre essas pesquisas, pode-se citar a conduzida por Souza (2015), que investigou a relação do comprometimento organizacional afetivo com o bem-estar pessoal nas organizações - construto definido por Paz (2004) como um bem-estar específico ao contexto, referente à realização de desejos e à satisfação das necessidades do indivíduo ao desempenhar suas atividades no âmbito do trabalho. Nos achados de Souza (2015), o comprometimento apresentou correlação moderada e positiva com o bem-estar pessoal nas organizações (r=0, 33, p<0, 01).
Traldi e Demo (2012), por sua vez, também investigaram a associação do comprometimento organizacional afetivo em relação ao bem-estar, porém adotando uma proposta conceitual mais restrita denominada de "bem-estar no trabalho" (BET) - que, de acordo com essas autoras, contempla tanto a dimensão afetiva (emoções e humores no trabalho) quanto a cognitiva (percepção de expressividade e realização pessoal no trabalho), estando relacionado a fatores sociais e organizacionais em prol dos colaboradores. Por meio de uma amostra de professores do ensino superior, as autoras demonstraram que a base afetiva do comprometimento organizacional foi capaz de predizer as dimensões afetos positivos (β=0, 53, p<0, 01), afetos negativos (β=-0, 25, p<0, 01) e realização no trabalho (β=0, 44, p<0, 01).
Outro estudo que pode contribuir com o direcionamento das hipóteses é o realizado por Andrade (2008). Nesse caso, foram investigadas as relaçõesentre o BES e o comprometimento com foco na carreira (considerado a partir do apego emocional à própria carreira, ao planejamento de carreira e à resistência à ruptura da carreira). Os resultados apontaram para uma correlação positiva do comprometimento coma satisfação geral com a vida (r=0, 31, p<0, 01) e com os afetos positivos (r=0, 32, p<0, 01), enquanto demonstrou uma correlação negativa com os afetos negativos (r=-0, 24, p<0, 01).
Por fim, Dávila De León e García (2014) investigaram as relações entre o bem-estar e o modelo tridimensional do comprometimento organizacional. Ao analisar exclusivamente os resultados que envolvem diretamente a base afetiva, é possível observar que esta base revelou ser uma importante preditora dos afetos positivos do bem-estar subjetivo (β=0, 31, p<0, 01), bem como da satisfação com a vida (β=0, 22, p<0, 01), não apresentando associação significativa com os afetos negativos.
Nesse sentido, tomando por base a literatura desenvolvida na área (Andrade, 2008; Bastos et al., 2013; Dávila De León & García (2014); Meyer & Maltin, 2010; Panaccio & Vandenberghe, 2009; Souza, 2015; Traldi & Demo, 2012), espera-se que o comprometimento organizacional, compreendido aqui como um vínculo unidimensional de base afetiva, apresente poder preditivo positivo sobre as dimensões positivas do BES (afetos positivos e satisfação com a vida) e poder preditivo negativo sobre a sua dimensão negativa (afetos negativos), conforme disposto nas duas primeiras hipóteses do estudo.
H1: O comprometimento organizacional prediz positivamente a frequência de afetos positivos do trabalhadore o seu nível de satisfação com a vida.
H2: O comprometimento organizacional prediz negativamente a frequência de afetos negativos do trabalhador.
O entrincheiramento organizacional, por sua vez, por se tratar de um vínculo estruturado mais recentemente enquanto construto científico, é contemplado em poucos estudos que o associam ao bem-estar. Embora não tenha sido encontrado na literatura nenhum estudo dedicado à avaliação entre este vínculo e o BES, a pesquisa de Souza (2015) investigou a sua relação com um construto correlato ao BES, denominado bem-estar pessoal nas organizações e já definido anteriormente. A autora concluiu que o entrincheiramento organizacional apresentou correlação moderada e positiva com o bem-estar pessoal nas organizações (r=0, 31, p<0, 01). Esse resultado, contudo, não condiz com os encontrados na literatura, que afirmam que os vínculos instrumentais (como a base de continuação do modelo tridimensional do comprometimento organizacional ou o entrincheiramento na carreira) se correlacionam de modo fraco, ou não se correlacionam, com sentimentos e avaliações positivas do indivíduo (Andrade, 2008; Dávila De León & García, 2014; Traldi & Demo, 2012).
A pesquisa conduzida por Andrade (2008), por exemplo, ao investigar a relação entre o entrincheiramento na carreira (composto pelas dimensões investimentos na carreira, custos emocionais e limitação de alternativas) e o BES, demonstrou que a dimensão relativa aos investimentos na carreira obteve correlação negativa tanto com os afetos positivos (r=-0, 14, p<0, 01) quanto com a satisfação com a vida (r=-0, 16, p<0, 01), obtendo uma correlação positiva apenas com os afetos negativos (r=0, 19, p<0, 01). A dimensão dos custos emocionais somente apresentou correlação positiva com os afetos negativos (r=0, 13, p<0, 01) e a dimensão limitação de alternativas apresentou correlação negativa com os afetos positivos (r=-0, 10, p<0, 01). Observa-se que, embora todas as correlações encontradas tenham sido fracas, elas apontam para um padrão de associação entre as variáveis em que o entrincheiramento na carreira se correlaciona negativamente aos aspectos positivos do BES e se correlaciona positivamente com os aspectos negativos desse construto.
Nessa mesma linha, o estudo de Dávila De León e García (2014), tomando para análise a base de continuação do comprometimento organizacional (que deu origem ao conceito de entrincheiramento organizacional), testou a predição de dois fatores sobre o BES. O primeiro fator, relacionado à falta de alternativas, apresentou poder preditivo baixo e negativo sobre as dimensões positivas do BES: afetos positivos (β=-0, 10, p<0, 01) e satisfação com a vida (β =-0, 10, p<0, 01); e poder preditivo baixo e positivo com a dimensão dos afetos negativos do BES (β=0, 12, p<0, 01). O segundo fator, relacionado ao sacrifício, apresentou correlação baixa e positiva com a dimensão dos afetos positivos do BES (r=0, 27, p<0, 01), porém não apresentou poder preditivo significativo no modelo. Mais uma vez, portanto, identifica-se uma tendência, ainda que fraca, de que o vínculo de natureza instrumental seja capaz de aumentar as experiências positivas e diminuir as experiências negativas do BES.
Há casos, todavia, em que a base de continuação do modelo tridimensional não apresentou correlação significativa com o bem-estar. Os resultados de Traldi e Demo (2012), por exemplo, demonstraram que esta base não apresentou relação significativa com o construto de BET, não predizendo, portanto, nenhuma das três dimensões do BES (afetos positivos, afetos negativos e realização).
Em suma, percebe-se que a literatura apresenta pesquisas que apontam para uma associação positiva (Souza, 2015) ou ainda para a inexistência de associação (Traldi & Demo, 2012) entre o entrincheiramento organizacional/base de continuação do comprometimento organizacional e os construtos de bem-estar (BES e BET). Contudo, encontra-se um maior número de evidências que demostram que o vínculo de natureza instrumental (seja com a carreira ou com a organização) associa-se positivamente a dimensões negativas do bem-estar e negativamente a dimensões positivas (Andrade, 2008; Dávila De León & García, 2014).
Apesar de os estudos atualmente divulgados na literatura serem ainda embrionários para determinar como ocorre a relação entre o entrincheiramento organizacional e o BES, com base nas referências citadas considera-se possível estabelecer uma tendência de associação entre esses dois fenômenos. Com isso, na presente pesquisa espera-se que o entrincheiramento organizacional, compreendido aqui a partir da definição proposta por Rodrigues e Bastos (2010), apresente poder preditivo negativo sobre as dimensões positivas do BES (afetos positivos e satisfação com a vida) e poder preditivo positivo sobre a sua dimensão negativa (afetos negativos), conforme sintetizado nas duas últimas hipóteses do estudo.
H3: O entrincheiramento organizacional prediz negativamente a frequência de afetos positivos e o nível de satisfação com a vida do trabalhador.
H4: O entrincheiramento organizacional prediz positivamente a frequência de afetos negativos do trabalhador.
Espera-se, portanto, que esses dois vínculos que o trabalhador pode estabelecer com a organização (comprometimento e entrincheiramento organizacionais) se comportem de maneiras opostas em relação à variável BES, sendo o comprometimento capaz de aumentar as experiências positivas do indivíduo e o entrincheiramento capaz de aumentar as experiências negativas (síntese do modelo apresentada na Figura 1). Caso corroborada, essa comparação permitirá aumentar as evidências de validade discriminante entre ambos os construtos.
Método
Participantes
Esta pesquisa contou com a participação de trabalhadores de organizações de ensino superior. A amostra obtida foi não probabilística, uma vez que a sua composição ocorreu de acordo com a disponibilidade da organização e do trabalhador em colaborar com a pesquisa.
No total, 310 trabalhadores participaram do estudo, com idades variando entre 19 e 67 anos (M = 39, 85; DP = 11, 17). Além disso, a maioria era do sexo feminino (65, 5%), e com alguma pós-graduação já concluída (78, 6%), seja ela especialização, mestrado ou doutorado. Em relação aos dados profissionais, parte majoritária foi de organizações públicas (61, 2%), e houve um equilíbrio no que tange à atividade exercida: 51, 9% eram docentes (atividade-fim das organizações de ensino superior) e os demais exerciam atividades administrativas e de apoio à docência (atividades-meio). O tempo médio de exercício da atividade foi de 11 anos (DP = 9, 39).
Instrumento
Para a coleta de dados foi utilizado um questionário contendo três partes:
1. Dados socioprofissionais: idade, sexo, escolaridade, tipo de organização (pública ou privada), natureza da atividade (atividade-fim ou atividade-meio) e tempo na mesma atividade.
2. Escalas de vínculos organizacionais: Escala de comprometimento organizacional afetivo (Bastos, Brito, Aguiar, & Menezes, 2011), com 10 itens (=0, 88), e Escala de entrincheiramento organizacional (Rodrigues & Bastos, 2015), com 18 itensdistribuídos pelas dimensões: arranjos burocráticos impessoais (6 itens, α=0, 76), ajustamentos à posição social (6 itens, α=0, 78) e limitação de alternativas (6 itens, α=0, 75). Ambos os instrumentos foram respondidos por meio de uma escala deconcordância do tipo Likert de seis pontos, que variou entre 1 (discordo totalmente) e 6 (concordo totalmente).
3. Escala de bem-estar subjetivo (Albuquerque & Tróccoli, 2004), composta por 62 itens distribuídos pelas dimensões: afetos positivos (21 itens, α=0, 95); afetos negativos (26 itens, α=0, 95) e satisfação com a vida (15 itens, α=0, 90). Seguindo as recomendações dos autores, as primeiras dimensões foram respondidas a partir de escala do tipo Likert, que variou de 1 (nem um pouco) a 5 (extremamente), enquanto a última dimensão contou com escala que variou de 1 (discordo plenamente) a 5 (concordo plenamente).
Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos
A coleta de dados foi realizada no período de maio a julho de 2014. Os instrumentos foram disponibilizados inicialmente na versão impressa, sendo administrados no local de trabalho, de forma individual para aqueles trabalhadores que se dispuseram a participar voluntariamente da pesquisa. Posteriormente, o instrumento também foi disponibilizado em versão digital (online), seguindo formatação semelhante a da versão impressa. Os e-mails dos participantes foram registradosa partir de contatos feitos presencialmente.
Para atender às recomendações do Comitê Nacional de Ética na Pesquisa (Conep), foi anexado ao instrumento de coleta um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual estavam dispostas informações sobre a importância acadêmica da pesquisa, bem como da garantia de anonimato e do caráter voluntário do preenchimento das escalas, assim como a possibilidade de abandonar a pesquisa, caso o participante desejasse.
Procedimentos de análise de dados
A análise dos dados foi realizada por meio do software SPSS 17.0 (Software Package for Social Sciences). A priori, foram conduzidas as primeiras análises estatísticas exploratórias a fim de identificar e corrigir erros de digitação, dados omissos, entre outros. Foram excluídos todos aqueles que não responderam 5% ou mais de qualquer uma das escalas, restando 310 respondentes ao todo.
Em seguida, foi realizada a análise fatorial exploratória dos três instrumentos separadamente, a fim de garantir a adequação desses para amostra específica do contexto pesquisado. Para essa fase, o método adotado foi a fatoração dos eixos principais, com rotação oblimin. Ressalta-se que a retenção de fatoresse baseou em uma avaliação que considerou tanto a disposição do screeplot quanto o critério de autovalor (eigenvalue) maior que 1, 0. Já a carga fatorial mínima considerada para retenção dos itens nos fatores foi de 0, 30 (Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2005).
Para a escala de comprometimento organizacional, a solução mais adequada corroborou a distribuição unidimensional dos 10 itens, com α=0, 89. Já para a escala de entrincheiramento organizacional, a solução mais adequada foi composta por 16 itens, distribuídos pelos três fatores previstos por Hair et al., 2005: arranjos burocráticos impessoais (6 itens, α = 0, 78), limitação de alternativas (5 itens, α = 0, 81) e ajustamentos à posição social (5 itens, α = 0, 74). Da escala original, dois itens foram excluídos: um por não apresentar carga fatorial acima de 0, 30 em nenhum dos fatores, e outro por apresentar ambiguidade fatorial.
Por fim, para a escala de BES, a solução mais adequada corroborou a distribuição dos 62 itens pelos três fatores previstos por Albuquerque e Tróccoli (2004): afetos positivos (21 itens, α = 0, 94), afetos negativos (26 itens, α = 0, 94) e satisfação geral (15 itens, α = 0, 91).
Uma vez estabelecidas as estruturas adequadas das escalas para a amostra da pesquisa, as análises centrais do estudo foram realizadas: correlações momento-produto de Pearson seguidas de análises de regressão linear simples e múltiplas (com método de entrada stepwise).
Resultados e Discussão
A princípio, foram analisados os resultados das correlações obtidas entre os vínculos de comprometimento e entrincheiramento organizacionais e as três dimensões do BES. Como apresentado na Tabela 1, o comprometimento associou-se de forma significativa com as três dimensões do BES, sendo a relação positiva com os afetos positivos e com a satisfação e negativa com a dimensão afetos negativos. O entrincheiramento, por sua vez, obteve correlações significativas apenas com as dimensões afetos positivos e afetos negativos, sendo a direção da relação negativa no primeiro caso e positiva no último.
Tendo em vista que as correlações entre os dois vínculos organizacionais e o BES foram significativas (e, portanto, sustentam a condução de análises de regressão linear), partiu-se para a análise sobre o poder preditivo dos vínculos sobre o BES. Inicialmente, foram testados modelos de regressão simples do comprometimento organizacional para cada uma das dimensões do BES (Tabela 2). Como pode ser observado, o vínculo em questão revelou-se capaz de prever de forma significativa todas as dimensões do BES, sendo os maiores coeficientes obtidos em relação aos afetos positivos e à satisfação. Compreende-se, assim, que as primeiras duas hipóteses do estudo foram suportadas, uma vez que o comprometimento organizacional foi capaz de influenciar positivamente a frequência de afetos positivos e a satisfação com a vida do trabalhador (H1), além de influenciar negativamente a frequência de afetos negativos (H2).
Em seguida, o mesmo procedimento foi conduzido para verificar o poder preditivo do entrincheiramento organizacional sobre as dimensões do BES (Tabela 3). Assim como aconteceu com o comprometimento, o entrincheiramento revelou-se capaz de predizer significativamente as dimensões afetos positivos e negativos. Nota-se, contudo, que o poder preditivo foi menor em ambos os casos, em especial no que diz respeito aos afetos positivos. Em relação à satisfação, por sua vez, a regressão evidenciou que o entrincheiramento não foi capaz de predizê-la, o que pode ser considerado esperado, tendo em vista os resultados prévios obtidos na fase de análise de correlação simples (Tabela 1).
Por conseguinte, entende-se que a H3 do estudo foi apenas parcialmente corroborada, posto que o entrincheiramento com a organização foi capaz de influenciar negativamente a frequência de afetos positivos, mas não teve influência significativa sobre o nível de satisfação com a vida do trabalhador. Por outro lado, a quarta e última hipótese (H4) foi suportada, tendo o entrincheiramento organizacional o potencial de aumentar a frequência dos afetos negativos do trabalhador. Interessa notar que o entrincheiramento organizacional demonstrou influenciar reações afetivas dos trabalhadores, mas não uma reação de ordem cognitiva, que seria a satisfação com o trabalho. Desse modo, embora tanto os afetos positivos quanto a satisfação com a vida representem experiências positivas para o indivíduo, a natureza de cada uma dessas dimensões pode ter tido um papel preponderante na relação estabelecida com o entrincheiramento organizacional. Ressalta-se, contudo, que se trata de uma hipótese explicativa que não pôde ser testada neste artigo, sendo necessários mais estudos para investigar se este padrão de influência se repete com outras variáveis de natureza similar.
Autores como Bastos et al. (2013) e Rodrigues (2011) reforçam que, em sua natureza, os vínculos que o trabalhador estabelece com a organização podem ser mais positivos ou mais negativos para este trabalhador. Os resultados apresentados até aqui se mostram coerentes com essa concepção, uma vez que o comprometimento organizacional indicou ser capaz de aumentar experiências positivas (representadas aqui pelos afetos positivos e pela satisfação com a vida) e diminuir experiências negativas (representadas pelos afetos negativos) para o trabalhador, enquanto o entrincheiramento organizacional foi capaz de aumentar experiências negativas (representadas pelos afetos negativos) e diminuir as positivas (representadas pelos afetos positivos).
É interessante notar que, além de terem se comportado de maneira oposta em relação às diferentes dimensões do BES, o poder de influência destes vínculos em termos de força também foi distinto. Destarte, observa-se que o comprometimento teve uma força consideravelmente maior sobre as experiências positivas do que o entrincheiramento, enquanto o poder de influência de ambos os vínculos sobre a frequência de afetos negativos foi bastante similar. Em outras palavras, o fato de estar comprometido com a organização promove para o trabalhador mais possibilidades de avaliar a sua vida como satisfatória e de vivenciar emoções e afetos positivos (como alegria e entusiasmo) e, ao mesmo tempo, esta influência é maior do que a capacidade do entrincheiramento de diminuir estas experiências positivas no colaborador.
Tomando por base a distinção de força de predição do comprometimento e do entrincheiramento organizacionais sobre o BES, apesar de os resultados até aqui registrados já poderem ser considerados suficientes para testar as hipóteses de estudo levantadas, optou-se adicionalmente pela condução de uma análise de regressão múltipla, a fim de verificar o poder preditivo conjunto dos dois vínculos organizacionais sobre as dimensões do BES (Tabela 4). Tal decisão pautou-se na constatação de que tais vínculos não são excludentes entre si, sendo possível que a sua combinação conduza a resultados distintos daqueles alcançados a partir de suas observações individuais (Aguiar, 2016; Rodrigues, 2011).
Conforme detalhado na Tabela 4, a capacidade de explicação dos vínculos (tomados em conjunto) sobre o BES supera a sua capacidade de explicação individual, uma vez que os coeficientes de determinação do modelo são mais satisfatórios quando os vínculos são avaliados simultaneamente. Ressalta-se, ainda, que a presença do comprometimento organizacional potencializa a capacidade de predição do entrincheiramento sobre a dimensão satisfação com a vida do BES. Enquanto no modelo de predição individual essa associação não aparece de forma significativa, no modelo conjunto o entrincheiramento organizacional demonstra predizer de maneira negativa, porém fraca, a satisfação.
Os dados dos modelos de predição simples e múltipla testados permitem supor que um trabalhador com níveis similares de comprometimento e entrincheiramento com a organização deve ter mais experiências positivas do que negativas, uma vez que as consequências positivas do vínculo afetivo superariam as consequências negativas do sentir-se entrincheirado. Tal suposição pode ser reforçada, ainda, pelos achados de Souza (2015), que apontam que trabalhadores com elevados níveis de comprometimento tendem a apresentar maiores médias de bem-estar pessoal nas organizações, independentemente de seus níveis de entrincheiramento organizacional.
Considerações Finais
Das quatro hipóteses da presente pesquisa, três foram totalmente corroboradas e uma foi suportada apenas parcialmente. Assim, considera-se que esta conseguiu contribuir para a delimitação de que o comprometimento e o entrincheiramento organizacionais são, de fato, vínculos distintos, a partir da análise da sua relação com o BES. Nesse sentido, obteve-se que, enquanto o estímulo à vinculação afetiva pode ser capaz de aumentar o BES do trabalhador, o estímulo à construção de um vínculo instrumental tem o potencial de diminuir esta mesma percepção.
Cabe registrar, ainda, que a análise da forma como o trabalhador combina os vínculos que estabelece com a organização parece fornecer mais informações relevantes sobre a sua satisfação geral com a vida do que a análise isolada de cada um dos vínculos. É importante, contudo, que a forma combinada de influência desses vínculos sobre o BES do trabalhador seja ainda aprofundada em estudos futuros, especialmente a partir de testagens que considerem o possível papel tanto de moderação quanto de mediação dos vínculos sobre o BES.
Apesar das contribuições trazidas, compreende-se também que a presente pesquisa tem limitações no que se refere à amostra, que foi composta por trabalhadores que se dispuseram a participar, não tendo uma garantia de aleatoriedade e nem de representatividade dos trabalhadores. O fato de a coleta de dados ter sido feita a partir de duas estratégias diferentes (virtual e presencial) também pode ter gerado influências que não foram controladas no momento da análise de dados. Dessa maneira, para que os resultados sejam generalizáveis, é preciso que estudos complementares sejam realizados, com amostras mais amplas e diversificadas.
Para a agenda futura de estudos, sugere-se que seja considerada em novas investigações a análise de um construto de bem-estar que possa ser sintetizado a partir de um indicador único, uma vez que se consideracomo um limitador da análise realizada na presente pesquisa o fato de o bem-estar ter sido acessado apenas a partir das suas dimensões, e não como um fenômeno global. Igualmente, indica-se que os novos estudos que se dediquem à avaliação da relação entre os vínculos e o bem-estar sejam acessados em diferentes níveis do construto, uma vez que pesquisadores da área (Page & Vella-Brodrick, 2009) vêm reforçando a necessidade de utilizar a combinação de construtos gerais (como o bem-estar subjetivo e/ou psicológico) e construtos específicos ao contexto (como o BET).
Além disso, é importante que tais relações sejam testadas com construtos que representem diferentes perspectivas teóricas do bem-estar. O BES representa apenas a perspectiva hedônica, enquanto outros construtos buscam representar a perspectiva eudaimônica apenas ou ambas as perspectivas simultaneamente. Nesse sentido, entende-se que a comparação entre esses diferentes construtos de bem-estar pode ser enriquecedora para a área, especialmente para o melhor entendimento sobre o fenômeno e a relação que estabelece com outras variáveis do contexto das organizações e do trabalho.
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Endereço para correspondência:
Graceane Coelho de Souza
Rua Barão de Jeremoabo, s/n, Pavilhão IV, Campus Universitário de Ondina -Salvador
40170-115, Salvador-Ba, Brasil
E-mail: graceanesouza@ufba.br
Recebido em: 24/04/2017
Primeira decisão editorial em: 29/04/2018
Versão final em: 02/06/2018
Aceito em: 02/06/2018