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Revista do NUFEN
On-line version ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.10 no.1 Belém Jan./Apr. 2018
https://doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04editoria
Editorial
DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04editorial
Rede de proteção à saúde ampliada
Adelma Pimentel, Tommy Akira Gotto, Lucivaldo Araújo, Marciana Farinha, Kamilly Vale
O paradigma biomédico instituído no Século XVII implantou as premissas de saúde como ausência de doença, do hospital como lugar de cura e de produção do conhecimento médico; da linguagem do sintoma e da representação do corpo, da patologia. No século XXI ocorre um avanço exponencial das pesquisas moleculares, do DNA e das tecnologias de imagens internas do corpo: o raio X, as ressonâncias, as tomografias etc. (Almeida Filho & Jucá, 2002).
Por sua vez, Canguilhem (2006) criticou o reducionismo da concepção biomédica mecanicista: “(...) A clínica coloca o médico em contato com indivíduos completos e concretos, e não com seus órgãos ou funções” (p. 53). Esta exprobração foi apropriada por pesquisadores que se valem das abordagens fenomenológicas, de modo a compor uma concepção de saúde em que a experiência subjetiva seja incluída nas avaliações e diagnósticos clínicos. Agregouse também ao entendimento de saúde na VIII Conferência Nacional de Saúde, concretizada em Brasília, em 1986, considerá-la como um direito social humano. Portanto, a conotação de saúde foi ampliada ponderando-se
resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. Principalmente resultado das formas de organização social, de produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (Brasil, 1986, p 4).
Configurou-se com as posturas fenomenológica, social e crítica uma epistemologia da saúde voltada para a apreensão da sua complexidade; busca de uma integração dos aspectos sociais e econômicos na explicação do processo saúde-doença, reconhecido na esfera individual como alteração fisiopatológica e sofrimento; na esfera coletiva como dificuldades de saúde pública (Samaja, 2004).
A epistemologia da complexidade dialogando com a postura fenomenológica heideggeriana favorece pensar a promoção da saúde na esfera do estar-com outros no mundo compartilhando em e com uma comunidade humana, com as coisas e consigo mesmo o cotidiano para alcançar a auto compreensão e a compreensão intersubjetiva. Tal reconfiguração se aplica a clínica do corpo em sua sintomatologia geral, por exemplo, ortopédica, em que o ambiente hospitalar e o contexto de traumas requerem procedimentos invasivos que provocam dores, bem como dependência física e a dificuldade dos usuários em lidar com o processo de adoecimento e hospitalização. Por sua vez, no âmbito da saúde mental a reconfiguração é voltada para a desospitalização.
Na atualidade, na conjuntura das Tecnologias de Informação e Comunicação dispomos da internet e do smartphone e de vários canais para disparar pensamentos e desejos de expressar apoio, ou de criticar, ou de manifestar ressentimentos ante as conquistas materiais do outro, ou de cobiçar sorrateiramente as “coisas” alheias. Tal aparato favorece a desagregação das relações solidárias, afeta o mundo circundante e potencializa a perda da saúde e do humano, tema principal nesta edição que abre o ano de 2018.
Além da influencia das Tecnologias de Informação e Comunicação, o uso de substâncias psicoativas, por exemplo, da cocaína interfere nos processos de subjetivação e de saúde mental das pessoas. Nesta edição apresentamos um estudo de caso que dialoga, em um enfoque Sartreano, sobre uso de cocaína por uma mulher, nomeada de Flor, cujas facticidades em sua na vida, tais como a época em que nasceu, o lugar, a família, a classe social, definem os contornos do exercício de sua liberdade. Porém, em sua condição de um ser singular, único, inserida em um mundo, Flor realiza escolhas e é capaz de atribuir sentido ao que encontra ao seu arredor. Logo, a sua liberdade é contingente às facticidades mundanas. Dito de outro modo, ao escolher entorpecer os sentidos e a compreensão dos acontecimentos do seu mundo, Flor responsabiliza-se pela facticidade do projeto de sua existência. A inserção de Flor em vários tratamentos psicológicos, psiquiátricos e sociais para recuperar a saúde possibilitou a ela diminuição dos sintomas, reduzir a ansiedade e melhorar o humor. Em consequência, Flor, passou a lidar com as suas questões, a ressignificar os seus “vazios”, a saber conviver com as suas instabilidades emocionais e se engajar no mundo de forma responsável.
A compreensão pelos Psicólogos e equipe de saúde dos efeitos destas situações, em um ponto de vista fenomenológico inclui o conhecimento do modo como a Abordagem Centrada na Pessoa desenvolve o conceito de processo pessoal de amadurecimento das pessoas para superar a angústia, que para Rogers é identificado enquanto um fenômeno inerente ao estado de incongruência do cliente. Cabe a estes profissionais ajudar aos clientes no enfrentamento das dificuldades vividas em nosso cotidiano, pela ausência de cuidados, afetos, da rede de apoio e familiar, em todas as suas formas correntes, bem como pela percepção limitada de si e da realidade.
No horizonte das instituições públicas, um conjunto de estratégias contribui para que os usuários dos serviços de saúde obtenham mais suportes. Nesta publicação, a Região Norte é o lócus das reflexões sobre a Estratégia Saúde da Família formada por uma equipe de profissionais composta por médico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde, além de dentista e auxiliar ou técnico em saúde bucal. Com uma postura crítica, os autores apontaram algumas fronteiras da contribuição positiva do Programa Mais Médicos, a despeito do aumento da contratação de mais profissionais de medicina ao Estado do Pará. Além disso, observam que as alterações propostas na Política Nacional de Atenção Básica, vigente a partir de 2017, implicam na sombria indefinição da quantidade de agentes comunitários que cada equipe de saúde da família deve ter.
Também na Região Norte foi composto um escrito a respeito dos dispositivos que formam a Rede de Atenção Psicossocial, como os Centros de Atenção Psicossocial, os Serviços Residenciais Terapêuticos, Unidades de Acolhimento, os Centros de Convivência e Cultura entre outros. A Rede foi regulamentada em 2011 pela portaria 3.088, do Ministério da Saúde, com o objetivo de criar, ampliar e articular os pontos de atenção à saúde mental, no âmbito do Sistema Único de Saúde para pessoas com transtornos mentais e pelas dependentes de álcool e outras drogas.
A Rede conformou um modelo de assistência, que se mostra como uma forma cada vez mais consolidada de atenção à pessoa em sofrimento mental. O estudo demonstrou, a partir do ponto de vista dos profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial, a vivência de um conjunto de tensões oriundas de conflitos políticos, gerenciais e interpessoais que interferem no tratamento dos usuários das unidades. O surgimento das confusões está vinculado a mudanças na rotina do trabalho na unidade, oriunda da fusão do manejo clínico, isto é, das práticas exclusivamente psicossociais a procedimentos técnico-hospitalares; das distintas formações profissionais e diferentes concepções sobre saúde mental e sobre os modos de cuidado nesse contexto.
Na Região Sul, igualmente o funcionamento da Rede foi destacado enquanto organização imprescindível para execução da política pública de saúde mental. A viabilidade dos resultados interventivos demanda que sua aplicação seja compatível às demandas comunitárias do lugar, o que é admitido pelo reconhecimento do território e do mundo circundante não reduzidos a uma questão geográfica, consoante, o que Husserl (1935/2008) propõe: A compreensão do território e do mundo circundante ocorre então não como algo objetivo, mas como uma representação, uma validação subjetiva.
A inclusão dos conceitos de território e do mundo circundante no tratamento clínico em saúde mental no litoral da Região Sul do Brasil, conforme as percepções dos profissionais entrevistados, resultam componentes terapêuticos positivos: o uso da praia em oficinas terapêuticas; e negativos, a época de temporada no verão que diminui a adesão ao serviço e aumenta o número de recaídas dos usuários que fazem uso de álcool e drogas.
No mundo circundante conceber a saúde em sua complexidade beneficia a vivência integral da Sexualidade e do Corpo no Mundo da Vida, a ruptura com os binarismos, sobretudo os ligados a heterossexualidade para abrigar transexuais, bissexuais, homossexuais e travestis em único patamar, o da humanidade. Que as temáticas apostas no volume 10(1)-2018 estimulem sua leitura.
Referências
Almeida Filho, N. & Jucá, V. (2002). Saúde como ausência de doença: crítica à teoria funcionalista de Christopher Boorse. Ciência e Saúde Coletiva, 7(4): 879- 889. [ Links ]
Brasil. (1986). Ministério da Saúde. VIII Conferência Nacional de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde. (Anais) [ Links ]
Canguilhem, G. (2006). O Normal e o Patológico. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. [ Links ]
Samaja, J. (2004). Epistemologia de la Salud. Buenos Aires: Lugar. [ Links ]