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Revista do NUFEN
On-line version ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.10 no.1 Belém Jan./Apr. 2018
https://doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04ensaio34
Ensaio
DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04ensaio34
A gestaltpedagogia como uma estratégia de inclusão paras as crianças autistas em escolas regulares
Gestaltpedagogy as an inclusion strategy for young children in regular schools
La gestaltpedagogía como una estrategia de inclusión para los niños autistas en escuelas regulares
Gilmara de Araújo SilvaI; Stéfane Machado SilvaII
I Faculdade de Tecnologia e Ciências, Feira de Santana
II Universidade Estadual de Feira de Santana
RESUMO
Pretende-se neste artigo entender a relação ambiente-indivíduo com foco no sujeito autista e na inclusão em contextos escolares. Para isso, realizamos uma revisão de literatura sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A caracterização do autismo que norteia este trabalho é a perspectiva da gestalt-terapia, que possibilita pensá-lo como fenômeno relacional, sendo necessário investigar não apenas o indivíduo, mas seu meio e as relações entre eles. O autismo não é abordado como uma doença, mas sim uma forma de se ajustar frente às demandas sociais. Partindo desse pensamento, a perspectiva relacional é essencial para abordar a inclusão escolar das crianças com necessidades educacionais especiais. Propõese uma articulação e aplicação da Gestaltpedagogia nos contextos educacionais, considerando que o homem é um ser social, singular, ativo, total e capaz de se desenvolver, modificando a si e ao seu meio e a aprendizagem como um processo que ocorre na relação sujeito-educação.
Palavras-chave: Autismo; Educação Inclusiva; Gestaltpedagogia.
ABSTRACT
This article intends to understand the environment-individual relationship with a focus on the autistic subject and on inclusion in school contexts. For this, we conducted a review of the literature on Autism Spectrum Disorder (ASD). The characterization of autism that guides this work is the perspective of gestalt-therapy, which makes it possible to think of it as a relational phenomenon, and it is necessary to investigate not only the individual, but his environment and the relationships between them. Autism is not approached as an illness, but rather a way of adjusting to social demands. Based on this thinking, the relational perspective is essential to address the inclusion of children with special educational needs at school. It is proposed an articulation and application of Gestaltpedagogia in educational contexts, considering that man is a social being, singular, active, total and capable of developing, modifying himself and his environment and learning as a process that occurs in the relationship subject-education.
Keywords: Autism; Inclusive Education; Gestaltpedagogy.
RESUMEN
Se pretende en este artículo entender la relación ambiente-individuo con foco en el sujeto autista y en la inclusión en contextos escolares. Para ello, realizamos una revisión de literatura sobre el trastorno del espectro autista (TEA). La caracterización del autismo que orienta este trabajo es la perspectiva de la gestaltterapia, que posibilita pensar como un fenómeno relacional, siendo necesario investigar no sólo el individuo, sino su medio y las relaciones entre ellos. El autismo no se aborda como una enfermedad, sino una forma de adaptarse frente a las demandas sociales. A partir de ese pensamiento, la perspectiva relacional es esencial para abordar la inclusión escolar de los niños con necesidades educativas especiales. Se propone una articulación y aplicación de la Gestaltpedagogía en los contextos educativos, considerando que el hombre es un ser social, singular, activo, total y capaz de desarrollarse, modificándose a sí mismo y al medio y el aprendizaje como un proceso que ocurre en la relación sujeto-educación.
Palabras-clave: Autismo; Educación Inclusiva; Gestaltpedagogía.
INTRODUÇÃO
O autismo ainda é um tema de intenso debate nas ciências da saúde, tendo como discurso predominante o biomédico, que considera a lógica binária do normal/patológico (Teixeira et al., 2010). O número de diagnósticos vem crescendo no decorrer do tempo e seus critérios se modificando. Distintas definições são observadas nas edições dos manuais de classificação dos transtornos mentais, que migraram da condição de Psicose para o conceito de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Essa variação, segundo o autor supracitado, contribui para as diferenças nos resultados dos estudos científicos publicados. "Admite-se que o aumento observado na frequência do TEA deva-se, também, a uma melhoria no reconhecimento e detecção, principalmente dos casos sem deficiência mental" (Teixeira et al., 2010, p. 607).
Atualmente, o autismo é "caracterizado por algum grau de alteração do comportamento social, comunicação e linguagem, e por um repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades" (Associação de Amigos do Autista [AMA], 2017, p.7). As características autísticas variam de sujeito para sujeito, o que justifica pensar no uso do termo "autismos". O diagnóstico precoce é de suma importância, pois "aumenta a possibilidade de tratamento, como ainda minimiza alguns sintomas experimentados pelos pais, agravados com o passar do tempo" (Laznik, 1997 citado por Visani & Rabello, 2012, p. 295). Mas o sujeito não deve ser reduzido somente a condição diagnóstica, devendo ser contemplados os seus aspectos psíquicos no que tange aos seus sentimentos, aos seus pensamentos e às suas formas de se relacionar com as pessoas e com o seu ambiente (Ministério da Saúde, 2014).
Com isso, o objetivo deste artigo foi discutir criticamente a relação indivíduo-ambiente com foco no sujeito autista e a importância de sua inclusão nos contextos escolares, a partir da construção de ambientes que favoreçam a permanência e desenvolvimento destes. Na mesma medida, vislumbramos a possibilidade de outros estudos e análises do teatro e sua articulação com o campo psicológico, enquanto manejo em contexto da atuação em clínica ampliada ou no contexto psicoterápico, não apenas como recurso ou técnica válida como modo de expressão, mas percebendo o momento do fazer teatral como possível espaço de encontro, em seu potencial de cuidado e de favorecimento do contato entre pessoas e suas vivências, auxiliando processos reflexivos sobre a maneira de estar no mundo, ainda que não substitua a psicoterapia no processo de ampliação da consciência relacional.A fim de atender ao objetivo, realizamos uma pesquisa bibliográfica, tendo acesso inicial a artigos, monografias, leis, decretos e fontes primárias de alguns autores.
Nessa perspectiva, trilhamos um caminho diferente daquele do modelo biomédico, assumindo um olhar social que vê a constituição do sujeito a partir das relações em que ele se desenvolve. Com isto, baseamos o nosso estudo a respeito do autismo a partir da Gestaltterapia, que entende "o homem como um organismo integrado e não como um conjunto de unidades distintas" (Goldstein, 1978 citado por Burrow & Scherpp, 1985, pp. 19-20).
Um contexto em que muito se debate a inclusão é a educação básica. A Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, decreta que as pessoas diagnosticadas com TEA passam a ser consideradas pessoas com deficiência1, para todos os efeitos legais. O Decreto nº 8.368 (2014), que regulamenta a Lei supracitada, descreve alguns direitos dos autistas. Além do acesso à saúde, deve ser assegurada a educação, em um sistema educacional inclusivo e que garanta a transversalidade da educação especial. Esse direito "será assegurado nas políticas de educação, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, de acordo com os preceitos da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência" (Decreto nº 8.368, 2014, p.16).
Estar incluído é ter as suas necessidades atendidas, sejam elas físicas, motoras ou psicológicas. O primeiro momento de contato social mais amplo da criança, depois dos pais e familiares, é na escola. Ela tem um papel significativo na construção do sujeito e precisa estar preparada para atender as demandas destes educandos, que com deficiência ou não, apresentam singularidades (M. J. Ribeiro, 2008).
A escola assume um papel fundamental na ruptura necessária à transformação das concepções cristalizadas e possibilita o contato e a reflexão sobre a realidade, pois a escola é vista como um "processo dialético entre indivíduo e cultura, e se dá em nome de ambos" (Sekkel, 2003, p. 14). Pensar na proposta de inclusão de pessoas autistas2 nas escolas regulares, como assegurado por lei, visa uma abertura à experiência de todo o contexto escolar, pois
Não se trata de adaptar os deficientes às escolas, tais como elas são atualmente. É necessário reconhecer as necessidades de cada um e poder criar as condições de atendimento. E estas só poderão ser criadas no concreto, na relação, conhecendo as diferenças. (Sekkel, 2003, p. 03).
Ou seja, o problema não se encontra instalado no sujeito incluído, mas nos processos de permanência e reconhecimento desse sujeito frente à sociedade. Conforme afirma Ribeiro (1994 citado por Moreira, Ferreira, & Costa, 2007, p. 190) "educar é tocar o ser como ele se apresenta, com suas exigências, com seu modo especial de estar no mundo, e não com base em pré-juízos, pré-conceitos ou de angústias".
AUTISMOS
O termo autismo vem do grego autós, que significa "de si mesmo". Em um primeiro momento, o autismo era visto como um transtorno básico da esquizofrenia, que era definido como "a perda de contato com a realidade, causada pela grande dificuldade na comunicação interpessoal" (Bleuler, 1911 citado por E. Salle, Sukiennik, A.G. Salle, Onófrio, & Zuchi, 2005, p.11).
Kanner, em 1943, foi o responsável por distinguir o autismo de outras psicoses da infância, a partir da observação de 11 crianças que apresentavam características semelhantes e pareciam constituir uma patologia única. Ele a nomeia "Autismo infantil precoce", dando ênfase ao fato de que os sintomas começam antes dos 30 meses de idade. Dentre os critérios diagnósticos listados por Kanner, dois são de suma importância para a caracterização desses distúrbios: o isolamento autístico que está relacionado com a dificuldade dos sujeitos com autismo de se relacionar com outras pessoas; necessidade de imutabilidade ou a limitação da diversidade das atividades espontâneas, tendendo a comportamentos repetitivos e monótonos. (Kanner, 1943 citado por E. Salle et al., 2005).
Essa necessidade da imutabilidade junto com a solidão configuram as principais formas de defesa autística para a angústia, ou seja, uma forma de se defender das experiências de ameaça psíquica, nas quais o sujeito se vê na condição de proteger-se de um suposto invasor externo (Atem, 1998). Tal quadro se diferencia da esquizofrenia infantil por existir um isolamento extremo do indivíduo, um desapego do ambiente já durante o seu primeiro ano de vida, como destaca Ajuriaguerra (1991).
Após os escritos de Kanner, houve um aumento significativo de pesquisas sobre o autismo, dentre as quais se destacam: Hans Asperger (1944) e Michael Rutter (1978), que influenciaram a base dos critérios diagnósticos do autismo nas duas principais classificações dos transtornos mentais: a Classificação Internacional de Doenças – CID-9 (Organização Mundial de Saúde, 1984) e o Manual diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSMIII- R (American Psychological Association [APA], 1980). Na primeira, o autismo era considerado um subtipo das psicoses com origem específica na infância, evoluindo para a esquizofrenia (Organização Mundial da Saúde, 1984); no segundo, o autismo é considerado um tipo de "distúrbio global (invasivo) do desenvolvimento, apresentando distúrbios evolutivos precoces, caracterizados por atrasos e distorções no desenvolvimento de habilidades sociais, cognitivas e da comunicação" (APA, 1980 citado por E. Salle et al., 2005, p.11). Foi a primeira vez que o autismo foi reconhecido e colocado em uma nova classe de transtornos. Ele foi colocado dentro desta classificação por apresentar múltiplas áreas do funcionamento afetadas.
O conceito de autismo infantil, portanto, se modificou desde a sua descrição inicial. Mais recentemente, no DSM-V-TR (APA, 2014) denominou-se os Transtornos do Espectro Autista (TEA) para se referir a uma parte dos Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD): o autismo, a síndrome de Asperger e o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação. Logo, para o modelo biomédico vigente, entende-se o autismo como um "desenvolvimento anormal e/ou comprometido da criança manifesto antes dos três anos de idade, apresentando características desse funcionamento anormal na interação social, na comunicação e no comportamento, que se torna restrito e repetitivo" (Araújo, 2004, p. 44), que apresenta diversos estudos a respeito da sua etiologia, dentre elas as genéticas, neurológicas, ambientais, entre outros.
Estas divergências empíricas significam dizer que não há um ponto de vista que abarque todo o tema e muito menos que nossa escolha por uma linha de pensamento elimine as demais. Como mencionado acima, é preciso um trabalho multidisciplinar no cuidado e atenção tanto com os sujeitos autistas como com seus pais. Isto só foi possível graças às críticas e descobertas de pesquisadores a respeito da possível interferência do meio ambiente no qual o sujeito está inserido, na sua etiologia, não sendo um resultado exclusivamente biológico, como destaca Ajuriaguerra (1991). Esta interferência abre espaço para outros estudos que não se encontram nesta lógica binária como, por exemplo, da Psicologia, que tem seu estudo a partir da compreensão de que a constituição do sujeito se faz nas relações, não excluindo as possíveis causas genéticas e/ou neurológicas do autismo.
O OLHAR DA GESTALT-TERAPIA SOBRE O AUTISMO
O Autismo, embora possa ser visto como uma condição médica, categorizado e classificado como uma síndrome, também deve ser encarado como um modo de ser completo, uma forma de identidade diferente de tentar responder às demandas do ambiente. A abordagem da Gestalt-terapia, segundo L. C. Costa e I. Costa (2017, p. 14), "não negligencia aspectos saudáveis preservados pelo organismo; em vez disso, encara o processo psicopatológico por um viés positivo de ajustamento diante de situações insustentáveis para o self". O diagnóstico deixa de ser visto como uma categoria limitante do sujeito para ser considerado como um aspecto relacional e intersubjetivo, firmando a prioridade da relação com o outro naconstituição do sujeito e evidenciando a base existencial-fenomenológica da Gestalt-terapia. Ou seja, a psicopatologia está diretamente relacionada com uma relação inadequada com o outro, logo não se pensa em psicopatologia individual, mas sim em uma "relação psicopatológica" consigo mesmo ou com o mundo em geral, como reitera Holanda (1998).
A saúde e a doença são vistas pela Gestalt-terapia como um processo dialético em que o organismo tende a se atualizar junto ao meio. "Essas polaridades são definidas pelo estado de organização e desorganização da pessoa" (Carvalho & I. Costa, 2010, p. 13). É a partir dessa perspectiva que a abordagem passa a olhar o autismo como algo além da patologia descrita pelos manuais psiquiátricos, algo que está além de questões comportamentais.
Para a Gestalt, o ser humano está em constante transformação e desenvolvimento ao longo dos anos de vida. É na fronteira de contato que se torna possível esta troca de experiências entre o eu e o outro. Um começa onde o outro termina. "Esta relação estabelecida com o mundo não se caracteriza pela passividade, mas pela possibilidade de ação e transformação do meio com a finalidade de ajustar-se da melhor forma possível às circunstâncias" (Aguiar, 2005 citado por Gonçalves, 2010, p.10). O indivíduo tenta atender às suas necessidades a partir da movimentação de aproximação e retração das experiências vividas, que podem ter sido por meio da superação de obstáculos, como uma forma de defesa ao perigo, assimilando ou não, o novo.
Estas respostas do sujeito como forma de satisfação a necessidades emergentes são conhecidas como ajustamentos criativos que para Perls, Hefferline e Goodman (1997), está relacionado à autorregulação organísmica frente a uma necessidade que emerge, isto "não resulta em caos ou numa imaginação demente, mas em uma gestalt que resolve um problema concreto" (p. 59). Dizem respeito a uma atitude dinâmica, transformadora da realidade e do próprio sujeito. Eles ainda afirmam que todo contato ambiente-indivíduo é ajustamento criativo.
Esta autorregulação organísmica é uma capacidade inerente ao homem, que permite atualizar as suas potencialidades e seu próprio crescimento, embora possa sofrer a influência do meio externo, as quais ele seleciona e utiliza, tentando torná-lo o mais acessível possível às suas necessidades; o impulso é que dá a unicidade do sujeito. Porém, nem sempre o ajustamento criativo é realizado de forma saudável e propicia um crescimento, o sujeito se ajusta da melhor forma possível diante das demandas de excitamentos, podendo apresentar sintomas e até mesmo sofrimento. Em alguns casos, esses ajustamentos podem se cristalizar na fronteira de contato, tornarem-se rígidos e acabar assumindo reações crônicas e alienadas em determinado âmbito da vivência. Esta incapacidade de satisfazer suas necessidades dá origem às possíveis formas de ajustamentos neuróticos e psicóticos, que variam nas formas de defesa do eu (D'cri, Lima, & Orgler, 2007).
Estas necessidades que emergem no sujeito são consideradas figura e tudo que se apresenta como uma realidade contínua, que circunda a figura e lhe dá limites é conhecido como fundo. Quando estas figuras são satisfeitas, elas irão para o fundo e novas demandas irão surgir. A figura não é uma parte isolada do fundo, ela existe no fundo. Como pontua J. P. Ribeiro (1985, p.74), "a figura está no todo: o que o cliente traz como figura é parte de seu todo, também no fundo. Ainda dentro deste tema, podemos ampliar dizendo que onde existem figura e fundo, existe também o conceito de fronteira e de contorno". Do ponto de vista da Gestalt-terapia, a natureza da psicopatologia é resultado de uma interrupção do processo de contato.
O sistema de contatos é conhecido como self em qualquer momento do desenvolvimento, ou seja, é o processo de estar no mundo. O self apresenta uma descrição distinta da psicanálise freudiana, ele não é nem uma entidade fixa nem uma instância psíquica como, por exemplo, o ego; mas, um processo flexível que varia de acordo com as necessidades orgânicas e os estímulos ambientais dominantes. "Não é o seu 'ser', mas seu 'ser no mundo'", como ratificam S. Ginger e A. Ginger (1995, p. 126). O self, segundo Perls et al. (1997, p. 49) é a "fronteira de contato em funcionamento; sua atividade é formar figuras e fundos". O self é, portanto, o termo que se usa para se referir à totalidade da pessoa em interação saudável com o meio, avaliando as possibilidades no campo para integrá-las e levá-las à completude em função das necessidades do organismo. "O self constitui nossos processos saudáveis, funcionando para a existência e crescimento do organismo" (Latner, 1973, p.48).
São três os modos de funcionamento do Self: função Id, função Ego (Ato) e função Personalidade. Essas funções podem variar na precisão e intensidade. Estas funções são as principais etapas do ajustamento criativo. Conforme S. Ginger e A. Ginger (1995, p.127) "a função Id é concernente as pulsões internas, às necessidades vitais e sua tradução corporal ... A função Ego é uma função ativa, de escolha ou rejeição deliberada ... A função personalidade é a representação que o sujeito faz de si mesmo, sua autoimagem".
Portanto, para que o self seja coeso é preciso que as três funções estejam em harmonia. Quando isto não acontece é possível compreender a noção de saúde/doença para a Gestalt-terapia. "Os ajustamentos podem se cristalizar na fronteira de contato, tornarem-se rígidos e acabar assumindo reações crônicas e alienadas em determinado âmbito da vivência" (D'cri et al., 2007), características de formas psicopatológicas do contato. Apesar de Perls (1977 citado por Brandão, 2017) nunca ter produzido um estudo a respeito do autismo, é possível encontrar em sua literatura que estas disfunções do processo de contato dão origem há outras formas de ajustamentos, tais quais: ajustamentos neuróticos e ajustamentos psicóticos. O autismo se encontra dentro desta última forma de se ajustar.
Nesta forma de ajustamento, a função Id se encontra comprometida. M.J. Müller- Granzotto e R.L. Müller-Granzotto (2008) descreveram duas possibilidades deste comprometimento na função Id: 1- ou os dados vivenciados não são assimilados, logo não há um registro no fundo para novas experiências; ou 2 - uma vez assimilados, não se integram entre si, de modo que não constituem como fundo para os novos dados na fronteira de contato. O Id é a função que nos mantém conectados ao mundo, a possibilidade de afetar e ser afetado pelas pessoas e pelo ambiente. Consequentemente, o ambiente é percebido de maneira vaga, desconexa.
De certo modo, é como se as experiências de contato não pudessem ser esquecidas e passassem a ser vistas como um hábito, ou não pudessem estabelecer uma relação espontânea entre as experiências capazes de servir de orientação intencional para as novas experiências de contato, depois de retidas. "Por esse motivo, as novas experiências aconteceriam privadas de uma intencionalidade específica ou, conforme a linguagem própria da Gestalt-terapia, desprovidas de awareness sensorial" (M.J. Müller-Granzotto & R.L. Müller- Granzotto, 2008, p. 09).
Em rigor, esta indisponibilidade do fundo faz com que a função Ego opere de forma diferente, tentando "transformar aqueles atos em defesa contra as demandas por excitamento, alucinações, produções delirantes ou identificatórias" (M.J. Müller-Granzotto & R.L. Müller- Granzotto, 2012a, p. 145). Estes autores identificam três tipos fundamentais de ação do ego nos ajustamentos psicóticos: os ajustamentos psicóticos de ausência de fundo, os ajustamentos psicóticos de preenchimento do fundo e os ajustamentos de articulação de fundo. A diferença nessas ações tem relação com o modo como o fundo se caracteriza no momento da vivência do contato.
Porém, iremos nos atentar à primeira ação da função ato para discorrermos sobre o autismo. A função Id se encontra severamente comprometida, não havendo um fundo retido para as próximas vivências. Logo, a função ego atua de forma refratária, ou seja, as ações destinadas aos sujeitos autistas rebatem e voltam, como se a fronteira de contato diminuída se caracterizasse como um espelho. "Razão pela qual sua ação parece acontecer sem meta, como se fosse acometida de uma desorientação. O isolamento, concretizado na forma de um mutismo, parece oferecer um tipo de satisfação sem objeto, sem corpo" (M.J. Müller-Granzotto & R.L. Müller-Granzotto, 2008, p. 13).
Os comportamentos "estranhos" dos autistas são formas de defesa contra as demandas por excitamento afetivo, justificando uma atitude de isolamento das exigências de afeto que vêm do meio social. Ou seja, "uma vez demandada, a função de ato (que produz ajustamentos de isolamento) não consegue encontrar os excitamentos requeridos pelo interlocutor ... por conta disso a alternativa para a função do ato é afastar o demandante" (M.J. Müller-Granzotto & R.L Müller-Granzotto, 2012a, p. 154). Nesta mesma perspectiva, Amescua (1999, citado por Brandão, 2017, p. 150) destaca que "a pessoa com autismo não tem clareza do que é seu e do que é externo, está presa na fronteira de contato, não consegue expressar o seu desejo e vê o mundo e os outros como ameaçadores".
Mesmo com uma limitação na função Id, o self tende a se ajustar, conforme explica a teoria da autorregulação organísmica. Um exemplo disso é o uso dos comportamentos estereotipados e repetitivos dos autistas como uma forma de resposta ao meio, ou seja, "o último fim da autorregulação é a busca do bem-estar, do prazer, da harmonia possível" (Lima, 2014, p.97). Ele não confia em seu ambiente, então poucas experiências são introjetadas pelo sujeito e estas não são facilmente assimiladas. Para que a introjeção ocorra de forma eficiente, precisa ser elaborada, internalizada a partir de um processo de integração. Com isso, é necessário que haja uma distinção entre o eu e o outro e nos autistas não há esta distância e diferenciação do Eu e do Tu, o EU se realiza na relação com o TU, por meio do diálogo, como destaca Buber (1974 citado por M. N. Barros, 2014). A Gestalt destaca aqui a importância da confiança no ambiente em que esta pessoa está inserida, pois é nesta relação que podemos digerir as informações, experiências, vivências que são chegadas ao sujeito; logo, ao invés de apenas introjetar, estamos assimilando.
Apesar desta dificuldade de manter as relações sociais por meio de afetos, não significa que os sujeitos autistas não possam manter ou construir algum tipo de vínculo, capacidade esta que se dá por meio das demandas por inteligência social. Desta forma, eles podem desenvolver a função personalidade e responsabilizar-se pelo que fazem, pensam como também a capacidade de assumir "determinados papéis sociais, pelos quais desenvolvem sentimento de orgulho, desprezo, etc." (M.J. Müller-Granzotto & R.L. Müller-Granzotto, 2012b, pp.157-158). Ressalva-se, contudo, que estes sentimentos não apresentam uma carga afetiva. Ainda assim, a dificuldade de manter as relações afetivas pode prejudicar o desenvolvimento da função personalidade.
O reconhecimento de que os sujeitos autistas podem apresentar personalidades nos leva a pensar em medidas interventivas para o mesmo, tendo como proposta, segundo M.J. Müller-Granzotto e R.L. Müller-Granzotto (2008, p.14), "que o terapeuta possa colaborar para a ampliação do corpo daquele que se ajusta de maneira autista; o que significa dizer, colaborar para a ampliação da forma mais elementar da função de ego no autista". Tendo a chance de responder às suas necessidades e ao meio de formas diferentes das que foram cristalizadas e repetidas diversas vezes. Estes ensinamentos não se tornam um fundo a ser retomado quando necessário, mas sim maneiras de lidar com a angústia da pessoa quando é demandada, quando cada sujeito apresenta maneiras distintas de se colocar no mundo. Com isso, o objetivo da clínica gestáltica não é curar o autismo, pois este é visto como uma
forma de se ajustar ao ambiente, tentando responder às demandas do mesmo, evitando, consequentemente, o agravo da sua angústia ao ajudar o sujeito a se reconhecer e se diferenciar do mundo externo (Brandão, 2017).
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UM PRIVILÉGIO PARA POUCOS?
A Organização das Nações Unidas (1948) preconiza no 1º Artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos" sem distinção de qualquer espécie. Mas, no início a educação era privilégio de uma parcela pequena da sociedade. O diferente era colocado à margem da sociedade, separado ou excluído do processo educativo e do convívio social.
A história da educação especial começou a ser traçada a partir do século XVI, tomando como base a concepção de criança e a importância de como era educada. A infância, segundo Ariès (1978), tornou-se um tempo particular na constituição humana, no qual se necessitava de preparo e de prevenção para que pudesse produzir sujeitos aptos ao trabalho. Os olhares se voltaram para os possíveis desvios sociais ocorridos nessa época da vida, que começaram a ser notados nas escolas a partir do momento em que a criança desenvolvia alguns problemas de aprendizagem ou eram consideradas ineducáveis.
Dessa maneira, o cuidado era basicamente custodial, sendo que a resposta da sociedade para o tratamento aos considerados desviantes foi a institucionalização das crianças em asilos e manicômios. Esta segregação era justificada pela ideia de que as pessoas com algum tipo de deficiência receberiam melhores cuidados e proteções se fossem colocadas separadas do meio social, sinaliza-se também como essa era uma estratégia de proteger a sociedade dos "anormais" (Mendes, 2006).
No século XIX, este perfil começa a mudar a partir do processo de democratização da escola que, com a universalização da entrada nas escolas regulares, evidenciou a incapacidade da mesma de responder à aprendizagem de todos os alunos, dando origem às classes especiais em escolas regulares. Esta universalização evidencia o paradoxo inclusão/exclusão existente neste modelo de educação especial, que matinha o mesmo processo de separação entre os alunos com deficiência e os que não eram (Ministério da Educação, 2001). "Estes procedimentos desestimulavam a participação das pessoas com necessidades especiais na sociedade, como também não ofereceu à sociedade, considerada 'normal', a possibilidade de acolher as diferenças", como destaca C.C Barros (2009, p. 28).
O termo inclusão surgiu em 1990, nos Estados Unidos, como forma de substituição da palavra integração. O destaque principal para a mudança foi que a inclusão estava associada à ideia de colocação de alunos com dificuldades prioritariamente em classes comuns. A difusão da filosofia da educação inclusiva ganhou mais força a partir da Conferência
Mundial sobre as necessidades educativas especiais, realizada em Salamanca no ano de 1994. Esta conferência teve como objetivo uma ampliação do conceito de inclusão e a sua forma de implantação na educação. Visando que, independente de deficiência ou não, todas as crianças em algum momento da sua aprendizagem têm necessidades educativas especiais. Logo, "as escolas terão de encontrar formas de educar com sucesso estas crianças, incluindo aquelas que apresentam incapacidades graves" (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura [Unesco], 1994, p. 06).
As escolas comuns passam a representar o meio mais eficaz para combater o preconceito e a discriminação. Sobre esta questão é oportuno lembrar que o problema educacional deixou de estar centrado na criança e passou a ser das escolas. Estas eram responsáveis pelo aumento do preconceito e da desigualdade acerca da diversidade. Logo, para que as necessidades educacionais especiais sejam atendidas, não são os alunos que têm que se adaptar à escola, mas sim ela que deve reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se a vários estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando oportunidades diferenciadas que busquem a igualdade (Mantoan, 2006; Unesco, 1994).
Por fim, tomando como referência o que foi discutido até o momento, defende-se que a inclusão escolar se fundamenta na concepção dos direitos humanos de que igualdade e diferença são indissociáveis, ou seja, reconhece as dificuldades do sistema de ensino e busca criar alternativas para superá-las. Além disso, deve-se considerar a capacidade de aprendizagem de cada estudante, respeitando a sua singularidade e, a partir disto, a possibilidade de oferecer diversos modos e instrumentos adaptativos (equidade) para contribuir com a superação de suas dificuldades, com vistas à busca da igualdade, à construção de novas identidades e de uma sociedade inclusiva (C.C Barros, 2009).
A GESTALTPEDAGOGIA COMO UM INSTRUMENTO POSSÍVEL PARA A INCLUSÃO ESCOLAR
A Gestaltpedagogia surge a partir da aplicação das teorias e práticas da Gestaltterapia, Psicologia da Gestalt e pedagogia nas salas de aula (Burow & Scherpp, 1985). Esta junção é possível devido a imagem positiva do ser humano, em que "a gestalt-terapia parte do princípio de que ele dispõe de todo o equipamento necessário para poder enfrentar a vida. Para tanto, só precisa se conscientizar de suas forças" (Burow & Scherpp, 1985, p.57). Esta linha de raciocínio nos faz pensar que, independentemente de apresentar alguma deficiência, o sujeito é capaz de se desenvolver e se conscientizar.
A aplicação da gestaltpedagogia na educação, segundo Lang e Pottmeir (2015), é formulada a partir das possibilidades e necessidades do indivíduo, e não apenas no ensino das matérias didáticas. O intuito é promover a integração da aprendizagem cognitiva e emocional de cada aluno, propiciando o crescimento, a tomada de consciência e, consequentemente, modificações no sujeito e em seu meio ambiente. Burow & Scherpp (1985) apresentam quatro objetivos amplos da Gestaltpedagogia que derivam dos conceitos e princípios da gestalt- terapia e da psicologia humanística. São eles: a autoconscientização e ampliação das próprias possibilidades dos modelos de comunicação e comportamento frente aos outros e às coisas; a concentração sobre o aqui-e-agora; o discernimento sobre o próprio funcionamento e as relações históricas e sociais dele nos contextos interpessoal e social; a ampliação das possibilidades de escolha do indivíduo em relação a si, aos outros e ao mundo; a criação de premissas a fim de racionalizar o discernimento da interdependência de funções e possibilitar a representação ativa de interesse. Com o uso da gestaltpedagogia é preciso pensar estes princípios com algumas pequenas distinções como: a percepção no aqui-e-agora, torna-se o aprender no aqui-e-agora; a concentração sobre o contato, torna-se o aprender na fronteira do contato, o arcar com responsabilidade, com decisão consciente, entre outros (Moreira et al., 2007). "A aprendizagem gera mudança porque reconfigura, reorganiza; e a mudança gera aprendizagem porque abre um novo ciclo de onde emergem figuras em busca de significado" (Dusi, Neves, & Antony, 2006, p.152).
Pensar no sujeito autista deve ser de forma singular e distinta, porque apesar de serem acometidos por uma mesma patologia, como descrito nos Manuais Psiquiátricos, não os tornam sujeitos iguais. Essa diferença está presente também na sua forma de lidar com o saber, ou seja, cada um terá seu próprio estilo de aprender e ao mesmo tempo de ensinar a respeito da sua forma de ver o mundo. Logo, há a necessidade de ter ambientes acolhedores e empáticos para atender as demandas dos autistas. Não se aplica somente a relação professor- aluno, mas a todos os protagonistas do contexto de ensino (porteiros, colegas, familiares, diretores, entre outros). (Sekkel, 2003).
Os autistas possuem necessidades educacionais especiais e é assegurado pela Lei 12.764 (2012) o acesso à educação. Neste cenário, as escolas também apresentam necessidades especiais por não saberem lidar com pessoas com TEA. A inserção destes sujeitos precisa, muitas vezes, de adaptações curriculares e de estratégias de manejo adequadas para que uma inclusão aconteça de forma satisfatória, e corroborem para o desenvolvimento e a qualidade de vida individual e familiar (Sekkel, 2003). Para a gestaltpedagogia (Burow & Scherpp, 1985), a educação não deveria ser padronizada, mas sim adotar estratégias de ensino criativo, ou seja, os professores e as instituições escolares não devem ficar presos a padrões, muito menos a currículos rígidos, pois, parafraseando Rogers (1974 citado por Burow & Scherpp, 1985), esses procedimentos destroem a motivação dos jovens.
O Ministério da Educação afirma, em seu documento subsidiário à política de inclusão (Paulon, Freitas, & Pinho, 2005, p. 08), que "uma política efetivamente inclusiva deve ocupar-se com a desinstitucionalização da exclusão, seja ela no espaço da escola ou em outras estruturas sociais". Esta desinstitucionalização é de suma importância para que as políticas inclusivas se tornem efetivas e duradouras, pois ela estará materializada nas relações estabelecidas na sociedade e não apenas em um espaço de socialização, as escolas (Mazzotta & D'ntino, 2011).
A educação, como observado anteriormente neste artigo, representa uma das principais condições para a constituição do homem como um ser humanizado e humanizador. Meira (2000 citado por Dusi et al., 2006), ressalta a importância de compreender o desempenho escolar como um processo que possibilita o encontro entre o sujeito e a educação, e não algo intrínseco ao sujeito ou resultado do processo educacional, apenas. Com isto, é cabível afirmar que a educação assume um papel importante na "construção da subjetividade humana e o papel da subjetividade na construção do processo educacional" (Meira, 2000 citado por Dusi et al., 2006, p.153).
Contudo, nem sempre o processo de inclusão acontece de forma assertiva. Apesar da difusão das políticas de inclusão, é muito comum ter crianças com necessidades educacionais especiais frequentando as escolas em tempos reduzidos, excluídas da dinâmica escolar (Galvão, 2014). Para a utilização das técnicas da gestaltpedagogia como método de aprendizagem, é necessário "o desenvolvimento pessoal do professor", ou seja, uma modificação do seu comportamento, "uma aceitação do aluno meramente em sua existência como ser humano em clima de confiança mútua, franqueza e autenticidade de comunicação na sala de aula" (Bönmann, 2001, p.53). A Gestaltpedagogia, por meio do alicerce implantado na Psicologia Humanista e Existencial, segundo V.E. Costa (2002, p. 14), remete-nos "à educação como um espaço onde os homens estão sendo-uns-com-os-outros, tecendo redes de relações nas quais confirmam e desenvolvem suas características especificamente humanas, como a capacidade de escolher, criar, avaliar, auto-realizar-se e de assumir suas atitudes EUTU e EU-ISSO" (Costa, 2002, p.14).
Mas, para que esta capacidade seja alcançada, é necessário que o seu ambiente permita esse desenvolvimento o que, no contexto escolar, estendemos para os demais profissionais da educação. Os familiares também podem ser vistos como possíveis obstáculos para que o processo de inclusão aconteça, a partir do momento em que a família não reconheça as potencialidades da criança autista. Além da importância da parceria que deve existir entre as escolas e a família, em prol do desenvolvimento do sujeito. Podemos dizer que os autistas, assim como os demais sujeitos, têm uma potencialidade natural para aprender. Como ratifica Bönmann (2001, p.57), "há uma tendência do homem em ser curioso e a auto atualização, ou seja, querer estudar. Há o desejo de crescer, de procurar descobrir ... A satisfação do caminhar compensa os sacrifícios do esforço e do sofrimento".
Conclui-se que as intervenções educacionais têm se mostrado fundamentais no tratamento do autismo (Aiello, 2002 citado por Gomes & Mendes, 2010). É notório a mudança da postura acomodativa, cercada de preconceitos e rotulações estigmatizadas, relacionadas a capacidade e/ou ao fracasso educacional, para uma “postura ativa-interventiva, que tem como intuito de promover, de forma presente e responsável, a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo” (Dusi et al., 2006, p.158).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A lei preconiza a universalização da educação para todos, garantindo o direito ao acesso, à permanência e ao sucesso dos alunos. Mas, mesmo com a grande discussão a respeito do tema, desde o século XX, houve pouco avanço em prol da diversidade escolar. A inclusão, na nossa sociedade, ainda é utilizada de forma mascarada. É garantida pelas instituições de ensino a abertura de vagas para pessoas com necessidades educacionais especiais, mas estas permanecem separadas da dinâmica escolar e pedagógica. A Educação Inclusiva, portanto, não deve ser confundida com uma abordagem tradicional e uniformizadora, mas sim uma estratégia voltada para à diversidade, respeitando as diferenças e as necessidades individuais, e só a partir desse reconhecimento é possível trabalhar em prol do desenvolvimento das potencialidades, sejam elas cognitivas, emocionais, médica e/ou psicológicas (Goes, 2012).
Colocando em xeque a necessidade de transformação dos contextos escolares, em ambientes que favoreçam o desenvolvimento das crianças, a socialização e o direto à cidadania, nos faz pensar sobre o que é incluir. Ao nosso ver, as leis deveriam girar em torno de uma educação não exclusivista, já que a definição de "inclusão" deixa claro que existem pessoas excluídas e que devem ser inseridas no contexto escolar. A escola deixa de ser vista como um instrumento normalizador da sociedade, que tem como função selecionar os mais aptos, permanecendo a dialética inclusão/exclusão (Paulon et al., 2005). O propósito não é esquecer que existem as diferenças; pelo contrário, é reconhecer que, independente de patologias ou diagnósticos, os sujeitos já são distintos uns dos outros.
Diferente da grande quantidade de literatura sobre a educação inclusiva e as conceituações e etiologias a respeito do autismo, foram encontrados poucos trabalhos sobre o assunto envolvendo especificamente alunos com autismo. Isso pode acontecer por diversos fatores. Dentre eles destaca-se: não haver um registro que comprove a entrada e permanência dos sujeitos autistas, pois estas estão enquadradas nas deficiências, podendo se observar na literatura especializada casos pontuais de um trabalho voltado para eles; apesar da grande disseminação de saberes a respeito do autismo, elas não são suficientes para a produção e embasamento de trabalhos voltados para este público (Gomes & Mendes, 2010).
Portanto, é preciso quebrar as barreiras do preconceito e voltar nossos olhares ao sujeito na íntegra. Só a partir dessa perspectiva que podemos favorecer o amadurecimento do outro. A gestaltpedagogia nos permite ter esse olhar, ter esse cuidado necessário, pois independente do tipo de ajustamento, essa pessoa é capaz de criar mecanismos criativos que possibilitam o desenvolvimento do ser. A gestaltpedagogia não veio para solucionar como mágica os problemas no ensino aprendizagem, mas propõe uma possibilidade de trabalhar de maneira satisfatória a inclusão dos sujeitos autistas no contexto escolar regular. Para que possamos alcançar esta inclusão de forma satisfatória, como vem sendo descrito nas leis brasileiras, é preciso uma conscientização de toda a sociedade, e não apenas a atribuição da responsabilidade à família ou ao professor (Bönmann, 2001; Moreira et al. 2007).
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Notas sobre os autores
Andréa Bentes Flores. Atriz, palhaça, diretora de teatro e terapeuta ocupacional na cidade de Belém, Pará. Professora da Escola de Teatro e Dança (ETDUFPA). Mestre em Artes pelo PPGArtes/ICA/UFPA. Doutoranda em Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGArtes/EBA/UFMG). E-mail: flores_terapeuta@yahoo.com.br.
Stéfane Machado Silva - estudante de Psicologia do 10º Semestre da Universidade Estadual de Feira de Santana, formação em Gestalt-terapia pela Comunidade Gestáltica da Bahia (CGTBa), em andamento. E-mail: machado.stefane@live.com.
Gilmara de Araújo Silva - Psicóloga pela Faculdade de Tecnologia e Ciências, Feira de Santana. Psicóloga no serviço de Saúde Mental no CAPS II e na Atenção Básica como psicóloga do NASF. Facilitadora em Danças Circulares pelo Instituto Viva a Dança. Formação em Gestalt-terapia pela Comunidade Gestáltica da Bahia (CGTBa), em andamento. E-mail: gilmara_arcanjo@hotmail.com.
Recebido: 21/04/2018
Aprovado: 04/07/2018
1 Há uma grande discussão a respeito do termo correto a se utilizar. Por muito tempo se extinguiu o uso do termo deficiente porque causava estigma dessa minoria. A partir disso, surgiram novos termos, tais como: pessoa portadora de necessidades especiais, pessoa portadora de deficiência, e a mais recente, pessoa com deficiência, como uma forma de destacar o sujeito antes da deficiência. Mas, Bampi, Guilhem e Alves (2010) trazem uma discussão a respeito da preferência de algumas pessoas no uso do termo deficiente, já que esta característica faz parte da sua construção de identidade e não apenas um apêndice.
2 O uso dos termos "pessoas autistas" e "sujeitos autistas" está atrelada à descrição feita na nota anterior. O autismo é visto como parte da construção de identidade do sujeito, tomando como referência o modelo social dos autores Bampi et al. (2010) que versa que a deficiência deve ser entendida como um conceito amplo e relacional.Ao longo deste ensaio utilizaremos a primeira pessoa do singular e do plural deixando clara a expressão subjetiva e performativa das autora2 Referimo-nos, aqui, a uma das histórias experimentadas em sala de ensaio, na qual Roberta Flores construiu uma narrativa acerca de sua relação com a avó. A história seguiu sendo contada pela atriz Sônia Alão, entremeada à sua própria experiência com a avó, no ato de Gratidão que foi encenado pelas casas.