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Revista de Psicologia da IMED

On-line version ISSN 2175-5027

Rev. Psicol. IMED vol.11 no.1 Passo Fundo Jan./June 2019

https://doi.org/10.18256/2175-5027.2019.v11i1.3011 

ARTIGO EMPÍRICO

 

Psicologia escolar em ONGs: estudo sobre o perfil de educadoras sociais

 

School psychology in NGOs: study on the Profile of Social Educators

 

Psicología escolar en ONGs: estudio sobre el perfil de los educadores sociales

 

 

Pollianna GalvãoI; Claisy Maria Marinho-AraujoII

IUniversidade Ceuma (UNICEUMA), São Luís, Maranhão, Brasil. E-mail: polliannagalvao@yahoo.com.br | ORCID: http://orcid.org/0000-0001-7579-8852
IIUniversidade de Brasília (UnB), Brasília, Brasil. E-mail: claisy@unb.br | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5411-8627

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As organizações não governamentais (ONGs) educacionais são consideradas espaços emergentes de atuação e pesquisa em Psicologia Escolar no Brasil. A profissão do educador social comparece nesse cenário ainda com um perfil pouco definido sobre educação voltada às camadas populares. Esta pesquisa investigou o perfil de 15 educadoras sociais, visando conhecer as possibilidades de mediação do psicólogo escolar para colaborar com o desenvolvimento de competências dessa profissão. A psicologia histórico-cultural e a abordagem por competências constituíram o fundamento teórico-metodológico central do estudo. De caráter qualitativo, o estudo foi desenvolvido em duas etapas: (1) mapeamento institucional, por meio de análise documental e observação das reuniões institucionais; e (2) memorial da trajetória escolar e profissional das educadoras. Os resultados revelaram que a instituição passava por mudanças nas diretrizes institucionais, demandando redefinição do perfil das educadoras. Contudo, as intervenções realizadas pelos gestores para a formação das competências esperadas não consideravam aspectos psicológicos relativos ao desenvolvimento adulto. As informações indicaram um contexto fértil à contribuição da Psicologia Escolar nas seguintes direções: concepções de desenvolvimento sobre a formação das classes populares; perfil profissional atrelado a uma função de educador como agente do desenvolvimento humano; e formação profissional com ênfase no desenvolvimento adulto.

Palavras-chave: psicologia escolar, organizações não governamentais, educador social


ABSTRACT

Educational non-governmental organizations (NGOs) are considered emerging spaces for acting and research in School Psychology in Brazil. The profession of social educator appears in this scenario still with a little defined profile on education directed to the popular layers. This research investigated the profile of 15 social educators, aiming to know the possibilities of mediating the school psychologist to collaborate with the development of skills of this profession. Historical-cultural psychology and the competence-based approach were the central theoretical-methodological basis of the study. Of qualitative character, the study was developed in two stages: (1) institutional mapping, through documentary analysis and observation of institutional meetings; and (2) a memorial of the educational and professional trajectory of the educators. The results revealed that the institution underwent changes in the institutional guidelines, demanding a redefinition of the educators' profile. However, the interventions made by managers for the expected skills training did not consider psychological aspects related to adult development. The information indicated a fertile context to the contribution of School Psychology in the following directions: conceptions of development about the formation of the popular classes; professional profile linked to an educator role as an agent of human development; and professional training with an emphasis on adult development.

Keywords: school psychology, non-governmental organizations, social educator


RESUMEN

Las organizaciones no gubernamentales (ONGs) educativas son consideradas espacios emergentes de actuación e investigación en Psicología Escolar en Brasil. La profesión del educador social comparte en ese escenario aún con un perfil poco definido sobre educación orientada a las capas populares. Esta investigación investigó el perfil de 15 educadoras sociales, buscando conocer las posibilidades de mediación del psicólogo escolar para colaborar con el desarrollo de competencias de esa profesión. La psicología histórico-cultural y el enfoque por competencias constituyeron el fundamento teórico-metodológico central del estudio. Cualitativa, el estudio se realizó en dos etapas: (1) mapeo institucional, a través de análisis y observación de las reuniones institucionales documento; y (2) memorial de la trayectoria escolar y profesional de las educadoras. Los resultados revelaron que la institución pasaba por cambios en las directrices institucionales, demandando redefinición del perfil de las educadoras. Sin embargo, las intervenciones realizadas por los gestores para la formación de las competencias esperadas no consideraban aspectos psicológicos relativos al desarrollo adulto. Las informaciones indicaron un contexto fértil a la contribución de la Psicología Escolar en las siguientes direcciones: concepciones de desarrollo sobre la formación de las clases populares; perfil profesional ligado a una función de educador como agente del desarrollo humano; y formación profesional con énfasis en el desarrollo adulto.

Palabras clave: psicología escolar, organizaciones no gubernamentales, educador social


 

 

Introdução

Tradicionalmente, o trabalho do psicólogo escolar se consolidou na escola da educação básica, contexto legítimo, fértil e privilegiado para a promoção do desenvolvimento e aprendizagem pela mediação do conhecimento (Galvão & Marinho-Araujo, 2017, 2018a, 2018b; Guzzo et al., 2010; Guzzo et al., 2018; Marinho-Araujo, 2014, 2016; Marinho-Araujo & Almeida, 2014; Mítjáns-Martínez, 2009). Atualmente, as práticas profissionais, de pesquisa e produção de conhecimento em Psicologia Escolar vêm se disseminando entre diversos espaços educativos pelos quais ações educacionais de distintas naturezas se comprometem com desenvolvimento humano a partir das propostas pedagógicas diferenciadas da escola, como as Organizações Não Governamentais (ONGs) (Galvão & Marinho-Araújo, 2017; 2018a, 2018b). Na medida em que a diversidade educacional é difundida e consolidada por meio de práticas pedagógicas alternativas, eleva-se a preocupação sobre o verdadeiro compromisso educacional com que essas instituições comparecem no cenário político, econômico e cultural brasileiro (Gohn, 2009, 2011, 2012, 2015, 2017; Dagnino, 2005, 2016).

As ONGs de educação não formal, oriundas do terceiro setor, vêm ganhando atenção da Psicologia Escolar e Educacional por serem lócus de desenvolvimento de projetos sociais educativos que objetivam a inclusão de comunidades desprivilegiadas socioeconomicamente no que concerne a seus direitos educacionais básicos. Como afirmam Galvão e Marinho-Araujo (2017), as ONGs educativas no Brasil advêm de uma longa, complexa e contraditória trajetória de ampliação da democracia brasileira, tendo surgido inicialmente na década de1960 vinculadas aos movimentos sociais na intenção de se discutir políticas setoriais que pudessem levar benefícios sociais às camadas populares. A atuação dessas instituições possuía característica militante e reivindicatória, especialmente em frentes sociais que buscavam influenciar a gestão de políticas sociais importantes, como saúde e educação (Dagnino, 2005, 2016; Gohn, 2009, 2017; Haddad, 2012).

Ao longo da sua história, as ONGs vêm inaugurando contextos educativos não formais com qualidades específicas quanto aos propósitos e às ações pedagógicas, distinguindo-se do contexto da escola formal, mas adotando formas semelhantes de acompanhamento pedagógico com vistas à formação dos educandos (Galvão & Marinho-Araujo, 2018a). O surgimento desse novo terreno educativo trouxe a profissionalização daqueles que se envolvem em programas e projetos sociais direcionados para as camadas mais populares: os educadores sociais (Caro & Guzzo, 2004; Galvão & Marinho-Araujo, 2017, 2018a, 2018b, Pereira, 2016; Pessoa, 2014).

A profissionalização do educador social é uma discussão recente no cenário brasileiro, o que provoca uma preocupação em relação à formação dos educadores sociais envolvidos em programas e projetos sociais de educação não formal. Embora se reconheça historicamente a figura do educador social, até mesmo o seu registro junto ao Ministério do Trabalho do Governo Federal no Brasil, ainda não há uma formação sistematizada por uma política pública para sua profissionalização (Pereira, 2016). O que tem se observado, nos últimos anos, é que os estudos voltados para a formação e atuação do educador social tem aumentado de maneira considerável, sobretudo após o Projeto de Lei Federal N.º 5.346-B, de 2009, aprovado em 2017, que regulamenta a profissão do educador social no país. Logo em seu Art. 2º, estabelecem-se campos de atuação dos educadores sociais como contextos educativos situados fora do espaço escolar. A falta de clareza sobre o perfil profissional do educador social no Brasil e as competências necessárias para lidar com os complexos problemas sociais relacionados às atividades de seu trabalho convida a atuação da Psicologia Escolar para colaborar na sua formação, no que compete à especificidade do conhecimento psicológico (Caro & Guzzo, 2004; Galvão & Marinho-Araujo, 2017, 2018b; Pessoa, 2014).

O perfil do educador social ainda está pouco definido, principalmente em virtude da falta de formação adequada, tanto inicial como continuada, para o exercício mais específico para uma atuação em favorecimento de uma cultura política (Gohn, 2017; Pereira, 2016). Ainda hoje, são lacunares os estudos acadêmicos voltados à formação do educador social diante da sua significativa responsabilidade política, social e educativa e, paralelamente, ante às diversas demandas e potencialidades acerca dos espaços de educação não formal (Galvão & Marinho-Araujo, 2018b).

Entende-se que a área da Psicologia Escolar pode trazer contribuições às ONGs educativas e, entre as suas possibilidades de atuação, destaca-se a relevância em se promover ações que auxiliem o educador social em sua atividade de trabalho em favorecimento da ampliação de uma cultura cívica politizada. O panorama social de instituições educativas com potenciais de desenvolvimento humano, como as ONGs, convida a Psicologia Escolar a investir em propostas de formação junto ao educador social que visem o desenvolvimento das competências em favorecimento de uma atuação crítica, militante, ética e politicamente comprometida com a formação crítica dos educandos (Galvão, 2014; Galvão & Marinho-Araujo, 2018a, 2018b, Pessoa, 2014).

Ao considerar as instituições educativas não formais de terceiro setor sob um panorama crítico-filosófico da organização social dos homens, e o educador social como uma profissão em desenvolvimento em seu contexto sociocultural, a pesquisa se subsidiou emuma visão dialética sobre o homem, sua subjetividade, seus processos de aprendizagem e comunicação. Nessa direção, o estudo fundamentou-se na perspectiva histórico-cultural da psicologia do desenvolvimento (Leontiev, 2001; Luria, 1990; Vygotsky, 2000, 2004) em articulação com a abordagem por competência (Araujo, 2003; Le Boterf, 2003; Marinho-Araujo & Almeida, 2016; Marinho-Araujo & Rabelo, 2015; Witorski, 1998; Zarifian, 2003, 2012) para a compreensão do objeto investigado que é o perfil de 15 educadoras sociais de uma ONG, visando conhecer as possibilidades de mediação do psicólogo escolar para colaborar com o desenvolvimento de competências dessa profissão.

 

Psicologia Histórico-Cultural e Abordagem por Competência: Articulações para a Compreensão do Desenvolvimento Adulto

A teoria histórico-cultural da Psicologia concebe a noção de trabalho como a pedra angular para o desenvolvimento das características psicológicas tipicamente humanas (Vygostsky, 2000; Leontiev, 2004). Os processos de mediação simbólica, ocorridos por meio do trabalho social, estão diretamente relacionados ao uso dos signos e, conforme Vygotsky (2000), ocorrem pela internalização dos aspectos externos ao sujeito, possibilitando, assim, o desenvolvimento das funções psicológicas humanas.

Partindo dessa abordagem, Araujo (2003) destaca o conceito de mediação de Vygotsky como fator precípuo ao desenvolvimento profissional do sujeito adulto, concebendo a noção de competência "como recurso e ferramenta que habilita o sujeito a dominar, com intencionalidade e segurança, contextos técnicos e complexos, diante dos quais ele pode fazer opções éticas e transformadoras" (p. 299). Nesse sentido, considera-se que a mediação, para a formação das competências profissionais, promove o avanço qualitativo no funcionamento psíquico de sujeitos.

De acordo com a autora, o conceito de mediação, proposto por Vygotsky (2000), confere ao outro mais experiente em contextos de trabalho um papel formador das competências profissionais. Nessa direção, ressalta-se a relevância do psicólogo escolar na mediação de profissionais nos contextos institucionais em prol do desenvolvimento de competências a partir de atuações que priorizem promover maior clareza e lucidez acerca da especificidade do trabalho e da natureza das atividades desenvolvidas por meio, por exemplo, de um processo de formação continuada e assistida em serviço.

Com base nos pressupostos da psicologia histórico-cultural, entende-se que o desenvolvimento das competências profissionais, necessárias à consolidação de uma identidade profissional, é o próprio desenvolvimento das funções psíquicas superiores e que ocorre pela ação dialética na qual o homem, intencionalmente, transforma a natureza (Araujo, 2003; Marinho-Araujo & Almeida, 2016; Marinho-Araujo & Rabelo, 2015). Conforme ressaltam alguns autores, como Le Boterf (2003) e Zarifian (2003, 2012), a noção de competência é uma construção conceitual que permeia as discussões em diversas áreas das ciências sociais e humanas e acompanha o ideário vigente de homem e sociedade. Considerando seu valor heurístico, Deluiz (2001) aborda distintos modelos epistemológicos que vêm subsidiando historicamente a noção de competência como um construto social de significados variados e orientando o planejamento e organização curricular dos contextos de formação profissional.

A autora apresenta quatro matrizes teóricas que sustentam diferentes conceituações sobre competência: a matriz condutivista ou behaviorista; a funcionalista; a construtivista; e, por fim, a crítico-emancipatória. Cada modelo epistemológico de análise do trabalho se constituiu, no campo das competências, como perspectiva teórico-conceitual em conformidade com a contextualização histórica e social que fundamentam as condições de trabalho. Deluiz (2001) ressalta a emergência mais recente da matriz crítico-emancipatória, trazendo outros olhares para a compreensão de competência e redefinindo as proposições teórico-metodológicas dos processos de investigação de trabalho e formação profissional. Por ainda se configurar uma perspectiva em construção, o modelo encontra-se em um momento propício de abertura a novas contribuições teóricas e metodológicas de diversas áreas de conhecimento, como a Psicologia Escolar (Araujo, 2003; Marinho-Araujo & Rabelo, 2015).

A concepção de competência que vem se adotando na contemporaneidade vai ao encontro dos fundamentos teóricos do pensamento crítico-dialético, considerando os fatores individuais, históricos, sociais e econômicos que balizam as formas de organização na sociedade para o desenvolvimento de sujeitos adultos no mundo do trabalho. Nessa direção, esta pesquisa assumiu uma concepção de trabalhador com ênfase na integralização do seu desenvolvimento como sujeito de sua história nos contextos de atuação profissional, considerando esses espaços institucionalizados como lócus privilegiado para a construção de competências.

 

Método

As estratégias metodológicas adotadas nesta pesquisa estão ancoradas em uma concepção de ciência psicológica que vai ao encontro das zonas de significado e sentido, conforme proposição de metodologia proposta por Vygotsky (2000, 2004). A ênfase qualitativa, tal como defendida pelo autor, refere-se a uma definição epistemológica que norteia caminhos para a produção do conhecimento. Com isso, considera-se que a pesquisa em Psicologia deve agrupar um conjunto de ações investigativas envolvendo uma clara interação entre o método, o arcabouço teórico-conceitual, a visão de mundo e do fenômeno de análise (Vygotsky, 2000, 2004).

Objetivos Geral e Específicos

Esta pesquisa investigou o perfil de 15 educadoras sociais de uma ONG, visando conhecer as possibilidades de mediação do psicólogo escolar para colaborar com o desenvolvimento de competências dessa profissão. Para isso, buscou-se, especificamente, (a) conhecer as características educativas da instituição educativa; (b) compreender a atuação das educadoras sociais; e (c) analisar as potencialidades de mediação em Psicologia Escolar para o desenvolvimento do perfil profissional das educadoras.

Contexto e Participantes da Pesquisa

O campo de pesquisa trata-se de uma ONG situada em São Luís/MA, composta por cinco unidades localizadas em áreas populares da cidade e atende a cerca de 300 crianças e adolescentes ao total com faixa etária entre 03 a 12 anos de idade. Cada unidade possui de uma a seis educadoras, dependendo do número de alunos, cujo desenvolvimento das ações pedagógicas ocorrem por meio de classes multisseriadas. As crianças atendidas são agrupadas por faixa etária e nível escolar (da educação infantil ao Ensino Fundamental, anos iniciais e finais), tendo como atividade principal o acompanhamento das tarefas da escola. A ONG ainda conta com a colaboração das mães das crianças e adolescentes na função de cozinheiras da escola, além de profissionais voluntários, como educadores físicos, pediatras, dentistas, psicólogos e nutricionistas. Não há vinculação com projetos e/ou parcerias com órgãos públicos da região.

A instituição é uma associação filantrópica que foi fundada há cerca de 22 anos pela liderança de religiosos de uma Igreja da região, por incentivo das famílias da comunidade local. Desde então, suas atividades são mantidas através de doações internacionais arrecadadas por um projeto denominado "Adoção à Distância", que incitam a colaboração de famílias estrangeiras no fomento de atividades socioeducativas realizadas pela ONG. No início do projeto, todas as educadoras sociais eram as mães advindas da comunidade local, sendo que a sua vinculação institucional era de caráter voluntário e com atividades predominantemente voltadas para a catequese e de reforço escolar, não sendo necessária a formação em nível superior ou de magistério. Desde os anos 2000 até a atualidade, as educadoras sociais participantes da pesquisa têm vínculo formalizado em regime celetista e possuem o cargo de coordenadoras de ensino, com carga horária de 40 horas semanais e remuneração de um salário mínimo. Das 15 participantes, oito delas possuem ensino médio completo, quatro com curso superior incompleto, duas com curso superior completo e uma com pós-graduação lato sensu incompleta. Sobre o tempo de atuação das educadoras na ONG, quatro delas atuam há mais de 15 anos (destas, por sua vez, três são as mães pioneiras desde a fundação da associação); nove delas atuam entre 11 e 15 anos e; duas educadoras, entre 5 e 10 anos. Todas as educadoras residem no bairro onde se situa a unidade na qual desenvolvem as suas atividades.

Dois gestores da ONG, um diretor geral e um assessor em Psicologia, também participaram do estudo. Eles eram profissionais recentemente vinculados a esse espaço no momento da transição administrativa institucional por meio de decisão em Assembleia entre os líderes religiosos. O diretor geral da instituição era um líder religioso e realizava graduação em Psicologia; já o segundo gestor, que cumpria a função de assessoria administrativa e na área da Psicologia, tinha formação inicial e mestrado. A função principal dos gestores, além das atividades de natureza administrativo-financeiras, era de reconstruir a política educacional da ONG e implementar as novas proposições pedagógicas junto às educadoras.

Procedimentos e Instrumentos.

Esta pesquisa teve seu projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Número do Parecer do CEP 1.516.261), seguindo todos os requisitos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2012). Os primeiros contatos com a instituição ocorreram logo em seguida para a apresentação da pesquisa aos gestores institucionais e educadoras sociais, momentos de coleta de assinaturas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A abertura favorável ao campo de pesquisa também se deu pelo fato de a primeira autora ter pertencido ao quadro funcional da instituição na função de psicóloga escolar anos antes da realização desse estudo.

A primeira etapa configurou-se pelo Mapeamento Institucional (MI), que foi constituído por dois procedimentos. Primeiramente, realizou-se análise documental de fontes bibliográficas da instituição, o Projeto Pedagógico da ONG e o Relatório Anual de Atividades da ONG, por meio do instrumento de roteiro para análise que visava conhecer as características históricas, filosóficas e educativas do contexto, bem como as atividades educativas previstas para a atuação das educadoras sociais. Ambas as fontes, alvo da análise documental, tratam das atividades pedagógicas recentemente implementadas pela nova gestão. Foram realizadas, ainda, observação de reuniões institucionais, as quais ocorriam com a participação dos gestores da instituição e as educadoras para a discussão das novas diretrizes pedagógicas e administrativas. Para a sistematização das informações, foram construídos registros da observação participante a partir de um Protocolo de Observação que levantava dois tipos de informação: a descrição detalhada do encontro e as impressões da pesquisadora possibilitadas pelos momentos de interação da com os participantes antes, durante e após os encontros, a partir de roteiros instrumentais de Marinho-Araujo e Almeida (2014).

Na segunda etapa, realizou-se o procedimento de memorial da trajetória escolar e profissional, com vistas a conhecer indicadores que compunham o perfil das educadoras sociais para sua atuação a partir da narrativa autobiográfica (Passegi, 2007). A análise das informações se constituiu por meio de registro de resposta escrita das educadoras a uma consigna que instigava, por meio de perguntas disparadoras, a sua percepção sobre a trajetória de escolarização pessoal e o percurso de seu envolvimento como profissional da educação de uma ONG educativa voltada às camadas populares.

Análise das Informações

O estudo orientou-se pela construção de zonas de significados e sentidos por considerar que os processos de significação são singulares e legítimos à produção de conhecimento, sendo um princípio relevante e que caracteriza, de forma especial, a epistemologia de Vygotsky (2000, 2004). Os conceitos de significado e sentido trazidos pelo autor são categorias de análise centrais que subsidiam o processo de construção de conhecimento em Psicologia. O significado culturalmente compartilhado toma um sentido particularizado à subjetivação humana que, por sua vez, provoca ressignificação dos elementos que compõem o significado na realidade cultural (Vygotsky, 2000, 2004).

 

Resultados

Os resultados advindos da análise documental possibilitaram a formação de seis categorias temáticas. Em consonância aos objetivos deste procedimento, as três primeiras categorias referem-se a informações sobre as características da instituição; já as três demais categorias relacionam-se às atividades educacionais que definem o perfil das educadoras. Para fins de ilustração, serão destacados alguns trechos documentais que refletem cada categoria temática, conforme Tabela 1.

A realização dos procedimentos de observação de reuniões institucionais e o memorial das trajetórias escolar e profissional das educadoras sociais possibilitaram a formação de seis zonas de sentido: duas pela análise das reuniões e quatro pelos memoriais. A seguir, na Tabela 2, será apresentado cada zona de sentido proveniente dos procedimentos das Reuniões Institucionais e dos Memoriais, com alguns exemplos que refletem cada uma.

 

Discussão

Os resultados obtidos pela análise documental refletem as concepções de desenvolvimento a partir da formação das classes populares e incitam ao psicólogo escolar a provocar maior clareza e lucidez dos papéis desenvolvidos pelos educadores sociais para maior intencionalidade em suas ações educacionais na direção da formação crítico-emancipatória dos sujeitos atendidos pelas ONGs (Galvão & Marinho-Araujo, 2017, 2018a). As informações desta etapa indicam uma origem histórica da instituição que está vinculada ao movimento eclesial em meados da década de 80, cujos temas da época voltavam-se para os problemas sociais relacionados à garantia dos direitos da criança e do adolescente oriundas de uma população desfavorecida socioeconomicamente. As ações pastorais vêm se destacando, desde a década de 70, pelo desenvolvimento de atividades de cunho assistencialista, onde os catequistas exerciam atividades pedagógicas em caráter evangelizador, coadunado a um valor missionário da função educacional. As zonas de sentido 1.A e 2.A conferem valor religioso aos movimentos sociais que surgiam naquele período em clima de ampliação da democratização e a participação da sociedade civil pelas camadas populares, conforme reiteram Gohn (2012), Haddad (2012) e Galvão & Marinho-Araujo (2017, 2018a).

Observou-se, ainda, que as características religiosas que direcionaram o funcionamento da ONG ao longo de 22 anos passaram por significativas mudanças na sua cultura institucional. A crescente discussão no âmbito do terceiro setor sobre a missão social das organizações de iniciativa civil incitou uma reflexão por parte dos gestores de ONGs ssobre os aspectos ideológicos, filosóficos e políticos que sustentaram e orientaram as suas práticas educacionais (Dagnino, 2005). Muito embora não se perceba um pretenso teor domesticador, nem no histórico nem nas diretrizes atuais da instituição pesquisada, há de se ter cuidado aos aspectos ideológicos e reprodutivistas comuns nessas instituições (Galvão & Marinho-Araujo, 2017, 2018a). A esse respeito, concorda-se com Marinho-Araujo e Almeida (2014) quando defendem que a Psicologia Escolar, em uma perspectiva de atuação crítica e preventiva, deve evidenciar as contradições entre as práticas educacionais e as efetivas demandas dos sujeitos envolvidos nesses espaços, a fim de provocar reformulações institucionais que levem a um redirecionamento dos educadores sociais como agentes de uma educação para a mediação de um perfil político e cívico dos estudantes camadas populares, sobretudo a partir das dimensões éticas da cidadania (Gonh, 2011, 2015). Nessa direção, o processo de conscientização junto aos educadores sociais figura uma proposta preventiva e institucional da Psicologia Escolar, especialmente por objetivar o desenvolvimento de uma visão crítica, emancipatória e transformadora nos sujeitos envolvidos nos contextos educacionais.

Os resultados obtidos por meio das observações das reuniões institucionais permitiram conhecer, de forma mais específica, o perfil das educadoras esperado pela nova gestão para um novo perfil de educador social, sobretudo atrelado a uma função de educador como agente do desenvolvimento humano, como indica a zona de sentido 1.B. Percebeu-se que, ao longo de 22 anos, essas profissionais desempenhavam uma atuação assistencialista e cuidadora, sustentada pelas suas funções de catequistas, em uma atividade que se caracterizava apenas pelo reforço escolar, sem um rigor no planejamento didático pedagógico. Na ocasião da pesquisa, esperava-se um perfil mais técnico e metodológico relacionado à área da educação não formal (Gohn, 2009, 2011, 2015).

A exigência da elaboração do "Plano de Ação" de cada unidade da ONG (zona de sentido 2.B), por exemplo, é um dos ensejos formais da requisição de um novo perfil de educador social. O planejamento e sistematização das ações educativas provocam maior reflexão sobre a ação de educar e, consequentemente, mais lucidez sobre a sua intenção na mediação (Marinho-Araujo & Almeida, 2014). A educação social deve potencializar as suas especificidades para o desenvolvimento de ações educativas baseadas por profissionais competentes capazes de mobilizar afetos, saberes e práticas de forma a contribuir para importantes transformações dos sujeitos (Leboterf, 2003; Zarifian, 2012, Wittorski, 1998).

Outro aspecto observado foi a expectativa dos gestores para que as educadoras desenvolvessem ações de planejamento e execução de atividades, tanto administrativas como pedagógicas; contudo, a formação executada de capacitação não se subsidiava no desenvolvimento adulto, o que seria alvo da intervenção em Psicologia Escolar (Marinho-Araujo, 2014). A atuação das educadoras passou a ser orientada para uma elaboração mais sistematizada de intervenção junto à comunidade e família, e não mais voltada para atividades específicas de reforço escolar ao aluno, requerendo o desenvolvimento de competências individuais e coletivas em situações de trabalho. Wittorski (1998) e Le Boterf (2003) consideram que as competências individuais são constituídas e mobilizadas em interação com as características físicas do ambiente; já as competências coletivas são formadas na dinamicidade do trabalho grupal, configurando-se como uma produção singular e inédita que não existia anteriormente. Ambas mantêm uma relação de interdependência, visto que a sua constituição se estabelece por meio das interações sociais (Le Boterf, 2003).

A segunda etapa do estudo, memorial da trajetória pessoal e profissional, possibilitou aprofundar informações sobre o perfil profissional vivenciado pelas educadoras sociais, e que podem ser alvo da intervenção em Psicologia Escolar para maior lucidez sobre a função do educador social (Marinho-Araujo, 2016). O núcleo de significação 1.C, por exemplo, evidenciou fatores de adversidade e/ou favorecimento à inserção e permanência das educadoras em seu percurso da escolarização básica, no que tange às características socioeconômicas, familiares, pedagógicas e públicas de ensino. A história de vida das educadoras, em sua maioria, retratou trajetórias de sofrimento acendidas pela desigualdade de condições e oportunidades típicas de uma sociedade classicista e meritocrática, gerando um panorama do sistema educacional excludente e elitista, afastando crianças e jovens de classes populares de uma trajetória escolar com dignidade (Guzzo et al., 2018).

Os fatores afetivos advindos da esfera familiar e escolar comparecem no discurso das educadoras associados positivamente às suas histórias de superação, especialmente quando destacam o sentimento de maternagem que vivenciaram junto a suas professoras. A caracterização materna da atuação docente, zona de sentido 2.C, foi evidenciada por falas que demonstram uma concepção de trabalho educativo não formal em caráter multifacetado, voluntário e sempre associado a características de cuidador. As educadoras relacionaram suas trajetórias profissionais, ainda, como uma profecia divina, associada a uma missão pessoal de caráter religioso, conforme indica do núcleo de significação 3.C. O aspecto missionário da profissão apresenta-se como uma zona de sentido bastante peculiar às ações sociais filiadas a instituições religiosas beneficentes (Caro & Guzzo, 2004; Gohn, 2009). Contudo, o trabalho, tomado como desígnio divino de seus destinos, relaciona suas práticas predominantemente mais a uma incumbência religiosa do que ao papel transformador que sua função educativa pode exercer nesses contextos. Uma caracterização mais teórica, técnica, metodológica própria da sua área não foi evidenciada como aspecto pertinente entre o início de sua atuação no contexto de trabalho e suas trajetórias profissionais. Em uma sociedade onde a profissão de educador social é vista, por sua especificidade, com potencial transformador da realidade (Caro & Guzzo, 2004; Galvão & Marinho-Araujo, 2017, 2018a), torna-se imprescindível promover competências profissionais que assegurem formação humana crítica sobre sua realidade (Zarifian, 2003; Wittoski, 2001). Por outro lado, a necessidade de formação profissional surge como contraponto à constatação de um perfil caracterizado predominantemente como missionário e maternal.

É importante frisar, ainda, que o conhecimento psicológico se torna importante à formação do educador, visto que oportuniza pensar sobre os fenômenos relativos ao ser humano em desenvolvimento pela mediação do outro (Marinho-Araujo, 2016). Contudo, torna-se pouco útil se não mobilizado com a sua prática de forma lúcida e intencional. Por entender que a ONG é um espaço educativo e que, como instituição social, responsável pela formação do psiquismo, as teorias psicológicas do desenvolvimento humano não deterministas devem ser fundamentos da prática docente. Como especificidade do saber psicológico, vê-se que a formação do educador para a compreensão da relação entre desenvolvimento e aprendizagem é um forte indicador para atuação do psicólogo escolar na conscientização do papel do educador como mediador na constituição das funções psicológicas mais complexas dos educandos. Mais especificamente na ONG, por meio da qual as atividades educativas são ampliadas e diversificadas ao que é ensinado na escola, percebe-se que o saber psicológico pode contribuir na orientação de práticas educativas criativas e inovadoras que possam ampliar o desenvolvimento dos educandos pelas múltiplas linguagens no processo de ensino e apropriação do conhecimento (Galvão & Marinho-Araujo, 2017, 2018a, 2018b).

Percebe-se, na abordagem por competência (Le Boterf, 2003; Zarifian, 2003, 2012; Wittorski, 1998) em articulação com a perspectiva histórico-cultural, um relevante aporte metodológico para a atuação da psicologia escolar na proposição de um processo formativo permanente e assistido, que privilegie o desenvolvimento de competências necessárias à atuação socioeducativa (Marinho-Araujo & Almeida, 2015). A mediação no processo de desenvolvimento humano adulto deve intencionar a formação de novos conhecimentos em consideração ao saber prático constituído ao longo da história de vida e da experiência cotidiana em situações de trabalho, transformando-os em articulação aos conhecimentos teórico-conceituais formais e em constante reflexão da prática profissional (Araujo, 2003).

Nessa perspectiva de atuação, a Psicologia Escolar atribui grande relevância à formação, mutuamente constituinte, entre os aspectos subjetivos e socioculturais dos processos psicológicos superiores (Vygotsky, 2000) por ressaltar o caráter dialético na relação entre o homem e seu contexto, cujo desenvolvimento ocorre por meio da práxis entre a capacidade reflexiva humana e sua ação intencionalmente direcionada à atividade (Leontiev, 2004; Vygotsky, 2004). Assim, a redefinição do perfil profissional leva a um processo de ressignificação da práxis, aqui entendida, de acordo com Deluiz (2001), como a relação indissociável entre a prática, atividade humana guiada pela teoria, e a teoria, que evidencia a ação no nível consciente.

Considera-se que a mediação do psicólogo escolar pode contribuir com o desenvolvimento profissional do educador social na direção da consolidação de um perfil de trabalhador crítico que se espera no contexto das ONGs. Compreende-se que a formação desses profissionais deve estar direcionada ao desenvolvimento de um perfil ético e político, fortalecendo o potencial transformador da realidade social. Para isso, torna-se imprescindível a conscientização e clareza do seu papel e responsabilidade como agente do desenvolvimento e emancipação social dos sujeitos.

 

Considerações Finais

Os resultados da pesquisa sinalizaram para a distância entre o perfil esperado pela instituição e o perfil apresentado pelas educadoras e responderam ao objetivo dessa pesquisa de analisar as possíveis colaborações do psicólogo escolar junto ao educador social em três direções: concepções de desenvolvimento sobre a formação das classes populares; perfil profissional atrelado a uma função de educador como agente do desenvolvimento humano; e formação profissional com ênfase no desenvolvimento adulto. O desafio dos processos formativos do educador social está em construir um perfil profissional capaz de atuar em espaços alternativos de educação que se contraponham à reprodução de processos adaptativos e domesticadores, visando um desenvolvimento crítico e emancipatório dos seus estudantes que, pela natureza institucional desses contextos, estão à margem da garantia constitucional dos direitos básicos da vida (Gohn, 2017).

O psicólogo escolar, comprometido com o contexto das ONGs educativas, pode ser um dos profissionais que colaboram com a formação de recursos teóricos, metodológicos, éticos, estéticos, pessoais e interpessoais esperados da atuação das educadoras sociais, com base na concepção de desenvolvimento adulto. Ressalta-se a importância da atuação em Psicologia Escolar em propiciar processos de conscientização nos sujeitos para potencializar a capacidade reflexiva de modo a transformar os saberes construídos na história de vida dos educadores sociais em maneiras seguras e eficazes de atuação e escolhas nos contextos sociais e profissionais (Araujo, 2003; Marinho-Araujo, 2014, 2016). Para isso, deve-se ter clareza sobre os aspectos que compõem o perfil profissional dos atores educativos, em quaisquer contextos, para que os processos de mediação possam ser planejados e desenvolvidos intencionalmente para a construção das competências esperadas no desenvolvimento adulto (Araujo, 2003; Marinho-Araujo & Almeida, 2014). Para se formar educadores conscientes de seu papel e responsabilidade como mobilizadores do desenvolvimento de cidadãos críticos e emancipados, enfatiza-se a importância dos aspectos políticos e éticos como recursos componentes do seu perfil (Caro & Guzzo, 2004; Galvão & Marinho-Araujo, 2017, 2018).

No percurso dessa pesquisa, observaram-se algumas limitações e outras questões foram se delineando a partir do desvelamento do objeto de estudo eleito. Entendendo que os propósitos pretendidos pelas pesquisas em Psicologia são intrinsecamente limitados pela natureza complexa e multifacetada dos fenômenos, e diante dos tempos e espaços estabelecidos para a conclusão dessa investigação, sugere-se o desenvolvimento de estudos direcionados a (a) participação da psicologia escolar no assessoramento aos processos de gestão em contextos educativos diversificados; (b) assessoria da psicologia escolar na elaboração e implantação de projetos político-pedagógicos de ONGs; (c) assessoria a implementação de políticas públicas para a formação profissional para educadores sociais, fundamentada pela abordagem de competências; (d) avaliação educacional sobre os possíveis avanços nas práticas de educação não formal e (e) formação e atuação do psicólogo escolar para os campos educacionais diferenciados.

Por fim, é importante destacar a relevância da atuação em psicologia escolar nos mais diversos contextos educacionais de combate à exclusão social, cuja prática profissional privilegie estratégias de mediação das subjetividades, individual e social, em espaços institucionalizados, com base em uma visão crítica e mobilizadora de ações politicamente voltadas à transformação da realidade.

 

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Endereço para correspondência:
Pollianna Galvão
Rua Josué Montello, nº 1, Renascença II
São Luís-MA. CEP: 65075-120

Recebido: Outubro 15, 2018
Aceito: Março 19, 2019

 

 

Editora: Naiana Dapieve Patias

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