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Revista Psicologia e Saúde
On-line version ISSN 2177-093X
Rev. Psicol. Saúde vol.5 no.1 Campo Grande June 2013
ARTIGO
O cuidador merece cuidado: estudo sobre qualidade de vida em profissionais de saúde mental
The caregiver deserves care: study about quality of life in mental health professionals
El cuidador necesita atención: estudio sobre la calidad de vida en profesionales de la salud mental
Maria Mércia dos Santos Barros; Marley Rosana Melo Araújo; Rejane Lucia Veiga Oliveira Johann
Universidade Federal de Sergipe
RESUMO
Este estudo foi realizado a fim de investigar a qualidade de vida no trabalho de profissionais da Saúde Mental. Para tal, utilizou-se o instrumento QVP-35 e um questionário sóciodemográfico e de características laborais. A amostra foi composta por 72 profissionais de duas instituições psiquiátricas da cidade de Aracaju/SE. Os participantes relataram uma jornada de até 90 horas por semana e o tempo de profissão variou entre 1 e 38 anos. No que se refere à qualidade de vida profissional, os profissionais afirmaram ter bastante Apoio Social, Recursos Relacionados ao Trabalho, Capacitação para o Trabalho, Motivação Intrínseca, Carga de Trabalho e Desconforto Relacionado ao Trabalho. Além disso, afirmaram ter pouco Apoio Organizacional e Qualidade de Vida no Trabalho. Conclui-se que há uma tendência ao adoecimento, indicando a necessidade de ações preventivas e interventivas que possibilitem melhoria da qualidade de vida profissional.
Palavras-chaves: Qualidade de vida no trabalho; Profissionais da saúde mental.
ABSTRACT
This study was conducted to investigate the Quality of the Working Life in Mental Health Professionals. To do that we used the QVP-35 and a social-demographic questionnaire. The sample was composed by 72 professionals from two psychiatric institutions in the city of Aracaju/Brazil. The participants reported a journey of up to 90 hours per week and time of employment ranged from 1 to 38 years. Regarding the Quality of the Working Life, the practitioners said they have enough Social Support, Work Related Resources, Training for Work, Intrinsic Motivation, Workload and discomfort related to work. In addition, some of them said do not have enough Organizational Support and Quality of Working Life. As a consequence, we concluded that there is a tendency to diseasing in their work, indicating they need preventive actions in order to improve the quality of their working life.
Key-words: Quality of the working life; Mental health professionals.
RESUMEN
Este estudio se realizó para investigar la calidad de vida laboral en profesionales de la salud mental. Con este fin, se utilizó el instrumento QVP-35 y un cuestionario sociodemográfico. La muestra estuvo constituida por 72 profesionales de dos instituciones psiquiátricas de la ciudad de Aracaju /SE. Los participantes informaron de una jornada laboral de hasta 90 horas por semana y el tiempo de profesión osciló entre 1 y 38 años. En lo que respeta a la calidad de la vida laboral, los profesionales tienen el suficiente apoyo social, los recursos relacionados con el trabajo, formación para el trabajo, la motivación intrínseca, la carga de trabajo y sus trastornos relacionados con el trabajo. Además, tienen muy poco apoyo organizacional y calidad de vida en el trabajo. Se ha llegado a la conclusión de que hay una tendencia a la enfermedad, lo que indica la necesidad acciones preventivas e de intervención que mejore la calidad de vida profesional.
Palabras-clave: Calidad de vida laboral; Profesionales de la salud mental.
Introdução
A origem dos estudos de qualidade de vida no trabalho (QVT) é atribuída a Eric Trist e colaboradores em 1950, os quais relacionaram o indivíduo, o trabalho e a organização, objetivando tornar a vida do trabalhador menos tensa. Na década de 60 houve uma maior preocupação com a qualidade de vida no trabalho, com pesquisas focando a saúde e o bem-estar do trabalhador (Antloga, 2009). Foi ainda nesta década que foi criada a "National Comission Produtivity", que avaliava a causa da baixa produtividade nas indústrias americanas, e o "National Center for Produtivity and Quality of Working Life", que além de ser um laboratório, realizava estudos sobre a qualidade de vida no trabalho (Fernandes 1996, in Lima, 2008).
A QVT ganha maior destaque na década de 1970, na qual ocorre, por um lado, aumento da insatisfação no trabalho e do absenteísmo, e por outro lado, fomento à aderência dos trabalhadores às metas organizacionais devido ao esgotamento do trabalho nos moldes taylorista/fordista. No bojo do esgotamento do Taylorismo/Fordismo surge o modelo de produção japonês, o qual impõe maior controle da vida extra profissional devido ao maior tempo de trabalho destinado à empresa. Na década de 70 também é publicado o trabalho de Walton, uma das maiores referências citadas na literatura, o qual propõe oito pressupostos básicos para a qualidade de vida no trabalho (1973, in Haddad, 2000):
Compensação adequada e justa: refere-se ao salário justo ou à adequação entre o trabalho e o pagamento nos seus diversos níveis relacionados entre si.
Condições de segurança e saúde no trabalho: os trabalhadores não devem ser expostos a condições físicas e psicológicas que sejam perigosas ou a horários excessivos de trabalho que sejam prejudiciais à saúde.
Oportunidade imediata para a utilização e desenvolvimento da capacidade humana: para que os trabalhadores possam usar e desenvolver suas habilidades e capacidades, são necessários: autonomia no trabalho, utilização de múltiplas habilidades, informação e perspectiva de crescimento profissional, realização de tarefas completas e planejamento das atividades.
Oportunidade para crescimento contínuo e segurança: é importante que o trabalhador tenha a possibilidade de autodesenvolvimento, aquisição de novos conhecimentos e perspectivas de sua aplicação prática, oportunidades de promoções e segurança no emprego.
Integração social na organização: para haver um bom nível de integração social é necessário que o ambiente de trabalho seja sem preconceitos, de senso comunitário, fraca estratificação, existência de mobilidade ascendente e franqueza interpessoal.
Constitucionalismo na organização do trabalho: são as normas que estabelecem os direitos e deveres dos trabalhadores. Os aspectos mais significativos versam sobre a privacidade, a liberdade de expressão (o diálogo livre) e o tratamento justo em todos os assuntos.
Trabalho e o espaço total da vida: o trabalho, muitas vezes, absorve parte da vida extra organização do empregado, afetando consideravelmente o seu tempo de dedicação à família, tempo de lazer e sua convivência comunitária.
A relevância social da vida no trabalho: os trabalhadores, através de seu empenho e comprometimento, esperam que, socialmente, a instituição não deprecie o seu trabalho e, consequentemente, a sua profissão.
A partir de 1974, o interesse pela qualidade de vida no trabalho diminuiu em virtude de questões econômicas, como a crise energética e a inflação e, por isso, os interesses dos funcionários ficaram em segundo plano diante da necessidade das empresas. Em 1979, ressurge a preocupação com a QVT motivada pela competitividade das empresas japonesas. Diante deste quadro, as empresas americanas começaram a pesquisar os modelos gerenciais de outros países, relacionando a produtividade à melhoria da qualidade de vida no trabalho (Tolfo & Piccinini, 2001). No cenário brasileiro, aconteciam movimentos sindicais e lutas por aumento de salário e melhores condições de trabalho. A QVT fazia parte, como ainda faz atualmente, de um processo de melhoria do ambiente das organizações em um país com tantas contradições (Coutinho, Maximiano & Limongi-França, 2010).
Nos anos 80, a QVT adquire maior importância objetivando enfrentar as questões relacionadas à produtividade e qualidade total (Antudes, 1995, in Guimarães, Martins, Caselli & Stephanini, 2004). Os principais estudos desta década estão ligados à Wherter e Davis (1983, in Lima, 2008), os quais relacionam a QVT a fatores ambientais, organizacionais e comportamentais, e apontam que os cargos devem ser designados a partir do perfil dos candidatos, e à Huse e Cummings (1985, in Lima, 2008), os quais demonstram uma preocupação com o trabalhador e a importância destes participarem nas decisões. Além disso, relacionam a satisfação do trabalhador com a eficácia profissional, contribuindo para o seu bem-estar. Em 1983, Nadler e Lawer propõem fases evolutivas da qualidade de vida no trabalho, demonstrando uma visão pessimista do futuro, em que haveria uma desvalorização da área e consequente uso indiscriminado do termo (Guimarães et al., 2004).
A partir dos anos 90, Limongi-França aponta como um grande nome na área, trazendo três escolas relacionadas à QVT: a sociotécnica, em que a qualidade de vida é vista de forma geral e o bem-estar é social; a organizacional que destaca os aspectos organizacionais (como a gestão de pessoas e o ambiente) para analisar a QVT; e, por fim, a condição humana no trabalho que tem como foco a visão que o indivíduo tem da sua própria vida (Lima, 2008).
Atualmente, a QVT tem foco na humanização dos ambientes organizacionais, levando em consideração o cargo, as relações humanas e a política da empresa. Salienta-se a importância de um maior equilíbrio entre trabalho e lazer, em que o bem-estar se estenda para além da organização, permeando todos os ambientes que façam parte da vida do trabalhador, protegendo-o e propiciando-lhe melhores condições de vida dentro e fora da organização (Guimarães & Sampaio, 2004).
A QVT tem sido amplamente difundida, inclusive no Brasil, como um programa que objetiva o bem-estar e a satisfação das necessidades das pessoas no meio laboral, apoiando-se na ideia de que quanto mais estiverem satisfeitas com o trabalho, mais produzirão. Este conceito tem sido relacionado com temas tais como motivação, satisfação, saúde e segurança no trabalho, envolvendo discussões mais recentes sobre novas formas de organização do trabalho e novas tecnologias (Sato, 1999 in Lacaz, 2000).
Apesar de a temática da qualidade de vida no trabalho ter recebido maior atenção nestas duas últimas décadas e haver vasta literatura a respeito, ainda existem incertezas com relação à definição do termo. Neste trabalho, os termos qualidade de vida no trabalho (QVT) e qualidade de vida profissional (QVP) possuem o mesmo significado.
Limongi-França (2004, in Ackar, 2006) afirma que a QVT é um tema extenso e ambíguo, sendo definido com abrangência desde a área da saúde e segurança até promoção de lazer e motivação do trabalhador. Estas discussões encaminham gestores e usuários das ações de QVT a se preocuparem com as condições de vida e com o bem-estar profissional. A este respeito, Guimarães et al. (2004) concordam que o conceito de qualidade de vida no trabalho tem várias abordagens, ora enfatizando fatores individuais, ora fatores organizacionais, ou uma combinação destes dois. A QVT é entendida desde a ausência de patologias até as exigências de recursos, objetos e procedimentos no planejamento estratégico em nível organizacional (Limongi-França & Arellano, 2002).
Inicialmente, o conceito de QVT estava mais ligado às áreas de ergonomia, medicina, segurança no trabalho e promoção de saúde, pois a saúde e a integridade do trabalhador eram consideradas fatores de melhoria do desempenho e produtividade da empresa. Ao longo tempo, foram surgindo novas visões da QVT, sendo incorporado o bem-estar do trabalhador ao trinômio trabalho-indivíduo-organização. Hoje, o conceito de QVT ainda está em construção, compreendendo desde os atos legislativos até as ações que procuram humanizar e desenvolver a responsabilidade social da organização. Os fatores físicos, sociológicos e psicológicos integram o conceito, já que interferem na satisfação dos empregados, como também nos aspectos tecnológicos que podem comprometer o desempenho no trabalho (Coutinho, Maximiano & Limongi-França, 2010).
Bergeron (1982, in Limongi-França & Arellano, 2002) afirma que a QVT consiste na aplicação concreta de uma filosofia humanista pela introdução de métodos participativos, visando modificar vários aspectos do meio ambiente de trabalho, a fim de criar uma situação favorável à satisfação dos empregados e à produtividade.
A concepção de Fernandes (1996, in Limongi-França & Arellano, 2002) conceitua QVT como uma gestão dinâmica e contingencial de fatores físicos, tecnológicos e sociopsicológicos que afetam a cultura e renovam o clima organizacional, refletindo no bem-estar do trabalhador e na produtividade das empresas. A QVT deve ser considerada uma gestão dinâmica porque as organizações e as pessoas mudam constantemente, dependendo da realidade de cada empresa e do contexto em que está inserida. Fatores físicos, aspectos sociológicos e psicológicos interferem igualmente na satisfação dos indivíduos em situação de trabalho, sem deixar de considerar os aspectos tecnológicos da organização e do próprio trabalho que, em conjunto, afetam a cultura e interferem no clima organizacional com reflexos na produtividade e na satisfação dos empregados.
Rubio (2003) define a qualidade de vida do trabalhador como o sentimento de bem-estar consequente do equilíbrio percebido pelo indivíduo entre as demandas da profissão e os recursos (psicológicos, organizacionais e sociais) de que dispõe para enfrentar estas demandas. Assim, o trabalhador necessita conquistar um bom desenvolvimento nas esferas profissional, pessoal e familiar para poder se falar de QVT.
Mayer (2006) considera que o termo QVT pode ser entendido como uma filosofia de gestão que melhora a dignidade do empregado, realiza mudanças culturais e traz oportunidades de desenvolvimento e progresso pessoal. A QVT, além de uma filosofia, é um conjunto de crenças que engloba todos os esforços para incrementar a produtividade e melhorar o moral (motivação pessoal), enfatizando a participação do empregado, a preservação de sua dignidade e eliminando os aspectos disfuncionais da hierarquia organizacional.
Esta autora afirma ainda que a QVT pode ter vários significados, mas, nos últimos anos, consolidou-se como uma filosofia de trabalho nas organizações participativas. Pode-se dizer, então, que QVT é uma forma diferente de vida dentro da organização que busca o desenvolvimento do trabalhador, assim como a eficiência empresarial. É possível pensar que existe QVT quando os membros de uma organização são capazes de satisfazer necessidades pessoais importantes através de sua vivência na organização, o que engloba, portanto, a preocupação com o efeito do trabalho nas pessoas, com a eficácia da organização e com a ideia da participação dos trabalhadores na solução de problemas e tomada de decisões. Tolfo e Piccinini (2001) consideram, entre outros fatores, motivação, satisfação, condições de trabalho e estilos de liderança como constituintes do termo qualidade de vida no trabalho. Nesse sentido, este trabalho objetivou investigar a percepção e magnitude da qualidade de vida no trabalho de profissionais da Saúde Mental, associando o perfil sociodemográfico e as características laborais aos dados referentes à qualidade de vida profissional.
Método
Amostra
Participaram desta pesquisa 72 profissionais da Saúde Mental lotados em dois hospitais psiquiátricos da cidade de Aracaju/SE, tratando-se de amostra por conveniência. Essa amostra inclui enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, psicólogos, médicos, assistentes sociais, psicopedagogos e terapeutas ocupacionais. O critério de seleção dos hospitais foi possuir a modalidade internamento no cuidado dos seus pacientes.
Instrumentos de coleta de dados
A fim de conhecer as características da amostra, foi utilizado um questionário contendo: 1) Dados do perfil sociodemográfico: questões relativas a sexo, idade, estado civil, presença e quantidade de filhos e escolaridade; 2) Dados do perfil profissional: questões a respeito do tempo de profissão, tempo de dedicação ao trabalho por semana e turno de trabalho.
Para investigar a qualidade de vida no trabalho foi utilizado o instrumento QVP-35, o qual foi desenvolvido por Cabezas-Peña em 1999 e validado para uso no Brasil por Guimarães, Souza, Martins, Baraquet e Neves (2004). O QVP-35 preceitua uma medida multidimensional da qualidade de vida profissional mediante 35 questões fechadas, relacionadas à percepção que o trabalhador tem das condições de seu trabalho, dispostas em uma escala de 1 a 10 que abrange as categorias: Nada (valores 1-2), Pouco (3-4-5), Bastante (6-7-8) e Muito (9-10). As questões são agrupadas em oito dimensões:
Desconforto Relacionado ao Trabalho (DRT): itens 1, 2, 3, 4 e 5.
Apoio Organizacional (AO): itens 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15.
Carga de Trabalho (CT): itens 16, 17, 18, 19 e 20.
Recursos Relacionados ao Trabalho (RRT): itens 21, 22, 23 e 24.
Apoio Social (AS): itens 25, 26 e 27.
Motivação Intrínseca (MI): itens 28, 29, 30 e 31.
Capacitação para o Trabalho (CRT): itens 32, 33 e 34.
Percepção sobre a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT): item 35.
Procedimentos para coleta e análise dos dados
Inicialmente, realizou-se a análise semântica dos itens a fim de verificar se todos os itens eram compreensíveis para os sujeitos que participariam da pesquisa. Após alterações no questionário, a direção dos hospitais foi contatada para a apresentação e apreciação do projeto, esclarecendo os objetivos do estudo a ser realizado. É necessário frisar que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe.
A aplicação foi feita individualmente no local de trabalho dos profissionais, mediante a apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a fim de autorizar a utilização dos dados na referida pesquisa. Em seguida à autorização, os participantes responderam ao questionário de Qualidade de Vida Profissional (QVP-35) e, por fim, ao questionário sócio-demográfico e ocupacional.
A análise dos dados foi realizada mediante utilização do Programa Statistical Package for the Social Sciences - SPSS, versão 14.0, através de análises descritivas e inferenciais, como Teste T, Qui-quadrado (X2), ANOVA e correlação de Pearson.
Resultados
A amostra foi composta por 52,8% de participantes do sexo masculino. A faixa etária variou entre 22 e 63 anos, com média de 36 anos (DP= 10,0). No que se refere ao estado civil, 45,8% eram casados; 43,1%, solteiros; 8,3%, separados; 2,8%, viúvos. 47,2% dos participantes tinham filhos e, destes, 79,4% possuíam até 2 filhos e 20,6% possuíam 3 ou mais.
Em relação à escolaridade, 52,8% possuíam nível técnico e 47,2% possuíam nível superior. Quanto à profissão, 66,7% eram técnicos de enfermagem; 11,1%, enfermeiros; 8,3%, médicos; 4,2%, psicólogos; 1,4%, terapeutas ocupacionais; 6,9%, assistentes sociais e; 1,4%, psicopedagogos.
O tempo de profissão variou entre 1 e 38 anos, com média de 8,5 anos (DP= 8,1). A maioria (66,7%) cumpre carga horária de 48 horas semanais.
A Figura 1 mostra a distribuição de médias das oito dimensões de Qualidade de Vida Profissional. A mais pontuada foi Apoio Social (M=8,0; DP=2,5), seguida de Recursos Relacionados ao Trabalho (7,7; DP=1,3), Capacitação para o Trabalho (7,3; DP=1,8), Motivação Intrínseca (6,8; DP=2,2), Carga de Trabalho (6,6; DP=3,2) e Desconforto Relacionado ao Trabalho (6,1; DP=2,0). A menos pontuada foi Apoio Organizacional (3,0; DP=2,5), seguida de Percepção de Qualidade de Vida no Trabalho (5,0; DP=3,2).
Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os escores das dimensões do QVP-35 quando comparados entre as variáveis: sexo, escolaridade, quantidade de filhos, turno e carga horária de trabalho. As variáveis idade, estado civil, existência de filhos e tempo de profissão apresentaram relação significativa com algumas dimensões de qualidade de vida profissional.
Os resultados da correlação de Pearson indicaram relação moderada entre idade e algumas dimensões de QVP, sendo positiva para Capacitação para o Trabalho (r=+0,30, p=0,011) e Motivação Intrínseca (r=+0,28, p=0,015); e negativa para Desconforto Relacionado ao Trabalho (r=-0,27, p=0,019) e Carga de Trabalho (r=-0,28, p=0,016). Quanto mais jovem o profissional, maiores os níveis de Desconforto Relacionado ao Trabalho e a Carga de Trabalho e menores os níveis de Capacitação para o Trabalho e Motivação Intrínseca. As demais dimensões não apresentaram correlações estatisticamente significativas.
Após execução do teste t, foi encontrada diferença significativa entre ter filhos ou não e as dimensões Motivação Intrínseca (t(70) = -2,95; p=0,004) e Capacitação para o Trabalho (t(70) = -2,10; p=0,039). Profissionais que têm filhos apresentam escores mais elevados em Motivação Intrínseca (M=7,58) e em Capacitação para o Trabalho (M=8,18) comparativamente àqueles que não têm filhos (M=6,09; M=7,29, respectivamente).
O fato de o profissional ter filhos aumentou os escores em Motivação Intrínseca (M=7,58) e em Capacitação para o Trabalho (M=8,18).
Em relação ao tempo de profissão, existe uma correlação moderada, mas altamente significativa com a dimensão Capacitação para o Trabalho (r=+0,33, p=0,004). Os profissionais com mais tempo de profissão apresentaram maiores níveis de Capacitação para o Trabalho. Para as demais dimensões, não foram encontradas correlações estatisticamente significativas.
Foi encontrada relação significativa entre níveis de Desconforto Relacionado ao Trabalho e o estado civil dos sujeitos através do teste ANOVA (F(3,68) =3,41, p=0,022). Os participantes solteiros e casados acusaram diferença significativa quanto ao DRT (p=0,046). Os solteiros também apresentaram diferença em relação aos separados (p=0,005). Profissionais solteiros apresentaram maiores níveis de Desconforto Relacionado ao Trabalho (M=6,49) quando comparados aos casados (M=5,49) e aos separados (M=3,93).
Encontrou-se ainda uma relação significativa entre níveis de Apoio Organizacional e o estado civil dos sujeitos através do teste ANOVA (F(3,68) =4,11, p=0,010). Os participantes separados e casados acusaram diferença significativa nesta dimensão (p=0,002). Os solteiros também apresentaram diferença em relação aos separados (p=0,001). Profissionais separados relataram maiores níveis de Apoio Organizacional (M=5,83) quando comparados aos casados (M=3,30) e aos solteiros (M=3,18).
Os níveis de Motivação Intrínseca e o estado civil dos sujeitos apresentaram relação significativa através do teste ANOVA (F(3,68) =4,68, p=0,005). Os participantes solteiros e casados acusaram diferença significativa quanto à MI (p=0,008). Os solteiros também apresentaram diferença em relação aos separados (p=0,002). Profissionais separados apresentaram maiores níveis de Motivação Intrínseca (M=8,79) quando comparados aos casados (M=7,28) e aos solteiros (M=5,83).
Discussão
A amostra foi composta por 72 profissionais de instituições de saúde mental com caráter de internamento, o que equivale a 67,3% do universo populacional. O número reduzido de participantes se deveu ao fato de só haver 2 instituições com esta modalidade na cidade de Aracaju. A média das idades foi de 36 anos, sendo, por isso, considerada uma população jovem e no ápice de sua produtividade profissional.
Quanto à escolaridade, 52,8% possuíam nível técnico e 47,2% possuíam nível superior, demonstrando uma distribuição equilibrada entre os níveis de escolaridade. Entretanto, a composição das categorias profissionais ficou desequilibrada em função do número reduzido de profissionais com a mesma formação superior nas instituições investigadas. O número de psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, médicos e assistentes sociais é amplamente desproporcional ao número de técnicos de enfermagem (mais de 50% da amostra). Deste modo, neste estudo não foi dado tratamento discriminado por profissão. Optou-se por trabalhar os dados obtidos como uma única categoria, que foi classificada como profissionais de saúde mental.
Quanto à carga horária semanal, os dados encontrados revelam que os profissionais têm uma jornada de até 90 horas por semana, o que pode ser considerado uma realidade preocupante, visto que a carga horária excessiva pode trazer repercussões negativas para a qualidade dos serviços prestados e para a saúde física e mental destes profissionais (Machado et al., 1996 in Silva, 2001).
O tempo de profissão variou bastante, visto que havia profissionais com 1 a 38 anos de serviço, sendo que estes últimos, pelo tempo de serviço prestado, já poderiam estar aposentados. A importância dada ao trabalho, o prazer de trabalhar e a remuneração podem ser fatores que prolonguem a atividade profissional (Zanelli, Silva & Soares, 2010).
Com relação aos resultados do QVP-35, os profissionais apontaram que têm "pouco" Apoio Organizacional, sinalizando que não estão satisfeitos com as instituições e com o apoio que estas lhes conferem. Esta dimensão é composta por questões relacionadas, dentre outras, à satisfação com o salário, apoio de superiores, possibilidade de ser criativo, reconhecimento do trabalho e possibilidade de promoção. A baixa remuneração é considerada por Walton (1973, in Haddad, 2000) como um dos preditores da qualidade de vida no trabalho. Este autor também afirma que, para que os trabalhadores possam usar e desenvolver suas habilidades e capacidades, é necessário ter autonomia no trabalho, utilizar múltiplas habilidades, informação e perspectiva de crescimento profissional, o que, segundo a avaliação dos profissionais de saúde mental investigados, pouco acontece.
Os participantes afirmaram ter "bastante" Carga de Trabalho. Segundo Guimarães e Sampaio (2004), a carga de trabalho é um conjunto de requisitos psicofísicos a que o trabalhador é submetido ao longo de sua jornada de trabalho, representando um fator importante na determinação da QVT. Os profissionais de saúde mental sofrem tensão, recebendo uma carga de demandas e cobranças que nem sempre são pertinentes, devido, principalmente, ao número reduzido de profissionais trabalhando nas instituições. Neste sentido, Leiter e Havie (1996) apontam as exigências excessivas no trabalho, associadas ao número de casos a serem atendidos, como uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde mental.
Soma-se à Carga de Trabalho, o Desconforto Relacionado ao Trabalho, avaliado como "bastante", do que infere-se que os profissionais consideram que o cansaço causado pela quantidade de trabalho e a pressão recebida estejam relacionadas com a baixa QVT. Maslach e Leiter (1997) descrevem o ambiente de trabalho atual como muito exigente sob os pontos de vista econômico e psicológico, aspectos que estão levando as pessoas à exaustão emocional e física. Outrossim, os profissionais mais novos apresentaram maior Desconforto Relacionado ao Trabalho. É possível que o fato de o trabalho ser uma experiência recente e os profissionais não estarem acostumados às exigências do serviço de saúde mental, levem-nos a perceberem as más condições de trabalho de forma acentuada.
Os participantes afirmaram ter "bastante" Recursos Relacionados ao Trabalho, sendo esta uma dimensão que engloba questões relativas à carga de responsabilidade, importância do trabalho para outras pessoas, clareza das atividades e autonomia. Pode-se inferir com isso que as instituições investigadas possuem normas claras, propiciando ao profissional a liberdade de inovar ou sentir-se mais no controle das suas atividades. Além disso, os profissionais tendem a fazer uma auto avaliação positiva quando referem ter uma percepção de que o seu trabalho é importante para os pacientes.
Os profissionais consideram ter "bastante" Capacitação para o Trabalho, mostrando, assim, a exigência do mercado em relação à qualificação para o exercício profissional. Os participantes com mais idade e mais tempo de profissão declararam maiores níveis de Capacitação para o Trabalho, ou seja, a experiência tende a tornar as pessoas mais preparadas para exercer suas atividades.
Os dados revelam ainda que os profissionais têm "bastante" Motivação Intrínseca. Segundo Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), a motivação pode ser considerada como um dos aspectos que impedem o desgaste da qualidade de vida no trabalho. Sendo assim, apesar das adversidades da área, os profissionais investigados possuem vontade de melhorar e se sentem satisfeitos com o trabalho. O fato de o profissional ter filhos aumentou os escores em Motivação Intrínseca. A necessidade de prover o sustento e o bem-estar dos filhos pode ser um forte motivador para o trabalho.
A Percepção sobre a Qualidade de Vida no Trabalho, avaliada de forma global, foi qualificada como "pouca". Segundo a literatura, mais recentemente vem sendo incorporada ao conceito de QVT a harmonia entre o trinômio trabalho-indivíduo-organização (Coutinho, Maximiano & Limongi-França, 2010). Fatores físicos, sociológicos, psicológicos e tecnológicos interferem igualmente na satisfação dos indivíduos em situação de trabalho, sem deixar de considerar os aspectos do próprio trabalho que, em conjunto, afetam a cultura e interferem no clima organizacional com reflexos na produtividade e na satisfação dos trabalhadores (Limongi-França & Arellano, 2002).
Apesar de os sujeitos avaliarem muitos fatores negativamente, alguns tiveram classificação positiva. Entretanto, pode-se perceber que os fatores considerados negativamente (Apoio Organizacional, Qualidade de Vida Profissional, Carga de Trabalho e Desconforto Relacionado ao Trabalho) são mais relacionados ao trabalho em si. Ao contrário dos fatores avaliados positivamente (Apoio Social, Recursos relacionados ao Trabalho, Capacitação para o Trabalho e Motivação Intrínseca), que são relacionados a fatores individuais ou particulares e, por isso, não dependem diretamente da organização. Sendo assim, pode-se inferir uma dificuldade por parte dos profissionais investigados em se auto-avaliarem de forma negativa, culpabilizando, em grande parte, o seu trabalho e a organização como determinantes de uma baixa percepção de qualidade de vida profissional.
Considerações Finais
Neste estudo, objetivou-se investigar a percepção e magnitude da qualidade de vida dos profissionais de saúde mental. Neste sentido, várias dimensões de qualidade de vida foram avaliadas negativamente, a saber: Apoio Organizacional, Qualidade de Vida Profissional, Carga de Trabalho e Desconforto Relacionado ao Trabalho. Entretanto, houveram dimensões avaliadas positivamente: Apoio Social, Recursos relacionados ao Trabalho, Capacitação para o Trabalho e Motivação Intrínseca.
Percebeu-se que muitos destes fatores repercutem negativamente na saúde física e mental dos profissionais. Apesar de os participantes avaliarem muitos fatores positivamente, a relação entre variáveis evidencia que, a médio e longo prazo, poderá haver frustração e grande insatisfação profissional, influenciando a qualidade de vida profissional da categoria investigada.
Sugere-se, portanto, a implantação de medidas preventivas e interventivas para que não haja maiores implicações na qualidade de vida profissional. Além disso, faz-se necessário o desenvolvimento de novas pesquisas neste campo objetivando maior visibilidade entre os processos de saúde mental do trabalhador e seu ambiente de atuação.
Salienta-se que o presente estudo não objetivou realizar comparações entre categorias profissionais, o que poderá ser viabilizado em outra pesquisa. Ressalta-se ainda a escassez de estudos que permitissem maiores comparações com os resultados encontrados. Recomenda-se, por isso, a realização de novos estudos com profissionais de saúde mental. O conhecimento dos problemas que mais afetam estes trabalhadores pode ajudar na implementação de ações corretivas, principalmente no mercado atual, em que se exige produtividade e qualidade nos serviços prestados.
Referências
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Recebido: 03/09/2012
Última revisão: 19/11/2012
Aceite final: 20/12/2012