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Revista Psicologia e Saúde
On-line version ISSN 2177-093X
Rev. Psicol. Saúde vol.6 no.1 Campo Grande June 2014
ARTIGOS
Diagnóstico pré-natal de malformação incompatível com a vida: implicações psicológicas e possibilidades de intervenção
Prenatal diagnosis of malformations incompatible with life: psychological implications and possibilities of intervention
Diagnóstico prenatal de malformación incompatible con la vida: implicaciones psicológicas y posibilidades de intervención
Mariana Moura dos Santos; Elisangela Böing; Zaira Aparecida Custódio de Oliveira; Maria Aparecida Crepaldi
Universidade Federal de Santa Catarina
RESUMO
Os avanços tecnológicos permitiram acesso, cada vez mais, a informações sobre os fetos, inclusive no que diz respeito à detecção de malformações fetais, as quais podem gerar sérias repercussões psicológicas nos pais e familiares. Diante disto, este artigo tem como objetivo discorrer acerca dos diagnósticos de malformações fetais incompatíveis com a vida, em três tópicos: repercussões psicológicas desses diagnósticos nas gestantes e famílias; pontos críticos do acompanhamento pré-natal: revelação de diagnóstico e interrupção legal da gestação; possibilidades de intervenção psicológica em ambulatórios de pré-natal. Espera-se que este trabalho possa servir de subsídio para incentivar a reflexão e a discussão sobre essa temática e assim contribuir com o trabalho dos profissionais que atuam com as famílias que vivenciam essa situação.
Palavras-chave: Malformação-fetal; Psicologia; Pré-natal.
ABSTRACT
Technological advances have allowed access, increasingly, to informations about fetuses, as well as allowed in detecting fetal malformation, that can have serious psychological impact on parents and families. Regarding it, this article aims to discuss about the diagnoses of fetal malformations incompatible with life, in three topics: psychological implications of these diagnoses on pregnant women and families; critical issues in prenatal care: revelation of diagnosis and legal interruption of pregnancy; possibilities for psychological intervention at prenatal care service. It is expected that this work can provide subsidies that stimulate reflections and discussions about this topic and contribute to the professionals who work with families that live in this situation.
Key-words: Fetal malformation; Psychology; Prenatal.
RESUMEN
Los avances tecnológicos han permitido el acceso, cada vez más, a la información sobre el feto, así como permitió la detección de malformaciones fetales, que pueden tener un impacto psicológico grave en los padres y las familias. Teniendo en cuenta esto, el presente trabajo tiene como objetivo discutir algunos de los diagnósticos de malformaciones fetales incompatibles con la vida, desarrollado en tres temas: implicaciones psicológicas de estos diagnósticos en mujeres embarazadas y famílias; temas críticos en la atención prenatal: la revelación del diagnóstico y la interrupción legal del embarazo; posibilidades de intervención psicológica en un ambulatorio de prenatal. Esperase que con este trabajo, pueda servir como una contribución para fomentar la reflexión y el debate sobre este tema y ayudar a la labor de los profesionales que trabajan con familias involucradas en esta situación.
Palabras-clave: Malformación Fetal; Psicología; Prenatal.
Introdução
Com o avanço tecnológico, passamos a ter cada vez mais acesso a diferentes informações sobre os fetos, e isso cada vez mais cedo durante a gestação. Assim como cita Wilheim (2003), descobriu-se que os fetos são dotados de uma série de habilidades, apresentam comportamentos que já denotam uma personalidade e possuem, inclusive, vida afetiva e emocional. As novas tecnologias, de acordo com Suassuna (2009), também permitiram aos pais obter informações específicas sobre seus bebês antes de seu nascimento, como sexo, peso, posição "preferida", etc. Conforme a autora citada, essas inovações permitiram que o feto ascendesse ao papel de sujeito, o que incrementou o processo de parentalização e vinculação entre pais e filhos. Contudo, toda essa evolução tecnológica permitiu também a detecção de problemas clínicos com os fetos. Nos casos de problemas reversíveis, trouxe novas possibilidades para intervir sobre eles, já em outros casos, como os de malformações incompatíveis com a vida, permitiram apenas um diagnóstico precoce, porém sem alternativas de possibilidades terapêuticas.
O diagnóstico pré-natal de malformação incompatível com a vida, por sua vez, pode trazer grande sofrimento e uma série de implicações para a gestante, seu companheiro e demais familiares, dentre outras: sentimentos de frustração, culpa, incapacidade e perda; crises no sistema familiar e isolamento social.
Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre as implicações psicológicas dos diagnósticos pré-natais de malformações incompatíveis com a vida, promover reflexões a respeito de dois momentos críticos do acompanhamento pré-natal, sendo estes a revelação do diagnóstico e a decisão pela interrupção legal da gestação; bem como apresentar possibilidades de atuação dos psicólogos em ambulatórios de acompanhamento pré-natal.
Para atingir os referidos objetivos, realizou-se um levantamento bibliográfico a partir das bases de dados Scielo, Cochrane Library e Google Acadêmico, com a utilização das palavras-chave malformação-fetal e psicologia. E alguns dos conteúdos teóricos levantados foram ilustrados ao longo do texto a partir de episódios clínicos provenientes da experiência das autoras, em atendimentos e supervisão de atendimentos psicológicos realizados em um ambulatório de pré-natal de alto risco, o qual funciona em um hospital universitário da região sul do Brasil.
Psicodinâmica dos casos de diagnóstico de malformação incompatível com a vida
De acordo com a Abordagem Sistêmica, com a qual trabalham Carter, McGoldrick e colaboradores (1995), o ciclo de vida familiar é composto por diversos momentos de transição, nos quais, reorganizações e ajustes precisam ser feitos. Dentre estes, está a transição para a parentalidade ou a chegada de mais um filho, embora o processo de parentalização comece antes mesmo do nascimento do primeiro filho e permaneça em constante construção. Contudo, como afirmam Bortoletti, Silva e Tirado (2007), Suassuna (2009) e Perosa e colaboradores (2009), complicações relativas à gravidez podem transformar essa transição normativa em um momento de crise.
Quanto à mulher, Bortoletti, Silva e Tirado (2007) e Perosa e colaboradores (2009) citam que a vulnerabilidade emocional comum a qualquer gestante, provocada pelas alterações psicofisilógicas características da gravidez, se exacerba nos casos em que se diagnosticam malformações. Assim como afirmam as autoras, sentimentos ambivalentes e expectativas em relação às mudanças práticas e simbólicas, provocadas pela gestação e relacionadas ao bebê que está por vir, podem gerar estados de estresse e sofrimento. Entretanto, na perspectiva sistêmica de Carter, McGoldrick e colaboradores (1995), este estresse ou sofrimento certamente repercutirá nas relações desta mulher e será, de diferentes formas e em diferentes intensidades, compartilhado pelas pessoas mais próximas, em geral o companheiro e demais filhos.
De acordo com Maldonado (2000), a gravidez gera perspectivas de grandes mudanças, as quais envolvem perdas e ganhos. Isto, por si só, justifica a comum existência de sentimentos ambivalentes na gestação. Contudo, como afirmam Bortoletti, Silva e Tirado (2007), com a notícia da malformação a ambivalência exacerba-se. O sentimento de gratificação que vem do "poder" de gerar uma vida mescla-se a frustração gerada pelo fato de o produto conceptual ser malformado e incompatível com a vida. Com isto, assim como relata Suassuna (2008), muitos pais podem sentir-se também culpados por acharem que não amam ou estão rejeitando o bebê.
Em nossa experiência, as gestantes e casais não trazem, necessariamente, de forma explícita, a ambivalência como uma questão a ser discutida nos atendimentos psicológicos, mas é possível observar uma oscilação em seus discursos que a revela. Relatos de gratificação e de afeto relacionados à gestação e ao bebê alternam-se com outros de tristeza e angústia. Outros também se referem, quase que exclusivamente, a aspectos negativos dessa vivência, possivelmente por se encontrarem no âmbito de um atendimento psicológico, espaço em que podem tratar especialmente de problemas e dificuldades.
Segundo Gil (2005), Bortoletti, Silva e Tirado (2007), a malformação também pode ter grande impacto na autoestima dos genitores, tendo em vista que o fruto de uma gestação atesta a saúde da sexualidade do casal no âmbito psicossocial. Com a notícia da malformação, o casal pode sentir-se como "defeituoso" ou incapaz de gerar um filho saudável. Isso pode ser ainda mais intenso na mulher, uma vez que esta, de acordo com Schorn (in Gomes, 2007), sente a criança como uma extensão sua. Assim, a regressão normativa da gestação, a qual permite que a gestante se identifique e se vincule com seu bebê é também comprometida, uma vez que ela precisa identificar-se com um ser "imperfeito".
De acordo com Machado (2010), Bortoletti, Silva e Tirado (2007), o sentimento de culpa e responsabilização pela malformação é bastante comum. Algumas mulheres perguntam-se o que fizeram de errado ou tentam identificar possíveis "faltas" ou "omissões". Já outras, a encaram como uma fatalidade, chegando inclusive a considerá-la um acontecimento da vida que tem sua "razão de ser", geralmente, um propósito religioso. Nos casos de gravidez indesejada, e especialmente quando houve tentativa de aborto, o sentimento de culpa pode ser ainda mais acentuado.
Assim como afirmam Bortoletti, Silva e Tirado (2007), devido especialmente à dificuldade para trocar experiências com as demais grávidas e falar de sua situação às pessoas em geral, é comum que as gestantes de fetos malformados desenvolvam um isolamento progressivo. De acordo com nossa experiência, algumas gestantes encontram dificuldade para falar a respeito do assunto com o próprio parceiro ou outros familiares e outras, ainda, podem desenvolver quadros de depressão reativa ao diagnóstico, o que também pode levar à introspecção e ao isolamento.
Os resultados de uma pesquisa realizada por Perosa e coloboradores (2009), com puérperas de mães de bebês malformados, logo após o parto, mostraram índices significativamente elevados de sinais clínicos de depressão e ansiedade nessa população. A comorbidade entre esses dois construtos também chamou atenção. Vinte e dois por cento das mães de crianças com malformações e 4% das mães de crianças sem malformações apresentaram tanto sinais de depressão como de ansiedade. Os pesquisadores também levantam a hipótese de que os dois construtos possam ser componentes de outro fenômeno, o processo de estresse psicológico geral.
Com a notícia da malformação, evidentemente, lutos precisam ser elaborados, e nos casos de malformações incompatíveis com a vida, não só a vivência do luto relativo ao filho idealizado deve ser elaborado, o que costuma ocorrer ao final de qualquer gestação, mas também o luto do próprio bebê real. Este processo, segundo Klaus e Kennel (1992), costuma seguir um percurso que os autores dividem nas seguintes fases: choque; negação; tristeza, cólera e ansiedade; equilíbrio e reorganização. A fase de choque se caracteriza pela perturbação abrupta das emoções acompanhada do sentimento de desamparo. Em seguida, devido à notícia da malformação ser aterradora, é comum que os pais lancem mão do mecanismo de defesa de negação. Este pode ser mais sutil, como quando as gestantes ou casais buscam novos profissionais ou exames que possam contradizer o diagnóstico, ou acentuado, quando apesar de todas as evidências a pessoa se recusa a falar no assunto e se porta como se a malformação não existisse. Caso consiga iniciar o processo de aceitação, o indivíduo entra na fase tristeza, cólera e ansiedade, na qual pode então entristecer-se pela perda do bebê idealizado e confronta-se com sentimentos de dor e frustração, sendo capaz de expressá-los, de chorar e ficar com raiva, de si, do bebê, da equipe de saúde, etc. E com a aceitação, a ansiedade, quanto ao que virá com o decorrer da gestação e quanto à morte do bebê, pode se instalar. Com a diminuição gradual da ansiedade e das reações emocionais mais intensas, há então uma maior aceitação e uma espécie de adaptação à situação, que caracterizam a fase de equilíbrio. Por fim, na fase de reorganização, a gestante ou casal começa a estabelecer outros planos para além da realidade da malformação e do óbito do bebê.
Esses estágios podem ocorrer durante diferentes períodos da gestação, parto e puerpério, e nem sempre são inteiramente vivenciados pelas gestantes ou casais, nem necessariamente nesta ordem. Mazet e Stoleru (in Suassuna, 2008) afirmam ainda que gestantes que enfrentam esta situação sozinhas, ou submetidas a outros problemas de ordem psicológica ou sócioprofissional, encontram maiores dificuldades durante o luto. Inversamente, este processo costuma ser menos penoso quando ocorre em meio a uma relação conjugal satisfatória na qual o impacto psicoafetivo é partilhado pelo casal. De acordo com Antunes e Patrocínio (2007), existem casais que se reaproximam durante esta fase e a crise então surge como uma situação de integração e crescimento do casal. Contudo, também existem casais que se distanciam ou ficam paralisados na tristeza, deprimindo-se num período muito além do puerpério, o que corrobora a importância de se oferecer um acompanhamento psicológico a estas famílias nos ambulatórios de atendimento pré-natal.
Pontos críticos do acompanhamento pré-natal em casos de malformação incompatível com a vida - revelação de diagnóstico e interrupção legal da gestação
De acordo com Suassuna (2008), o filho idealizado é perfeito e, no imaginário dos pais, não deverá passar por nenhuma das privações que estes passaram em suas próprias infâncias, resgatando-as e compensando seus sofrimentos. Contudo, o filho real malformado, incompatível com a vida extrauterina ou não, mostra-se diferente do filho idealizado mesmo antes de seu nascimento. Este filho não mais preenche o papel que lhe era destinado no cenário familiar. Essa grande frustração pode gerar, além de todas as implicações já descritas, sérias rupturas na relação entre pais e bebês e impactos significativos no processo de parentalização de ambos os genitores.
Sendo assim, é preciso ter muito cuidado ao falar com as gestantes e seus acompanhantes sobre suspeitas e confirmações de diagnósticos de malformação fetal. Com relação às suspeitas, caso essas se refiram tanto à possibilidade de a criança ter ou não uma malformação, como a esta ser passível ou não de correção, talvez a equipe pudesse, inclusive, questionar-se sobre a real necessidade desta ação. Devido aos impactos negativos que esta notícia pode gerar, especialmente na relação de apego materno-fetal e no processo de parentalização, poder-se-ia questionar se não seria mais prudente deixar para fornecer informações apenas após a confirmação de diagnósticos mais definidos.
Contudo, há também a necessidade de explicar às gestantes os objetivos dos exames, o que por si só já pode trazer ao imaginário destas uma série de possibilidades que podem vir a gerar ansiedade, medo, angústia, etc. E mesmo quando os objetivos dos exames não ficam claros, atualmente, muitas pessoas utilizam a internet e obtém acesso a uma série de informações que podem exacerbar ainda mais esses sentimentos. Pessoas relatam que essas informações muitas vezes enfatizam os aspectos mais severos dos quadros clínicos, o que nem sempre condiz com seus casos específicos. Deste modo, é preciso tomar medidas no sentido de tornar o tempo de espera para a obtenção dos resultados desses exames o mais breve possível e, principalmente, proporcionar acolhimento e acompanhamento às famílias durante essa espera.
De acordo com Suassuna (2008), a espera pelos resultados de exames pode interferir negativamente nas representações mentais a respeito do bebê de modo a alimentar sentimentos de culpa, agressividade e tristeza que irão influenciar a relação atual e futura com a criança. Soulé e Soubieux (in Suassuna, 2008) observaram que em casos como estes pode haver atraso na escolha do nome da criança, ou troca do nome, nos casos de gravidez mais avançada, assim como um rápido desinvestimento libidinal direcionado ao bebê. Os pais podem acabar se impedindo de entrar no processo de parentalidade e limitar o investimento libidinal na tentativa de tornar o luto menos doloroso. Assim, muitos acabam empreendendo um luto antecipatório. Esses efeitos podem ser especialmente danosos nos casos em que os resultados dos exames acabam mostrando que a malformação é compatível com a vida extrauterina.
Uma gestante, que após ser informada pelo médico de que seu bebê possuía uma malformação, cuja gravidade precisava ser confirmada por novos exames, enfrentou um intenso sofrimento até descobrir que o quadro clínico do bebê era relativamente simples. No período de cerca de um mês em que esperava pelo resultado do exame, ela parou de se comunicar com o bebê e de comprar coisas para o enxoval. Por fim, o resultado mostrou que a criança possuía uma malformação totalmente corrigível cirurgicamente. Assim, a espera pelo diagnóstico interferiu seriamente em sua relação com o bebê e poderá, ainda, repercutir em longo prazo nesta relação.
Outros casos delicados são aqueles em que a criança realmente apresenta uma malformação incompatível com a vida, mas acaba sobrevivendo por um tempo relativamente longo após o nascimento. Nesses é também fundamental ressaltar a importância de o profissional ser o mais cuidadoso possível na hora de revelar o diagnóstico e ao longo do acompanhamento da família. É necessário que estes evitem contribuir com a geração de impactos negativos ainda maiores na relação entre pais-bebê e as repercussões que isto pode ter na vida das famílias.
Uma gestante, ao descobrir que seu bebê tinha uma malformação severa e possivelmente incompatível com a vida apresentou um sofrimento acentuado que prejudicou seu contato com o filho no decorrer da gestação. Este sofrimento levou-a inclusive ao desenvolvimento de uma sintomatologia depressiva e duas tentativas de suicídio. Essas tentativas fizeram com que alguns dos profissionais que a acompanhavam orientassem-na com relação à interrupção legal da gestação, a fim de preservar sua vida e a saúde psíquica. Contudo, não se obteve respaldo jurídico para realizar tal interrupção. Entretanto, após o nascimento, a mãe vinculou-se ao bebê e passou então a temer sua perda, acompanhando-o cuidadosamente por 40 dias até o seu óbito. Além disso, esta paciente trouxe aos atendimentos que, apesar do sofrimento, esta experiência estava lhe proporcionando aprendizados e um maior autoconhecimento.
Casos como este, em que os bebês se tornam viáveis a vida extrauterina por um tempo maior, apesar da gravidade da malformação e do prognóstico inicial, estão entre os que causam as maiores controvérsias com relação à interrupção legal da gestação devido a malformações fetais incompatíveis com a vida. Esta é uma temática consideravelmente divulgada na mídia e amplamente discutida na atualidade por diferentes seguimentos sociais, envolvendo movimentos políticos, intelectuais e religiosos, entre outros.
Quanto às questões legais, de acordo com o artigo 128º do Código Penal Brasileiro (1940), não se pune a prática do aborto apenas quando este é praticado por médicos, nos casos em que não há outro meio de salvar a vida da gestante ou em que a gestação resulta de estupro. Entretanto, de acordo com Diniz (1997), desde os anos 80 diversos juízes brasileiros vêm autorizando o aborto em casos de malformações incompatíveis com a vida, baseados tanto na inviabilidade do feto como na preservação da saúde psíquica da gestante. Contudo, a lentidão da justiça não acompanha a necessidade de intervenção rápida que esses casos exigem. A única exceção corresponde aos casos de anencefalia que, como relatam Borges (2012), Filgueira e Silva (2012), devido a uma decisão tomada em abril de 2012, pelo Supremo Tribunal Federal, passaram a ser passíveis de interrupção legal.
De qualquer forma, as duas opções, interromper ou levar a termo a gestação, implicam em sofrimento. Cabe então às gestantes ou casais decidirem, a partir das possibilidades clínicas e legais de seus casos, qual acreditam ser a melhor opção para si. Sendo que para isto, como afirmam Benute, Nomura, Lucia e Zugaib (2006), os envolvidos precisam contar com o auxílio dos profissionais de saúde, os quais devem informar as possibilidades de procedimentos diante de cada quadro clínico de forma neutra. Ou seja, sem influenciar os pacientes a partir de suas opiniões pessoais. Os psicólogos, especialmente, devem se certificar se os pacientes estão satisfatoriamente informados sobre as características e consequências das diferentes possibilidades de procedimento. Da mesma forma, devem auxiliá-los a compreender o que estão sentindo e pensando a respeito da situação, para que possam tomar, autonomamente, a decisão que julgarem a mais adequada possível e sentirem-se seguros com esta decisão.
Nos casos de a gestante ou o casal desejar, por diferentes motivos, dar continuidade a gestação, ou ainda de serem impedidos de fazer a interrupção, mesmo desejando-a, estes devem receber apoio, inclusive psicológico, para que possam lidar com as implicações desta gravidez e do parto, além da morte e sepultamento do bebê. É possível também apoiar os pais para que estes busquem, dento de suas possibilidades, e se desejarem, exercer a parentalidade mesmo com as limitações pré-estabelecidas para o tempo e as possibilidades de vida da criança. Permitirem-se serem pais de seu bebê, independentemente das características deste, e ainda que durante o curto período previsto para sua vida intra ou extrauterina, pode ser enriquecedor, como relatam algumas mães e pais que vivenciam esta situação.
Uma gestante, cuja malformação de seu bebê inevitavelmente o levaria ao óbito nos primeiros minutos de vida, decidiu levar a gestação ao termo mesmo tendo a possibilidade de fazer uma interrupção legal. Ela acreditava que havia um propósito espiritual para que ela e seu bebê tivessem essa condição e afirmava que estava tentando ser a melhor mãe possível dentro das limitações que a situação lhe impunha. Dentre outras coisas, ela comunicava-se carinhosamente com o bebê, fazia massagens no ventre e consumia bastante líquido para aliviar o desconforto que o bebê poderia estar sentindo devido à escassez do líquido amniótico, característica de seu quadro clínico. A consciência de que estava sendo capaz de cuidar o melhor possível de seu filho, bem como de aprender com essa experiência, fazia com que ela se sentisse gratificada, apesar de todo o sofrimento que a situação também lhe infligia.
Esta temática é realmente ampla e complexa, sendo que as próprias gestantes trazem aos atendimentos questões como as seguintes: "Há vantagens ou desvantagens em essa notícia vir tão cedo? Ela apenas prolonga o período de sofrimento? Ou permite que a mulher ou o casal se prepare melhor para lidar com o momento do parto, do contato com o bebê e com sua morte? Será que se soubessem da malformação na hora do parto o sofrimento seria maior devido à consolidação do vínculo entre pais e bebês? Ou será que a possibilidade de terem se vinculado a esse bebê e vivido o período da gestação tranquilamente teria deixado lembranças melhores?" O que se pode afirmar é que a resposta para essas questões variam de uma pessoa para outra e que podem, também, ter repostas diferentes para uma mesma pessoa.
De qualquer forma, não há como evitarmos os exames que apontam para esses diagnósticos precoces e suas possíveis consequências negativas, justamente em nome de suas possibilidades de consequências positivas, especialmente no que diz respeito às possibilidades de intervenções curativas que eles trazem em alguns casos. O que se torna possível, nestes casos, é oferecer o devido suporte às famílias que enfrentam essa realidade.
Suassuna (2009) acredita que este suporte estaria especialmente no trabalho conjunto entre médicos, psicólogos e psicanalistas preparados para intervir diante da psicodinâmica da malformação e, de modo precoce e positivo no laço em formação entre os pais e seus bebês. De acordo com as proposições da autora, a presença do psicólogo ou psicanalista no exame de ultrassom ou no momento de comunicar a família o diagnóstico de malformação fetal possibilita que esses profissionais observem as reações dos pacientes e lhes proporcionem um primeiro acolhimento. Assim, posteriormente, estes profissionais poderão também proporcionar um espaço protegido de acolhimento, acompanhamento e elaboração da situação. Contudo, a autora ressalta que uma parcela da comunidade médica ainda manifestaria certa resistência a esta prática. Tais médicos sentir-se-iam "invadidos" em seu espaço de trabalho. Entretanto, a ideia é a de que o trabalho interdisciplinar além de permitir um atendimento integral à saúde e promover um maior grau de satisfação aos pacientes, também proporcione maior tranquilidade aos profissionais ao fazer com que estes se sintam apoiados e complementados uns pelos outros.
Acompanhamento psicológico pré-natal em casos de malformação
A princípio, como afirmam Bortoletti, Silva e Tirado (2007), nos atendimentos psicológicos de gestantes ou casais que receberam um diagnóstico de malformação fetal, é essencial proporcionar um ambiente acolhedor com uma escuta empática e ativa. Muitas pessoas têm dificuldades para falar sobre os sentimentos que são despertados por estes diagnósticos, especialmente os que são considerados menos "nobres", que muitas vezes podem ser mal compreendidos e criticados. Deste modo, é importante deixar claro que o espaço do atendimento é protegido por sigilo e permite ao indivíduo trabalhar qualquer tipo de questão que lhe esteja afligindo e da qual ele queira falar.
Como exemplo, podemos citar o caso de uma gestante cujo feto possuía uma série de malformações que provavelmente o tornariam incompatível com a vida, e que chegou a expressar o seguinte: "Às vezes eu penso que essa criança é como um monstro ou um 'E.T.'" (sic.), e teve, assim, a possibilidade de trabalhar sentimentos de medo e culpa que lhe geravam grande sofrimento, o que possivelmente não ocorreria em outros contextos de sua vida. Seu companheiro e demais parentes não eram receptivos nesse sentido e lhe cobravam maior afeição pelo bebê. Disse ainda, que gostava dos atendimentos porque sabia que nestes poderia desabafar sobre o que pesava sem medo de ser julgada.
De acordo com Bortoletti, Silva e Tirado (2007), é também essencial certificar-se de que a gestante ou casal compreendeu adequadamente o diagnóstico e o prognóstico do bebê. Isto possibilitará que o psicólogo os auxilie a entrarem em contato com a realidade e a tomar as possíveis decisões necessárias. Essas decisões se referem, por exemplo, a questões como a interrupção ou não da gestação, ao que será feito após o nascimento ou falecimento do bebê, se haverá ou não algum tipo de ritual de despedida e como este será. É preciso também, em muitos casos, mediar o diálogo entre os casais para que essas decisões sejam tomadas conjuntamente, levando em consideração as crenças, os sentimentos e os desejos de ambos.
Após o acolhimento inicial, pode ser oferecido às famílias, como ocorre no hospital em questão, um acompanhamento psicológico estruturado nos moldes da psicoterapia breve, de acordo com a anuência e disponibilidade dos usuários do serviço. Em geral são feitas sessões semanais ou quinzenais, com duração de 40 e 60 minutos. A psicoterapia breve, de acordo com Ferreira-Santos (1997), como o próprio nome indica, consiste em um tratamento de natureza psicológica cuja duração é menor que o de uma psicoterapia convencional e relativamente pré-determinada. E esta se caracteriza, sobretudo, por possuir objetivos pré-definidos e específicos, centrados na evolução de um tema focal, no caso, o diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida e seus desdobramentos.
Os atendimentos realizados na referida instituição se baseiam, mais especificamente, na modalidade de psicoterapia breve fundamentada no trabalho de Fiorini (2004), que a define como psicoterapia de apoio. Esta modalidade visa, essencialmente, promover a atenuação da ansiedade e outros sintomas clínicos gerados por uma descompensação ou crise, buscando o retorno do indivíduo a uma vida cotidiana mais tranquila, podendo envolver também a modificação de alguns padrões comportamentais, de acordo com o foco estabelecido. A estratégia básica da psicoterapia de apoio consiste no estabelecimento de um vínculo terapêutico tranquilizador, protetor e orientador. Nesses moldes, em atendimentos semanais ou quinzenais, ou mesmo em consultas psicológicas oferecidas na sequência das consultas médicas, podem ser trabalhadas uma série de questões chaves para os casos de famílias que recebem o diagnóstico de malformação fetal.
Dentre estas questões estão os sentimentos ambivalentes comuns a esta situação, e que devem ser acolhidos e legitimados. Estes sentimentos, segundo Suassuna (2008), podem fazer com que os pais, por acreditarem que não estão sendo capazes de amar seu filho, ou que o estão rejeitando, se sintam muito culpados. Pode-se mostrar aos pais que esses sentimentos são humanos e inclusive esperados nesses contextos. Muitas vezes, os pais também podem chegar a perceber que estes sentimentos estão diretamente relacionados à dor gerada pela notícia da malformação e às implicações negativas que esta acarreta, e não necessariamente direcionadas a criança em si.
Assim como afirmam Antoniazzi, Dell'Aglio e Bandeira (1998), Antunes e Patrocínio, 2007), para apoiar os casais em seu processo de luto, é necessário identificar os efeitos que o diagnóstico de malformação exerce em cada pessoa e especialmente quais são seus recursos de enfrentamento. Os mecanismos de defesa e estratégias de enfrentamento que cada indivíduo apresenta dependem, por exemplo, de seu histórico de vida, recursos pessoais e recursos sócio-ecológicos. Conforme Antoniazzi, Dell'Aglio e Bandeira (1998), cada pessoa pode oferecer respostas de enfrentamento de diferentes naturezas, sendo que estas, para uma melhor compreensão, são classificadas na literatura como: focalizadas na emoção; focalizadas no problema; envolvendo a busca de suporte social; envolvendo a busca de suporte na religiosidade; e envolvendo atividades de distração.
De acordo com as mesmas autoras, as respostas de enfrentamento focalizadas na emoção têm como função principal a regulação da resposta emocional causada pelo estressor em questão, podendo representar atitudes de afastamento ou paliativas em relação à fonte de estresse: como negação, dissociação ou projeção. Já o enfrentamento focalizado no problema, caracteriza-se quando o indivíduo engaja-se no manejo ou na modificação do problema ou situação causadora de estresse, visando controlar ou lidar com a ameaça, o dano ou o desafio. Estas são, em geral, estratégias ativas de aproximação em relação ao estressor e envolvem planejamento e solução de problemas.
Sobre a busca de suporte na religiosidade, Bortoletti, Silva e Tirado (2007) afirmam que algumas gestantes evangélicas "delegam todo o processo ao poder divino e, apesar de se submeterem aos procedimentos médicos propostos, estão sempre no 'aguardo' do 'milagre' de Deus" (p.62). As pacientes católicas também podem recorrer a medidas similares, buscando apoio em rezas, benzeduras ou promessas que possam tanto reverter o diagnóstico quanto apenas consolá-las e auxiliá-las a suportar o sofrimento. Quanto às gestantes espíritas, os autores observam que dentre essas predomina a crença de que a gestações tem a função de permitir que o bebê possa "se 'redimir' do que fez em vidas passadas, colocando o feto na posição de 'devedor' e a mãe no lugar daquela que tem que passar por esse sofrimento, para se redimir de um possível 'carma'" (p.62). Contudo, outras pacientes espíritas podem também acreditar que este acontecimento tenha um propósito não necessariamente expiatório, mas que seja uma oportunidade de aprendizado e "evolução espiritual", que mesmo trazendo sofrimento, levará a um fim positivo.
Quanto à busca de apoio social, de acordo com as proposições de Antunes e Patrocínio, (2007), pode ser muito positivo que o casal mantenha uma rede social ativa, procurando a companhia daqueles que lhes confortam e fazem bem. Além disso, o fato de procurar pessoas de sua rede social pode evitar que os casais se centrem somente na questão da malformação, permitindo que estes possam ter alguns momentos de alívio e bem estar, o que irá auxiliá-los a suportar melhor os percalços de todo o processo. As atividades de distração, como ler um livro, assistir um filme, ou qualquer outra que ocupe a pessoa com algo distinto da questão da malformação, têm efeito semelhante ao último efeito relativo à busca de apoio social.
Todos os diferentes recursos de enfretamento têm seu valor na medida em que permitem que indivíduos, de alguma forma, não sucumbam ao sofrimento. E é de suma importância respeitar as crenças e princípios das gestantes e familiares, bem como não destituí-los de suas esperanças. Contudo, é importante também apontar-lhes os dados de realidade que lhes permitirão lidar com os fatos e tomar as decisões necessárias. Sendo assim, durante os atendimentos, apesar de sempre acolhermos e respeitarmos os diferentes tipos de respostas de enfrentamento apresentados, trabalhamos com os dados de realidade acerca do diagnóstico e prognóstico do bebê, bem como os informamos sobre as diferentes possibilidades, por exemplo, de se proceder após o parto e com relação ao sepultamento do bebê.
Dessa forma, criam-se possibilidades para que os pacientes, a partir de seus próprios recursos, construam ou "aprimorem" respostas de enfrentamento focalizadas no problema. Estes tipos de resposta, por sua vez, além de permitirem que os indivíduos não sucumbam ao sofrimento, irão propiciar que eles se aproximem da realidade da malformação e tomem decisões mais acertadas. Assumpção Jr. e Sprovieri (in Suassuna, 2008) afirmam que ao negarmos a existência de determinados problemas, reprimimos os sentimentos relativos a eles para manter a situação sob controle, contudo, estes sentimentos podem irromper diante de novos acontecimentos. De outro modo, podemos também entrar em contato com esses problemas e seus respectivos sentimentos e refletir e trabalhar com nossa realidade de modo a torná-la mais satisfatória.
Apesar de os atendimentos visarem especialmente à criação de possibilidades para que os pacientes, a partir de seus próprios recursos, construam ou "aprimorem" respostas de enfrentamento focalizadas no problema, também é possível sugerir-lhes algumas estratégias. Dentre estas estão possibilidades mais práticas, como a busca de companhias agradáveis e que forneçam apoio emocional, de momentos de distração quando necessário, etc.
De acordo com Benute, Nomura, Lucia e Zugaib (2006), algumas gestantes realmente necessitariam visualizar o bebê e suas malformações para que estabelecessem um sentido psíquico para essa experiência, e até mesmo para que conseguissem crer no diagnóstico, e então empreender seu processo de luto. Outras, porém, prefeririam não entrar em contato com o bebê acreditando que isso até mesmo dificultaria o luto, e causaria muito sofrimento. Contudo, Rolim (in Antunes & Patrocínio, 2007), Benute, Nomura, Lucia e Zugaib (2006), afirmam que o confronto com a realidade da malformação fetal e a morte do bebê, bem como a atribuição de sentido e significados a esta, são fundamentais para que o luto seja concretizado. Sendo assim, visualizar o bebê e elaborar algum tipo de ritual de despedida pode facilitar esse processo. De qualquer forma, estas são questões que devem ser tratadas durante os atendimentos, sempre respeitando, evidentemente, o desejo do casal.
Os atendimentos psicológicos oferecidos no ambulatório de pré-natal de alto risco; do referido hospital; são mantidos após o parto e durante a internação (quando estes ocorrem no hospital). E, sempre que possível, pelos mesmos profissionais ou estagiários que já realizavam o acompanhamento no ambulatório. Assim, é oferecido às famílias o suporte da presença de um profissional com o qual já possuem um vínculo. Nesse momento é possível, se necessário, mediar a interação com a equipe e orientá-la quanto à importância do contato dos pais com o bebê e da realização de rituais de despedida no favorecimento do processo de luto. São feitas também orientações às famílias quanto à auto-observação relativa ao luto, para que estas possam buscar ajuda profissional posteriormente, caso encontrem dificuldade para superar o luto sozinhas. Caso necessário, são oferecidos ainda novos atendimentos psicológicos no mesmo ambulatório e/ou realizados encaminhamentos para outros serviços de atendimento psicológico.
Outra possibilidade ainda de atuação dos psicólogos em ambulatórios de pré-natal, e que é pouco explorada na literatura, diz respeito ao trabalho com os demais profissionais de saúde que atuam nos ambulatórios. Estes profissionais também são afetados pelos diagnósticos de malformação fetal e nem todos refletem constantemente acerca de seu comportamento e suas próprias dificuldades para lidar com esta temática. De acordo com Antunes e Patrocínio (2007), estes profissionais podem, por exemplo, por dificuldades para lidar com essa questão, ou mesmo na tentativa de evitar causar mais sofrimento aos pacientes, acabar não os informando devidamente. Contudo, agindo assim eles impedem que as famílias tenham plenas condições de tomar decisões necessárias. Desse modo, outras possibilidades de atuação dos psicólogos nesse contexto consistem em acolher e conscientizar a equipe de saúde no que diz respeito a estas questões.
Considerações finais
A evolução tecnológica possibilitou a detecção de malformações congênitas ainda intra-útero, o que acarretou uma série de implicações psicológicas para as gestantes e famílias que recebem esses diagnósticos. Diante disto, o presente trabalho buscou discorrer a respeito, primeiramente, das principais implicações psicológicas dos diagnósticos pré-natais de malformações incompatíveis com a vida para as gestantes e famílias. A revisão de literatura elaborada a respesito deste tema, além de ir ao encontro da experiência prática das autoras, é consideravelmente homogênea. Os textos diferem de acordo com as abordagens adotadas pelos autores nos modos de descrever os fenômenos, os quais são, entretanto, similares.
Desse modo, dentre as principais implicações psicológicas dos diagnósticos de malformação fetal levantadas estão: sentimentos de frustração, tristeza, raiva e culpa; impactos negativos na autoestima; isolamento social; e implicações comuns a qualquer processo de luto para o casal; bem como a exacerbação dos sentimentos ambivalentes comuns à gestação para as mulheres. Essas repercussões mostram o quanto é relevante o estudo do tema para a compreensão da complexa dinâmica psicológica que o subjaz. Copreensão esta que é indispensável ao oferecimento de assistência às famílias que vivem essa situação.
Assim, este artigo buscou, além de discorrer sobre as implicações psicológicas dos diagnósticos de malformações incompatíveis com a vida, discorrer sobre possibilidades de intervenção dos psicólogos em ambulatórios de acompanhamento pré-natal. No que diz respeito especificamente à atuação dos psicólogos em ambulatórios de pré-natal, a literatura aponta que atender estas famílias implica em oferecer um ambiente protegido e acolhedor, com uma escuta empática apropriada e ativa, e para além de acolhê-las, auxiliá-las a entrar em contato com os aspectos da realidade e a tomar decisões. Portanto, caso as famílias tenham interesse é importante fornecer atendimentos psicológicos regulares, realizados nos moldes de uma psicoterapia breve, para que estas tenham um espaço de acolhimento e reflexão sobre o que estão vivenciando. Sendo que, para isto é importante identificar os fatores de risco e de proteção apresentados pelas famílias, a fim de auxiliá-las a fortalecerem seus recursos de enfrentamento.
Os diferentes recursos de enfrentamento apresentados pelas famílias, por sua vez, devem ser sempre respeitados, tendo em vista que todos são importantes na medida em que possibilitam que indivíduos não sucumbam ao sofrimento. Contudo, é importante que se trabalhe com as famílias em cima dos dados clínicos reais, para assim criar possibilidades para que estas, a partir de seus próprios recursos, construam ou "aprimorem" respostas de enfrentamento focalizadas no problema. Isso porque essas respostas, além de lhes permitir não sucumbir ao sofrimento, propiciarão que ajam baseados em dados de realidade e, portanto, tomando decisões possivelmente mais acertadas. Entretanto, cabe salientar aqui que isto deve ser feito sem jamais destituir os pais de suas esperanças, pois além destas constituírem recursos de enfrentamento legítimos, a medicina não é uma ciência exata e, portanto, não pode definir com cem por cento de certeza muitos destes diagnósticos e seus respectivos prognósticos.
É possível também acompanhar as famílias durante a internação e, assim, dar continuidade ao atendimento oferecendo-lhes o suporte da presença de um profissional com o qual já possuem um vínculo. Nesse momento pode-se, caso necessário, orientar a equipe quanto à importância do contato dos pais com o bebê e da realização de rituais de despedida para o favorecimento do processo de luto. É preciso, ainda, fazer encaminhamentos para outros serviços de saúde psicológica, quando há demanda, bem como orientar as famílias quanto à procura por auxílio profissional quando estas identificarem não dar conta de empreender o processo de luto e sozinhas.
No decorrer da elaboração deste artigo, identificou-se também uma questão relevante a ser mais explorada na literatura, sendo esta: o impacto emocional do atendimento às famílias que recebem diagnósticos de malformação fetal incompatível com a vida, nos profissionais de saúde. Nem todos aqueles que trabalham com estas famílias têm a oportunidade de refletir acerca de seus sentimentos e comportamentos diante destes casos, bem como sobre suas próprias dificuldades para lidar com esta temática. Portanto, mais trabalhos nessa direção são necessários.
Por fim, é fundamental que o psicólogo também esteja atento a si e a sua atuação, uma vez que os relatos trazidos por estas famílias costumam revelar dores muito intensas, que nos mobilizam significativamente. Lidar com tal sofrimento, em muitos momentos, consiste em uma tarefa dura e desgastante. Contudo, é a consciência do nível de sofrimento que a notícia de uma malformação fetal incompatível com a vida pode gerar nas famílias e de que temos possibilidades de auxiliá-las a lidar com este dilema, que remete-nos à importância desse trabalho e o que o torna muito gratificante. E esta disposição existe especialmente quando os demais profissionais compartilham desta visão e colaboram, cada qual em suas especificidades e em trocas constantes, para oferecer o melhor acompanhamento possível para essas famílias.
Referências
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Recebido: 03/09/2013
Última revisão: 28/03/2014
Aceite final: 02/04/2014
Sobre os autores:
Mariana Moura dos Santos - Graduada em Psicologia (UFSC). E-mail: mariana.mrsnt@gmail.com.
Elisangela Böing - Doutoranda de Psicologia (UFSC). Psicóloga Clínica da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: elisangelaboing@gmail.com
Zaira Aparecida Custódio de Oliveira - Doutora em Psicologia (UFSC). Chefe do Serviço de Psicologia do Hospital Universitário da UFSC. E-mail: zaira@hu.ufsc.br
Maria Aparecida Crepaldi - Doutora em Saúde Mental (UNICAMP). Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSC. E-mail: maria.crepaldi@gmail.com