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Revista Psicologia e Saúde
On-line version ISSN 2177-093X
Rev. Psicol. Saúde vol.6 no.2 Campo Grande Dec. 2014
ARTIGOS
Prática de pesquisa e saúde docente: a narratividade como estratégia metodológica
Research practice and teacher's health: narration as a methodological strategy
Práctica de investigación y salud docente: la narratividad como estrategia
Janaina Madeira Brito; Maria Elizabeth Barros de Barros
Universidade Federal do Espírito Santo
RESUMO
Este artigo é parte de uma trajetória de pesquisa na interface entre Psicologia e Educação. Problematiza a constituição de políticas públicas para o cuidado à saúde docente. A pesquisa, realizada em um município da região metropolitana do Espírito Santo, analisa a formação dos pesquisadores, ao mesmo tempo em que produz intervenções intersetoriais a partir de um Fórum de Trabalhadores. A prática da narratividade é abordada como recurso teórico-metodológico no trabalho do pesquisador, fundada na experiência ético-político-formadora que configura a relação entre pesquisador-campo de pesquisa. A narratividade é ainda força motriz na problematização da saúde docente, entendida como efeito de uma experiência processual. Afirma a potencialidade de coletivos de trabalho nas pesquisas e nos territórios, como ferramenta na construção da saúde assentada em um corpo histórico, democrático, corpo da produção de subjetividades. Integram este debate autores principalmente da filosofia da diferença, da filosofia da história e da epistemologia da saúde.
Palavras-chave: Subjetividade; Saúde docente; Narratividade.
ABSTRACT
This article is part of a trajectory of research in the interface between Psychology and Education. The establishment of public policies for the care of teachers' health is problematized. The research, which was conducted in a metropolitan region of the State of Espirito Santo, enables the researches to have a differentiated training, while producing intersectoral interventions from a Forum of Workers, the practice of narrative is discussed as a theoretical- methodological approach in the work of a researcher, based on an ethical-political-formative experience that sets up the relationship between the researcher and the research field. Narration is still a driving force on the problematization of teachers' health, understood as the effect of a procedural experience. This text affirms the potentiality of collective labor, in the studies and in the territories, as tools in the construction of health in a both historical and democratic setting, not to mention as a body of production of subjectivities. Authors of the Philosophy of difference, the Philosophy of History, and also of the epistemology of health are main part of this debate, as well.
Key-words: Subjectivity; Teacher's health; Narrativity.
RESUMEN
Este artículo forma parte de una larga investigación en la interfase entre Psicología y Educación, al problematizar la constitución de políticas públicas hacia el cuidado de la salud docente. La investigación realizada en un municipio de la región metropolitana del Estado del Espírito Santo, posibilita una formación diferenciada a los investigadores, al mismo tiempo en que produce intervenciones intersectoriales a partir de un Forum de Trabajadores. En este texto, la práctica de la narratividad es tomada como recurso teórico-metodológico en el trabajo del investigador, fundada en la experiencia ético-político-formadora que configura la relación entre investigador-campo de investigación. La narratividad es todavía fuerza motriz en la problematización de la salud docente, entendida como efecto de una experiencia procesal. El texto afirma la potencialidad de colectivos de trabajo, en las investigaciones y en los territorios, como herramientas en la construcción de la salud asentada en un cuerpo histórico, democrático, cuerpo de producciones de subjetividades. Forman parte de este debate autores, principalmente, los de la filosofía de la diferencia, los de la filosofía de la historia, y los de la epistemología de la salud.
Palabras-clave: Subjetividad; Salud docente; Narratividad.
Notas introdutórias
Apresentamos, neste artigo, algumas questões que emergem nos processos de pesquisa em curso no Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Tais pesquisas tecem políticas públicas a partir do eixo "saúde docente". A trajetória do Núcleo de Pesquisa em Políticas e Subjetividades (Nepesp) do referido departamento, por meio do Programa de Formação e Investigação em Saúde e Trabalho (PFIST), reúne diferentes estudos movidos pela análise da atividade e dos processos de trabalho, incluindo a análise da atividade docente. Essas ferramentas, em interseção com algumas Clínicas do Trabalho, em especial com a Clínica da Atividade (Clot, 2011), tornam-se profícuas à problematização da saúde fora da perspectiva biópsico-médica, diferenciando-se, portanto, das formas hegemônicas de tratar o tema da saúde do professor.
Na pesquisa em torno da experiência da docência, produzimos uma malha de temas que atravessam o campo da Educação em suas múltiplas conexões com a paisagem sociopolítica brasileira: modos de gestar na Educação e produção de adoecimento; modos de organizar o trabalho e produção de saúde; práticas de saúde no e com sindicatos de professores; e a construção de comunidades de pesquisa. Promovemos, sob inspiração das Clínicas do Trabalho (Clot, 2011), aproximação à atividade do professor, considerando que "[...] toda a ação se encontra apoiada em dimensões genéricas, isto é, em culturas profissionais coletivas tornadas recursos durante a ação para a ação" (Barros, Rochi-Filho & Rosemberg, 2011, p. 55).
Assim, crescem entre as pesquisas realizadas pelo PFIST grafias em torno do "gênero profissional", dos "coletivos de trabalho", das redes de sentido e experimentações da vida de cunho não particularista. Os autores da Clinica da Atividade, como as referências supracitadas, subsidiam a abordagem destes temas e das apostas metodológicas que valorizam experiências coletivas. Estas experiências atravessam a do professor e se tornam importantes à produção de conhecimento que considera o cuidado ao trabalho docente como estratégia de construção e potencialização da Educação Pública brasileira. As experiências coletivas também influem sobre a prática do pesquisador que visa a fortalecer estratégias de produção de conhecimento cogestadas às intervenções concretas nos territórios sociais.
A narratividade como prática na pesquisa
No cenário aberto pela possibilidade de pensar a saúde docente por meio de políticas de cuidado, em que as pesquisas são perspectivadas no construtivismo, exercitamos práticas e recursos metodológicos como potencialidade em germinar "grafias não óbvias da docência" no terreno das abordagens da subjetividade. Terreno da Psicologia, como situado pelo historiador das Ciências, Georges Canguilhem (2012d), cujo trajeto favorece a constituição de nossa entrada nas produções que se aliançam em uma prática intersocial (Deleuze, 2005). A nossa pesquisa no PFIST entrelaça políticas de subjetividade-saúde-educação, fortalecendo uma prática de produção de conhecimento em torno do que chamamos narratividade: exercício ético que ajuda a configurar um processo formativo na tessitura empírica possibilitada pela vinculação à trajetória das pesquisas do Programa, vinculada, portanto, ao movimento de uma produção processual. O exercício da narratividade está estreitamente relacionado com a problemática de como a pesquisa "[...] escreve a vida e uma experiência" (Benjamin, 1994).
Afirmamos, de certa maneira, que a formação de pesquisadores e docentes da rede básica de ensino, quer dizer, todos aqueles que participam do processo investigativo, é atravessada pelo modo de exercitar a pesquisa, e a sua escrita é um dos efeitos dessa experimentação. A produção de dados, portanto, não é tão somente resultado de uma coleta; é efeito do que as pesquisas produzem nos pesquisadores e no campo empírico de forma coengendrada. Diríamos que a narratividade como prática reconhece e dá visibilidade à produção de conhecimento compreendida como análise na processualidade, ou seja, valorizando o registro no caminho de feitura das pesquisas. A narratividade, prática ao mesmo tempo de produção e formação, é, enquanto uma política de registro em processo, ferramenta para incrementar leitura, escrita, composições, movimentando, por exemplo, a construção do campo nos vínculos e parcerias estabelecidos. Em nossas pesquisas, a narratividade cria registros em meio aos diálogos com os diferentes envolvidos, os pares na universidade, os sujeitos da pesquisa, a comunidade de pesquisadores.
A narratividade é, portanto, prática que se faz nas pulverizadas conexões sociais, engendramentos conceituais, confrontos perceptivos e estranhezas sinestésicas. Ela se configura como força de inteligibilidade, efeito da produção de realidade desses processos de subjetivação que as pesquisas engendram, processos desafiadores, pois acolhedores de diferentes corpos, significações, misturas produtivas. Logo, cumpre especificar que esse tipo de abordagem, em que os dados emergem com a realidade, é tramado fora de promessas interpretacionistas, lineares, como aquelas de causa-efeito; problemas-solução e palavras-significado. A narratividade é trabalho de composição de corpos, também trabalho de escrita que, como expressão, faz costura na memória viva da experiência de campo com uma produção coletiva de existências.
No campo de pesquisa, onde há múltiplas experiências, a transitoriedade histórica grafa geografias existenciais: passando pela pele de nós, pesquisadores, embriagados de processos formativos com o mundo, e pela pele de outros, sujeitos de pesquisa, aliviados em encontrar expressão para a complexidade de seus modos de existência. A propósito, como a narratividade contribui para as práticas concretas de pesquisa no campo configurado pela Educação com a Saúde? Como esse exercício, pensando em termos do amplo e complexo "trabalho de composição", pode aludir diferentemente ao tema da saúde docente?
Antes de caminharmos um pouco mais com essas questões, consideramos importante trazer alguns fios que ajudam na tessitura da prática de aliança da Psicologia com a Educação e a Saúde. Para isso, dialogaremos mais uma vez com Canguilhem (2012a, 2012b, 2012c), no sentido de precisar um pouco mais esse terreno da produção de conhecimento onde os processos de subjetivação se fazem matéria. Em escritos de 1963, na França, Canguilhem interpreta as contribuições de Gaston Bachelard (1884-1962), o homenageado no mapa do pensamento filosófico e histórico das ciências no Ocidente. Bachelard (segundo a análise de Canguilhem) talhou caminhos na dimensão "construtiva" de ciência e defendeu a formação de determinado "espírito" de pesquisa. Nessa linha, a prática científica é atividade que "reorganiza uma experiência de pesquisa", entendendo o conhecimento como advindo de uma "ciência de efeitos" e não como uma prática de apaziguamento do conhecer. O pesquisador não opera apenas com descrições, mas com tensões e agonísticas, vindas das operações na produção de conhecimento. Por isso, o foco não estaria no que se deseja confirmar, mas nos "obstáculos" e nas "descontinuidades" da produção, enfatizamos, do processo de produção. Vale destacar que essa forma de pensar a produção de conhecimento é aliada à "filosofia do trabalho" e não a uma pura abstração idealista ou a uma prática de confirmação ideológica. Para nós, essa modalidade de atividade científica, além de indicar uma perspectiva diferenciada da tradição positivista-representacional, inspira uma política de pesquisa aliada às teorias como instrumentos de operação, contrária à colagem de conceitos nos campos, quando pré-fabricados antes dos confrontos e dialogias.
Tempos depois de Canguilhem dialogar com Bachelard, Pierre Macherey (2006), em posfácio da clássica obra Epistemologia da saúde, desfia esses efeitos da produção bachelardiana, que se afirmam como modalidade de trabalho em Filosofia das Ciências, quer dizer, implicando a problematização de como fazer ciência, enquanto Canguilhem nos ancorará em outra direção, isto é, com a História das Ciências, história dos conceitos e seus efeitos no mundo científico. Ambos, contudo, provocam-nos com propostas de pesquisa que não são apenas atividade de constatação, mas, sim, produção complexa, multivetorial, descontínua e desestabilizadora. Por isso aqui se coloca a problematização do trabalho feito com os conceitos, os encontros, os diálogos e empirias. Que racionalidade científica se opera em uma pesquisa? Que ciência se concebe com os movimentos de pesquisa em Psicologia, por exemplo? Como desenvolver uma política de escrita que se afirma no movimento de produção de subjetividade? Como, ainda, compreender os saberes da saúde neste tipo de malha produtiva, humana, viva e mutável?
Estamos agora, aqui, no Brasil, em um cenário onde encontramos certos desafios diante da complexidade de problematizar os sofrimentos, os padecimentos e os adoecimentos do professor por caminhos feitos nas descontinuidades e curvaturas do existir. Tais circunstâncias são pensadas por meio do viver e do narrar os processos de constituição da docência e da saúde. Constituições estas que, norteadas por investigações na narratividade, se aliançam com as referidas bases epistemológicas e, nisso, garantem espaço à experimentação de existências saudáveis configuradas nos arranjos públicos e coletivos e menos à abordagem dos acometimentos vivenciados individualmente, de forma intimista ou identitária.
Neste texto, traremos mais adiante um foco na vida do professor, para além da dinâmica do espaço-tempo escola, apresentando uma estratégia de produção por meio da pesquisa em saúde que excede a dimensão físiológica. Portanto, políticas públicas serão diagramadas a partir da problematização da saúde-adoecimento do professor, delineando o panorama de outra corporeidade, ou seja, corpo efeito da composição com a escola, o bairro, os serviços de apoio ao trabalhador, a associação de pais, o sindicato etc. Esta política de pesquisa tece, com um coletivo de trabalhadores de um município, a saúde por meio da construção de um fórum intersetorial, ação esta, em certa medida, também efeito de uma trajetória de pesquisa coletiva. A construção de dispositivos para intervir na saúde do trabalhador da Educação cria, assim, uma prática de pesquisa que movimenta o cuidado. Por conseguinte, um trabalho de escrita vem do efeito do que se desenvolve em uma prática de cuidado. A produção de conhecimento estabelece aí uma filosofia do trabalho aliançada entre a intervenção e a escrita, produção no tempo, quer dizer, registro da pesquisa tomado em conjunto da dimensão provisória, cambiante, múltipla da produção de vida. Traremos, a seguir, um pequeno recorte neste tipo de ferramenta que ajuda o pesquisador a operar com a vida da pesquisa produzindo uma política de acompanhamento do processo. Por fim, sinalizaremos como a produção de conhecimento da saúde docente, os conceitos a operar, os rumos das problematizações teóricas se engendram aos procedimentos demarcados pelo modo como o pesquisador opera sua atividade.
A narrativa como ferramenta do pesquisador e do pensamento processual
É que o diagrama é altamente instável ou fluido, não para de misturar matérias e funções de modo a constituir mutações. Finalmente, todo diagrama é intersocial, e em devir. Ele nunca age para representar um mundo preexistente, ele produz um novo tipo de realidade, um novo modelo de verdade. Não é sujeito da história nem a supera. Faz a história desfazendo as realidades e as significações anteriores, formando um número equivalente de pontos de emergência ou de criatividade, de conjunções inesperadas, de improváveis continuuns. Ele duplica a história com um devir (Deleuze, 2005, p. 44-45).
O processo de produção de conhecimento, naquilo em que a narratividade nos ensina sobre práticas de pesquisa, tem no trabalho com as narrativas uma ferramenta da atividade intelectual pautada na tessitura, alinhavada com o tempo, em uma produção de vida-campos empírica inconclusa. A narrativa se mostra fortalecida na feitura de emergentes e inesperadas conexões: de palavras, gestos, experimentações, afetos, pensamentos. Trabalho meticuloso, que faz o pesquisador operar com a narrativa como uma modalidade de "escrileitura de si e de mundo", e não apenas como uma transcrição do dizer ou da enunciação. Na prática, a narrativa traciona o movimento do pensar. Trabalhoso exercício cultivado em uma perspectiva cujas pesquisas se vivificam na organicidade do empírico, problematização que potencializa a constituição de ideias e cria arranjos teóricos na temporalidade da formalização da escrita (Bergson, 2006a; Deleuze, 1999).
A narrativa, como gesto do pesquisador em uma política de escrita, desafia o trato do corpo de fragmentos textuais vivos, ou seja, labutando as multiplicidades de caminhos que virtualmente se oferecem para elucidar diferentes questões na vida humana. Narrar é atividade do pesquisador. Tem-se, ao narrar, uma presença, escolha, decisão que também são intuídas em ato; ilusionadas na criticidade saltante no tempo, porque se quer com a vida a possibilidade de operar com a afirmação da multiplicidade da linguagem e das existências. Ao narrar, garantimos às existências e aos desafios mundanos letras tramadas com sentidos abertos e em construções ínfimas, operadas pelos registros mnêmicos, os mais díspares, paradoxais e intensos (Gagnebin, 2007). Neste momento, somos nós (pesquisadores) os narradores: formando e afirmando modos de pensar e escrever o mundo.
Como nos ensinaria Paulo Freire (2003), lemos e escrevemos este mundo, pois deixamo-nos ser marcados por ele. Ao narrar, lemos o mundo, agimos nele e aprendemos com ele a vivificar nossos registros de pesquisa. A aposta feita com a narratividade como prática e a narrativa como gesto do pesquisador é nas reverberações, desdobramentos, germinações do afetar-ler-agir-viver. Assim, o pensamento com as narrativas se mostra forçoso de espaços, ares e expansões no vivo, substancializado no alinhavo de uma produção conectiva com um universo humano não essencializado. Este pensamento que toma a narrativa como ferramenta, em pesquisas com atenção à processualidade, conecta-se aos feitos, às estranhezas e sutilezas das relações. A narrativa registra universos humanos cambiantes, em movimento, localizados nos paradoxos que configuram os modos de vida.
A operação com as narrativas é, portanto, um estratégico trabalho de expressão da experiência do existir humano como ser vivo, alternante, histórico. Em atenção à expressividade dessas vidas, cuidamos para não fragilizar a compreensão alimentando totalizações e universalismos. Logo, forçamos singularizações no narrar uma vida na docência! Como escrituras de mundo, interessa-nos o trabalho outro dos dizeres, exatamente por termos nisso uma oportunidade de vê as produções científicas carregadas de presenças humanas no mundo (Freire, 1996); de entradas e saídas para o pensamento; de aberturas na produção de conhecimento que se faz, assim, construída, acolhendo a imprevisibilidade dos encontros, dos acontecimentos e destinos. Por isso nossa pesquisa trata da construção de experiências e docências não óbvias. Há também, nela, o acolhimento à expressão do que desalinha a docência de modelos e expectativas de "padronagens". Atenção na abertura para o desconhecido, espreita da composição com o outro, pensada como um orientador ético. A pesquisa na narratividade é esta atenção à composição que é efeito da operação com os saberes; do agir com o outro no processo de feitura da pesquisa; por fim, formação deste corpo de pesquisador que se prepara para os encontros da pesquisa em um mundo habitado por tantas forças, temporalidades, intensidades.
A narrativa, necessariamente, nasce de uma modalidade de encontro e se evidencia como um chão nos textos das pesquisas que propõem um diagrama a partir das presenças mundanas. Ela só emerge no arranjo de uma produção narratológica feita com o outro, seja ele ouvinte, seja leitor (Benjamin, 1994). Nesse plano de composição producente, decorrente de alguma sintonia construída, é que surgem histórias a serem narradas (Foucault, 1979). Assim, criamos fatos relatados como ferramenta empírica que cria encaixes desejosos no ler e no dizer o mundo dos encontros de uma experiência de pesquisa. Ao produzirmos singularizações do ver-dizer, agimos no mundo marcando presenças singulares, docências singulares, produções de saúde que também se mostram singulares. Isso quer dizer que, nas malhas do texto que a própria pesquisa vai desenhando, entre fios e tessituras, é a vida movente que nos brinda com pequenos pontos, franjas, significações, "surgimentos" na produção narratológica. Podemos entender, a partir de Bergson (2006b, p. 119), que a textualidade narrativa faz saltar do pensamento exatamente o que se dá na adversidade, mostrando aquilo que é possível (e atualizável) como efeito de uma experiência no a posteriori de um tempo (na duração). Portanto, a existência do professor, que é uma existência que sempre se prolonga, ao se tornar localizável, com um chão, faz-se visível em uma sutil e desafiadora subversão de que "[...] é o real que se faz possível e não o possível que se torna real [...]". Acerca desse aspecto, a narrativa de saúde na docência não pode ser preditiva, ou sequer prospectiva. Ela pousa no e do tempo prolongável das histórias na vida do professor, apresentando a saúde docente a partir da construção de uma experiência de docências saudáveis.
No corpo das múltiplas composições, a narrativa que nos faz ver e falar, narrativa que produz visibilidade no tempo das vidas, fortalece a aposta na coletivização que explode com os isolamentos das experiências do professor no mundo. A narrativa se mostra, então, como máquina empírica e sensória na paisagem de arranjos entre narrador-campo-escrita na narratividade... E não será outra coisa, senão uma produção de nós! Uma produção no tecido de uma prática coletiva de pesquisa, ou seja, de uma experiência de tessitura de vida-escrita em que a prática política da narratividade cria abertura. O exercício operado pela pesquisa na narratividade é o cultivo da disponibilidade de acolhimento ao outro e de produção de alteridade. Esse é o desafio da construção de histórias vindas de experiências coletivas, em pesquisas-composição, práticas que extraem conhecimento vivo, orgânico, que se produzem pelos efeitos da pesquisa, como já indicado, sem garantias de saber no a priori dos encontros com o mundo.
Pesquisa processual: o território produz saúde docente
Os professores chegam às escolas saudáveis, centrados, organizados, de repente a gente vai sentindo que vão ficando debilitados, até chegarem ao ponto crítico, aí começam a tirar várias licenças (Depoimento de um Professor).
O presente texto mostra como a narratividade é uma prática de pesquisa da composição, e nisso o gesto do narrar recolhe da empiria do campo seus indícios. Os conceitos também nascem do campo, influenciando as trajetórias de pesquisa. Nesta última costura, acompanha-se este movimento. Barros, Rochi-Filho e Rosemberg, (2011) demostraram os estudos realizados pelos pesquisadores do Programa de Formação em Saúde e Trabalho (PFIST), desde o ano de 2004. Pesquisas com a rede conectada às escolas públicas de Serra, região metropolitana de Vitória, Espírito Santo, não são lineares, tampouco há um desenvolvimento "etapista" para o conhecimento.
Como indica a própria organicidade vivida nas Políticas Públicas, com as pesquisas, se processa um movimento fluido, redirecionado e cheio de alteração nas velocidades, provocado pelas descontinuidades nas relações de parceria, pela transitoriedade dos integrantes em formação no Grupo de Pesquisa, pelos deslocamentos feitos no tempo com as apostas metodológicas e as alianças político-interventivas. E o que isso produz? Muitas linhas de trabalho e campos problemáticos durante uma trajetória de produção de conhecimento: formação de comunidades ampliadas de pesquisa nas escolas e na universidade. Também entrevistas com membros do sindicato dos professores e educadores da Secretaria Municipal. Experimentação de oficinas, fotografias e vídeos como recursos "[...] para fazer ver e falar a potência disruptora presente na atividade humana, neste caso, na atividade de trabalho" (Souza et al., 2011, p. 101), mais especificamente na atividade de trabalho docente.
Nesses diálogos disparados em diferentes espaços-tempos, mapeia-se: a questão físico-postural do professor; os precários recursos materiais das escolas; os efeitos nocivos sobre a voz; o impacto da dinâmica e agitação das crianças; a ansiedade de ensinar por parte dos docentes; as fadigas; as famílias ou, ainda, as desqualificações vividas no trabalho e os modos de organizar o processo pedagógico. Como observável, é o cotidiano do próprio trabalho que vem sendo indicado pelos professores como fonte de adoecimento.
Em certo tempo do processo investigativo no PFIST, a parceria com o Sindiupes (sindicato dos professores do Espírito Santo) avança no sentido de integrar os saberes dos próprios trabalhadores no processo de análise e problematização. Essa experiência colaborou para importante deriva na compreensão tradicional ao "[...] pensar a saúde não somente como assistência, mas, também, como estratégia de luta e transformação política [quer dizer], [...] luta por melhores condições e organização do trabalho, por uma educação que tenha como princípio a autonomia dos trabalhadores e seu potencial inventivo" (Barros, Bonaldi & Brito, 2009, p. 74-75). É nesse encontro com instituições ligadas à construção de Políticas de Educação, instâncias de representatividade do professor, que uma diferenciada perspectiva de pensar o tema da saúde vai se mostrando empiricamente possível. As pesquisas provam sua condição de intervenção se aproximando das ações estratégicas do sindicato, por exemplo. Nessa forma de produzir conhecimento, a costura amplia a possibilidade de o tema ir a debate no cotidiano de trabalho, mostrando a relevância da problemática nas redes de ensino. Mas, afinal, o que adoece, fragiliza, entorpece o corpo exatamente? Vem de onde? Por quais dessas brechas das experiências da educação passa o adoecimento do professor?
Essas e outras questões ocorrem rapidamente. Junto com elas, um perigo de produzir encargo responsivo para as pesquisas comumente convocadas no lugar do "solucionismo". Já depurado dos projetos realizados por este grupo de pesquisa, observamos que indicá-los, constatá-los, nomeá-los (os ditos problemas que adoecem) não têm podido minimizar experiências de adoecimento neste e em outros coletivos de trabalhadores, embora seja notória a necessidade de não silenciá-los. "O que adoece" ou "o adoecimento" coloca um desafio para as pesquisas que abordam a saúde docente, ao mesmo tempo em que se dá visceralmente para quem vive. Para as práticas de pesquisa, o desafio está no modo como produz o pensamento, como problematiza as questões ou cria métodos e ferramentas de pesquisa que, ao mesmo tempo, constrói a experiência da saúde, quer dizer, coloca o complexo tema do adoecimento do professor em pauta: na agenda dos coletivos, da gestão, dos trabalhadores.
A não negligência dos crescentes sinais do adoecimento do professor nos protege de naturalizar um cenário produtor desse adoecimento, como o que vem acontecendo por meio das precarizações e fragmentações do trabalho, do caráter restritivo e instrumental das formações e, sobretudo, pelo alijamento de processos coletivos. Nessa baia, a produção de denuncismo fragiliza ainda mais os trabalhadores, quando não instrumentaliza em análises do trabalho, nem possibilita a ampliação da "extensão dialógica" como proposta metodológica, ética e política no cotidiano (Freire, 1996, 2003). Práticas autoritárias e aprisionadoras do corpo-docente encontram, assim, terreno fértil para obscurecer a potência disruptora que valorizamos na experiência humana em atividade, ou seja, em vida, na processualidade da prática educativa, educando. Mas, então, que caminhos experimentar como modalidade de produção de conhecimento? No arranjo concreto com os territórios dos educadores, como não repetir esses perigos que desinstrumentalizam o trabalhador? Como construir a experiência da saúde do professor em perspectivas de composição e de dialogia?
Faremos algumas pausas no relato das pesquisas do grupo, para evidenciar os pontos que articulam a saúde e o trabalho na Educação, cujo território e os parceiros nas experiências de campo ensinam quais conceitos devem ser operados e quais práticas germinar nas pesquisas: a) a importância de construir uma abordagem da saúde nem cientificista, nem positivista, tampouco biópsico-médica, o que levaria a uma forte tendência a pensar curas, revisões de rota, tratamentos, reformas educacionais, comportamentais etc. Nessa via, fragilizaríamos o amplo processo que implica conhecer a multiplicidade de linhas que configuram a experiência da "saúde-doença". Poderíamos, também, cair no risco responsivo e assistencialista, sem mesmo instrumentalizar o pensamento à elaboração de uma perspectiva de cuidado ao professor; b) é preciso pensar uma entrada para a saúde pela atenção aos processos de trabalho, ampliando recursos conceituais e metodológicos da análise da atividade docente, contínua e processual no cotidiano das vidas. Cria-se, assim, acesso às reverberações do trabalho, da qualidade e implicações deste trabalho na condição de "saúde-doença". Conhece-se o quanto os modos de gestar e viver o trabalho se desdobram em efeitos no processo comumente significado como adoecimento. É por essas indicações do campo que se considera significativa a contextualização feita no início do artigo, a saber, a pertinência do campo analítico advindo dos intercessores das Clínicas do Trabalho.
Mapeando essas questões, podemos agora voltar a Canguilhem (2005). Neste momento, porque tonifica a saúde como uma experiência social; um conceito e um dispositivo para cuidar de outros aspectos da vida do professor. Nessa ampliação epistemológica da saúde, o autor alertaria: ser saudável não é oposição a estar doente. Doença não é oposto à saúde, como momentos e estados estanques no processo da vida humana, do vivo, do vivente. A doença é o risco do ser vivo como tal. É obstáculo a convite de desvio, por isso mesmo é intrínseca à experiência do viver, provocadora de mutação no tempo da história e da vida humana. Por isso conhecer o que adoece ou problematizar o adoecimento em pesquisas em que a subjetividade é o terreno conduz a pensar para além do organismo. Canguilhem (2005, p. 30) chama ainda a atenção: "[...] é abusivo confundir a gênese social das doenças com as próprias doenças". Ao mesmo tempo, é desafiador pensar "a própria doença" como uma experiência não essencialista, mas, sim, como uma experiência que ganha existência na complexidade que tem aquilo que degrada e desvitaliza, como componente do viver e do vivo. A partir daí, a complexidade de pensar o "adoecimento do professor" se coloca, na acuidade desse delicado processo que é reconhecer um organismo situado na experiência do não orgânico.
Esse desafio encontra uma saída produtiva na perspectiva de pensar a saúde do professor como corpo marcado pela historicidade, ou seja, uma abordagem da "saúde-doença", fazendo-se pela via processual na tessitura da vida e das formas de enunciar o viver (Foucault, 1979). Neste caso, do viver na escola, no bairro, com o trabalho, a família, o lazer, o conhecimento etc. Na pesquisa com a narratividade, o que cultivamos é um corpo com "sentimento histórico" (como nomeia Foucault (1979) ao pensar as genealogias), corpo que desenvolve diferenciada atenção às histórias que derivam na mutabilidade como expressões da vida: fora do prisma de rótulos e receitas; fora de determinados diapasões que excluem as singularidades e as variações do existir.
Produz-se, com isso, um corpo-professor que também é habitante da subjetividade que se expressa nas tessituras (multilineares) do existir como professor. Um corpo marcado por amplas experiências que se enunciam e se testemunham na história da docência, transeunte da cultura, da movimentação social, das políticas de trabalho e também das Políticas Públicas que constituem a experiência amplificada da Educação, diagramando, junto, a saúde docente. Ao nos lambuzarmos do mundo do professor e ao esgarçar o não organismo na organicidade da vida docente, neste difícil alargamento da noção "saúde-doença", indicamos aqui algumas franjas produzidas ao longo dos anos e importantes para as pesquisas no município de Serra/ES (Dadalto et al., 2011, p. 168-170).
Sobre a saúde na escola:
Discutir a produção de "saúde-doença" nas escolas configura-se como algo que vai muito além da preocupação com o grande número de licenças e afastamentos de docentes de suas atividades, mas nos leva a pensar na forma como a atividade docente se organiza, se realiza em seu dia a dia.
Sobre a relação saúde e cotidiano:
Boas condições de trabalho englobam não apenas ambientes ergonomicamente adequados, bons salários e administrações éticas, mas também espaços democráticos de discussões acerca da atividade docente [...] em espaços de fala-escuta que sejam construídos no cotidiano e se mostrem atuantes na abertura a novas possibilidades de ensino-aprendizagem, na gestão efetivamente democrática.
Sobre os desafios das pesquisas com o tema:
É com esta intenção que buscamos priorizar o debate sobre saúde e trabalho, que ainda circula tímido, evitando que o tema venha a tornar-se apenas um dos objetos de barganha e disputa política em meio às ações sindicais e às políticas governamentais de Educação.
Portanto, para expandir os sentidos da problemática saúde-adoecimento, é preciso situar neste corpo de órgãos uma historicidade semântica e producente de diversas modalidades de cuidado e de conhecimento. Diferentes atravessamentos se dão na vida e no corpo do trabalhador. Entre eles, destacamos as formações, as concepções de Educação, os modos gestionários, os serviços de apoio ao professor, o currículo no cotidiano escolar e a escola integrada ao bairro. Esses atravessamentos podem operar outra textualidade na experiência de vida do trabalhador e forçam a problemática da expansão dos contornos da Educação Pública, ampliando inclusive sua potencialidade interventiva nos territórios. A saúde do professor é também aquilo que passa a se constituir nessas experiências que confrontam, tensionam, misturam existências nas coletividades, nos territórios, nas ações com a Educação e para além da Educação. Nesse caminho, não cabe aplicar saúde ao ser não saudável e cabe menos ainda procurar saúde apenas em consultórios, centros médicos e unidades de saúde, como se experiência, sentido e acometimento fossem adquiridos como produtos ou serviços de uma racionalidade moderna e positiva. Se adoecimento é transcurso do viver, como a saúde também o é, a questão que se coloca não é propriamente possuir ou não saúde, adquirir ou não saúde, mas ampliar, no cotidiano da vida humana, o grau de produção de saúde.
É possível ampliar as condições de saúde no trajeto do viver inclusive com aquilo que a vida tem de obstacularizante, precarizante, somatizador. Mas aqui vale uma ressalva: isso não é resiliência, porque não se trata de instrumentalizar indivíduos para enfrentar o mal e ser saudável. Trata-se, diferentemente, de atentar para esse liame sutil, desafiador, intermediário de extremos, que é a condição para as vidas se movimentarem, atuando na gênese social das doenças, não se resignando no fatalismo dos experimentados problemas e acometimentos, ou seja, criando saídas. Já sinalizamos, em outro momento deste artigo, que defendemos (na vida e no vivente) essa força do inacabamento: matéria da narrativa como produção de vida no texto e matéria da saúde como condição de ação do vivente às inscrições de seu corpo no mundo. Por isso a importância de uma política de pesquisa que traga aliança entre a perspectiva epistemológica, os recursos metodológicos (percurso, ferramenta, gestos do pesquisador...) e o vivo do campo. É pela aliança que se opera a curvatura semiológica onde a atenção para os cenários de precarização do trabalho precisam se compor com estratégias de produção do não precário, precisam abrir para o vitalizante, para o que potencializa a experiência de ser professor na Educação Pública. Afirma-se ao mesmo tempo como conhecimento o efeito do que é produzido como experiência para a vida do professor. Tal saída ético-política, inclusive, parece bem-vinda nesta paisagem chamada Brasil, onde nosografias isoladas não têm se mostrado armas de luta diante das imensas mazelas vivenciadas. Nossa percepção dessas pesquisas encontra a Educação mais fortalecida quando atravessada pelas ventarolas sociopolíticas da territorialidade brasileira. A escola se fortalece quando pode pensar essa tessitura jurídica, administrativa, pedagógica, filosófica e cotidiana, constituindo o corpo dos professores. O processo de trabalho se amplia quando considera o processo de formação em malhas coletivas. O professor pode, enfim, construir melhor a experiência de sua saúde, quando esta se mostra na renormatização das diferentes composições com os problemas técnicos, políticos e científicos, com efeitos em suas vidas. Contudo, isso exige que possamos construir a Educação como política pública, aberta ao território, provocadora de uma envergadura nas ciências, nas teorias e formações.
A trajetória do Programa de Formação em Saúde e Trabalho se desdobra, neste momento, num processo no qual o coletivo de pesquisadores, diferentes setores do Poder Público (municipal e estadual) e a sociedade civil organizada estão constituindo um Fórum Intersetorial como dispositivo para a formação de Comissões de Saúde do Trabalhador da Educação (Cosate). As Cosates (estratégias da Política Nacional de Saúde do Trabalhador) se tornam chance de ampliar a participação, o protagonismo e a autogestão dos trabalhadores da Educação nos processos de adoecimento, do risco e do absenteísmo no trabalho. Como dispositivo democrático, essas comissões trazem a saúde para um terreno próximo e fértil de cuidado, que é o ambiente concreto e cotidiano de vida dos educadores. O Fórum pró-Cosate, como experimentação coletiva de políticas públicas, é também aposta para que novas paisagens existenciais sejam experimentadas pelos profissionais no exercício de um novo e provisório corpo, atento às meticulosidades e aos interstícios que constituem a produção de saúde docente, derivada dessa perspectiva de produção de subjetividade.
Verifica-se que diferentes processos de pesquisa se abrem e se configuram com o Fórum. Uma gama de ações: reuniões com professores nas escolas, visitas aos setores de saúde do trabalhador e de perícia laboral, reuniões com setores da gestão municipal, processos formativos na experiência da narratividade. Essas frentes diagramam problemáticas, visibilizam a experiência educativa no cotidiano e ainda sinalizam as costuras empíricas para as narrativas da saúde docente em curso. As escolhas em torno das narrativas passam a fazer sentido na composição com o que de atual se produz no território vivo do município. A matéria, a empiria, os fatos historiados do campo não são uma decisão aleatória dos pesquisadores. É a experimentação com o Fórum, com as comissões, com o sindicato, o cotidiano da gestão e do trabalho do professor que cria a malha significante da produção de conhecimento, possibilitando no território alguma produção de efeito à realidade docente experimentada.
Notas finais
Pesquisas ousam ao possibilitar alteridade nas experiências de formação dentro e fora da universidade. O investimento nos coletivos; a construção do cuidado ao trabalho do e com o professor; a constituição de fóruns como aquecimento de redes em debate, tudo parece expandir o mundo da Educação com novas historicidades e realidades. O mote tem sido sustentar na universidade, ou fora dela, um movimento do pensamento operado nas descontinuidades semânticas e lógicas, em uma propulsão problematizadora menos ilhada e constituidora de realidades menos áridas. Portanto, essas são posturas tributárias de um processo formativo desenvolto nesta difícil acuidade do sensível que advém do exercício de alteridade.
O intento de produzir realidades, as formas do dizer (narrativas de docentes, relatorias de pesquisa, artigos escritos pelos pesquisadores) e o acervo mnêmico que vive nessas produções desenham os mundos, municípios, contextos educacionais. Movimentam neles os temas, sujeitos e desafios de pesquisa na Educação. Fabricam, ainda, arranjos analíticos, os menos ordeiros, mas relevantes, pois garantidores do desenvolvimento das pesquisas, mesmo que não se deem em linhas evolutivas. Nessas produções, afirmamos vidas no que é processual, no inacabado, difuso e modular. De nossa parte, trata-se da defesa de um modo de pesquisar e se posicionar politicamente na relação com o trabalho de pesquisa, no estar com o outro, unindo o ficcional e o criador das relações nessa tessitura do si-mundo. O esforço de composição na significação da vida, o que implica o trabalho de registro da pesquisa, a política de escrita dos resultados da pesquisa, não pode esquecer que é sempre de uma política da narratividade que se trata (Passos & Barros, 2009). Política alimentadora de uma poesis interessada no confronto com a maneira como vivem as pessoas, com os campos problemáticos fagulhados em meio às lutas e desassossegos reais dos territórios. Reconhecemos: tarefa árdua para a Academia, mas, ao mesmo tempo, potente na criação de novas forças diante dos desafiadores territórios sociais.
Afirmamos, assim, a perspectiva ética que possibilita a formação de um pesquisador como intercessor na construção de realidades moventes, em redes significativas de vinculações e afetações. Quando, no princípio do artigo, apresentamos a narratividade como experiência de trabalho e formação, é porque ela nos ajuda a atentar para esses fios de histórias tramadas no chão do mundo como âncora para as derivas do trabalho do pesquisador. Bonito labor de pensar o desconhecido por ladrilhos ora flexíveis, ora mais assentados, moventes, normativos...
Referências
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Janaina Madeira Brito
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Recebido: 31/03/2014
Última revisão: 15/09/2014
Aceite final: 29/09/2014
Sobre os autores:
Janaina Madeira Brito - Psicóloga, doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pesquisadora do Programa de Formação e Investigação em Saúde e Trabalho (PFIST) com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes). E-mail: jhanybrito@gmail.com
Maria Elizabeth Barros de Barros - Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). E-mail: betebarros@uol.com.br