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Revista Psicologia e Saúde

On-line version ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.8 no.1 Campo Grande June 2016

https://doi.org/10.20435/2177093X2016105 

Trabalho em saúde mental e estresse na equipe: questões para a política nacional de humanização/SUS

 

Studies on mental health and team stress: issues for the national humanization policy/SUS

 

Estudios en salud mental y estrés en el equipo: cuestiones para la política nacional de humanización/SUS

 

 

Renata BellenzaniI; Daniela Megliorini ParoII; Marina Cardoso de OliveiraIII

IUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul
IINúcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) de Chapadão do Sul, MS
IIIUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul

Endereço

 

 


RESUMO

Um dos focos da Política Nacional de Humanização (PNH) é promover saúde e bem-estar dos profissionais do SUS; a literatura aponta sua vulnerabilidade ao estresse ocupacional. Um estudo quali-quanti (observações etnográficas e aplicação da Escala de Estresse no Trabalho - 13 respondentes) investigou o estresse na equipe de um CAPS e suas práticas/processos de trabalho. Diagnosticou-se "nível intermediário de estresse" na equipe (M=2,5); 09 de 23 fatores psicossociais tiveram médias acima de 2,5 (altamente estressores). As mais altas: deficiência nas capacitações (M=3,8) e na circulação das informações (M=3,2); discriminação/favoritismo na instituição (M=3,2). A análise qualitativa, construcionista social, elucidou processos psicossociais e sentidos, "por trás" dos fatores objetivos, construídos sobre a assistência, a instituição e seus problemas. Destacam-se: sensações de despreparo técnico, tensões interpessoais, dificuldades comunicacionais e de lidar com a "loucura". O estresse elevado sugere possível "desumanização" dos/ nos processos de trabalho do serviço e na sua relação com a gestão.

Palavras-chave: Humanização; Saúde mental; Estresse; Saúde do trabalhador; Centro de Atenção Psicossocial.


ABSTRACT

One of the focuses of the Brazilian National Humanization Policy (NHP) is to promote SUS's staff health and wellbeing; literature indicates staff's vulnerability to occupational stress. A quali-quanti study (ethnographic observations and Work Stress Scale - 13 respondents) investigated stress level among staff in a Psychosocial Care Center and their work practices/processes. "Intermediate level of stress" (M=2.5) was diagnosed on the team; 9 out of 23 psychosocial items had averages above 2.5 (highly stressful), the highest being: deficit in professional training (M=3.8); information flow (M=3.2); and institution discrimination/favoritism (M=3.2). Qualitative analysis, through social constructionist epistemology, elucidated psychosocial processes "behind" quantitative results. Worth mentioning: unpreparedness, helplessness, interpersonal conflicts, communication issues and problems on how to deal with "insanity". High stress levels suggest a possible "dehumanization" of working processes or at work, and its relation with management.

Key-words: Humanization; Mental health; Stress; Occupational health; Psychosocial Care Center.


RESUMEN

Uno de los focos de la Política Nacional de Humanización es promover la salud y bienestar de los profesionales del SUS; la literatura apunta para la vulnerabilidad al estrés ocupacional. Un estudio quali-quanti (observaciones etnográficas y Escala del Estrés en el Trabajo - 13 encuestados) investigó el estrés en un equipo de un Centro de Atención Psicosocial y sus prácticas/procesos laborales. Se diagnosticó un "nivel intermedio de estrés" en el equipo (Prom. 2,5); 9 de 23 factores psicosociales tuvieran promedios arriba del 2,5 (altamente estresantes). Los más altos: deficiencia en capacitaciones (3,8); y en la circulación de informaciones (3,2); discriminación/favoritismo en la institución (3,2). El análisis cualitativo, construccionista social, elucidó procesos psicosociales y sentidos, por "detrás" de los factores objetivos, construidos sobre la asistencia, la institución y sus problemas. Se destacan: la sensación de falta de preparo técnico, tensiones interpersonales, dificultades comunicacionales, y de manejo de la "locura". El estrés elevado sugiere una posible "deshumanización" de los procesos laborales y en su relación con la gestión.

Palabras clave: Humanización; Salud mental; Estrés; Salud del obrero; Centro de Atención Psicosocial.


 

 

A partir do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira no final dos anos 70, a Política Nacional de Saúde Mental do Sistema Único de Saúde (SUS), em 2001, instituiu os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) para o tratamento das pessoas em situações de sofrimento e adoecimento mental, com o objetivo de superar a lógica assistencialista da segregação, em direção à lógica da produção de saúde e de laços sociais (Fagundes & Libério, 1997; Tenório, 2002). O novo modelo assistencial exigiu dos profissionais de saúde mental novos modos de organização do trabalho e de divisão das tarefas pela equipe, ainda em construção (Silva, 2005).

No cenário dos grandes desafios para a consolidação e qualificação dos serviços que compõem o SUS, é que foi instituída, em 2003, a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (PNH) -transversal aos três níveis de atenção à saúde, às várias políticas e às modalidades de serviços (Brasil, 2006). Por meio de "um conjunto de princípios e diretrizes que se traduzem em ações [...]" (Brasil, 2004, p.7), visa-se, principalmente, transformar os padrões de relações sociais e os processos de trabalho em equipe, na assistência e na gestão (Hennington, 2008). A noção de humanização configura-se como um "mote" para valorizar os diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores (Bueno, Augustinho & Carvalho, 2003).

Dentre os valores associados à humanização, estão: o suprimento das necessidades sociais e de saúde - tanto dos usuários quanto dos trabalhadores -; a melhora da ambiência, das condições de trabalho e de atendimento (Brasil, 2004; Ayres, 2004; Deslandes, 2004; Fortes, 2004; Hennington, 2008). Os problemas a que se dedica a PNH, como a precarização da estrutura, dos processos de trabalho no SUS, e das relações entre os indivíduos, vão ao encontro do que a literatura acadêmica tem apontado sobre os riscos à saúde dos trabalhadores do SUS:

[...] estressores como falta de estrutura física para o desempenho de atividades, alta demanda de atendimentos, dentre outros, aliados aos estressores da sociedade contemporânea, podem levar a uma deterioração da qualidade de vida desses profissionais, interferindo diretamente em seus trabalhos (Carvalho & Malagris, 2007, p. 580).

"Os profissionais da saúde estão sujeitos em todo momento de seu lidar profissional, a situações e ambientes considerados fontes de pressão" (Dalcin, 2009, p. 20).

O que tem sido afirmado sobre os riscos ao bem-estar e à saúde dos trabalhadores da saúde em geral, também se aplica fortemente, e com especificidades, aos trabalhadores de saúde mental - por exemplo, a maior exposição ao estresse ocupacional (Coyle, Edwards, Hannigan, Fothergill & Burnard, 2005; Fensterseifer, 1999; Ramminger, 2002; Rego, 2000; Santos & Cardoso, 2010).

Revisão de trabalhos internacionais publicados entre 1966 e 2000, sobre estresse ocupacional de trabalhadores sociais da saúde mental (semelhantes, no Brasil, aos assistentes sociais), destaca níveis relativamente elevados de ansiedade e depressão, comparados à população geral e aos trabalhadores de outras profissões (Coyle et al., 2005). O modelo de estresse de Carson e Kuipers (1998) é o mais disseminado; ele distingue três níveis do processo de estresse: os estressores, os processos mediadores de estresse e os resultados do estresse.

Estudo no Brasil, que investiga condições relacionadas ao estresse em profissionais de um CAPS, aponta como fatores estressores: tamanho insuficiente das salas (o que aumenta a incidência do calor) e inadequações da iluminação, refrigeração e ventilação; falta de estabilidade empregatícia (contratados, não concursados); baixos salários; dupla jornada de trabalho e falta de capacitação que se associa a inseguranças no trabalho com os pacientes (Dalcin, 2009).

Dois estudos realizados com equipes de CAPS, em Campinas-SP e Goiânia-GO, apresentam resultados semelhantes quanto aos fatores que contribuíam para o sofrimento dos trabalhadores de saúde mental pesquisados, sendo eles: a baixa remuneração; as más condições: física e material dos estabelecimentos; a limitação das redes de suporte e promoção social; a diferenciação de contratos de trabalho, por vezes precários; a carência de uma política de cuidado para os trabalhadores da saúde; e o próprio fato de lidar com a loucura (Ferrer, 2007; Silva, 2007).

Há poucas ações voltadas à saúde do trabalhador de saúde pública como capacitações, reuniões de equipe, redução de jornada de trabalho, supervisão e exercícios de saúde laboral (Ramminger, 2005, p.83).

Diante do exposto, os riscos à saúde dos profissionais que prestam serviços em saúde mental merecem atenção dos pesquisadores e dos gestores da saúde pública, em especial daqueles responsáveis por viabilizar serviços mais humanizados.

Assim, aportes teóricos e metodológicos da Psicologia da Saúde e da Psicologia Organizacional e do Trabalho são relevantes em estudos de diagnósticos organizacionais - que possibilitam compreender crenças, afetos, sentimentos e comportamentos relevantes para a compreensão da dinâmica institucional (Siqueira, 2008).

Esta pesquisa1, nos moldes de um diagnóstico organizacional, teve o objetivo de investigar a dinâmica de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) com relação a: 1) práticas/processos de trabalho da equipe e os sentidos produzidos no cotidiano; 2) estimativa do nível de estresse ocupacional; 3) identificação dos principais fatores psicossociais estressores, compreendendo-os articuladamente ao contexto de produção de sentidos das/nas experiências dos trabalhadores. Subsídios da PNH foram utilizados, por seu foco, entre outros, na preservação da saúde e do bem-estar dos profissionais do SUS a partir de ações de cogestão no planejamento e avaliação do trabalho em saúde.

Marco teórico-metodológico para o estudo do estresse ocupacional ou estresse no trabalho

O estresse ocupacional se refere a "um processo em que o indivíduo percebe demandas de trabalho como [aspectos] estressores, que, ao excederem suas habilidades de enfrentamento, provocam no sujeito reações negativas" (Paschoal & Tamayo, 2004, p. 46). Pode acarretar tanto prejuízos à saúde dos trabalhadores, como impactos no funcionamento das organizações (Yarker, Donaldson-Feilder & Flaxman, 2007 in Santos & Cardoso, 2010).

De acordo com Jex (1998 in Paschoal & Tamayo, 2004, p. 45), as definições de estresse ocupacional dividem-se de acordo com três aspectos:

(1) estímulos estressores: [...] estímulos do ambiente de trabalho que exigem [dos trabalhadores] respostas adaptativas [...], comumente chamados de estressores organizacionais; (2) respostas aos eventos estressores: [...] respostas (psicológicas, fisiológicas e comportamentais) [dos] indivíduos [...] quando expostos a fatores [...] que excedem sua habilidade de enfrentamento; (3) estímulos estressores-respostas: [...] refere-se ao processo geral em que demandas do trabalho têm impacto nos empregados.

No presente estudo, a definição de estresse ocupacional agrega estressores organizacionais, respostas do indivíduo aos estressores e as diversas variáveis presentes no processo estressor-resposta (Paschoal & Tamayo, 2004).

Tipo de estudo, instrumentos e participantes

A pesquisa de diagnóstico organizacional foi realizada em um CAPS de um município com aproximadamente 40 mil habitantes, no interior do Estado de Mato Grosso do Sul.

Foram realizados procedimentos qualitativos (observações etnográficas com registro de depoimentos e conversas informais, presenciadas por uma das pesquisadoras, ou desta com os participantes) e quantitativos (preenchimento de questionário e escala, pelos participantes). Adotou-se, assim, um modelo misto de investigação, em que os enfoques "quali e quanti" se combinam durante todo o processo da pesquisa, ou pelo menos, na maioria das suas etapas (Sampieri, Collado & Lúcio, 2006). Objetivou-se, com a aplicação de um instrumento objetivo, produzir algumas medidas/médias que compusessem o diagnóstico organizacional; este mais abrangente, por analisar tais medidas articuladamente com aspectos intersubjetivos da dimensão institucional, do processo de trabalho dos participantes.

O trabalho de campo ocorreu em duas fases. Iniciou-se com uma reunião das pesquisadoras (primeira e segunda autoras) com a equipe, para apresentação do estudo, assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e preenchimento dos instrumentos objetivos, individualmente, pelos trabalhadores: um breve questionário sociodemográfico e a Escala de Estresse no Trabalho (EET), de Paschoal e Tamayo (2004).

A EET é um instrumento que possui características psicométricas satisfatórias (a = 0,91) e pode contribuir para o diagnóstico organizacional, completando informações advindas de outros instrumentos e métodos. Trata-se de uma medida unidimensional composta por 23 itens. Seus itens abordam tanto os fatores psicossociais identificados pelos respondentes como estressores organizacionais atuantes, quanto suas reações emocionais frente aos estressores (Paschoal & Tamayo, 2004).

Na primeira fase do trabalho de campo (maio a agosto de 2010), o CAPS contava com uma equipe interdisciplinar composta por 13 profissionais, do total previsto de 15 (um estava afastado e uma vaga aguardando reposição). Três homens e dez mulheres responderam aos instrumentos e serão referidos genericamente ao longo do artigo, sem especificações de sexo e cargos, para evitar identificações. A equipe era composta de profissionais de enfermagem (nível superior e nível técnico), psicologia, pedagogia, serviço social, terapia ocupacional, educação física, área administrativa e serviços gerais. Um dos trabalhadores contratados para os serviços gerais estava em desvio de função, atuando na condução de oficinas com usuários, lidando significativamente com as questões assistenciais do serviço (participante j. da Tabela 1).

Nos dias seguintes à realização da reunião supramencionada, iniciaram-se as observações etnográficas por uma das pesquisadoras (segunda autora). Como alguns trabalhadores não estiveram presentes na reunião, conforme interagia com estes, ela lhes solicitava uma conversa reservada para apresentação da pesquisa e convite para participação, seguindo os mesmos procedimentos mencionados. A seguir, a Tabela 1 com perfil dos participantes.

Na segunda fase do trabalho de campo (fevereiro a junho de 2011), ocorreram, novamente, observações etnográficas pela mesma pesquisadora. As duas fases se justificam pelo fato de que, na primeira, o serviço passava por uma fase atípica, associada ao afastamento do coordenador e à falta do psiquiatra. Os depoimentos dos profissionais e dos usuários na primeira fase expressavam o reconhecimento de que o serviço passava por um período de maior dificuldade. Entendeu-se que seria relevante, por isso, que as observações ocorressem, também, durante uma fase considerada de "funcionamento normal". Na segunda fase do estudo, a equipe estava completa, o coordenador já havia retornado e um psiquiatra fora contratado, totalizando então 15 trabalhadores (três homens e 12 mulheres). Os dois profissionais que não estavam na primeira fase não responderam aos instrumentos objetivos2.

Com relação às observações etnográficas, que constituíram todo o trabalho de campo, estas são entendidas por pesquisadores das ciências humanas e sociais como um método que busca significativo nível de profundidade da pesquisa e que:

[...] abrange a descrição dos eventos que ocorrem na vida de um grupo (com especial atenção para as estruturas sociais e o comportamento dos indivíduos enquanto membros do grupo) e a interpretação do significado desses eventos para a cultura do grupo. (Godoy, 1995, p. 28)

Nessa perspectiva, os usuários do CAPS também participavam da dinâmica institucional e as interações dos trabalhadores com eles se constituíram foco das observações3. A pesquisadora, ao circular no serviço, se apresentava como estudante de psicologia que estava desenvolvendo um estudo sobre o trabalho dos profissionais do CAPS, sob orientação docente. Suas interações ocorreram tanto com os integrantes da equipe, como com os usuários. Ela conversava com as pessoas e fazia anotações breves em um diário de campo acerca dos episódios vivenciados, comentários, depoimentos e diálogos, no intuito de apreender aspectos intersubjetivos (sentidos e significados) das práticas e experiências que constituíam a dinâmica institucional. Com essas anotações eram elaborados relatórios diários e analisados em conjunto, semanalmente, por ambas as autoras.

 

Análise dos dados

Os participantes responderam aos itens da EET de acordo com uma escala Likert de cinco pontos (1 - discordo totalmente a 5 - concordo totalmente). Seguindo as instruções do instrumento, foi calculado o escore médio do instrumento total. Para aprofundar o diagnóstico organizacional, foram calculados ainda os escores médios de cada um dos itens. Os resultados foram interpretados da seguinte maneira, conforme instruções do próprio instrumento: médias entre 1,0 e 1,9 indicam pouco ou nenhum estresse; médias entre 2,0 e 2,5 indicam níveis intermediários de estresse ocupacional; médias acima de 2,5 indicam nível alto de estresse ocupacional. Utilizou-se o programa SPSS for Windows 16.0 para análises descritivas e cálculo das médias.

Com relação às análises do material qualitativo, a perspectiva teórica adotada foi o construcionismo social, que tem como foco a produção de sentidos (Spink & Frezza, 1999). Esta é compreendida como processo interativo por meio do qual as pessoas, na dinâmica das relações sociais, constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenómenos do mundo social (Spink & Medrado, 2004). Essa produção de sentidos é orientada pela forma como os sujeitos significam determinados discursos sociais mais genéricos, fazendo com que produzam determinados modos de ser e viver (Spink, 2004). Adotar a perspectiva construcionista como método de estudo implica compreender que a realidade é construída a partir dos contextos cultural, político, económico e social em que as interações e comunicações são coordenadas (Gergen & Gergen, 2010). Busca-se identificar os processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam e/ou compreendem o mundo em que vivem, incluindo a si mesmas (Sanches-Justo, Ferreira, Vasconcelos & Justo, 2010).

 

Tabela 2

 

Ambos os enfoques, quantitativo e qualitativo - a partir dos recursos metodológicos: Escala de Estresse no Trabalho e observações etnográficas, respectivamente - possibilitaram a análise dos dados de forma complementar. Ou seja, os dados qualitativos auxiliaram na interpretação dos resultados quantitativos e estes, por sua vez, expressaram objetivamente, por meio das médias obtidas nos itens da escala, seus respectivos "pesos" enquanto estressores psicossociais na dinâmica institucional. Os pesquisadores analisaram os resultados objetivos sobre o estresse, somente depois de finalizado o trabalho de campo, portanto, durante as observações, não sabiam quais itens da escala apresentavam as maiores médias.

Nível de estresse ocupacional e os fatores psicossociais identificados pelos trabalhadores como estressores

De acordo com dados apresentados no Quadro 2, a média geral de estresse ocupacional estimado na equipe, foi de 2,5 (DP=1,7) (N=13). Esse valor corresponde ao estresse em "nível intermediário", merecedor de atenção dos gestores, pelo risco de adoecimento e mal-estar aos trabalhadores, em curto e médio prazo; caracteriza "situação-limite" (Paschoal & Tamayo, 2004).

Os itens que apresentaram as médias mais altas foram 13, 05, 12 e 07, correspondendo aos fatores psicossociais percebidos como mais estressores. Respectivamente: tenho me sentido incomodado com a deficiência nos treinamentos para capacitação profissional (M=3,8); sinto-me irritado com a deficiência na divulgação de informações sobre decisões organizacionais (M=3,2); fico irritado com discriminação/ favoritismo no meu ambiente de trabalho (M=3,2); a falta de comunicação entre mim e meus colegas de trabalho deixa-me irritado (M=3,1).

Por outro lado, os itens correspondentes às menores médias, inferiores a 2,0, devem ser compreendidos como pouco estressores. São estes: 8, 20 e 4 - respectivamente: sinto-me incomodado por meu superior tratar-me mal na frente de colegas de trabalho (M=1,4); tenho estado nervoso por meu superior me dar ordens contraditórias (M=1,5); tenho me sentido incomodado com a falta de confiança de meu superior sobre o meu trabalho (M=1,8). Uma vez que os três itens fazem menção ao superior, depreende-se que o relacionamento com o coordenador do CAPS não era reconhecido pela equipe enquanto fator de estresse no trabalho.

Concepções sobre o serviço, as implicações de trabalhar com "loucura" e as solicitações por mais capacitações4

Um dos pontos identificados durante as observações etnográficas diz respeito à organização do trabalho. Nas concepções da maior parte dos participantes, havia uma distância entre aquilo que faziam "na prática" e o que era esperado que realizassem enquanto equipe - conforme diretrizes oficiais, ou ainda, conforme as expectativas pessoais dos trabalhadores. Em parte, o que não era desempenhado bem ou suficientemente, seja na ótica dos papéis profissionais ou da organização do trabalho, era compreendido como resultado da "falta de organização geral" do serviço, da "falta de compromisso" de alguns colegas da equipe, da "falta de recursos" e de infraestrutura inadequada.

Essa "desorganização geral" era significada pela maioria como externa a si próprio, sempre da responsabilidade de terceiros; aqueles que expressavam tal impressão, geralmente se colocavam na posição de quem estava sobrecarregado, ressaltando o quanto o trabalho em questão era difícil, árduo. Vejamos os depoimentos a seguir, de três diferentes trabalhadores:

"[...] sempre fica um sobrecarregado porque não dá pra fazer tudo em grupo, por causa dos horários dos usuários e aí falta aquele plano que deveria acontecer a todo momento para esses usuários."

"Não aguento ver o que vejo aqui dentro, eles [referindo-se a alguns trabalhadores] só querem ganhar dinheiro, tinha que mandar todo mundo embora e colocar outras pessoas no lugar."

"Queria fazer mais sabe, mas isso parece muito no pensamento, mas é que não é fácil porque não tem recursos para se fazer, entende?"

Além das percepções mais relacionadas às limitações de ordem estrutural, de recursos humanos e materiais, muitas citações se referiam a sensações pessoais de dificuldade para lidar com os usuários, justamente por serem pessoas em tratamento psiquiátrico, vistas como portadores de prejuízos em seu funcionamento global. Isso se intensificava quando os usuários estavam presentes no serviço em número considerado elevado.

Ao terem que tomar decisões sobre o que propor em termos de atividades que despertassem o interesse das pessoas e as reunissem, alguns trabalhadores ressaltavam a sensação de desconforto, e de não se sentirem suficientemente preparados, tecnicamente, para isso. Manejar as dinâmicas das interações ou eventuais condutas individuais dos usuários, tidas como problemáticas, associava-se a essa sensação de impotência ou de ausência de recursos para lidar com situações não programadas. Muitos trabalhadores se queixavam da falta de capacitações, conforme segue o depoimento de uma profissional que conduzia oficinas artísticas e de trabalhos manuais:

"[...] se tivesse um curso, sei lá, pra a gente lidar com essas coisas... porque fico angustiada em ver esses problemas, falhas... Sei lá."

Um episódio ilustrativo da dificuldade de manejo de determinadas situações ocorreu envolvendo um segundo trabalhador, também responsável pela realização de oficinas de trabalhos manuais. Em um dado momento em que a pesquisadora conversava com um dos profissionais, num ambiente próximo ocorria uma tensão entre dois usuários que se agrediam.

O profissional que estava coordenando as atividades, ao perceber a briga, ficou paralisado, com um semblante que aparentava não saber o que fazer, "sem reação". Permanecendo conversando e, também, observando o que ocorria, a pesquisadora notou que o desfecho da situação ocorreu pela intervenção de um trabalhador do sexo masculino que apartou o embate corporal dos usuários. O profissional que conversava com a pesquisadora fora do conflito, impactado, diz: "[...] é difícil lidar... porque qualquer palavra mal colocada pode causar um grande atrito entre eles". E conclui: "[...] falta capacitação que o governo não dá, mais reuniões, interação de grupo, estudos". Nota-se nessa fala, que além do tema capacitação, emergem também temas relacionais e de organização do trabalho em equipe.

É importante, também, destacar que as falas que ressaltam a falta de capacitações para os profissionais e a sensação geral de não se sentir preparado tecnicamente eram mencionadas por boa parte da equipe e não se restringiam, necessariamente, ao manejo de situações mais atípicas, conforme as descritas anteriormente. Remetiam, também, à assistência e ao contato usual com os usuários. Associado ao entendimento coletivo de que faltavam capacitações, identificou-se o sentido geral: "por mais que se faça, por mais que se esforce em prol da assistência, sua qualidade está aquém, necessitando ser melhorada".

Pode-se compreender tal sentido predominante no contexto histórico-cultural mais abrangente, relacionado à natureza do trabalho na área da saúde mental, que coloca trabalhadores em contato com a "loucura", com "as psicopatologias" e com o "mundo das drogas". As situações inesperadas com relação aos usuários eram percebidas como estressantes, geradoras de mal-estar e de sobrecarga. A fala de um dos trabalhadores é bastante emblemática, e o sentido em questão se apresentava nos depoimentos de vários deles: "eu queria trabalhar aqui só de tarde, é muito melhor porque o ambiente de manhã é muito pesado", referindo-se ao período de maior fluxo de usuários e de atendimentos.

Outros episódios observados apontam para uma realidade institucional permeada por experiências vivenciadas e interpretadas como de "desorganização", "caos" e "insegurança", no manejo de situações assistenciais. Estas, às vezes, evoluíam para tensões e conflitos. Isso converge com as frequentes solicitações dos trabalhadores por mais capacitações e apoio técnico, assim como, com a média alta do item da EET correspondente ao tema.

Um desses episódios ocorreu em um dia em que se comemorava o "Dia das Mães" e, como algo especial, era servida sobremesa aos usuários. Eram poucos os trabalhadores no serviço e, no momento em que os usuários foram se servir de sorvete, um profissional se dirigiu a eles em tom de voz elevado, repreendendo-os por "não respeitarem a fila". Um segundo profissional que colaborava na organização, dirigiu-se à pesquisadora: "Não adianta ela ficar brava, e ela não entende isso, mas eles (usuários) não conseguem compreender". A pesquisadora, continuando o diálogo, indagou se o trabalhador achava que os usuários não eram capazes de ficar em fila, ao que ele respondeu: "Não é bem isso, é que eles ali [apontando para alguns dos usuários que estariam desorganizando a fila, na visão dela] não estão tomando remédio por falta de psiquiatra aqui [...]. Ela, [referindo-se à colega que falava em tom alto] não entende que eles solicitam constantemente da gente e isso vai existir sempre; não vai ter um momento totalmente sossegado. Vai sobrecarregar, de alguma forma, nós; mas temos que gostar do que fazemos, pra estar aqui, né?".

Foram presenciados, também, alguns episódios em que alguém, mais exaltado, criticava ou se queixava da atuação de colegas. Em uma das vezes, um dos profissionais dirigiu-se ao coordenador que acabara de retornar do afastamento, queixando-se na presença de vários usuários, que determinados profissionais não estavam "fazendo o seu serviço", e que estavam conversando sobre questões pessoais enquanto os usuários estavam aguardando atendimento. Queixou-se de que somente ela estava fazendo os acolhimentos, o que era insuficiente, contribuindo para o tempo de espera demasiado.

As dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores, como se vê, associavam-se à natureza do trabalho em um serviço de saúde mental, às questões de estrutura, organização geral do processo de trabalho, dificuldades comunicacionais, insuficiência de capacitações ou incompatibilidade destas em relação às necessidades "reais" de formação.

Da perspectiva dos usuários, por sua vez, parte deles valorizava o serviço, expressando satisfação em participar das atividades - "É muito bom participar das atividades, melhor do que ficar me entupindo de remédio e ir no hospital psiquiátrico né" - e de estar no serviço, mesmo cientes de suas limitações estruturais, relativas à ambiência ruim e à falta de materiais.

Em alguns momentos comemorativos, de refeições rotineiras como o café da manhã ou o almoço, ou mesmo durante a rotina assistencial, alguns trabalhadores se reuniam para pausas em que conversavam sobre questões ligadas ao trabalho. Os sentidos desses movimentos grupais da equipe pareciam ser de: alívio de tensões, autoproteção, necessidade de um "refúgio", descontração, "bate papo" e desabafos sobre os acontecimentos. Assim, embora as relações interpessoais no serviço fossem citadas por boa parte dos trabalhadores como fontes de tensões, também adquiriam na dinâmica institucional as funções de suporte mútuo entre os trabalhadores.

Ilustrando esse aspecto, observou-se a ocasião em que se comemorava a Páscoa, cuja programação era a confecção de enfeites de páscoa junto com os usuários. Num determinado momento, os funcionários do serviço estavam todos reunidos na cozinha, tomando sorvete e conversando, enquanto os usuários permaneciam sentados no local das oficinas em um clima de descontração entre eles, porém com quase nenhuma participação dos trabalhadores. Estes comentavam o quão gostoso estava o sorvete, satisfeitos com o clima de comemoração e com a impressão de que os usuários estavam mais calmos. Diziam: "Se tudo fosse calmo assim, só viver de festas por aqui né? [falando ao colega de trabalho] [...] Tudo o que fazemos aqui, mexe muito com a nossa emoção, né? Querer resolver tudo de uma vez".

Tensões envolvendo hierarquia institucional e suas repercussões sobre o processo de trabalho

Em relação às questões de hierarquia, foram presenciadas demonstrações de incómodo, insatisfação e contrariedade por parte dos profissionais de nível técnico, que se sentiam submetidos às imposições e controle dos profissionais de nível superior. Segue um dos depoimentos: "Não sei até que ponto faço o trabalho que realmente desejo fazer porque ela [referindo-se a uma colega de nível superior] fica falando que até pra montar cronograma tem que perguntar pra ela. Só por que ainda não sou formada?".

Alguns profissionais de nível superior exigiam que os colegas de nível médio lhes informassem, antecipadamente, quais atividades seriam desenvolvidas com os usuários. Na divisão social do trabalho, entendia-se que as oficinas deveriam ser conduzidas pelos profissionais de nível técnico; os de nível superior atuavam mais frequentemente nos atendimentos individuais, com agenda. Em uma reunião, um profissional universitário argumentou que seu papel era o de planejar e acompanhar, à distância, as atividades conduzidas pelos oficineiros5, não sendo sua atribuição estar presente. Um profissional de nível técnico, por sua vez, mostrou-se insatisfeito, contrariado. Ele tentava falar sobre as atividades que planejava, mas era interrompido diversas vezes por uma colega da equipe de nível superior. Depois de negociações, o plano de atividades das oficinas foi alterado, por insistência do segundo. O primeiro desabafa à pesquisadora: "Fico indignado com isso, eu não tenho liberdade pra realizar meu trabalho mais, isso me desgasta dum tanto que nem faço mais com vontade".

Comunicação na equipe e entre coordenação e equipe

Associado ao tema da hierarquia, identificou-se, também, a emergência das questões envolvendo a comunicação em equipe e da coordenação com esta. Boa parte se queixava de "falta de divulgação das informações", sobretudo acerca de decisões da coordenação que tinham implicações diretas no cotidiano de trabalho. Por exemplo, queixas de que o coordenador não informara a todos sobre sua decisão em alterar a periodicidade das assembleias com os usuários, de semanal à quinzenal. Isso acarretou discussões, pois alguns não concordavam com a mudança e não tinham sido consultados, tampouco, informados. Dois comentários à pesquisadora expressam a respeito:

"Eu não estava sabendo disso e aí, eles [usuários] ficaram sem fazer nada até agora, me questionando e eu esperando que a assembleia acontecesse [... ] vocês acham que eu vou ficar tapando buracos aqui? Ou eu faço toda quarta-feira, a oficina, ou eu não faço nenhuma quarta".

"Assim fica difícil trabalhar porque nem perguntaram nada pra mim, isso acaba com minha vontade já que não somos nada reconhecidos".

Ainda sobre o aspecto da comunicação institucional, havia enorme dificuldade da equipe em manter a periodicidade na realização de suas reuniões. Houve fase em que, mesmo havendo dias e horários pré-definidos, estas não aconteciam por diversos motivos. Algumas vezes, um ou outro trabalhador perguntava se a reunião não iria acontecer. Em outras, ninguém indagava a respeito, nos horários em que supostamente ocorreria a reunião. Portanto ficavam prejudicados os momentos de trocas, avaliação e planejamento da assistência, negociações e acordos, convergindo nos problemas de comunicação e organização.

É importante ressaltar que dois dos itens da escala de estresse que tiveram as maiores médias abordavam o tema da comunicação: "sinto-me irritado com a deficiência na divulgação de informações sobre decisões organizacionais" (segunda maior média): "a falta de comunicação entre mim e meus colegas de trabalho deixa-me irritado" (terceira maior média). Ou seja, eles se constituíam como estressores na percepção dos trabalhadores, junto com os itens: "tenho me sentido incomodado com a deficiência nos treinamentos para capacitação profissional" (maior média) e; "fico irritado com discriminação/ favoritismo no meu ambiente de trabalho" (segunda maior média, também).

Os problemas de comunicação também se relacionavam com jornadas e períodos distintos de trabalhos entre boa parte da equipe. Somente um integrante e o coordenador do serviço tinham jornadas de 40 horas; as de todos os outros eram de 20 horas semanais, com significativas variações entre dias da semana e períodos. A equipe não utilizava nenhum recurso, como passagem de turnos ou livro de registro das ocorrências. Além do problema de horários e jornadas variadas, observou-se alta incidência de faltas dos trabalhadores ou de saídas do serviço por questões pessoais em horário de trabalho. Havia também recorrentes faltas justificadas com atestados. Por várias vezes, usuários aguardaram atendimentos sem serem atendidos, por ausências de profissionais, sem justificativa no momento.

Modelo de gestão centralizada na coordenação

Durante o período em que o coordenador estava ausente do serviço, havia a impressão geral de que o serviço estava numa situação de desorganização atípica, agravada pela falta do psiquiatra, representado como "o principal cargo". No entanto esse "clima de desorganização" perdurou na fase do trabalho de campo em que a equipe estava completa, mesmo que em menor intensidade. A ausência do coordenador se associava a expectativas de que somente com seu retorno, o serviço voltaria a seu "andamento normal". O cumprimento das jornadas por alguns trabalhadores e a continuidade de determinadas atividades e ações ficaram significativamente prejudicados durante o período de seu afastamento. Imaginava-se que a "ordem" seria restabelecida somente a partir de seu retorno, encarnando as funções de controle/fiscalização.

"Eu acho que deve ser valorizado isso aqui e trabalhar com vontade porque tem gente aqui dentro que estuprava e hoje está bem [...] no fim de maio a coordenadora volta e aí vai colocar ordem e tentar fazer com que o ambiente seja mais dinâmico sabe". "Se fosse antes, você ia ver isso funcionar bem, sem a coordenadora as coisas ficam mais difíceis, ainda com todas essas mudanças".

Já a contratação do psiquiatra era significada como "o principal problema a ser solucionado", pois os usuários "mais agitados ou agressivos" seriam medicados.

Na segunda fase do trabalho de campo, em que o coordenador estava presente no serviço, observou-se a centralização de tarefas em sua pessoa, dificultando que sua atuação se centrasse no planejamento, acompanhamento e apoio, adquirindo a conotação de "apagar incêndios" ao resolver problemas gerais; ou de "tapar buracos" ao suprir a falta de trabalhadores em determinados horários ou no acolhimento de pessoas que chegavam por demanda espontânea, por exemplo.

Por fim, além dos temas da capacitação/preparo técnico para exercer o trabalho e da comunicação, outro aspecto que se evidenciou como estressor na percepção da equipe corresponde ao item da escala: "Fico irritado com discriminação/favoritismo no meu ambiente de trabalho". Seu conteúdo tem caráter genérico, não é especifico quanto ao favoritismo entre a equipe ou de integrantes dessa pela chefia. A pesquisadora não presenciou situações que elucidassem tal percepção, possivelmente, pelo fato de que decisões que privilegiem alguns tendem a ocorrer em ambientes mais privados. O que foi possível reconhecer é que alguns membros da equipe avaliavam que determinados colegas usufruíam de privilégios, como o de não cumprir suficientemente suas atribuições e jornadas, sem que sofressem sanções por isso; eram vistos como "apadrinhados", "que tinham costas quentes".

 

Discussão

Os sentidos das falas (analisadas conjuntamente às práticas e às circunstâncias de sua produção), as médias acima de 2,5 em determinados fatores psicossociais da EET e o nível de estresse (2,5 / DP=1,7) identificado na equipe (N=13), explicitam "problemas" na instituição pesquisada, prejudiciais tanto à qualidade assistencial como à saúde dos trabalhadores.

A abordagem metodológica "quali-quanti" possibilitou compreender que a produção do estresse na equipe do CAPS estava associada aos sentidos e as práticas envolvendo: a) os processos de trabalho (comunicação, demanda por formação continuada, natureza do trabalho em saúde mental); b) as relações sociais em equipe e com a chefia, c) o apoio insuficiente da gestão; e d) os problemas de infraestrutura do serviço.

Os resultados qualitativos convergem, no geral, com os resultados quantitativos (fatores identificados como estressores segundo a EET) e esclarecem a respeito de quais os processos intersubjetivos estão "por trás" dos fatores, cujas médias obtidas foram mais altas. Sentir-se irritado ou incomodado frente às dificuldades de comunicação e frente à falta de preparo técnico/capacitações foram os estressores de maior magnitude, segundo as médias. E, também, os temas "comunicação" e "falta de preparo" emergiram nas conversações.

Ficou evidente, no serviço pesquisado, o quão era prejudicial ao funcionamento e para as relações da equipe a falta de espaços coletivos de reunião. Isso parece diretamente associado aos problemas relacionados à comunicação institucional, percebidos pelos trabalhadores como estressores. Os trabalhadores costumavam sair dos espaços de realização dos atendimentos, em busca de ambientes reservados para conversarem, às vezes, sobre angústias vivenciadas no trabalho.

Campos (2003) destaca a importância de haver espaços de escuta para compartilhar experiências e vivências cotidianas do trabalho em saúde, proporcionando também um melhor entendimento do que sentem esses profissionais perante as dificuldades encontradas. O espaço da supervisão e a participação dos trabalhadores na gestão dos serviços (cogestão) são apontados pelos estudos (Ferrer, 2007; Silva, 2007) como imprescindíveis para o êxito de novas modalidades de cuidado em saúde mental. Para Raminger e Brito (2008), a supervisão não deve se restringir às temáticas administrativas ou clínicas, já que as demandas no cotidiano são diversas; esse dispositivo deve contribuir não apenas com um modo de trabalhar mais saudável, mas também para qualificar os trabalhadores no exercício de suas atividades.

Contrariando os autores acima, além de não haver momentos periódicos para conversas sobre os processos de trabalho, quando as reuniões ocorriam, mesmo que esporádicas, predominavam discussões de questões administrativas como "folgas", fechamento do serviço em "pontes" de feriado, formulários de prestação de contas etc.

O trabalho de Coyle et al. (2005), ao investigar fatores percebidos pelos profissionais de saúde mental como estressores em seu cotidiano institucional, descreve resultados em parte semelhantes aos do presente estudo: que os acontecimentos reconhecidos como problemáticos e geradores de estresse pelos envolvidos tendem a ser pequenos acontecimentos cotidianos que podem ter efeito cumulativo, o que justifica a necessidade de atenção por coordenadores e gestores. Os autores destacam os chamados fatores moderadores, ou seja, aqueles que tendem a contrabalancear os estressores, minimizando os efeitos negativos do estresse ocupacional. Entre estes estariam: melhora da autoestima por meio do fortalecimento do suporte social da rede de trabalho, investimento nas habilidades de enfrentamento de dificuldades por parte dos trabalhadores, entre outros. No entanto consideramos uma fragilidade no trabalho de Coyle et al. (2005) que boa parte dos fatores moderadores citados refira-se ao nível individual (comportamental ou cognitivo) e não institucional.

Considerando que a própria natureza do trabalho na área de saúde mental pode ser um fator estressor (Dalcin, 2009; Ferrer, 2007), intervenções de gestão poderiam agir como moderadores do estresse, tais como a regularidade de reuniões de equipe, a oferta de capacitações direcionadas às dificuldades vivenciadas ou o apoio mais próximo dos gestores - tão solicitadas pelos participantes do presente estudo.

Além da natureza do trabalho, outro agravante é que, no campo da saúde mental, tende a haver um distanciamento entre a assistência e o ensino/ formação; "uma série de propostas e novos dispositivos são pensados, construídos, mas seus profissionais, em sua maioria, continuam se formando nas velhas práticas" (Cerqueira, 1996, p. 60). Ademais, o trabalhador do SUS é convocado a engajar-se em uma concepção de política pública em que o atendimento deve ser universal e integral aos usuários; no entanto os modos de trabalhar acabam sendo pouco problematizados, permanecendo estruturas hierarquizadas, chefias excessivamente administrativas e a burocratização (Raminger & Brito, 2008).

Estes pontos mencionados - natureza do trabalho, deficiências na formação dos trabalhadores e os modos cristalizados de conduzir o trabalho, que não favorecem a comunicação em equipe - sugerem que mudanças de gestão são necessárias aos serviços de saúde mental que vivenciam problemas semelhantes aos do serviço pesquisado. Entre estas, segundo a PNH: a equiparação de recursos humanos de acordo com a demanda e carga de trabalho; promoção da autonomia e do protagonismo dos usuários, trabalhadores e gestores; incentivo à participação coletiva no processo de gestão; compromisso com a boa ambiência, estrutura, melhoria das condições de trabalho e de atendimento; valorização dos trabalhadores da saúde, estimulando processos de educação permanente (Brasil, 2006). Essas ações tendem a contribuir para um ambiente institucional promotor de saúde - não somente de quem é atendido, mas também da equipe.

 

Considerações finais e limitações do estudo

O presente estudo buscou investigar questões pertinentes nas interfaces das Políticas: de Humanização, de Promoção da Saúde do Trabalhador do SUS e de Saúde Mental. A integração entre essas áreas tem sido defendida, visto que o sofrimento/ adoecimento psíquico relacionado ao trabalho em saúde não é apenas o problema de um tipo de serviço e, sim, de todos os níveis do sistema de saúde (Bernardo & Garbin, 2011).

A PNH defende a humanização da atenção à saúde dos usuários do SUS, destacando que isso não acontece dissociado das questões concernentes ao bem-estar das equipes e das condições de trabalho. Ou seja, não é possível pensar na melhoria do modelo de atendimento ao usuário, mais humanizado, dissociado da necessidade de constituição de relações também humanizadas entre as equipes e entre os níveis de gestão (Coordenadores Técnicos e Secretários de Saúde). Afirma-se, com base nos resultados, que níveis mais altos e contínuos de estresse podem expressar a "desumanização" do/no trabalho em saúde.

Por fim, sobre as limitações deste estudo, a primeira é que os resultados encontrados não podem ser generalizados para outros serviços semelhantes, uma vez que se tratou de um diagnóstico de um serviço em específico. Outra limitação foi o estudo não ter explorado os fatores moderadores do estresse como fizeram Coyle et al. (2005), pois estes não integram o instrumento aqui utilizado. Futuros estudos devem avaliar em que medida as intervenções de gestão, potencialmente capazes de "humanizar o serviço", atuam como fatores moderadores do estresse na equipe. Para investigar outros potenciais moderadores do estresse, devem-se mirar os aspectos sobre o trabalho interpretados pelos atores sociais como benéficos, fontes de satisfação, realização e de potência. As questões de pesquisa orientar-se-ão, desse modo, pelo que "dá certo", pelo que repercute positivamente aos envolvidos. Nessa ótica, sugerimos estudos deslocados na direção do polo da positividade, ao invés do polo da "produção da doença". É necessário elucidar, sobretudo, aquilo que produz saúde e bem-estar no trabalho das equipes de saúde mental.

 

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Endereço de Contato:
Renata Bellenzani
UFMS
Rua Pedro Pedrossian, 725. Bairro Universitário
Paranaíba, MS. CEP: 79500-000

Recebido: 03/04/2014
Última revisão: 07/10/2015
Aceite final: 15/10/2015

 

 

Sobre os autores:
Renata Bellenzani - Doutora em Medicina Preventiva/Saúde Coletiva - USP. Professora do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/CPAR. Paranaíba, MS, Brasil. E-mail: renata.bellenzani@ufms.br / renatabellenzani@hotmail.com
Daniela Megliorini Paro - Psicóloga formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/CPAR. Paranaíba, MS, Brasil. E-mail: daniela_psique@hotmail.com
Marina Cardoso de Oliveira - Mestre em Psicologia Organizacional - UFU. Professora do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/CPAR.

 

 

1 Integra um estudo mais abrangente, incluindo outros serviços, desenvolvido entre 2010 e 2012, em vários serviços da rede municipal de saúde, cujo objetivo era explorar as realidades dos serviços no que se referia à humanização, acesso e acolhimento, considerando a atual Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (PNH). O mesmo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), número de protocolo 1720, data de aprovação: 21 de maio de 2010; todos os trabalhadores participantes foram devidamente informados sobre os objetivos do estudo mediante leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde.
2 Entendeu-se que não seria metodologicamente apropriado que os dois trabalhadores respondessem ao instrumento aproximadamente nove meses depois que todos os outros participantes, uma vez que os resultados sobre a percepção acerca dos estressores organizacionais pela equipe como um todo deveriam ser interpretados com base no momento e nas circunstâncias do serviço na ocasião de sua aplicação.
3 No entanto, por se tratar de uma perspectiva coletiva de investigação, em que não eram realizados procedimentos metodológicos individualmente com os usuários, não foram colhidas suas assinaturas dos TCLE. Como havia uma significativa rotatividade de usuários e as observações ocorriam nas áreas de circulação e de atividades em grupo, tornava-se inoperante e com prejuízos ao fluxo de atendimento, submeter cada diferente usuário a um espaço reservado para tal procedimento.
4 Na sessão dos resultados qualitativos, em que são descritas narrativas e depoimentos dos participantes, não constarão especificações dos cargos para evitar a identificação dos participantes, pois se trata de uma equipe pequena. Quando necessário ao entendimento dos episódios, foram especificados os depoentes conforme os níveis: técnico (área administrativa, recepção, serviços gerais e enfermagem) ou nível superior. Na maior parte dos trechos tampouco isso foi explicitado, para evitar possíveis identificações dos depoentes tanto por terceiros, como pelos trabalhadores entre si, ao lerem o trabalho. Do ponto de vista ético, uma pesquisa não deve causar danos aos participantes, no caso, fomentar tensões interpessoais. Conforme recomendado, os resultados qualitativos e quantitativos foram apresentados aos participantes ao término da pesquisa, em uma reunião de equipe do serviço, momento de significativa relevância, pela discussão crítica que se desencadeou sobre os processos de trabalhos e a realidade institucional e política local.
5 Aqui o termo oficineiro é utilizado para se referir aos profissionais que desenvolvem atividades manuais com os usuários do CAPS. Estes profissionais não possuem formação em cursos de saúde.

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