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Revista Psicologia e Saúde

On-line version ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.13 no.1 Campo Grande Jan./Mar. 2021

https://doi.org/10.20435/pssa.v13i1.1141 

ARTIGOS

 

Validação da Escala Velicer de Atitudes frente à Violência (EVAFV)

 

Validation of the Velicer Attitudes toward Violence Scale (VATVS)

 

Validación de la Escala Velicer de Actitudes hacia la Violencia (EVAFV)

 

 

Tamyres Tomaz PaivaI; Carlos Eduardo PimentelI; Jaqueline Gomes CavalcantiII; Iasmim Caroline Guedes BarbosaIII; Suiane Magalhães TavaresIV

IUniversidade Federal da Paraíba (UFPB)
IIInstituto de Educação Superior da Paraíba (UNIESP)
IIICentro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)
IVUniversidade Federal da Paraíba (UFPB)

Endereço de contato

 

 


RESUMO

A violência está inserida dentro do âmbito social e é definida como qualquer comportamento que cause dano ao outro. Atitudes em relação à violência desempenham um papel importante em uma ampla variedade de comportamentos agressivos. Objetivou-se traduzir e validar a Escala Velicer de Atitudes frente à Violência para o contexto brasileiro. Participaram 202 respondentes. As análises foram realizadas no SPSS, versão 21, e no RStudio com pacote Lavaan. Os resultados, por meio da análise confirmatória, foram de que a escala apresenta uma estrutura com quatro fatores (violência na guerra, código penal, punição corporal e violência íntima) e apresentou validade convergente com os fatores de agressão (agressão verbal, física, hostilidade e raiva), e discriminante, com os cinco traços de personalidade (agradabilidade, extroversão, conscienciosidade, estabilidade emocional e abertura a experiências). Diante desses dados, a presente escala apresenta boas propriedades psicométricas para o uso no contexto brasileiro.

Palavras-chave: escala, atitudes, violência, validade


ABSTRACT

Violence is embedded within the social realm and defined as any behavior that damages the other. Attitudes toward violence play an important role in a wide variety of aggressive behaviors. The objective was to translate and validate the Velicer Attitudes toward Violence Scale in the Brazilian context. The research had 202 respondents. The analyses were performed in SPSS, version 21, and in RStudio with Lavaan package. The results, using the confirmatory analysis, show that the scale presents a structure with four factors (violence in the war, penal code, corporal punishment, and intimate violence) and presented convergent validity with the factors of aggression (verbal aggression, physical, hostility, and rage), and discriminating with the five personality traits (agreeableness, extraversion, conscientiousness, emotional stability, and openness to experiences). Given these data, the present scale presents good psychometric properties for use in the Brazilian context.

Keywords: scale, attitudes, violence, validity


RESUMEN

La violencia está incrustada dentro del ámbito social y se define como cualquier comportamiento que daña al otro. Las actitudes hacia la violencia juegan un papel importante en una amplia variedad de comportamientos agresivos. El objetivo era traducir y validar la Escala Velicer de Actitudes hacia la Violencia en el contexto brasileño. Participaron 202 encuestados. Los análisis se realizaron en SPSS, versión 21, y en RStudio con paquete Lavaan. Los resultados, por medio del análisis confirmatorio, mostraron que la escala presenta una estructura con cuatro factores (violencia en la guerra, código penal, castigo corporal y violencia íntima) y presentó validez convergente con los factores de agresión (agresión verbal, física, hostilidad y rabia), y discriminante, con los cinco rasgos de personalidad (amabilidad, extraversión, conciencia, estabilidad emocional y apertura a las experiencias). Ante estos datos, la escala actual presenta buenas propiedades psicométricas para su uso en el contexto brasileño.

Palabras clave: escala, actitudes, violencia, validez


 

 

Introdução

A questão da violência, por muitos anos, tem estado no centro das preocupações mundiais, uma vez que se encontra difundida em distintos contextos sociais, causando grande impacto na saúde dos indivíduos. Nesta perspectiva, pesquisas e intervenções têm sido geradas a fim minimizar esse problema; não obstante, as iniciativas se deparam com o caráter complexo do fenômeno, podendo envolver distintos fatores de risco, como: individuais, familiares, comunitários e societais (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2012).

Além de complexo, a violência se apresenta como um fenômeno polissêmico, apresentando uma variedade de definições. Não obstante, segundo Krug, Dahlberg, Mercy, Zwi e Lozano (2002), a violência é um comportamento intencional da força física ou do poder, real ou em intimidações, contra si ou quaisquer outras pessoas, ou até mesmo comunidades, que resulte ou haja possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. Por sua vez, Allen e Anderson (2017) compreendem a violência como sendo agressões com sérios danos físicos (por exemplo, atenção médica ou causa de morte) como seu objetivo final.

No que diz respeito à difusão da violência, esta encontra-se presente em diversos contextos sociais, como escolas, instituições, dentro das relações de intimidade, podendo se manifestar desde uma forma mais velada a uma maneira mais explícita, como a violência física (Cavalcanti & Pimentel, 2016; Cavalcanti, Lima Coutinho, Lima Pinto, Silva, & Do Bú, 2018; Paiva, Pimentel, & Moura, 2017). Independentemente do âmbito que a violência esteja, é inquestionável as consequências negativas que ela pode ocasionar. São listadas implicações negativas aos envolvidos, como: sintomas depressivos, ideias suicidas, estresse pós-traumático; isolamento social (Ngo et al., 2018; Lever, Ottenheimer, Teysir, Singer, & Atkinson, 2019; Castellví et al., 2017; Cavalcanti et al., 2018). Ainda sobre tais consequências, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, houve 59.080 mortes, em 2015, por causa da violência (Cerqueira et al., 2017).

Diante desse cenário, pesquisadores têm buscado conhecer quais variáveis podem explicar o comportamento violento; entre elas, destacam-se as atitudes diante da violência. Segundo Anderson, Benjamim,Wood e Bonacci (2006), as atitudes em relação à violência desempenham um papel importante em uma ampla variedade de comportamentos agressivos. Na mesma direção, o Modelo Geral da Agressão (GAM, na sigla em inglês) (Allen & Anderson, 2017; Anderson & Bushman, 2002) compreende as atitudes em relação à violência como uma variável individual que influencia componentes afetivos e cognitivos, os quais, por fim, afetam as tomadas de decisão. Uma compreensão das atitudes de um indivíduo para tipos específicos de violência permite previsão sobre comportamentos específicos naquele tipo de violência (Petty & Cacioppo, 1981).

Nesta perspectiva, faz se necessário averiguarmos qual é a atitude do indivíduo quando está diante da violência, em que, de acordo com Allport (1935), atitude "é um estado mental e neurológico de prontidão, organizado por meio da experiência, exercendo uma influência diretiva ou dinâmica sobre a resposta do indivíduo a todos os objetos e situações com que se relaciona". Já Doob (1947) defende que atitude é uma resposta implícita e geradora de impulsos, considerada socialmente significativa na sociedade do indivíduo.

Estudos de Velicer, Huckel e Hansen (1989) trouxeram a sua contribuição com a construção de escala multidimensional chamada de Attitudes toward Violence, projetada inicialmente para avaliar cinco tipos de violência: violência na guerra, a violência do código penal, punição corporal, violência interpessoal extrema e violência íntima. Esses cinco fatores estavam subjacentes a dois fatores de segunda ordem: a violência institucional que comportaria os fatores de violência na guerra, a violência do código penal e a punição corporal; e a violência interpessoal comportando os fatores de punição corporal e violência íntima. A punição corporal estaria tanto na esfera da violência institucional, já que existem itens que representam a violência que os professores podem efetivar dentro de salas de aula, como também estariam na esfera da violência interpessoal, em que os pais poderiam cometer violência com os filhos.

Em uma nova análise confirmatória da escala, Anderson et al. (2006) denominou de Velicer Attitudes toward Violence Scale (VATVS), atribuindo o nome do primeiro autor a sua validação, e, a partir de 46 itens, postulou que tal medida se ajustaria melhor ao modelo de quatro fatores. Em suas primeiras análises, houve a redistribuição dos itens conforme sua definição semântica. Para isso, pediu-se a dez alunos de pós-graduação que classificassem todos os 46 itens da Escala Velicer de Atitudes frente à Violência nos quatro fatores descritos por Anderson et al. (2006). Os autores excluíram itens em que três ou mais dos dez avaliadores discordassem sobre sua classificação, prosseguindo para análise confirmatória, em que se obtiveram bons índices de ajuste CFI = 0,96 e RMSEA = 0,07 (IC90%, 0,06; 0,08). Após essas análises, Anderson et al. (2006) chegaram ao saldo de quatro fatores.

O primeiro fator foi nomeado de violência no código penal, em que se deve ter penas de lei mais duras para pessoas que cometem crimes e até mesmo contrariam direitos humanos, concordando com maus-tratos das pessoas prisioneiras. O segundo, violência na guerra, foi definido como a violência entre nações, em que o Estado deve ter exércitos para ser agressivo em missões internacionais. O terceiro, punição corporal, foi definido como a punição física aos filhos ou alunos quando estes desobedecerem às normas preestabelecidas e não cumpridas. O quarto, violência íntima, foi definido como a violência cometida entre parceiros íntimos nas relações amorosas (Anderson et al., 2006).

No Brasil, existem várias escalas de atitudes validadas para construtos específicos dos fatores da Velicer Attitudes toward Violence Scale. Estas escalas foram validadas desde o ano de 2007 até o presente momento (2017), isto indica que a escala validada por Anderson et al. (2006) já poderia ter sido validada para o Brasil, mas que isso talvez não se encaixasse nos objetivos dos autores.

A Escala de Atitudes diante de Punição Corporal em crianças construída e validada por Paiva et al. (2017) analisa as formas de punir os filhos que infligem as regras deliberadamente. Esta escala tem três fatores: punição leve e moderada (α =0,96); punição severa (α =0,84) e formas de intervenção (α =0,83), todos com consistência interna satisfatória. Outra escala que trata do mesmo assunto se refere à Escala de Atitudes frente à Delinquência (EAD), validada por Pimentel et al. (2015), que medem a opinião dos jovens a se envolverem com comportamentos inadequados para a sociedade, isto é, considerados infracionais. Esta escala obteve consistência interna considerada satisfatória (α = 0,89).

Expandindo para atitudes diante de instituições, foram validadas duas escalas. Uma delas é a Escala de Atitudes frente à Escola, validada por Fonseca et al. (2007), que avaliaram opiniões de jovens acerca da escola, como forma de predição do seu ajustamento escolar e desempenho acadêmico, com consistência interna de 0,73. Esta escala, no entanto, não trata da relação de violência e a escola, mas de comportamentos referentes ao engajamento do jovem com a instituição. O Questionário de Atitudes frente à Violência na Escola (QAVE), validado por Vasconcelos, Santana, Borges, Couto e Fonseca (2017), com consistência interna de 0,93, traz uma nova proposta ao analisar a violência contra adolescentes e professores que ocorre dentro do espaço físico da escola ou fora dele. E a outra é a Escala de Atitudes frente à Polícia, validada por Nascimento, Torres e Pimentel (2011), com consistência interna de 0,91, que avalia as atitudes dos cidadãos em relação à polícia por meio de diferencial semântico: 1) positivo/negativo; 2) agradável/desagradável; 3) bom/ruim e 4) desejável/indesejável.

E, levando para um contexto de atitudes diante de relacionamentos amorosos, foram encontradas duas escalas validadas: a Escala de Atitudes frente à Violência Conjugal contra a Mulher (EAVCM), avaliando a violência física, e a Escala de Atitudes frente à Violência Sexual contra a Mulher (EAVSM), que avalia opiniões acerca da culpabilização da vítima, a exposição da mulher a certas circunstâncias constrangedoras para a prática da atividade sexual. Ambas as escalas foram validadas por Nascimento (2015), com consistência interna de 0,76 e 0,78, respectivamente.

Como pode ser visto, poucas escalas foram validadas para o contexto brasileiro com relação às atitudes e à violência. Segundo Myers (2000), as atitudes constituem um meio eficiente de abarcar três dimensões importantes na previsão de comportamentos, são eles: afetivo (sentimentos), cognição (pensamentos) e o comportamento (intenção). Logo, a tradução e a validação da Velicer Attitudes toward Violence Scale (Anderson et al., 2006), traduzida para o presente estudo como Escala Velicer de Atitudes frente à Violência (EVAFV), tornam-se um elemento crucial para que profissionais que atuam em espaços públicos que lidam com a violência possam verificar em que microelemento as atitudes das pessoas sobre a violência são mais aceitáveis e, com isso, trabalhar em terapia com o cliente/paciente, além de possibilitar comparações de dados mundiais.

Esta medida, neste sentido, apresenta a vantagem de medir a violência em suas diversas extensões. A fim de obtermos esse resultado exposto por Anderson et al. (2006), testaremos as dimensões, apoiando nossas hipóteses no fato de que as atitudes frente à violência apresentarão as mesmas dimensões já expostas.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 202 respondentes, residentes do Estado da Paraíba (62,5%), com idades entre 18 e 59 anos (M = 27,6; DP = 8,42). A maioria é do sexo feminino (73,4%), declara-se heterossexual (80,8%) e que está atualmente em um relacionamento amoroso (67%), mas se considera solteira (71,9%). Desses respondentes, a maioria também tem ensino superior com pós-graduação (38,4%) e se declara parda (44,3%).

Instrumentos

Escala Velicer de Atitudes frente à Violência (EVAFV), validada para o contexto dos EUA por Anderson et al. (2006), composta por 39 itens distribuídos em quatro fatores: violência do Código Penal (por exemplo: "Prisioneiros não deveriam ter a sua sentença reduzida por bom comportamento"); violência na guerra (por exemplo: "Qualquer nação deve estar pronta com um exército forte em todos os momentos"); punição corporal em crianças (por exemplo: " Punir uma criança fisicamente quando ela merece fará dela um adulto responsável e maduro"); violência íntima (por exemplo: "Está tudo bem para um parceiro sufocar o outro se for insultado ou ridicularizado). A escala mede o nível de atitudes em uma escala Likert, variando de 1 = discordo plenamente até 5 = concordo plenamente. Conforme ficha a seguir:

 


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Questionário de Buss-Perry construído e validado por Buss e Perry (1992) nos EUA, e validado para o contexto brasileiro por Gouveia, Chaves, Peregrino, Branco e Gonçalves (2008), compondo-se de 29 itens que, teoricamente, avaliam a agressão em quatro dimensões, a saber: agressão física (α = 0,65, por exemplo: "Se alguém me bater, eu bato nele de volta"); agressão verbal (α = 0,52, por exemplo: "Não consigo ficar calado(a) quando as pessoas discordam de mim"); raiva (α = 0,71, por exemplo: "Alguns amigos dizem que sou cabeça quente"); e hostilidade (α = 0,62, por exemplo: "Quando as pessoas são muito gentis, duvido de suas intenções"). A presente escala demonstrou consistência interna estatisticamente satisfatória para: agressão física (α = 0,78), raiva (α = 0,82), agressão verbal (α = 0,71) e hostilidade (α =0,72). A escala mede o nível de concordância em cada afirmação, respondida em escala de cinco pontos, tipo Likert, com os seguintes extremos: 1 = discordo totalmente e 5 = concordo totalmente.

Inventário de personalidade de dez itens (TIPI) construído por Gosling, Rentfrow e Swann Jr. (2003), traduzido e validado para o contexto brasileiro por Pimentel, Ferreira, Vargas, Maynart e Mendonça (2014), composto por dez itens e cinco fatores: extroversão (r = 0,20, p < 0,01; por exemplo: "Extrovertido, entusiasta"); agradabilidade (r = 0,10, p < 0,05; por exemplo: "Crítico, briguento"); consciensiosidade (r = 0,10, p < 0,05; por exemplo: "Confiável, autodisciplinado"); estabilidade emocional (r = 0,15, p < 0,01; por exemplo:"Ansioso, que se chateia facilmente"); abertura a experiências (r = 0,10, p < 0,05; por exemplo: "Aberto a novas experiências, complexo"). No estudo original da escala, encontraram-se índices de precisão teste-reteste variando de 0,62 a 0,77 (Goslingm et al., 2003). Os participantes responderam o quanto que eles se se veem como alguém com os traços de personalidade expostos, em uma escala tipo Likert variando de 1 = discordo fortemente a 7 = concordo fortemente.

A fim de obter o perfil da amostra, os respondentes serão submetidos a um questionário biossociodemográfico inquirindo: idade, status de relacionamento, cor e escolaridade.

 

Procedimentos

Inicialmente, o estudo foi submetido à aprovação do Comitê de Ética do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ), logo obtendo parecer aprovado (CAAE: 06969319.9.0000.5176). Após essa fase, realizou-se a tradução dos itens por dois psicólogos bilíngues, do Inglês para o Português, e, em seguida, por um terceiro psicólogo bilíngue que tem conhecimentos da temática de violência, retraduzindo do Português para o Inglês, a fim de verificar se os itens manteriam o mesmo sentido. Posteriormente, procedeu-se a validação semântica dos itens com a participação de cinco estudantes do ensino médio para averiguar a capacidade da compreensão verbal do instrumento. Essa parte consistia em ler em voz alta e explicar o que eles entenderam de cada item. Todos os itens se mostraram compreensíveis.

A participação foi iniciada após a concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta foi realizada por meio de redes sociais, de forma on-line. As respondentes foram informadas de que a pesquisa seria voluntária e não receberiam nenhum retorno financeiro pela sua participação, bem como de que foram tomados todos os cuidados para garantir o sigilo e a confidencialidade das informações individuais, preservando sua identidade, seguindo as recomendações das Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Análise de Dados

Para a efetivação da análise fatorial confirmatória, foi utilizado o programa RStudio (versão 3.5.3). Para execução das análises, usou-se o Pacote Lavaan (Rosseel, 2012), Estimador Weighted Least Squares Mean - and Variance-adjusted (WLSMV). Os indicadores de ajuste considerados foram: chi square (χ2) / degrees of freedom (df), que indica a magnitude da discrepância entre a matriz de covariância observada e a modelada, testando a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados. Quanto maior é esse valor, pior o ajustamento. Porém, tem sido pouco empregado na literatura, sendo mais comum considerar sua razão em relação aos graus de liberdade (χ2/df), cujos valores devem se apresentar entre 1 e 3 (Kline, 2005). Ainda, os índices CFI (Comparative Fit Index), TLI (Tucker Lewis Index) e GFI (Goodness of Fit Index), os quais calculam o ajuste relativo do modelo observado ao compará-lo com um modelo-base, cujos valores acima de 0,95 indicam ótimo ajuste, e os superiores a 0,90 indicam ajuste adequado; RMSEA (Root-Mean-Square Error of Aproximation) é também uma medida de discrepância, sendo esperados resultados menores que 0,05, mas aceitáveis até 0,08. Por fim, o SRMR (Standardized Root Mean Square Residual) reporta a média padronizada dos resíduos (discrepâncias entre a matriz observada e modelada), sendo que índices menores que 0,10 são indicativos de bom ajuste (Hair, Black, Babin & Anderso, 2010; Kline, 2005). A figura foi feita com o auxílio do pacote semPlot (Epskamp & Stuber, 2017). Além disso, por meio do SPSS versão 21, fez-se a frequência das médias e dos desvios-padrão do perfil amostral, e uma Manova para comparação de médias entre os sexos e os fatores propostos.

 

Resultados

O propósito deste estudo é confirmar a estrutura fatorial encontrada pelos autores (Anderson et al., 2006), testando diferentes modelos previamente estabelecidos (Velicer, Huckel, & Hansen , 1989). Testou-se a estrutura com quatro fatores propostos (violência na guerra, código penal, punição corporal e violência íntima); uma estrutura hierárquica, na qual os quatro fatores obedecem a dois fatores subjacentes, violência institucional (violência na guerra, código penal e punição corporal) e violência interpessoal (punição corporal e violência íntima); e uma estrutura bi-factor, em que haveria dois fatores de violência independentes (institucional e interpessoal) e os quatro fatores já expostos.

Como pode ser observado na Tabela 1, todos os modelos apresentaram bons índices de ajuste, considerados satisfatórios. No caso, a comparação hierárquica entre esses três modelos se deu mediante a avaliação do valor da estatística do qui-quadrado; com isso, foi preferível como melhor indicador do modelo aquele que apresenta < χ2 /df. O modelo mais adequado é o com quatro fatores χ2 / df= 1,40 e Δ χ 2 com invariância fatorial significativa entre os modelos. Todas as saturações dos itens (Lambdas) foram estatisticamente (λ ≠ 0; z > 1,96, p< 0,001).

Todos os Lambdas foram > 0,30, com exceção do item 39, "O parceiro dominante deve manter o controle utilizando violência", que saturou com carga menor (0,26) no fator da violência íntima. Isso indica que os fatores não são independentes e compartilham da variância, por estarem correlacionadas entre si, por meio das correlações policóricas de 0,44, p < 0,001(violência no código penal e violência íntima) a 0,82, p < 0,001 (punição corporal e violência íntima).

Cada fator apresentou consistência interna elevada: violência na guerra obteve (α = 0,85); violência no código penal, (α = 0,88); punição corporal, (α = 0, 82); e violência íntima, (α = 0,90). Este resultado sugeriu calcular um índice de consistência interna para o conjunto dos 38 itens, resultando em um alfa estatisticamente satisfatório (α = 0,93), mostrando-se estatisticamente satisfatórios.

Diferenças dos fatores de acordo com o sexo

Admitindo como mais adequada a estrutura com quatro fatores, como descrita na Figura 1, considerou-se ainda a possibilidade de que os participantes do sexo masculino e feminino apresentassem diferentes médias nos fatores. Logo, procedeu-se a uma Manova, considerando como variável antecedente o sexo dos participantes e, como variáveis-critério, os fatores: guerra, punição corporal, violência do código penal e violência íntima. Observou-se o efeito principal da variável sexo [Lambda de Wilks = 0,88, F (3, 199) = 8,27 p < 0,001; η2 = 0,11] nos fatores. Com isso, houve diferenças de médias para cada grupo. As mulheres obtiveram médias menores (M = 1,91; 1,69; 2,09 e 1,27; e DP = 0,58; 0,65; 0,78 e 0,40, respectivamente) do que os homens (M = 2,35; 1,88; 2,16 e 1,40; e DP = 0,70; 0,77; 0,79 e 0, 57, respectivamente).

Validade convergente e discriminante

A fim de verificar a estrutura fatorial da EVAFV formada pelos fatores, prosseguiu-se com a validade convergente e discriminante, com o questionário de agressão de Buss-Perry e o inventário dos cinco fatores da personalidade.

 

Tabela 2

 

Para a validade convergente, foi verificado que todos os fatores da EVAFV (violência na guerra, punição corporal, violência no código penal e violência íntima) foram correlacionados com todos os fatores de agressão (agressão física, raiva, hostilidade e agressão verbal). Essas correlações foram previstas, pois ambos os fatores compartilham a mesma natureza da violência.

E, na validade discriminante, viu-se que alguns fatores do Inventário de personalidade de dez itens foram correlacionados negativamente. A violência na guerra se correlacionou com a extroversão (r = -0,17; p < 0,05); a punição corporal se correlacionou com a abertura a experiências (r = -0,16; p < 0,05); a violência no código penal se correlacionou com a extroversão (r = -0,14; p < 0,05); e a violência íntima se correlacionou com a agradabilidade (r = -0,14; p < 0,05). Estas correlações baixas sugerem que EVAFV não é uma medida de personalidade, comprovando a validade discriminante.

 

Discussão

O objetivo do presente estudo foi traduzir e validar para o contexto brasileiro a EVAFV. Cabe destacar que foram testados três modelos, os quais apresentaram índices de ajuste, aproximando-se daqueles recomendados na literatura (Byrne, 2010; Kline, 2005; Hair et al., 2010). A partir da comparação de modelos, foi verificado qual o mais adequado para a estrutura fatorial desta.

Na modelagem de equações estruturais, a comparação hierárquica entre esses três modelos mostra que a presente escala apresenta bons índices de ajuste, indicando que os itens representam o traço latente que pretendem explicar. Conforme Kline (2005), uma diminuição significativa no valor do χ2 /g.l. dessa estatística indica uma melhoria no modelo, o que foi necessário para decidir o modelo mais representado pelas variáveis observáveis. Neste modelo, todos os Lambdas foram > 0.30, com exceção do item 39, que saturou com carga menor (0,26) no fator da violência íntima. Neste sentido, pode-se excluir este item do fator de violência íntima, pois este não representou o traço latente (Hair et al., 2010; Nunnally, 1970).

Todos os fatores apresentaram coeficientes de consistência interna (alfa de Cronbach superiores a 0,80, o que indica que esses fatores estão estatisticamente satisfatórios (Kline, 2013), tendo em vista que estes valores foram constituídos por no máximo 12 itens, como no fator de violência na guerra, mas os outros fatores variaram de 7 a 11 itens (Pasquali, 2003). Além disso, estão em acordo com o estudo original de Velicer et al. (1989), em que seus fatores variaram de 0,76 (violência no código penal) a 0,90 (violência interpessoal extrema). A presente escala não apresenta o fator de violência extrema proposto por Velicer et al. (1989), por estar em acordo com Anderson et al. (2006), em que seus fatores são divididos em quatro formas.

Para a validade convergente, foi usada a mesma Escala de Agressão de Buss-Perry, conforme Anderson et al. (2006). Neste estudo, fez-se a validade convergente a partir das correlações entre os dois construtos abordados, ou seja, verificou-se se que ambos convergem para um ponto comum (Souza, Alexandre, & Guirardello, 2017). E essa análise permitiu verificar as correlações entre os escores da EVAFV com os fatores de agressão de Buss-Perry; estas correlações variaram de leve a moderada, as quais examinaram que os construtos medem natureza parecidas (Hogan, 2006), como a violência na guerra relacionada com a agressão física, por exemplo, indicando que elas estão convergindo e assim medindo construtos parecidos. Isso significa que pessoas com atitudes favoráveis à violência na guerra, no código penal, à punição corporal e à violência íntima são também favoráveis ao endosso de sentimentos como a raiva e hostilidade e a demonstração da agressão verbal e física.

Para saber se a EVAFV se distingue de outros fatores, foram usados traços de personalidade. Apesar das correlações não terem sido nulas (Pasquali, 2003), a baixa correlação representa que os fatores da EVAFV se distinguem dos traços de personalidade (Campbell & Fiske, 1959; Hogan, 2006). Neste sentido, é possível verificar independência dos construtos em relação aos traços de personalidade. É importante destacar que a personalidade é correlacionada com todos os construtos estudados, pois os indivíduos são dotados de algum tipo de traço de personalidade que pode sobressair nas análises. E essa relação foi verificada em vários estudos (Barlett & Anderson, 2012; Cavalcanti & Pimentel, 2016; Paiva, Pimentel, & Moura, 2017), em que os traços de personalidade são correlacionados negativamente com a violência e podem predizer maior aceitação a comportamentos violentos.

A partir das análises da Manova, verificou-se que o sexo masculino tem atitudes mais favoráveis diante da violência do que as pessoas de sexo feminino, com médias variando de 2,35 (violência na guerra) a 1,40 (violência íntima) para os homens, e 1,91 (violência na guerra) a 1,27 (violência íntima) para as mulheres. Essa diferença de sexo foi confiável para todos os quatro construtos medidos pelo estudo. Aliás, Anderson et al. (2006) observaram também essa diferença de médias na aceitação da violência em seu estudo, no qual os homens obtiveram médias de 3,03 a 1,56, e as mulheres obtiveram médias de 2,64 a 1,26 (violência na guerra e violência íntima, respectivamente). Aceitar o uso da violência pode ser mais atraente para o sexo masculino do que para o feminino, até porque as mulheres demonstram mais medo de se envolver com o crime (Pimentel et al., 2015; Pimentel, Gunther, & Black, 2012).

Algumas limitações podem ser encontradas neste estudo, como a falta de randomização, que pode influenciar no efeito de ordem dos respondentes (Schwarz & Oyserman, 2001). Outras limitações foram o fato de o número de participantes ter sido n > 400 e a não equiparação dos sexos feminino e masculino, o que dificultou a sua generalização para o contexto brasileiro. De todo modo, as evidências aqui obtidas contribuíram para aprimorar as qualidades psicométricas da EVAFV, no que tange à sua validade convergente e discriminante. Torna-se, porém, necessário que investigações futuras permitam o alargamento dos contextos e, principalmente, uma nova testagem, com validade preditiva e até mesmo incluindo uma análise experimental que permita verificar se existem mudanças nas atitudes diante da violência quando o indivíduo é exposto a tais situações.

 

Conclusão

Ressaltamos que a presente escala permitirá aos profissionais de diversas áreas, como jurídica, saúde, escolar, entre outras, a coleta e interpretação de dados, obtidos por meio de um conjunto de procedimentos confiáveis, reconhecidos pela ciência psicológica. Além de investigar os tipos de violência presentes na sociedade e de como esses tipos obtêm favorabilidade de diversas camadas sociais, esta escala possibilita transformar em dados observáveis as atitudes das pessoas diante da violência, constituindo uma das partes do processo de avaliação psicológica, regulamentado pela Resolução CFP n. 09/2018 (Conselho Federal de Psicologia, 2018).

 

Referências

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Endereço de contato:
Tamyres Tomaz Paiva
UFPB\CCHLA\PPGPS Cidade Universitária
João Pessoa, Brazil, CEP: 58051-900
E-mail: tamyres.tomaz1@gmail.com

Recebido em: 22/07/2019
Última revisão: 24/11/2019
Aceite final: 04/11/2019

 

 

Tamyres Tomaz Paiva: Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Psicologia Social pela UFPB. Especialista em Avaliação Psicológica pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Bolsista de doutorado CAPES.
E-mail: tamyres.tomaz1@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9415-0963
Carlos Eduardo Pimentel: Doutor em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações (PSTO) pela Universidade de Brasília. Docente da Graduação em Psicologia e da Pós-Graduação em Psicologia Social na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil.
E-mail: cep@academico.ufpb.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3894-5790
Jaqueline Gomes Cavalcanti: Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Psicologia Social pela UFPB. Especialista em Avaliação Psicológica pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Docente do Instituto de Educação Superior da Paraíba (UNIESP).
E-mail: gomes.jaqueline@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3068-404X
Iasmim Caroline Guedes Barbosa: Especialista em Avaliação Psicológica pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Graduada pela Faculdade Integradas de Patos (UNIFIP). Psicóloga Hospitalar no Complexo Hospitalar Dr. Janduy Carneiro.
E-mail: iasmimcarolineg@outlook.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9519-3540
Suiane Magalhães Tavares: Psicóloga e Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
E-mail: suianetavares1@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9769-3090

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