Introdução
A percepção dos homens acerca da saúde e os esforços empregados por eles para cuidar da saúde são mediados por fatores ambientais e recursos aos quais têm acesso, como nível de alfabetização e autogestão do conhecimento, estado ocupacional e renda, além de características cognitivas intrapessoais (Sousa et al., 2021). No público masculino, há predominância da dimensão física da saúde (Garcia et al., 2019) e priorização de modelos de saúde centrados na doença e medicalização (Sousa et al., 2021). Assim, os homens costumam adentrar o sistema de saúde quando já se instalou um quadro clínico que interfere nas atividades diárias, por meio da atenção terciária, havendo um esvaziamento desse grupo na atenção primária, cujo foco é a promoção e prevenção de saúde (Garcia et al., 2019).
Tais atitudes estão em convergência com crenças atreladas à construção social da masculinidade hegemônica, um dos fatores psicossociais que exercem forte influência sobre as práticas masculinas de saúde, podendo dificultar o entendimento acerca de quais comportamentos de saúde devem ser adotados (Sousa et al., 2022). Paralelamente, conflitos concernentes à regulação emocional, identidade masculina, tomada de decisão e expressão de sentimentos podem ser desencadeados, o que também pode resultar em danos para a saúde mental dos homens e fragilizar o autocuidado (Sousa et al., 2022). A maior conformidade com normas masculinas tem sido associada à maior resistência em procurar cuidados, uma vez que muitos comportamentos estereotipados da masculinidade atuam como barreiras para a saúde (Powell et al., 2016), na medida em que associam a figura masculina à invulnerabilidade, força e virilidade, colocando o autocuidado como um atributo feminino e a doença como sinal de fragilidade (Sousa et al., 2016; Turri & Faro, 2018).
Além desses fatores, outro obstáculo associado à noção de masculinidade para a saúde do homem é a posição de provedor, que é tida como parte de sua identidade, levando à priorização do trabalho, negligência do autocuidado e busca tardia pelos serviços de saúde (Carneiro, Adjuto, & Alves, 2019; Garcia et al., 2019). A idade, a escolaridade e a cor de pele também podem acarretar mudanças nos comportamentos de saúde (Moura et al., 2017; Srivastav et al., 2018; Alsan et al., 2020).
A baixa adesão de homens a comportamentos preventivos é apontada como um fator central no estudo da saúde masculina. Sabe-se que a população masculina tem menor propensão a engajar em práticas de prevenção, logo, menor morbidade percebida e maior propensão a adotar comportamentos de risco, aumentando as chances de ferimentos, morbidade e mortalidade, o que mostra que os maiores riscos para a saúde do homem são passíveis de prevenção, pois advêm de falhas comportamentais e cognitivas (Heidelbaugh, 2016; Srivastav et al., 2018). Além disso, mesmo entre os profissionais de saúde ainda persiste uma visão curativa de saúde, o que pode prejudicar o amparo ao público masculino (Turri & Rivemales, 2019).
Os achados desfavoráveis acerca da saúde masculina evidenciam a importância do estudo das especificidades que compreendem os comportamentos preventivos de homens, visto que o desconhecimento das particularidades de processos sociais relacionados à masculinidade repercute no tipo de assistência que recebem (Turri & Rivemales, 2019). Para tanto, é preciso investigar os fatores psicológicos e sociais que podem influenciar na busca por cuidados em saúde dessa população, a fim de possibilitar ações direcionadas e eficazes que objetivem sua promoção, levando-se em conta a heterogeneidade do grupo.
Uma característica psicológica que pode influenciar nos cuidados de saúde é a percepção de risco, que diz respeito aos julgamentos que as pessoas fazem quando enfrentam circunstâncias incertas (Slovic, 1987). Os homens tendem a perceber menor risco e a avaliar melhor seus próprios cuidados de saúde que as mulheres, o que se correlaciona com menor adoção de práticas preventivas (Moura et al., 2017). Também há evidências de que transtornos mentais como ansiedade e depressão exibem associação com padrões de comportamento prejudiciais que repercutem diretamente no zelo com a saúde e podem predizer o engajamento em comportamentos de risco. Essas sintomatologias podem ocasionar menor prevenção (Stickley et al., 2020) e apresentam relação com tabagismo (Fluharty et al., 2017), consumo abusivo de álcool e outras substâncias (Knox et al., 2019) e comportamentos sexuais de risco (Asarnow et al., 2014).
Como visto, a literatura tem se concentrado em volta de condições negativas relacionadas à saúde como morbimortalidade e fatores de risco, em detrimento de aspectos como comportamentos de saúde e práticas de cuidado (Boas et al., 2021). Entretanto, diante do contexto de negligência da saúde masculina, torna-se indispensável a realização de estudos que forneçam informações epidemiológicas e quantitativas que atrelem fatores psicológicos e sociais à relação de cuidado dos homens com a saúde, a fim de ampliar o entendimento acerca dos aspectos que influem em tal relação. Isso permitirá complementar, de forma pertinente, a literatura atual sobre a temática e facilitará a construção de estratégias, ações e políticas governamentais mais efetivas, podendo oferecer subsídios para profissionais da saúde em seus atendimentos a esse público. Espera-se, assim, que este estudo colabore com a explicação sobre como os homens aderem às práticas preventivas e os fatores sociais e psicológicos que medeiam esses comportamentos.
Diante do exposto, o presente estudo objetivou analisar a influência de fatores sociais e psicológicos, como masculinidade e sintomatologia de transtornos mentais comuns, na adesão a comportamentos preventivos de saúde por homens adultos saudáveis. Além disso, buscou-se avaliar diferenças em relação à adesão à prevenção segundo variáveis sociodemográficas e as relativas ao perfil de saúde geral.
Método
Delineamento do estudo
Trata-se de um estudo transversal quantitativo, realizado no formato virtual. A coleta foi realizada por meio do compartilhamento de um questionário on-line em perfis nas redes sociais.
Participantes
A amostra inicial do estudo continha 446 homens com idade entre 18 e 85 anos, com média de 28,2 (Desvio-Padrão [DP] = 10,70) e mediana de 24 anos. Os participantes residiam em 18 estados brasileiros das regiões Nordeste (93,5%; n = 294), Norte (0,3; n = 1), Centro-Oeste (0,6%; n = 2), Sul (0,9%; n = 3) e Sudeste (4,7%; n = 15). Para fins de análise, por estarem inclusos em estratos com baixa variabilidade e não ser pertinente o agrupamento com outras categorias, foram excluídos os participantes menores de idade (1,3%; n = 6), estrangeiros (0,5%; n = 2), os que declaram possuir outra orientação sexual que não fosse heterossexual, homossexual ou bissexual (2,7%; n = 12), os que relataram ter doenças mentais (6,9%; n = 30) e crônicas (15,5%; n = 69), indígenas (0,6%; n = 3) e os que declaravam ter cor de pele amarela (1,5%; n = 7) ou outra cor de pele que não fosse preta, parda ou branca (0,4%; n = 2). Após as referidas exclusões, a amostra final contou com 315 homens.
Instrumentos
Foi empregado um questionário sociodemográfico para caracterização da amostra relativamente às variáveis idade (em anos), cor de pele/raça (branca, amarela, indígena, parda, preta ou outra), estado em que reside, estado civil (solteiro, namorando, morando junto, noivo, casado, divorciado, viúvo ou outro), orientação sexual (heterossexual, homossexual, bissexual ou outro), ocupação (se trabalha ou não), grau de escolaridade (ensino fundamental incompleto, ensino fundamental completo, ensino médio incompleto e ensino médio completo, ensino superior incompleto ou ensino superior completo). A variável religiosidade foi avaliada em uma escala de 0 a 10 pontos elaborada pelos pesquisadores, sendo medida apenas para fins de averiguação da existência de algum impacto dessa simples medida sobre as variáveis de interesse, com caráter exploratório.
Em virtude do número reduzido de participantes em alguns estratos, a variável estado civil foi dicotomizada em com parceiro e sem parceiro; orientação sexual foi dicotomizada em heterossexuais e não heterossexuais; e escolaridade foi dicotomizada em até o ensino médio e acima do ensino médio. Além disso, a variável idade foi categorizada em até 21 anos, de 22 a 27 anos e acima de 27 anos, tendo em vista sua distribuição não normal.
Houve também um questionário com perguntas que abordavam dados clínicos do participante referente a: diagnóstico de doença crônica ou doença mental por profissional da saúde (sim ou não), hábito de realização de exames preventivos pelo menos uma vez ao ano (sim ou não), realização de exames preventivos no último ano (sim ou não), realização de testagem para HIV e/ou outras doenças sexualmente transmissíveis (sim ou não) e perguntas acerca da realização de exame de toque retal e/ou exame do antígeno prostático específico (sim ou não), última vez em que foram realizados e quantas vezes.
Para investigar os comportamentos preventivos de saúde, foi utilizado o Questionário de Atitudes e Comportamentos de Saúde (QACS), desenvolvido por Ribeiro (2004), para avaliar o estilo de vida da população. O questionário tem 28 itens que abordam comportamentos em cinco categorias de cuidados em saúde: exercício físico, nutrição, autocuidado, segurança motorizada e uso de drogas ou similares. A resposta é obtida por meio de uma escala de cinco níveis que avalia a frequência com que as atitudes e os comportamentos são realizados no dia a dia (1 = quase nunca; 5 = quase sempre). O escore total é obtido por meio da soma das pontuações de todos os itens e pode variar de 28 a 140, sendo que quanto maior o escore, mais saudável é o estilo de vida do respondente. O alfa de Cronbach (α) teve valor igual a 0,8 no estudo original (Ribeiro, 2004). Neste estudo, o α foi igual a 0,8.
No rastreamento de sintomas de transtornos mentais comuns, foi utilizado o Self- Reporting Questionnaire (SRQ-20), desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (1994) e validado no Brasil por Mari e Williams (1986). O instrumento apresenta 20 perguntas que abordam a presença de sintomas físicos, emocionais e cognitivos no último mês, com respostas binárias de “sim” (escore igual a 1) ou “não” (escore igual a 0), de forma que o escore máximo é 20 e o mínimo é 0. O escore é classificado em “baixo” quando é menor ou igual a 7 ou “alto” a partir dessa pontuação, o que indica provável presença de transtorno mental. O instrumento apresentou α de 0,8 na validação mais recente (Santos et al., 2009). Neste estudo, o α foi de 0,8.
Para mensurar o grau de masculinidade, foi empregado o Inventário de Conformidade com Normas Masculinas (CMNI) criado por Mahalik et al. (2003) e validado no Brasil por Silva et al. (2019). O instrumento objetiva avaliar o endosso de ações, pensamentos e sentimentos que representam as normas dominantes de masculinidade. A escala tem 28 itens respondidos em escala do tipo Likert de 6 pontos (1 = discordo totalmente; 6 = concordo totalmente), divididos nos seguintes fatores: Ganhar (4 itens, máximo de 24 pontos, ex.: “Vencer não é minha principal prioridade”), Playboy (3 itens, máximo de 18 pontos, ex.: “Eu me sentiria bem se tivesse muitos parceiros sexuais”), Autoconfiança (3 itens, máximo de 18 pontos, ex.: “Eu nunca peço por ajuda”), Violência (3 itens, máximo de 18 pontos, ex.: “Eu acredito que violência nunca é justificada”), Apresentação Heterossexual (6 itens, máximo de 36 pontos, ex.: “Eu ficaria furioso se alguém pensasse que eu sou gay”), Assumir Risco (3 itens, máximo de 18 pontos, ex.: “Eu frequentemente me coloco em situações de risco”), Controle Emocional (3 itens, máximo de 18 pontos, ex.: “Eu costumo compartilhar meus sentimentos”) e Poder sobre as Mulheres (3 itens, máximo de 18 pontos, ex.: “As mulheres devem ser submissas aos homens”). Todos os fatores possuem escore mínimo de 6 pontos.
O CMNI demonstrou confiabilidade interna satisfatória no estudo de validação brasileira, com α variando entre 0,7 e 0,9 para os 8 fatores (Silva et al., 2019). Neste estudo, o α foi de 0,7 para a escala geral; 0,8 para Apresentação Heterossexual, Autoconfiança, Controle Emocional e Playboy; e 0,7 para Assumir Risco, Ganhar, Poder sobre a Mulher e Violência.
Procedimentos éticos e de coleta
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe (UFS) (CAEE: 30679020.7.0000.5546 ). O questionário foi armazenado na plataforma SurveyMonkey e divulgado de modo on-line em redes sociais, por meio dos perfis pessoais dos pesquisadores/autores e do perfil do grupo de pesquisa ao qual pertencem, visto que já publica conteúdos relativos à psicologia da saúde, tanto para o público acadêmico como para a sociedade em geral. Além deles, utilizou-se o WhatsApp para divulgação do link de pesquisa, tendo isso sido feito pelos pesquisadores e demais membros do grupo de pesquisa por três semanas, em dezembro de 2020. O tempo médio de resposta foi de 16 minutos. O acesso ao questionário só foi possibilitado após a aceitação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que continha informações sobre os objetivos da pesquisa, garantia o anonimato do participante e informava acerca do direito de desistência.
Análise de dados
O software utilizado para todos os procedimentos de análise foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 23.0. Inicialmente, foram realizados os procedimentos exploratórios e de ajuste dos dados, a fim de obter médias, desvios-padrão e frequências absolutas e relativas. Na análise inferencial, realizou-se uma análise de regressão linear multivariada (método Backward). Cabe salientar que, tendo em vista que o método adotado dispensa a realização de análises bivariadas para a inclusão de variáveis no modelo (Field, 2019), todas as variáveis independentes foram inseridas como preditoras. Assim, foi realizada a regressão tendo como variável dependente o escore da QACS e como preditoras as variáveis idade, cor de pele, escolaridade e orientação sexual dicotomizadas, escore da SRQ e os fatores da CMNI. As variáveis grupos etários e cor de pele foram codificadas como variáveis dummy. O gráfico de resíduos, a análise do histograma, a avaliação da presença de casos extremos e os ScatterPlots não revelaram qualquer inadequação capaz de inviabilizar os resultados obtidos na modelagem. O teste de Variance Inflation Factor foi utilizado para verificar a multicolinearidade das variáveis, não tendo sido obtidos valores que demandassem atenção ou que pudessem invalidar o modelo, conforme orientações descritas em Field (2019). O nível de significância adotado foi de p < 0,05 em todas as etapas.
Resultados
Na Tabela 1, constam todos os dados referentes ao perfil sociodemográfico da amostra. Destaca-se a amostra como tendo majoritariamente em sua composição pessoas com cor de pele parda (47,9%; n = 151), solteiras (53,3%; n = 168), heterossexuais (74,9%; n = 236), desempregadas (51,4%; n = 162) e pessoas com ensino superior incompleto (61,0%; n = 192). A maior proporção na distribuição da orientação sexual e da escolaridade se manteve após a dicotomização das variáveis.
Variáveis | F% (n) | |
---|---|---|
Cor de pele | ||
Branca | 32,7 (103) | |
Parda | 47,9 (151) | |
Preta | 19,4 (61) | |
Estado civil | ||
Solteiro | 53,4 (168) | |
Namorando | 23,2 (73) | |
Morando junto | 6,3 (20) | |
Noivo | 1,9 (6) | |
Casado | 13,0 (41) | |
Divorciado | 1,9 (6) | |
Viúvo | 0,3 (1) | |
Estado civil dicotomizado | ||
Sem parceiro | 54,6 (172) | |
Com parceiro | 45,4 (143) | |
Orientação sexual | ||
Heterossexual | 74,9 (236) | |
Homossexual | 15,6 (49) | |
Bissexual | 9,5 (30) | |
Orientação sexual dicotomizada | ||
Heterossexual | 74,9 (236) | |
Não heterossexual | 25,1 (79) | |
Escolaridade | ||
Ensino fundamental incompleto | 0,3 (1) | |
Ensino fundamental completo | 0,6 (2) | |
Ensino médio incompleto | 0,3 (1) | |
Ensino médio completo | 11,7 (37) | |
Ensino superior incompleto | 61,1 (192) | |
Ensino superior completo | 26,0 (82) | |
Escolaridade dicotomizada | ||
Até o ensino médio | 13,0 (41) | |
Acima do ensino médio | 87,0 (274) | |
Estado ocupacional | ||
Trabalha | 48,6 (153) | |
Não trabalha | 51,4 (162) | |
Idade tricotomizada | ||
Até 21 anos | 34,0 (107) | |
De 22 a 27 anos | 31,1 (98) | |
Acima de 27 anos | 34,9 (110) |
Nota. F% = frequência relativa; n = frequência absoluta.
Os resultados referentes à pontuação nas escalas podem ser observados na Tabela 2. A pontuação média obtida pelos parwticipantes na QACS revela que a adoção de comportamentos preventivos pela amostra deste estudo esteve acima do ponto médio da escala (84). Em relação à SRQ, observa-se que os participantes tiveram uma pontuação média considerada baixa (menor que 7 pontos). Quanto à pontuação na CMNI, os participantes pontuaram acima do ponto médio (14) somente no fator Ganhar e abaixo do ponto médio nos demais fatores.
Variáveis | M (DP) |
---|---|
Questionário de Atitudes e Comportamentos de Saúde (QACS) | 94,3 (16,45) |
Self-Reporting Questionnaire (SRQ) | 6,7 (4,52) |
Inventário de Conformidade com Normas Masculinas (CMNI) | |
Apresentação Heterossexual | 13,5 (7,84) |
Ganhar | 14,8 (4,51) |
Playboy | 7,4 (4,18) |
Controle Emocional | 9,0 (3,63) |
Poder sobre a Mulher | 4,6 (2,57) |
Autoconfiança | 10,4 (4,03) |
Assumir Risco | 8,9 (3,28) |
Violência | 7,5 (3,50) |
Nota. M(DP) = média(desvio-padrão).
O modelo final da regressão linear foi alcançado em onze passos e foi responsável por 20,3% da variância explicada (Tabela 3). Foram excluídos do modelo os fatores de Apresentação Heterossexual, Autoconfiança, Violência, Controle Emocional, Poder sobre a Mulher e Assumir Risco, bem como as variáveis cor de pele parda e branca, todos os estratos de idade e a variável orientação sexual dicotomizada (p > 0,05). Permaneceram no modelo final: os fatores Ganhar (p = 0,007) e Playboy (p < 0,001), o escore da SRQ (p < 0,001), a cor de pele preta (p = 0,013) e a escolaridade acima do ensino médio (p = 0,005).
Modelo final (11º) | B | SEB | β | p |
---|---|---|---|---|
Constante | 110,267 | 4,182 | - | - |
CMNI (fator Ganhar) | - 0,535 | 0,197 | - 0,146 | 0,007 |
CMNI (fator Playboy) | - 0,827 | 0,215 | - 0,208 | < 0,001 |
Escore da SRQ | - 1,012 | 0,192 | - 0,283 | < 0,001 |
Cor de pele (preta) | - 5,496 | 2,195 | - 0,135 | 0,013 |
Escolaridade (acima do ensino médio) | 7,388 | 2,594 | 0,153 | 0,005 |
Nota. B = coeficiente de regressão não padronizado; SEB = erro padrão de B; F (15,5) = 14,167; R² = 0,203.
A única variável que apresentou impacto aditivo na adesão a comportamentos preventivos, conforme os coeficientes de regressão padronizados (β), foi nível de escolaridade acima do ensino médio (0,153). A variável com maior impacto subtrativo foi o escore do SRQ (- 0,283), seguida pelo fator Playboy (- 0,208).
Discussão
Os resultados mostraram que os elementos que demonstraram poder preditivo significativo para o desfecho estudado foram: escolaridade acima do ensino médio, os fatores Ganhar e Playboy do CMNI, escore da SRQ e cor de pele preta. Dentre as variáveis que denotaram significância estatística, a única que possuiu poder de impacto aditivo sobre a adoção de comportamentos preventivos foi ter nível de escolaridade acima do ensino médio, indicando que a maior escolarização prediz maior emprego de práticas preventivas. Achados similares têm mostrado que fatores educacionais e econômicos têm um papel importante na aderência a comportamentos de promoção de saúde (Yildirim et al., 2020). Um motivo para tal relação parece ser que homens com maior instrução tendem a avaliar seu cuidado mais positivamente que grupos menos instruídos, o que pode refletir na baixa presença masculina nos serviços de saúde (Moura et al., 2017).
Outro aspecto relacionado à escolaridade que pode ter implicações diretas na saúde masculina é que a maior escolaridade é fator protetivo para a tomada de decisões adequadas relacionadas ao autocuidado, uma vez que tendem a possuir maior literacia em saúde (Srivastav et al., 2018; Alsan et al., 2020). Pessoas mais escolarizadas também demonstram maior confiança no saber científico, o que contribui para a adoção de práticas preventivas e para a maior conformidade com diretrizes de saúde propostas por especialistas (Mahalik et al., 2021). Esse breve compilado de evidências sugere que investir em educação em saúde é um importante ponto de partida para produzir mudanças na conduta masculina, suscitando uma percepção mais realista de saúde.
O fator Ganhar compõe o CMNI e trata do desejo por admiração e respeito, bem como a vontade de alcançar um status de sucesso ou poder (Mahalik et al., 2003). Esse fator exibiu impacto subtrativo sobre os comportamentos preventivos, ou seja, quanto maior a identificação com tais comportamentos, menor o envolvimento com práticas preventivas, podendo atuar como barreiras para a saúde (Powell et al., 2016). Tal traço cognitivo pode ser comprometido pelo sentimento de vergonha, medo da dor e do desconforto e preocupação com possíveis diagnósticos, aspectos frequentemente citados por homens como motivos para a hesitação em procurar serviços de saúde, constituindo, assim, barreiras percebidas para o cuidado em saúde (Turri & Faro, 2018). Essas barreiras estão fortemente atreladas ao zelo por um ideal de masculinidade e heteronormatividade, para o qual a doença representa uma ameaça, o que provoca o distanciamento masculino (Sousa et al., 2016). Por conta disso, homens com maior aspiração ao poder e sucesso podem sentir-se diminuídos ou degradados pelos sentimentos incômodos que constantemente relatam quando passam por procedimentos de saúde, o que faz com que retardem a procura por ajuda.
A premissa de que a sexualidade é um traço importante de reafirmação da identidade masculina é sustentada pelo achado deste estudo, que aponta o fator Playboy da CMNI como um preditor do cuidado em saúde, com um poder subtrativo, isto é, quanto mais forte era esse traço, menos comportamentos preventivos eram adotados pelo indivíduo. Os itens dessa subescala abordam comportamentos sexuais aventurosos e arriscados, como ter vários parceiros, que denotam um grau de antiafeminação (Mahalik et al., 2003). Isso significa que os homens que tinham conduta sexual mais arriscada eram menos cuidadosos com a saúde. Esse tipo de conduta de risco atrelada à subestimação do cuidado com a saúde evidencia a sexualidade como marca identitária da masculinidade, tomando-se comportamentos arriscados, como ter relações sexuais com vários parceiros simultaneamente, como uma conduta que exalta a virilidade e aptidão masculina. Tais comportamentos revelam uma recusa de práticas concebidas como femininas, levando à busca por validação do estereótipo da masculinidade, que engloba comportamentos de risco e menor zelo de si (Ramos et al., 2021).
Nos resultados obtidos neste estudo, também foi identificado que alcançar alta pontuação no SRQ predizia menos comportamentos de prevenção. Portanto, na presente amostra, quanto maior a probabilidade de haver transtorno mental comum, maior o descuido com a saúde. Comumente, pessoas com sintomas significativos de transtornos mentais têm um estilo de vida menos saudável e menos bem-estar físico. Isso pode ser uma consequência de dificuldades atreladas aos sintomas dos transtornos, como perturbações no sono, na cognição e nos níveis de energia e menor percepção de suporte social (Stubbs et al., 2016; Beutel et al., 2018), o que pode também estar relacionado à maior mortalidade (Walker et al., 2015) e a comportamentos de maior risco (Knox et al., 2019).
Atreladas a essas dificuldades, outras barreiras específicas ao indivíduo com transtorno mental dificultam a procura de assistência, como crenças errôneas, atitudes negativas com relação a tratamentos em saúde, desinformação, presença de comorbidades, assim como barreiras sociais e culturais, como falta de suporte, estigma, e barreiras atreladas à religião (Ho et al., 2017). Evidentemente, as frequentes condutas estigmatizantes e negativas de profissionais de saúde ao lidar com pacientes com transtornos mentais também são um obstáculo (Vistorte et al., 2018). Assim, percebe-se que a saúde mental é uma importante variável para a assistência em saúde como um todo, tanto por problemas específicos causados por ela como por conta de crenças estigmatizantes de profissionais de saúde. Ampliar a assistência psicológica e a capacitação dos profissionais para atender homens com possível diagnóstico de transtorno mental pode, então, ser um meio de promover um estilo de vida mais saudável, diminuindo a probabilidade de desfechos críticos.
Homens autodeclarados pretos foram os que menos pontuaram no questionário de comportamentos preventivos, e, portanto, os que menos cuidavam da saúde se comparados aos brancos e pardos da amostra. Isso significa que a cor de pele preta demonstrou ser um fator de risco para menos práticas de prevenção, o que pode ser resultado das barreiras relacionadas à cor de pele enfrentadas por esse grupo na procura por cuidados. Experiências diárias de racismo podem contribuir para menor senso de controle e maior sintomatologia depressiva e, então, para a maior percepção de barreiras na busca por assistência nesse público (Powell et al., 2016), causando menor prevenção (Mahalik et al., 2021).
A desigualdade racial também envolve oportunidades educacionais distintas, com pessoas pretas tendo acesso restrito à educação, aspecto esse que, como discutido anteriormente, traz implicações diretas para a manutenção da saúde e pode trazer desvantagens relacionadas ao menor conhecimento em assuntos dessa área (Alsan et al., 2020). Em 2015, apenas cerca de 10% dos estudantes de ensino superior no Brasil se autodeclaravam pretos (Senkevics, 2018). Entre todos os grupos de gênero e cor de pele, os homens negros, ou seja, pretos e pardos, são os mais sub-representados no ensino superior (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2020). Logo, destaca-se a importância de interromper o ciclo de desigualdade na educação para promover a saúde da população negra.
Em síntese, as variáveis que apresentaram poder de predição significativo neste estudo podem atuar como fatores de risco ou proteção para a adoção de comportamentos preventivos em homens, além de apontarem para a importância de aspectos sociais e psicológicos para a ampliação da saúde coletiva. Entende-se que este estudo poderá auxiliar no processo de promoção da saúde masculina, já que mapeou variáveis pertinentes, fornecendo pistas de possíveis focos de intervenção que poderão contribuir com futuros estudos. Espera-se que pesquisas nessa temática possam nortear políticas públicas integradas, assegurando mais cuidados à população masculina e ampliando o foco no homem como figura de cuidado.
Algumas limitações deste estudo demandam cautela na generalização dos achados. Primeiramente, enfatiza-se a dificuldade encontrada para conseguir respondentes, o que pode ter dificultado o alcance de uma amostra maior. Alinhada a essa limitação, pode estar o fato de a amostra ter tido baixa variabilidade em algumas categorias, ocasionando a sub-representação de pessoas com nível escolar mais baixo, por exemplo, já que quase 90% da amostra tinha educação acima do ensino médio. Isso se soma à baixa participação de pessoas de outras regiões do país, dado que mais de 90% residiam na região Nordeste. Cita-se, ainda, a impossibilidade de realizar pesquisas presenciais no momento em que a coleta de dados foi feita, devido à pandemia da covid-19, motivo pelo qual a coleta foi feita exclusivamente on-line. Consequentemente, a amostra foi composta por um público majoritariamente jovem e com maior escolaridade, possivelmente em vista das desigualdades de acesso à internet no país e de o compartilhamento do questionário ter sido realizado em um contexto próximo ao dos participantes da pesquisa. Importa ainda salientar que a coleta do presente estudo foi realizada durante a pandemia de covid-19, que comprovadamente afetou níveis de preocupação em relação à saúde da população e propiciou a emergência de novos hábitos de cuidado em saúde no grupo masculino (Faro et al., 2021; Sousa et al., 2021; Sousa et al., 2022), o que pode influenciar prática de comportamentos preventivos em geral neste âmbito.
Conclusões
Conclui-se que variáveis psicológicas e sociais têm influência significativa sobre a adoção de comportamentos preventivos de saúde dos homens, podendo constituir barreiras para o cuidado em saúde dessa população. Logo, é pertinente investir em estratégias e ações de promoção da saúde masculina que incluam variáveis psicológicas e sociais como focos de intervenção, como as dos achados relatados. O desenvolvimento de tais táticas deve ter o público masculino como alvo específico, fortalecendo fatores de proteção para a aderência às práticas preventivas, como benefícios percebidos, e considerando a heterogeneidade do grupo para fomentar ações preventivas e de promoção de saúde eficazes, como o mapeamento das variáveis psicológicas e sociais associadas à menor aderência a condutas preventivas, o que permitiria identificar indivíduos com potencial risco de apresentar desfechos prejudiciais em saúde. Políticas de saúde também podem ser associadas às políticas de assistência social, com o objetivo de diminuir as disparidades de recursos e oportunidades, o que, consequentemente, beneficiaria a promoção da saúde masculina, visto que grupos mais vulneráveis socialmente (como os pretos e os menos escolarizados) apresentavam menos comportamentos preventivos neste estudo.