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Perspectivas em análise do comportamento

On-line version ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.1 no.1 São Paulo  2010

 

ARTIGOS

 

Animais, às vezes irracionais, mas previsíveis

 

Animals, sometimes irrational, but predictable

 

 

João Claudio Todorov

Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A crise econômica que se abateu sobre o mundo em 2008 continua a gerar publicações na imprensa baseadas nas teorias econômicas tradicionais, segundo as quais o homem é um ser que decide racionalmente entre escolhas econômicas. Erros pessoais de escolha seriam aleatórios e não teriam importância para a previsão, baseada em médias de populações. O presente trabalho comenta os avanços da economia que se apóia em novas teorias da psicologia, nas quais as "anomalias" da economia tradicional são previsíveis e controláveis.

Palavras-chave: análise do comportamento, economia comportamental, escolhas econômicas, previsibilidade


ABSTRACT

The world economic crisis of 2008 still generates articles in the general press based on the assumption that man is a rational decider in economic questions, an assumption based on traditional economic theories. Personal mistakes in choosing would be random and unimportant for economic predictions, based on means of large groups. The present work comments on advances of behavioral economics that make the "anomalies" of traditional economy predictable and controllable.

Keywords: behavior analysis, behavioral economics, economic choices, predictability


 

 

Em artigo recente publicado no jornal Folha de São Paulo, "O Fracasso em Controlar o Espírito Animal", o economista Robert Shiller, professor da Universidade de Yale, resume um ponto do pensamento de Keynes, o grande economista do século passado: governos precisam exercer um papel de contrapeso para que as economias capitalistas funcionem bem.

As grandes teorias macroeconômicas não prevêem esse papel para o governo porque não levam em consideração as motivações psicológicas das pessoas, especialmente quando precisam tomar decisões que implicam risco. Um exemplo citado por Schiller é a decisão de alguém de investir em ações de uma nova empresa que acaba de patentear um remédio. Não há base sólida para calcular o rendimento daqui a, digamos, dez anos. Mas as pessoas decidem e agem. Para Keynes via Shiller, existe um ímpeto espontâneo de agir, resultado do que chama de espírito animal. Keynes interpretou a Grande Depressão como resultado, dentre outros fatores, de uma falha da teoria econômica clássica, que partia do pressuposto de que as decisões econômicas de cada um de nós são sempre racionais. Para Keynes, o espírito animal nos inspira em decisões irracionais. Já Shiller é um dos poucos economistas a prever a crise do valor das ações das empresas de informática há alguns anos (Shiller, 1998).

Em 1936, era razoável que um economista falasse do comportamento de pessoas como sendo guiado por um espírito animal, em linguagem figurada, para dizer que não adianta querer enquadrar o comportamento humano na lógica formal das teorias econômicas racionais (Keynes, 1936). Hoje é mais proveitoso pesquisar e descobrir qual é a lógica desse comportamento. Para Tversky e Thaler (1990), a economia pode ser distinguida das outras ciências sociais pela crença de que o comportamento pode ser explicado pelo pressuposto de que as pessoas têm preferências estáveis e bem definidas e sempre fazem escolhas racionais. No entanto, Tversky e Thaler (1990) apresentam uma lista de "anomalias", resultados empíricos que não se encaixam no paradigma.

Comportamento do Consumidor e Economia Comportamental, por exemplo, são disciplinas dos cursos de graduação em psicologia. Há uma série de descobertas importantes feitas nos últimos 60 anos sobre o comportamento de pessoas em decisões cotidianas: poupar ou gastar, poupar onde, gastar no quê, arriscar um ganho ou evitar mais perdas, casar ou comprar uma bicicleta. John Forbes Nash Jr., matemático, ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 1994, por revolucionar a teoria dos jogos com sua demonstração de equilíbrio em jogos não cooperativos (Nash, 1950). Herbert Simon, psicólogo, ganhou o Nobel de Economia de 1978 por seu trabalho sobre o processo decisório em organizações (Simon, 1955, 1978, 1990). Daniel Kahneman, outro psicólogo, ganhou o Nobel de Economia de 2002 por seu trabalho sobre decisões dependentes de contextos (Kahneman, 2003; Kahneman, Slovic & Tversky, 1982; Kahneman & Tversky, 1973, 1979, 2000; Tversky & Kahneman, 1974).

É difícil precisar um primeiro trabalho de análise experimental do comportamento econômico, mas a semente foi sem dúvida o artigo de B. F. Skinner sobre a necessidade de teorias da aprendizagem em voga nos anos 40 do século passado (Skinner, 1950/2005), o livro Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1953/2000), seguido pelo capítulo sobre esquemas concorrentes no livro Schedules of Reinforcement (Ferster & Skinner, 1957) e pela publicação de artigos baseados em diversas teses de doutorado defendidas nas décadas de 50 e de 60 (e.g., Findley, 1958; Herrnstein, 1961; Todorov, 1971, 1978). A bibliografia da análise do comportamento envolvendo variáveis econômicas é imensa nestes últimos quarenta anos. Experimentos com animais e humanos têm sido conduzidos sobre temas como fatores que afetam a curva de demanda, economias abertas e fechadas, possibilidade de substituição e complementaridade de reforçadores, elasticidade de demanda e taxas de desconto em teorias de escolha (e.g., Hursh, 1980, 1984; Johnson & Bickel, 2006; Madden, Smethells, Ewan, & Hursh, 2007; Piedad, Field, & Rachlin, 2006).

Durante esse período de 60 anos, uma série de linhas de pesquisa sobre previsões quantitativas e qualitativas em situações de decisão, escolha e/ou preferência mostrou como e em quais condições podemos ser previsivelmente irracionais (Ariely, 2008). Alguns exemplos:

(a) Quando a pessoa tem todas as informações necessárias e fidedignas sobre duas alternativaS possíveis e o resultado da escolha é imediato, a teoria racional da economia clássica é confirmada e fazemos o óbvio: se dois produtos são iguais em tudo, inclusive em prestígio da grife ou marca e das lojas que os vendem, compramos o mais barato.

(b) Quando, em condições normais de vida e mesmo com todas as informações necessárias, as conseqüências de uma decisão podem tardar muito ou podem acontecer com diferentes atrasos no futuro, esqueçam a teoria clássica: subjetivamente diminuímos o valor dos acontecimentos no futuro remoto. Por isso, é mais fácil gastar do que poupar, continuar fumando do que parar de fumar, abusar da sobremesa mesmo quando a balança pede socorro (Coelho, Hanna, Todorov, & Quinta, 2003; Hanna & Ribeiro, 2005; Hanna & Todorov, 2002; Todorov, 2005).

(c) Em situações de crises pessoais de quaisquer espécies, quando ameaçados, nossos mecanismos de defesa tomam conta: biológicos, cognitivos, conscientes, inconscientes, enfim, toda a caixa de ferramentas que a evolução nos legou. Passamos a desconfiar de tudo e de todos. Não é à toa que a sabedoria popular tem várias maneiras de dizer isso: "gato escaldado tem medo de água fria", "cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça" (para conferir modelos experimentais desses exemplos de generalização de estímulos, ver Hearst, 1960; Hoffman, Fleshler, & Jensen, 1962).

Em um mundo de transações comerciais que dependem de confiança, um único incidente pode desencadear uma crise previsível. Já ocorreu de um banco ser levado à falência por uma falsa notícia de que estava falindo. Com a corrida dos clientes para sacar seus depósitos, chega a hora em que acaba o dinheiro no caixa, fornecendo agora base verdadeira para a continuação da corrida aos saques. Quando a notícia é espalhada pelos meios de comunicação, a experiência traumática de uma pessoa contamina milhares, que se comportam como gatos escaldados, buscando segurança para seu dinheiro. O medo exala, em todos os sentidos. Planos de compras, à vista ou a prazo, podem ser suspensos em massa quando em uma localidade como Itabira, por exemplo, um grande empregador anuncia que vai demitir parte de seus empregados, ainda que uma pequena parte. A desconfiança se espalha rápida como água morro abaixo e fogo morro acima: ao contrário da confiança, que precisa ser edificada tijolo a tijolo.

 

Referências

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Endereço para correspondência

João Claudio Todorov
E-mail: joaoclaudio.todorov@gmail.com

SHIN QI 01 Conjunto 09, Casa 11.
CEP: 71505-090.
Brasília, DF

 

Submetido em 21/05/2009
Primeira decisão editorial em 19/01/2010
Aceito para publicação em 22/01/2010

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