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Saúde & Transformação Social
On-line version ISSN 2178-7085
Saúde Transform. Soc. vol.5 no.1 Florianopolis 2014
ARTIGOS ORIGINAIS
Transcendendo fronteiras e criando noticias: a Agência de Notícias da Sida em Moçambique.
Transcending borders and creating news: the Aids News Agency in Mozambique.
Lucas Pondaco BonannoI; Maria da Penha VasconcellosII
IMestrando, Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP – Brasil
IILivre Docente, Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP – Brasil
RESUMO
Criado em São Paulo, Brasil, em 2003, o projeto que estabelece uma agência de notícias especializada em Sida (Aids) chega a capital de Moçambique, Maputo, em 2009. Este artigo analisa os resultados obtidos pela agência moçambicana nos primeiros quatro meses de atividade, período em que recebeu, in loco, apoio de profissionais da agência brasileira. Neste estudo, observaram-se a importância do jornalismo científico e independente, levar em consideração a cultura local e direcionar a comunicação para públicos específicos. A experiência obtida com esta iniciativa transnacional possibilita almejar a criação de uma rede de agência de noticias sobre Sida voltada à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Palavras-chave: Comunicação social; Jornalismo Científico; Saúde Pública; Transnacionalização da Imprensa.
ABSTRACT
Created in Sao Paulo, Brazil, in 2003, the project to establish a news agency specializing in Aids arrives in Mozambique's capital, Maputo, in 2009. This article analyzes the results obtained by the agency in Mozambique in the first four months of activity, during which it received on the spot support of the Brazilian's agency professionals. In this study, we observed the importance of science journalism to be independent, to consider the local culture and direct actions to specific audiences. The experience gained from this transnational initiative allows aspire the creation of a network news agency about Aids in the Community of Portuguese Language Countries.
Keywords: Media; Science journalism; Public Health; Transnationalization Press.
1. INTRODUÇÃO
Moçambique é um dos países com maior prevalência de HIV em todo o mundo. Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV e Sida (Onusida), 11,5% das pessoas entre 15 e 49 anos estavam infectadas no país em 2012.
Os mais de 20 anos de guerra em Moçambique afetaram grande parte do seu sistema sanitário e educacional. Com o cessar fogo, no entanto, muitas organizações humanitárias estrangeiras expandiram suas atuações no país com o objetivo de colaborar com o governo no enfrentamento de problemas sociais .
No que se refere ao combate à Sida, o Brasil conquistou um papel de destaque no apoio a Moçambique. Muitos profissionais brasileiros foram trabalhar naquele país africano, assim como projetos desenvolvidos no Brasil passaram a ser replicados em Moçambique. Entre eles, uma agência de notícias especializada em temas relacionados à Sida.
Este artigo tem por objetivo refletir sobre a experiência referente à criação em Maputo, capital moçambicana, da Agência de Notícias de Resposta ao SIDA.
Conjuntura Histórica
Moçambique está localizado na África Subsaariana. Após quase 500 anos de colonização portuguesa, o país se tornou independente em 1975, a partir de uma luta armada que durou aproximadamente dez anos e foi liderada pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Em consequência ao apoio recebido das nações de ideologia comunista durante o período de guerra pela independência, a FRELIMO declara Moçambique um Estado unipartidário, baseado em princípios marxistas, e passa a assumir posturas radicais, governando através de estruturas hierarquizadas e centralizadas, com amplo recurso à força e à violência .
Este contexto político acaba por alienar o sistema tradicional de poder e gestões sociais, contribuindo para o descontentamento de parte da população e, consequentemente, para o aumento das incursões militares da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) no país . Apoiada por nações anticomunistas, a RENAMO recrutou seguidores que deram a ela suporte para iniciar uma guerra civil que durou 16 anos.
Mondlane4, um dos fundadores da FRELIMO, reconhece que os conflitos armados contribuíram para o avanço de epidemias em Moçambique. Mas segundo o autor, o país não tinha sido preparado pelo regime colonial português para responder nacionalmente aos agravos sanitários. Ele recorda que os centros de saúde montados pelos colonizadores, sobretudo na região norte do país, foram imediatamente abandonados quando começou a guerra pela independência. "Quase todos os hospitais e médicos qualificados se encontravam nas poucas cidades principais, para tratar os doentes que pagavam"4 (p.140).
É nessa conjuntura de guerra e alterações entre disputas político-ideológica, até então hegemônica no país, e de debilidades sanitárias que a epidemia do HIV emerge em Moçambique5.
Desde 1986, quando foi registrado o primeiro caso de Sida no país, o número de infectados cresceu rapidamente. Até finais de 1992, havia sido registrado um total cumulativo de 662 casos da doença, passando de 10.963 casos em 1998 para 1,35 e 1,6 milhão, respectivamente, em 2002 e 20076.
As estimativas de prevalência nacional do HIV, baseadas nos resultados das Rondas de Vigilância Epidemiológicas, obtidos a partir da testagem em gestantes, indicavam uma média de 14% do total de pessoas dos 15 aos 49 anos vivendo com HIV e Sida em 2001, 15% em 2002 e 16% em 20077.
Em 2012, segundo estimativa do Onusida, feita a partir de um estudo de revisão metodológica de contagem da epidemia, Moçambique tinha uma prevalência média para o HIV de 11,5%, conforme já mencionado anteriormente neste artigo. Isto representa a oitava maior prevalência de HIV do mundo1. A população do país era de pouco mais de 20 milhões, de acordo com o Censo 20078.
Além da falta de estrutura sanitária, o regresso de milhares de moçambicanos que estavam exilados, durante o período da guerra, em países vizinhos com alta prevalência de HIV contribui para a rápida disseminação do vírus no país9.
No entanto, alguns fatores sociais e culturais destacam-se como os principais responsáveis para o avanço da epidemia em Moçambique. Assim como em outros países da região da África Austral, observa-se em Moçambique um fenômeno conhecido por "relacionamentos múltiplos e concorrentes"10.
Neste fenômeno, homens e mulheres mantêm relacionamentos com múltiplos parceiros (dois ou mais) dentro de um mesmo período de tempo. Não se trata de relações sexuais esporádicas, mas de convivências afetivas por meses e até anos. E por se criar confiança um no outro, o uso do preservativo acaba sendo descartado na maioria das vezes, aumentando assim a chance de transmissão do HIV10. Em 2003, por exemplo, apenas 12% das mulheres jovens e 27% dos homens jovens disseram ter utilizado preservativo na última relação sexual11.
Atribui-se ainda como um dos fatores relacionados à disseminação do HIV em Moçambique os baixos índices sociais e econômicos do país, o que acaba por impulsionar muitas vezes a prática sexual por recompensa financeira. Além da prostituição, é comum no país as relações afetivas entre mulheres bem jovens com homens mais velhos, geralmente há mais tempo expostos ao HIV, em troca de dinheiro, presentes ou status10.
De acordo com o relatório das Nações Unidas que mede o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) a partir de análises nas áreas da saúde, educação e renda, Moçambique estava, em 2011, na quarta pior posição entre os 187 países avaliados. Na frente apenas de Congo, Níger e Burundi, o IDH de Moçambique somava 0,322. O melhor índice foi da Noruega com 0,943 pontos. O Brasil ficou na 84ª posição com 0,71812.
Informação à Moda Moçambicana
No começo da década de 1990, aumentaram as intervenções em Moçambique de organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e Onusida, com a proposta de ajudar o governo a criar melhores condições estruturais para responder à epidemia da Sida. No entanto, essas instituições passaram também a influenciar e definir grande parte das ações a serem realizadas no país5.
A colaboração brasileira a Moçambique na área da Sida surge neste período, quando profissionais de saúde moçambicanos passaram a vir ao Brasil para conhecer estratégias de sucesso na prevenção do HIV. O reconhecimento internacional da resposta brasileira contra a epidemia e a facilidade do idioma, já que em Moçambique a língua oficial também é o português, contribuíram para que muitos brasileiros fossem trabalhar em programas contra a epidemia em Moçambique.
Em 2007, dos cinquenta profissionais que trabalhavam no escritório moçambicano da Central Internacional para Cuidados e Tratamento da Sida, da Universidade de Columbia dos Estados Unidos, onze eram brasileiros13.
O antropólogo Cristiano Matsinhe5 explica que a evolução da conjuntura política de Moçambique abriu espaço para a emergência de organizações internacionais que passaram a atuar no país e a abrir canais de acesso às estruturas governamentais, influenciando nos planos contra a epidemia.
No entanto, o autor enfatiza que nenhuma das estratégias de combate à Sida foram implantadas na íntegra. Entre os motivos alegados pelo governo e organizações nacionais para justificar o não cumprimento do planejado, ele destaca as "forças externas, aplicada aos mesmos doadores que propuseram as áreas de intervenção, mas que não teriam disponibilizados os recursos financeiros necessários (p. 186)" para a execução total do que foi traçado.
Ciente da necessidade de encontrar fórmulas domésticas para enfrentar a epidemia, o governo moçambicano passou a convocar chefes de quarteirões, médicos tradicionais, religiosos, entre outras lideranças locais, para ajudar na formação de opinião sobre práticas seguras para a prevenção do HIV14.
No Terceiro Plano Estratégico Nacional de Resposta ao HIV e SIDA PEN III)15, o governo destaca, entre as prioridades de ações no período de 2010 a 2014, o respeito ao contexto sociocultural do país e uma programação voltada às características locais contra a doença.
Para Matsinhe5, a resposta contra a epidemia em Moçambique deve ser imaginada a partir de "uma nação cuja especificidade deriva da interação das suas ricas tradições com as demandas por democracia e os imperativos da poderosa rede internacional de nações, bancos, assessores, consultores e missionários de toda a espécie, cada qual com a sua agenda para o futuro (p. 187)".
Envolvimento da Mídia
A participação de jornalistas e outros comunicadores é um aspecto presente nos planos nacionais de enfrentamento da Sida em Moçambique desde o princípio. No Segundo Plano Estratégico Nacional de Resposta ao HIV e SIDA (PEN II)14, cujo objetivo geral era transformar o combate à Sida numa emergência nacional, os órgãos de comunicação social foram solicitados a divulgar experiências, testemunhos e histórias de sucessos na luta contra a doença.
O documento14, no entanto, alertava que os jornalistas, por não possuírem conhecimento suficiente sobre a doença, poderiam difundir mensagens que aumentassem o estigma e a discriminação das pessoas vivendo com HIV e Sida. Para evitar esse problema, o Plano sugeria que fosse instituída no país uma formação que habilitasse os comunicadores a tratarem corretamente o tema. "Eles (jornalistas) deverão ser encorajados a assumir a sua quota parte de responsabilidade na mobilização para o combate ao HIV/Sida (p. 24)".
Mas assim como em outras áreas da educação, a prática da formação em jornalismo ainda era limitada em Moçambique. O primeiro curso de graduação em jornalismo, com duração de quatro anos, formou seus primeiros alunos em 2008, na Escola de Comunicação e Artes da Universidade pública Eduardo Mondlane (UEM). Até então, os jornalistas eram formados por meio de um curso técnico com duração de dois a três anos, oferecidos pela Escola de Jornalismo, com aulas presenciais apenas na capital Maputo16.
A pedido do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o pesquisador João Nobre realizou um estudo sobre as notícias relacionadas à Sida publicadas na imprensa moçambicana17. O estudo envolveu 20.599 matérias publicadas, entre novembro de 2008 a abril de 2009, nos jornais diários Notícias e Diário de Moçambique e nos semanários Savana, Domingo, O País, Magazine Independente e Zambeze.
Segundo a análise17, o tema HIV/Sida surge na imprensa moçambicana mais associado a acontecimentos como datas comemorativas, seminários, workshops, passeatas etc, do que em reportagens com profundidade de análise, contextualização e problematização sobre o dramático quadro epidêmico.
Em relação às fontes de informação consultadas pelos jornalistas, na maioria das vezes, são as vozes oficiais do governo e das ONGs. As notícias analisadas demonstraram que há um predomínio do discurso da "autoridade", sendo que as pessoas vivendo com HIV, os jovens, os trabalhadores do sexo e outras populações vulneráveis, assim como os artistas e os médicos tradicionais, raramente são ouvidos nas reportagens.
Ultrapassando as Fronteiras da Informação
Em 2003 foi criada na cidade de São Paulo a Agência de Notícias da Aids (www.agenciaaids.com.br), um serviço de informação e suporte aos jornalistas, cujo objetivo é contribuir para que reportagens mais bem aprofundadas acerca desta epidemia sejam divulgadas pelos órgãos de comunicação social18. "Nossa intenção é trazer de volta a Aids (Sida) para a mídia, com mais frequência, com abordagem correta, criativa e cidadã"19 (p.79), afirma a idealizadora do projeto, a jornalista Roseli Tardelli.
Em poucos meses, a Agência de Notícias da Aids passa a ser reconhecida pelos profissionais da comunicação do Brasil como central de informações sobre a doença e para ativistas e pacientes como um meio de divulgar problemas encontrados nos serviços de saúde. Em 2005, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) reconheceu o projeto como uma das melhores práticas inovadoras na produção e distribuição local de conteúdo em toda a América Latina18.
Em 2006, o trabalho da Agência é apresentado em Moçambique, durante evento para jornalistas de Guiné-Bissau, Angola, Portugal, além da imprensa local moçambicana.
Três anos depois, devido ao suporte prestado por brasileiros que trabalhavam em Moçambique, a ideia de um serviço que ajudasse informar sobre o HIV e Sida e formar jornalistas chega a Maputo. Vale aqui ressaltar que, entre os países de língua oficial portuguesa, Moçambique é o que tem a maior população depois do Brasil e é o mais afetado por esta pandemia.
A Agência de Notícias da Aids, do Brasil, e o Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA – Moçambique) assinam um Memorando de Entendimento, criando, a Agência de Notícias de Resposta ao Sida, doravante denominada apenas como Agência SIDA.
O projeto recebeu apoio financeiro dos escritórios do Onusida de Moçambique e do Brasil, do Centro Internacional de Cooperação Técnica em HIV/Aids (CICT) do governo brasileiro; e apoio institucional do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em Moçambique.
Com um evento reunindo autoridades governamentais, profissionais da comunicação, representantes do movimento social e das organizações internacionais com atuação em Moçambique, a Agência Sida foi oficialmente lançada no dia 13 de agosto de 2009, em Maputo, se tornando a primeira agência de notícias não governamental do país até então. Com o objetivo de difundir informações diretamente das fontes para os veículos de comunicação, a Agência Sida posiciona-se ao lado da Agência de Informação de Moçambique (AIM), ligada ao governo, e de alguns correspondentes de agências de notícias internacionais, como a Agência Lusa e a BBC África. A Agência Sida passa então a funcionar em um espaço cedido nas dependências do MISA-Moçambique e a contar com uma equipe formada por um jornalista brasileiro indicado pela Agência de Notícias da Aids do Brasil para ser o coordenador executivo do projeto; um jornalista moçambicano graduado, que atua como auxiliar de coordenação; e quatro estagiários moçambicanos.
PERCURSO METODOLÓGICO
Este artigo apresenta, a partir de um estudo descritivo, os resultados referentes à investigação desenvolvida junto à Agência Sida, a partir de dois objetivos do projeto: informar a população sobre à Sida e formar os profissionais da comunicação na cobertura de temas relacionados à Sida.
O período escolhido para investigação foi de 13 de agosto a 23 de dezembro de 2009, tempo total em que a agência moçambicana contou, in loco, com o profissional brasileiro responsável pela coordenação técnica do projeto.
Os dados referentes ao trabalho da Agência Sida foram extraídos do site deste veículo de comunicação; a partir de uma apresentação feita no III Congresso da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) sobre HIV/Sida, realizado em março de 2010 em Lisboa, Portugal; e junto a Locaweb, empresa que fazia a hospedagem da Agência na internet.
Utilizou-se ainda como técnica para descrever o trabalho desenvolvido pela Agência Sida as observações antropológicas de campo, baseadas nas perspectivas das pesquisas de William Foote Whyte20, como instrumento para a análise de estereótipos e preconceitos. O acesso às informações sobre a criação da Agencia em Moçambique decorre também das observações do coordenador técnico do projeto, que fixou sua moradia por três anos em Maputo.
A criação de uma agência de notícias sobre Sida em Moçambique teve por objetivo contribuir com as estratégias do país para a prevenção do HIV e combate ao estigma. Para isso, apostou-se num trabalho junto a jornalistas e outros profissionais da comunicação, que já eram incentivados pelo governo a difundirem informações fundamentadas e responsáveis sobre a epidemia. A partir disso, a atuação da Agência Sida foi dividida nas áreas da informação e formação. Na primeira, buscou-se divulgar reportagens explicativas, bem aprofundadas e com diferentes pontos de vista, sobretudo com opiniões das pessoas vivendo com HIV e Sida. Na segunda, o propósito foi oferecer palestras para estudantes e interessados no tema, estágio para alunos do curso de jornalismo e intercâmbios com o Brasil.
RESULTADOS
Informando Sobre Sida
Durante o período de investigação, a Agência Sida publicou em seu site 212 matérias, sendo que 52% delas foram reportagens "Aprofundadas". Definiram-se assim os textos com características explicativas e aqueles que trouxeram detalhes e contextualização do tema abordado. Tratava-se preferencialmente de textos não factuais. O restante das publicações, 48%, foram denominadas por "Acontecimentos", pois se referiam à divulgação de fatos, eventos, estudos ou comunicados direcionados à imprensa.
Para a elaboração de todas essas matérias, foram consultados 18 grupos diferentes de fontes de informação, conforme mostra o quadro a seguir:
Algumas dessas notícias eram enviadas por e-mail aos jornais locais, propondo a republicação das mesmas. Durante o período investigado, 28 reportagens foram utilizadas na íntegra ou parcialmente por esses veículos. O diário O País foi o que mais fez uso das informações deste projeto, somando 15 republicações. Os semanários Zambeze e Magazine Independente publicaram, cada um deles, quatro notícias. Os periódicos Notícias, jornal diário com maior alcance nacional, e o semanário mais antigo do país, Domingo - ambos ligados ao governo - utilizaram-se, respectivamente, de três e uma notícia.
Uma parceria com o Fórum Nacional das Rádios Comunitárias possibilitou também que um arquivo contendo cinco notícias impressas, já no formato radiofônico de leitura, fosse enviado duas vezes durante o período analisado para 30 rádios da região sul do país. Segundo estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), as rádios comunitárias são os meios de comunicação de massa com maior alcance na transmissão de informações na região rural de Moçambique21..
Em relação à divulgação de notícias pelo site da Agência Sida, observou-se em agosto de 2009, primeiro mês do portal no ar, 1.967 acessos. Em dezembro, passou para 14.357. No decorrer do período de investigação, foram registradas visualizações ao site da Agência em todos os continentes, somando 47 países. Além de Moçambique, Brasil e Portugal, de onde os acessos à página foram diários, registraram-se leitores nos Estados Unidos, Itália, Japão, Indonésia, Belarus, Israel, Ucrânia, entre outros países.
Para estimular as visualizações ao site, todas as reportagens produzidas pela Agência Sida foram enviadas semanalmente, por e-mail, para 200 pessoas interessadas no tema ou consideradas formadoras de opinião em Moçambique. Além de jornalistas e outros profissionais da comunicação, recebiam as notícias professores, pesquisadores, ativistas, médicos, representantes do governo, das Nações Unidas e doadores.
Algumas das reportagens tiveram grande repercussão, influenciando debates públicos, como sobre a importância do Presidente da República fazer o teste de detecção do HIV, servindo como exemplo para a nação. Idealizada pela equipe de jornalistas da Agência Sida, a pauta oriunda da pergunta "Na sua opinião, o presidente deveria ir a público fazer o teste de HIV?" foi repercutida com ativistas, artistas e esportistas, ganhando destaque na mídia22.
Semanas depois, no 1° de dezembro, Dia Mundial de Luta contra a Sida, o presidente Armando Emílio Guebuza comprometendo-se em público a fazer o exame.
A Agência Sida mostrou-se também ser uma importante ferramenta em defesa dos portadores do HIV. O Secretário Executivo da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Sida, Júlio Mujojo, uma vez internado num hospital particular em Maputo há três dias sem receber a visita de um médico, entrou em contato com a equipe de jornalistas da Agência, denunciado o problema. Para o ativista, a demora no atendimento representava discriminação dos médicos do hospital, que sabiam da sua sorologia positiva para o HIV. No entanto, horas depois de um dos jornalistas da Agência entrar em contato com o hospital, informando que iria retratar a denúncia numa reportagem, Mujojo recebeu o atendimento médico esperado.
Formando Jovens Comunicadores
Com a perspectiva de contribuir para a criação de uma nova geração de jornalistas mais comprometidos com a cobertura de temas relacionados à Sida, o Memorando de Entendimento que deu origem à criação da Agência Sida previa atividades de formação em comunicação de jovens moçambicanos. Esta formação receberia suporte técnico da Agência de Notícias da Aids, do Brasil.
Para auxiliar o brasileiro responsável pela coordenação executiva do projeto, foi contratado um jornalista moçambicano recém-graduado. Ele assistiu, por intermédio da Agência Sida e do Núcleo de Combate à Sida da cidade de Maputo, palestras de profissionais da saúde sobre conceitos básicos em relação à proliferação do HIV no organismo, meios de transmissão do vírus, possibilidades de tratamento, aspectos culturais que contribuem para o avanço da doença no país, entre outros temas.
Do coordenador executivo do projeto, esse jovem jornalista moçambicano recebeu treinamento para produção, edição e publicação de notícias sobre Sida. E depois de três meses trabalhando no escritório em Maputo foi enviado ao Brasil para um intercâmbio de dois meses. Nesse período, trabalhou para a Agência de Notícias da Aids em São Paulo, cobriu eventos que abordavam a epidemia no Brasil, visitou projetos de prevenção ao HIV e veículos de comunicação nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
Em Maputo, a Agência Sida estabeleceu ainda um acordo com a Universidade pública Eduardo Mondlane (UEM) e ofereceu, durante cinco meses, estágio intensivo e remunerado para quatro estudantes de jornalismo, sendo três mulheres e um homem. A diferença na escolha do gênero dos estagiários foi proposital, buscando contribuir com o ingresso de mais mulheres no jornalismo, já que em Moçambique a profissão é exercida quase que totalmente por homens. Durante o estágio, eles também aprenderam conceitos básicos sobre HIV e Sida, técnicas de entrevista, apuração de informação e escrita jornalística.
Ainda em acordo com a UEM, a idealizadora da Agência de Notícias da Aids do Brasil e o coordenador executivo da Agência Sida participaram de um ciclo de palestras sobre "Comunicação e Sida", oferecidas às centenas de estudantes dos cursos de Ciências Humanas daquela universidade.
Em parceria com a associação Lambda, única que atua em Moçambique pela defesa das minorias sexuais, a Agência Sida ofereceu uma oficina sobre produção de notícias para 14 jovens homossexuais interessados em atuar na área da comunicação. A relação de todas as atividades de formação desenvolvidas pela Agência Sida, em parceria com outras organizações, está representada a seguir na Tabela 1.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com pouco mais de quatro meses em atividade na capital moçambicana, o projeto Agência Sida mostrou resultados relevantes nas duas frentes a que se propôs atuar: informação e formação.
Em relação à primeira, constatou-se que mais de dez notícias foram publicadas por semana no site da Agência. Diferentemente do que observado pelo estudo do Unicef17 acerca dos jornais moçambicanos, a maioria dos textos produzidos por este projeto continham dados que ajudavam a explicar e contextualizar o tema abordado. Outra característica encontrada nas publicações da Agência foi a diversidade de fontes de informação. Para um total de 212 matérias analisadas, notaram-se entrevistas feitas com 18 segmentos da população.
As pessoas vivendo com HIV e Sida foram o segundo grupo mais ouvido nas reportagens, somando 17,4% das entrevistas, o que indica uma tentativa de responder à escassez de opiniões dos principais sujeitos do problema na cobertura da imprensa.
No entanto, a Agência Sida também encontrou limitações para entrevistar artistas e médicos tradicionais. Mesmo sendo convocados pelo governo para serem lideranças contra a epidemia, são poucos os artistas e médicos tradicionais que participam de discussões sobre a doença e concedem entrevistas acerca do tema em Moçambique, merecendo novos estudos a respeito.
A divulgação de informações pela Agência Sida teve como um dos aspectos limitadores a dependência da Internet como meio principal de comunicação. Moçambique, segundo relatório feito pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) e apoiado pelas Nações Unidas, está no grupo dos dez países menos conectados à rede de computadores, entre os 157 analisados. O Brasil está na 62ª posição23.
A criação de parcerias para a divulgação de notícias, como as desenvolvidas com o Fórum de Rádio Comunitárias e com os jornais impressos, demonstrou ser uma alternativa para ampliar o alcance das informações produzidas pela Agência Sida.
Contudo, este projeto revelou ter maior impacto ao se comunicar com grupos específicos da população. A média de menos de 500 acessos por dia ao site da Agência em dezembro de 2009 reforça a restrição deste serviço na divulgação de informações sobre Sida no país. Porém, a previsão de que estes acessos foram feitos, majoritariamente, por jornalistas, ativistas, professores, representantes do governo e doadores, já que eram para estes segmentos da sociedade que as notícias eram enviadas por e-mail, sugere-se influência da Agência Sida junto aos formadores de opinião e tomadores de decisão.
Outro aspecto que também merece destaque em relação ao perfil do acesso ao site da Agência é a quantidade de visualizações da página fora do país. Além de Moçambique e Brasil, pessoas em outros 45 países entraram no site da Agência Sida, demonstrando um interesse global por informações referentes à epidemia de Sida naquele país africano.
Sobre as atividades desenvolvidas na área da formação, as palestras realizadas na universidade pública do país possivelmente ajudaram a divulgar o trabalho desenvolvido pela Agência Sida e a motivar os alunos a se interessarem pelo tema. Porém, foi a contratação de um jornalista recém-formado para auxiliar na coordenação do projeto, o intercâmbio dele com o Brasil; e a oferta de estágios para quatro estudantes que se destacaram no propósito de apoiar Moçambique na formação dos futuros profissionais da comunicação na cobertura sobre o tema.
Um dos desafios nesse processo de formação foi manter as características do jornalismo local, mas transmitir a experiência adquirida no Brasil com a Agência de Notícias da Aids. Observou-se nos jornalistas moçambicanos envolvidos no projeto um "respeito exagerado" por parte deles em relação aos governantes, o que provocou em alguns momentos restrições nas perguntas feitas durante as entrevistas, limitando a elaboração de notícias que teriam maior interesse dos leitores. O trabalho da Agência Sida, no entanto, parece ter provocado mudanças no modo deles planejarem a cobertura jornalística do tema. No último mês de investigação deste estudo, as pessoas vivendo com HIV e Sida raramente deixavam de ser ouvidas nas reportagens, por iniciativa própria da equipe moçambicana. Espera-se também que as experiências e os conhecimentos obtidos por eles possam ajuda-los a se prevenir da infecção do HIV diante do vários conflitos sociais e culturais.
Talvez o maior desafio ao implementar este projeto tenha sido, por tratar-se de uma iniciativa estrangeira, buscar uma adesão aos costumes e práticas locais, nomeadamente "à moda de Moçambique". A criação do layout do site da Agência Sida, com cores da bandeira do país; a busca de um parceiro local para apoiar no desenvolvimento do projeto, no caso o MISA-Moçambique; a formação da equipe de jornalistas, composta por cinco moçambicanos e apenas um brasileiro, entre outros aspectos, foram pensados em consonância com a cultura e costumes locais.
Mesmo assim, o MISA-Moçambique se mostrou desinteressado ao suporte técnico da Agência de Notícias da Aids do Brasil, quando se encerraram os recursos financeiros para a manutenção das atividades em 2010. Proprietário do espaço onde foi construído o escritório da Agência Sida em Maputo, o MISA-Moçambique se desvinculou do projeto em 2011, interrompendo o gabinete de representação da Agência no país.
De janeiro de 2011 até a data de elaboração deste artigo, o projeto limitava-se a atualização do site por um jornalista moçambicano, apoiado tecnicamente e financeiramente pela Agência de Notícias da Aids do Brasil. As atividades na área da formação foram paralisadas desde então.
Para a retomada de todos os trabalhos originalmente propostos por este projeto, assim como para a ampliação desta iniciativa, sugere-se a contratação de um profissional especializado no assunto para coordenar as atividades em Moçambique e buscar parcerias locais; a definição de um novo espaço para sediar a Agência Sida em Maputo; o suporte de uma organização instalada no país; e a continuação do intercâmbio de profissionais com a Agência de Notícias da Aids do Brasil.
A comunicação social e o jornalismo científico, cada vez mais transnacional, devem se intensificar nas próximas décadas. A analise desta experiência possibilita considerar a pertinência da criação de uma rede de agência de notícias sobre Sida voltada aos países e territórios que constituem suas identidades em língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Macau, região administrativa da República Popular da China, ex-colônia portuguesa.
Entre os aprendizados obtidos com este projeto e que serviriam como apoio para a implementação desta rede, destacam-se a importncia do jornalismo cientifico ser independente, levar em consideração o conhecimento da cultura local e direcionar suas ações para públicos específicos.
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Lucas Pondaco Bonanno
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
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Artigo encaminhado 01/10/2013
Aceito para publicação em 10/05/2014