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Estudos Interdisciplinares em Psicologia

On-line version ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.12 no.2 Londrina May/Aug. 2021

https://doi.org/10.5433/2236-6407.2021v12n2p151 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Psicologia social comunitária e economia solidária no Brasil: diálogos conceituais

 

Social and community psychology and solidarity economy in Brazil: conceptual dialogues

 

Psicología social y comunitaria y economía solidaria en Brasil: diálogos conceptuales

 

 

Eduardo Vivian da Cunha; Maria Laís dos Santos Leite

Universidade Federal do Cariri - UFCA / Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal realizar uma aproximação teórica entre os conceitos de comunidade e desenvolvimento comunitário a partir dos aportes da Economia Solidária e da Psicologia Social Comunitária. Tendo como cenário os debates e práticas que motivaram a emergência destes campos no contexto brasileiro, buscamos compreender os conceitos selecionados e a partir deles examinar as possibilidades de interconexões. Para tanto, tomamos como base autores(as) representativos(as) para os campos, especialmente na literatura brasileira, e que pudessem contribuir para esta discussão. A partir dos elementos levantados, evidenciamos pontos de convergência e divergência nos conceitos centrais. Dentre as convergências ressaltamos: I. ideias de participação e democracia; II. noção da construção do sujeito crítico; III. noção de uma espécie de cidadania ativa. Já as divergências se colocam mais como caminhos distintos para a leitura de uma mesma realidade social, podendo-se concluir que os campos são complementares para a compreensão desta realidade.

Palavras-chave: psicologia social; psicologia comunitária; economia solidária; desenvolvimento comunitário; comunidade.


ABSTRACT

Our main objective here is to carry out a theoretical approach among the concepts of community and community development from the contributions of solidarity economy and social and community psychology. Taking as backdrop themes that motivated the emergence of these fields in the Brazilian context, we seek to understand these selected concepts by exploring possibilities of interconnections. Also, we have taken as grounding representative authors from each field at the Brazilian literature, choosing those who could contribute to this discussion. From emerged categories out of these central concepts, we have highlighted points of theorical convergence and divergence. Among the convergences, we have highlighted: I. ideas of participation and democracy; II. construction of a critical subject; III. a kind of an active citizenship. Differences, on the other hand, seems to be distinct paths for reading the same social reality, and it can be concluded that the fields are complementary in understanding this reality.

Keywords: social psychology; community psychology; solidarity economy; community development; community.


RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo principal llevar a cabo un enfoque teórico entre los conceptos de comunidad y desarrollo comunitario a partir de los aportes de la economia solidaria y la psicologia social y comunitaria. Tomando como telón de fondo elementos del surgimiento de estos campos en el contexto brasileno, buscamos comprender como los conceptos seleccionados se caracterizan y cuáles son sus posibles interconexiones. Para esto, tomamos como base a autores representativos de los campos, especialmente en la literatura brasilena. De los elementos planteados, destacamos puntos de convergencia y divergencia entre los conceptos centrales. Por las convergencias, destacamos: I. ideas de participación y democracia; II noción de la construcción del sujeto critico; III. noción de una especie de ciudadania activa. Las diferencias, por otro lado, parecen ser caminos distintos para leer la misma realidad social, y se puede concluir que los campos son complementarios para comprender esta realidad.

Palabras clave: psicologia social; psicologia comunitaria; economia solidaria; desarrollo comunitario; comunidad.


 

 

INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos quinze anos, nós autor e autora deste artigo, vivenciamos em atividades cotidianas de ensino, pesquisa e especialmente de extensão universitária diversas experiências que nos provocavam a realizar esta investigação e trazer para o campo teórico diálogos entre áreas do conhecimento que se apresentaram, à primeira vista, como distintos e que em nossa atuação nos esforçamos para conciliar. Nestas experiências, que se dão em torno de temáticas como a gestão social e a Economia Solidária, a ação diária nos convocava a um diálogo constante com os campos da Administração, da Administração Pública, da Filosofia, da Psicologia, da Comunicação Social, dentre outros.

O contato com uma diversidade de interlocutores(as) também nos chamava constantemente para a reflexão sobre o sentido das ações e a contribuição acadêmica que pode ser dada a cada um dos públicos aos quais temo-nos envolvido, dentre catadores(as) de materiais recicláveis, agricultores(as) familiares, organizações de bairro, artesãos e artesãs, representantes de poder público, organizações do terceiro setor, dentre outros. Estes encontros sempre nos geraram e geram deslocamentos vivenciais, teóricos e metodológicos que continuam ao se retroalimentar.

Assim, colocando em destaque e explicitando alguns destes elementos motivadores, podemos apontar a sua relevância temática. A Economia Solidária e a Psicologia Social Comunitária vêm apresentando, na contemporaneidade, um conjunto de debates engajados nos processos de crítica e mudança social, elementos que há algum tempo nos move enquanto pesquisadores. É a atuação mais militante, orgânica, por assim dizer, da academia, que busca sair da sua posição, supostamente neutra e normalmente mais confortável, para encarar os problemas sociais prementes na nossa sociedade e confrontar formas de poder estabelecidos, muitas vezes impregnados em paradigmas, fundamentos epistemológicos e metodologias de atuação que se propagam nos escritos e nos fazeres acadêmicos.

Uma segunda preocupação do trabalho foi, então, a de realizar um diálogo temático, que procura colocar em evidência a ideia de multi/inter/transdisciplinaridade, que muitos(as) consideram essenciais para o desenvolvimento do conhecimento e o rompimento dos padrões de fechamento das áreas em si mesmas, e que combina mais com o espírito militante e a atuação orgânica que têm inspirado a postura de pesquisadores(as) e mobilizado, ainda que a lentos passos, transformações na ciência. Estas posturas epistemológicas, são engendradas a partir da percepção que a "vida real" não está fragmentada da mesma forma em que nós dividimos os conhecimentos científicos.

Este trabalho se propõe, assim, a realizar um diálogo conceitual entre os campos da Economia Solidária e da Psicologia Social Comunitária. De fato, o primeiro já nasce a partir de bases interdisciplinares, pois o próprio conceito de Economia Solidária tem sido construído por pesquisadores(as) de diversas áreas do conhecimento, inclusive da Psicologia, passando pela Sociologia, Gestão, Economia, Educação, dentre outras. A Economia Solidária, neste caso, pode ser entendida muito mais como um campo de práticas, onde muitos(as) interpretadores(as) comparecem para tentar entender o fenômeno, mas que não obstante, tem gerado um corpo coerente de entendimentos, ao nosso ver.

Nossa intenção aqui é mostrar como a Economia Solidária, enquanto campo que recebe contribuições e conhecimentos de diversas áreas, pode acolher as contribuições da Psicologia Social Comunitária, da mesma forma como os debates e as práticas (inclusive acadêmicas) que perpassam a Economia Solidária podem contribuir para o desenvolvimento deste ramo da Psicologia, de forma específica, e da Psicologia, de forma geral.

Como método, se adotou pesquisa teórica de tipo narrativa (Rother, 2007) das principais referências em cada campo teórico - Economia Solidária e Psicologia Social Comunitária -, ou seja, que são mais citadas em trabalhos dos pares e que possuem maior influência nos campos em questão. A partir daí, foram identificados elementos que ajudam a compreender e definir os conceitos escolhidos, tendo ainda sido identificados dois conceitos como mediadores do diálogo, que são "comunidade" e "desenvolvimento comunitário", que foram também definidos a partir da contribuição dos(as) autores(as) que embasaram o corpus teórico apresentado.

Este trabalho está organizado, então, em três seções, além desta introdução e das considerações finais: na primeira delas "Economia Solidária e a sua emergência no Brasil", buscamos apresentar os principais debates deste campo no Brasil, situando seu surgimento e as suas práticas; na segunda seção "Psicologia social comunitária no Brasil" são apresentados um breve histórico do desenvolvimento da Psicologia Social e da Psicologia social comunitária no contexto brasileiro; na terceira seção "Psicologia Social Comunitária e Economia Solidária" é apresentada a relação entre os dois conceitos principais, sendo no subitem "Desenvolvimento Comunitário e Comunidade" trabalhada esta correlação.

 

ECONOMIA SOLIDÁRIA E A SUA EMERGÊNCIA NO BRASIL

A perspectiva de compreensão e a expansão da Economia Solidária no Brasil está diretamente associada às mudanças ocorridas no mundo do trabalho principalmente as refletidas nos elevados índices de desemprego, na flexibilização da legislação trabalhista e no crescimento da economia informal. A partir da década de 80 do século passado o tema de Economia Solidária emerge no país e toma impulso na segunda metade da década seguinte, diretamente associado à luta contra o desemprego em massa, agravado com a abertura às importações (Paul Singer, 2002). Esta emergência está ligada a um contexto de aprofundamento da exclusão social (França Filho, 2002).

Assim, diante de oportunidades de emprego cada vez mais escassas, este movimento ganha corpo pelo número crescente de pessoas buscando uma organização em grupos, na busca de alternativas de trabalho e renda. Estes grupos se organizam na intenção de buscar melhorias para as suas famílias e comunidades através de um trabalho coletivo, cooperativo, autogestionário e solidário entre os(as) trabalhadores(as) associados(as)/cooperados(as).

Existem algumas formas de definir a Economia Solidária, conforme a perspectiva adotada pelos autores. A Economia Solidária como teoria e prática ainda se encontra em constituição e nesse processo dialógico, Airton Cançado (2007) identifica três abordagens: A primeira de acordo com Marcos Arruda (2000, 2004) defende que a Economia Solidária pode ser considerada como um outro modo de vida, em que os valores percebidos vão muito além da competição característica da sociedade capitalista. Outra vertente entende o movimento da Economia Solidária como uma alternativa ao modo de produção vigente. Este grupo, do qual faz parte Singer (2002), acredita ser possível que outras relações entre os seres humanos são possíveis, para além da divisão internacional do trabalho. A terceira abordagem caracteriza a Economia Solidária como uma alternativa aos setores populares, com organização associativa dos trabalhadores(as) sendo uma saída para "sobreviver ao neoliberalismo". Esta última abordagem é mais evidente no Brasil, e, entre os autores que abordam esta perspectiva estão José Luís Coraggio (2000) e Luiz Inácio Gaiger (2000).

Além destas vertentes apontadas por Cançado (2007), poderíamos incluir duas outras, conforme apontado por Eduardo Cunha (2012). A primeira delas é uma abordagem antropológica e da sociologia econômica, fundamentada nas discussões sobre a dádiva e a pluralidade de princípios econômicos (Genauto França Filho; Jean-Louis Laville, 2004) e a segunda, uma abordagem racionalista, conforme definido por Fabiano Vieira (2005), fundamentada numa construção idealista sobre as potencialidades econômicas da Economia Solidária, e que toma como base os conceitos de emergência e autopoiese. O principal defensor desta última abordagem é Euclides Mance (2001).

Percebe-se que no universo destas concepções sobre a Economia Solidária, há muito mais sobreposição de ideias do que superação, conforme aponta Vieira (2005), compondo o que seriam perspectivas diferentes ou visões complementares sobre o mesmo tema (Cunha, 2012). Percebe-se que o que muda em cada autor é o enfoque dado na conceituação e na análise, conforme a base epistêmica evocada. Buscaremos a apresentação destes enfoques a seguir, identificando os elementos que nos parecem centrais em cada um deles.

A definição mais humanista de Arruda (2000, 2004) entende a Economia Solidária dentro de um movimento de amorização e de feminização da economia. O autor defende que há fator ontológico para o surgimento da Economia Solidária, ligado ao desejo pela felicidade e conectado ao respeito mútuo e a si próprio, de cada indivíduo, bem como ao laço de amor entre as pessoas. Os conceitos em que ele se inspira são aqueles de Theilard de Chardin, que afirma que as tendências de evolução do ser humano seguem na direção da amorização e espiritualização. A Economia Solidária representa, neste caso, uma escolha solidária consciente, que resulta de um projeto teleológico.

Singer (2002) entende a Economia Solidária como um movimento que se coloca contra o capitalismo, se constituindo como uma prática alternativa, que ao mesmo tempo convive com sua estrutura. O autor define a Economia Solidária como um conjunto de práticas socioeconômicas coletivas (de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito) centradas no ser humano, em que a solidariedade e a reciprocidade se colocam como elementos definidores do agir econômico, em contraste com o individualismo e a competitividade, características do padrão de comportamento tradicional nas sociedades capitalistas. Assim, Singer (2002) parte de uma análise mais marxista da Economia Solidária, tomando como ponto de partida a crítica operária e socialista ao capitalismo, realizando críticas sobre o capital, a propriedade e o dinheiro, e ao poder desproporcional que eles conferem a quem domina os meios de produção.

Luis Antônio Coraggio (2000) toma como ponto de partida para o entendimento da Economia Solidária a organização popular das comunidades em torno da sua reprodução da vida. Para ele há um caldeirão de lógicas atuando ao mesmo tempo, reproduzindo lógicas capitalistas "selvagemente competitivas" ao mesmo tempo em que circulam laços de cooperação e solidariedade, um espaço marcado por contradições, transportadas da economia doméstica, que é o espaço de reciprocidade, mas ao mesmo tempo da influência do consumismo e das ideias do mercado. Neste espaço está a expressão da Economia Solidária em ações concretas, visando a "reprodução ampliada da vida de todos", onde solidariamente, através da reciprocidade, todos possam ter sua qualidade de vida garantida.

A perspectiva de França Filho e Laville (2004) é baseada no entendimento do paradigma antropológico da dádiva (Caille, 2001; Mauss, 2001),que vincula o impulso da troca (dar, receber e retribuir) à própria formação do laço social. Isto se daria numa articulação entre interesse e desinteresse, obrigação e liberdade, pares indissociáveis que não permitem a redução da ação humana como exclusivamente movida pelo interesse e pelo cálculo. A Economia Solidária estaria assim baseada nos elementos das trocas tradicionais, envolvendo o circuito da dádiva. Assim, segundo esta visão, as relações comunitárias não se dissociam do processo de troca econômica realizada por um empreendimento solidário, e França Filho (2006) observa que "o processo produtivo não tem condições de existir independente do próprio tecido da vida social entre as pessoas" (p. 73), ideia que se fundamenta sobre a sociologia econômica de Karl Polanyi (1980). Com isto, as trocas econômicas entre os empreendimentos de Economia Solidária se dariam conforme três lógicas distintas: as mercantis, as não-mercantis e as não-monetárias.

Mance (2001),a partir também de uma crítica ao paradigma econômico dominante (focado na escassez) defende a construção de outro modelo econômico, focado no conceito de redes. Assim, os empreendimentos econômicos solidários (EESs) se organizariam entre si para ajustar processos de oferta, demanda e de qualidade de produtos ou serviços. O consumo também é um foco da sua análise, defendendo que ele assuma uma perspectiva solidária. Evoca o conceito de autopoiese para definir como as redes podem se auto-organizar internamente, também com o uso de tecnologias.

Os diversos pontos em comum, de sobreposição e de complementariedade que podemos identificar nas abordagens são: a) todos partes de uma crítica ao sistema vigente, embora ela possa variar um pouco de tom ou de perfil: da crítica às práticas neoliberais (Coraggio), ao mercado auto-regulado e à apropriação de todas as dimensões da vida à lógica do mercado (França Filho e Laville), da heterogestão e da concentração da propriedade e do poder (Singer), da irracionalidade e do interesse atrás das formulações econômicas atuais (Mance), do modelo de desenvolvimento focado no crescimento econômico ilimitado (Arruda); b) há uma proposta de construção de um modelo de sociedade focado em outros valores, ou seja, na cooperação, na solidariedade, na distribuição de riquezas e de poder; na organização dos empreendimentos de Economia Solidária a partir de uma lógica autogestionária; na ideia de que o fazer econômico deve ser profundamente revisto, desde suas dimensões analítico-conceituais até a definição das suas políticas, e que o lugar da economia na vida social não é mais importante do que o lugar das relações sociais, do lazer, da cultura e do desenvolvimento integral de cada sujeito e suas comunidades.

Um outro conceito relevante para compreendermos o universo da Economia Solidária é o de empreendimento econômico solidário (EES). Os EESs podem se expressar de diversas formas, que incluem associações produtivas, cooperativas populares, empresas recuperadas, clubes de trocas, bancos comunitários, dentre outros. Estes empreendimentos possuem características descritivas que variam também conforme o autor citado. Tomaremos aqui alguns exemplos dentre as vertentes citadas acima, escolhidas por justamente concentrarem esforços mais sistemáticas também nesta conceituação. Gaiger (2004) apresenta um conceito que envolve a interlocução entre solidarismo e empreendedorismo, e propõe a adoção da ideia de eficiência, desconstruída e redefinida com base na ideia de cooperação, constituindo, assim, uma nova racionalidade socioeconômica. Conforme o autor, um EES poderia ser caracterizado por oito princípios: autogestão, democracia, participação, igualitarismo, cooperação, autossustentação, desenvolvimento humano e responsabilidade social.

Para França Filho e Laville (2004) os EESs podem ser definidos a partir de cinco elementos: pluralidade de princípios econômicos, autonomia institucional; democratização dos processos decisórios; sociabilidade comunitário-pública; finalidade multidimensional. Uma terceira definição que pode ser aportada aqui pela sua importância no âmbito do movimento da Economia Solidária no Brasil, já que assumia um caráter normativo nas definições das políticas públicas sobre o tema no país, é o da extinta Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), que funcionou nos anos de 2003 a 2016. Segundo a SENAES (2011),um EESs deve ter cinco características principais: a) são grupos coletivos e suprafamiliares, com trabalhos urbanos ou rurais, em que está presente a prática da autogestão; b) são permanentes (não eventuais); c) independem de registro legal, ou seja, prevalece a existência real (e não formal) da organização; d) as atividades econômicas devem ser permanentes e centrais no empreendimento, podendo ser de diversos tipos (produção de bens, prestação de serviços, fundos de crédito, de comercialização ou de consumo solidário) e e) podem ser singulares ou complexas, ou seja, podem ter diferentes graus ou níveis (podem ser centrais de associação ou de cooperativas, complexos cooperativos, redes de empreendimentos ou outros).

Os EESs são considerados organizações centrais do movimento da Economia Solidária. Este movimento compõe um campo de atuação que inclui ainda as entidades de apoio e fomento (EAFs) e o poder público. As EAFs se referem a organizações não governamentais que prestam apoio ao movimento e aos empreendimentos, como por exemplo, a Agência de Desenvolvimento Solidário -ADS, filiada à Central Única dos Trabalhadores(as) - CUT, o Movimento dos Trabalhadores(as) Rurais Sem Terra - MST e as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares - ITCPs, vinculadas à universidades. O poder público participa do movimento a partir da instituição de políticas públicas nos diversos níveis de atuação governamental no país (municipal, estadual ou federal) (Cunha, 2012). A síntese das organizações e como elas se relacionam entre si pode ser vista na Figura 1, elaborada com base em França Filho (2006).

Este grupo de atores é considerado o tripé fundamental do movimento da Economia Solidária. O campo da Economia Solidária também se auto-organiza politicamente a partir da constituição de fóruns e redes, que se organizam desde o âmbito local até o nacional, tendo contado, até 2019 com um Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES).

Sobre a atuação do poder público, deve-se destacar que houve uma inflexão nas políticas direcionadas à Economia Solidária em nível federal a partir de 2016 com a queda da então presidenta Dilma Rousseff. A Secretaria Nacional de Economia Solidária teve seu status inicialmente reduzido de Secretaria Especial para uma Subsecretaria dentro do Ministério do Trabalho e depois, no início de 2019, foi reduzida novamente à departamento dentro do Ministério da Cidadania, conforme a MP 870/2019 emitida pelo governo então recém-eleito, que dentre outras coisas, extingue também o Ministério do Trabalho. No nível subnacional, entretanto, algumas experiências podem ser apontadas como positivas pelo estímulo dado ao tema enquanto política pública, como é o caso do Estado da Bahia, com a criação da Superintendência de Economia Solidária (Sesol), que, através do Programa Bahia Solidária vem recebendo incentivos crescentes para a ampliação da sua atuação no estado, desde sua criação em 2007, tendo investido, entre 2015 e 2018, cerca de R$ 55 milhões na criação de Centros Públicos de Economia Solidária (Sertre, 2019).

 

PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA NO BRASIL

A despeito de uma visão ainda presente de uma Psicologia restrita a práticas em consultórios particulares tem se buscado difundir, nos últimos 30 anos, a visão da Psicologia como uma ciência atuante e preocupada com os problemas sociais. Dentre as(os) contribuições de autoras(es) brasileiras para esta (re)configuração da profissão destacamos a atuação e volumosa produção da pesquisadora Ana Bock (1999, 2004, 2007, 2009, 2018).

Ressaltamos, neste contexto, a Psicologia Socio-Histórica1, relevante perspectiva de Psicologia Social no Brasil, que se compromete com as seguintes proposições:

[...] a revisão da ordenação social e das categorizações justificadoras das formas sutis de exclusão;a revisão dos essencialismos resultantes da naturalização dos processos humanos, assim como de um possível relativismo como alternativa a estes, assumindo como direção o compromisso com a transformação da ordenação e da categorização social em nome da potencialização da diversidade; a revisão ética e política do compromisso historicamente assumido pelas práticas científicas e profissionais na sua condição de práticas sociais. (Bock, Teixeira, & Furtado, 2018, n. p.).

Seja por meio do "novo olhar" proposto de compreensão do sujeito inserido no seu contexto social e novas intervenções posicionadas socialmente e politicamente, que independem do espaço de atuação do(a) profissional de Psicologia (clínica, escola, organizações, etc.), seja por meio de sua presença mais ativa nas políticas públicas ou ainda por outras práticas utilizadas na tentativa de dar conta do social (Laís Leite & Bryan Andrade, 2013).

No entanto, este foco no social se dá em um complexo cenário de transformação da profissão e das demandas sociais, inclusive de inserção de profissionais de Psicologia em equipamentos públicos e organizações do terceiro setor que também demandou da ciência/profissão mutações epistemológicas, teóricas e metodológicas. Dessarte, diferentes teorias e abordagens concorrem pelo direito e pelo prestígio de falar em nome desta ciência, partindo de diferentes vieses e produzindo um campo fragmentado, como indica Raul Pacheco Filho (2006).

De modo semelhante a países da América Latina, e outros países capitalistas dependentes "[...] a Psicologia social oscila entre o pragmatismo norte-americano e a visão abrangente de um homem que só era compreendido filosófica ou sociologicamente - ou seja, um homem abstrato." (Sílvia Lane, 2011, p. 11). Ainda de acordo com a autora, um dos mais proeminentes nomes da Psicologia social no Brasil:

Os congressos interamericanos de Psicologia são excelentes termômetros dessa oscilação e culminam, em 1976 (Miami), com críticas mais sistematizadas e novas propostas, principalmente pelo grupo da Venezuela, que se organiza numa Associação Venezuelana de Psicologia social (AVEPSO) coexistindo com a Associação Latino-Americana de Psicologia social (ALAPSO). Nessa ocasião, psicólogos brasileiros também faziam suas críticas, procurando novos rumos para uma Psicologia social que atendesse à nossa realidade. Esses movimentos culminam, em 1979 (SIP - Lima, Peru), com propostas concretas de uma Psicologia social em bases materialistas-históricas e voltadas para trabalhos comunitários, agora com a participação de psicólogos peruanos, mexicanos e outros. (Lane, 2011, p. 11).

De acordo com Mariana Cordeiro e Mary Jane Spink (2018), foi também nesse período que se intensificaram no país as críticas ao modelo hegemônico de intervenção psiquiátrica. As críticas e o foco são deslocados da patologia para a saúde e se enfatiza a importância de ações preventivas junto a populações pobres e desatendidas pelo Estado. Ascendem, também, as ideias de Paulo Freire acerca da educação popular e da alfabetização de adultos, que passam a ser vistas como ferramentas de conscientização e resistência contra a opressão do regime militar (Lane, 2011; Lane, 2020).

Os vários acontecimentos, movimentos e deslocamentos gerados "criaram o solo epistêmico, social e político para que a chamada 'crise de referência' acontecesse, trazendo à tona a necessidade de refletir sobre o papel da Psicologia em um contexto marcado pela violência de Estado, pela miséria e pela desigualdade social" (Cordeiro & Spink, 2018, p. 1071).

Passamos assim por uma fase nebulosa na década de 70, com pouca definição da área, seus objetos de estudo e referenciais. Para sair desta crise

[...] alguns caminhos alternativos começam a se delinear. Um maior intercâmbio entre o Brasil e outros países, particularmente da América Latina. Uma maior conscientização dos problemas sociais enfrentados pelos países latino-americanos. Um incremento da produção científica crítica buscando encontrar soluções para problemas específicos do continente latino-americano. Uma fundamentação teórica com base em postulados e concepções de homem e de realidade social alternativa à concepção positivista (Sérgio Ozella, 1996, p. 140-141).

Dentre as atrizes/atores dessa história podemos evidenciar a aproximação de Lane com psicólogas(os) sociais de outros países latino-americanos, como as venezuelanas Maritza Montero e Maria Auxiliadora Banchs, a peruana Gladys Montecinos, o cubano Fernando Gonzalez Rey e o espanhol, radicado em El Salvador, Ignacio Martín-Baró (Bock, Ferreira, Gonçalves & Furtado, 2007).

Os dois acontecimentos supracitados - crise de identidade da Psicologia Social e a defesa de um paradigma latino-americano - são condições que forjam a emergência de áreas mais atreladas a estas inquietações, entre estas destacamos a Psicologia Social Comunitária2. A este respeito, Mariana Gonçalves e Francisco Portugal (2016) destacam que "diante desta mudança de rumo nos caminhos da profissão e a configuração de um novo modo de trabalho em que as(os) profissionais estejam comprometidos com as questões sociais do contexto no qual se inserem foram amplamente fomentadas" (p. 563). Essas questões articularam-se também com outros desdobramentos como a criação da Associação Brasileira de Psicologia social (ABRAPSO).

Campos (2020) aponta que no Brasil as nomeações Psicologia Comunitária e Psicologia na Comunidade têm sido acionadas desde meados da década de 1960 para se referir "a utilização de teorias e métodos da Psicologia em trabalhos feitos em comunidades de baixa renda, visando, por um lado, deselitizar a profissão, e de outro, buscar a melhoria das condições de vida da população trabalhadora [...]" (p. 9)

A partir da década de 1980, sobretudo com a criação da ABRAPSO, preocupações orientadas ao social dão corpo ao que se constituía como Psicologia Social, e gestam também uma nova área nomeada como Psicologia Comunitária, que buscavam cada vez mais

se desvencilhar de um pensamento individualista e privilegiar temas de maior relevância social para a população brasileira e latino-americana. [Assim o] que interessava, a partir de então, era tematizar aquilo que faz parte do cotidiano e da realidade das maiorias populares (Gonçalves & Portugal, 2016, p. 563).

Para Maria de Fátima Freitas (2017)

a Psicologia (Social) Comunitária utiliza-se do enquadre teórico da Psicologia Social, privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos (p.73).

Assim, visa desenvolver trabalhos capazes de contribuir para promover relações de cooperação e solidariedade e para a construção de sujeitos mais críticos e reflexivos, problematizadores e transformadores da realidade, utilizando-se de métodos de inserção e atuação comunitária (Góis, 2005; Montero, 2004).

Freitas (2017) destaca ainda o que enfatiza a perspectiva da Psicologia Social Comunitária, se dedica a problematização da relação entre produção teórica e aplicação do conhecimento, visando a formação de intelectuais orgânicos, de sujeitos(as) capazes de sintetizar o ponto de vista da comunidade e de coordenar processos de transformação do instituído. Metodologicamente se utiliza especialmente da pesquisa participante, na qual os(as) pesquisadores(as)/psicólogos(as) trabalham com os grupos/comunidades na busca de explicações para os problemas colocados, e no planejamento e execução de programas de transformação da realidade vivida.

Dentre os valores basilares para este campo, Freitas (2017) evidencia a ética da solidariedade, os direitos humanos fundamentais e a busca da melhoria da qualidade de vida da população focalizada, ou seja "questiona-se a visão da ciência como atividade não-valorativa, e assume-se ativamente o compromisso ético e político. Em termos éticos, busca-se trabalhar no sentido de estabelecer as condições apropriadas para o exercício pleno da cidadania, da democracia e da igualdade entre pares" (p. 11). Em termos políticos, questiona-se todas as formas de opressão e de dominação, e busca-se o desenvolvimento de práticas de autogestão cooperativa (Bomfim, 1987).

Tendo sinteticamente situado as particularidades acerca da emergência e dos marcos da Psicologia Comunitária no Brasil teceremos algumas notas acerca da aproximação entre a Psicologia Social Comunitária e Economia Solidária.

 

PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E ECONOMIA SOLIDÁRIA

Podemos entender a relação destas áreas como uma dicotomia ou como um caminho a seguir. De um lado percebe-se as problemáticas da Economia Solidária tão próximas das discussões e recentes aproximações da Psicologia Social e Comunitária; por outro lado, percebe-se ainda um relativo distanciamento da ciência e profissão de Psicologia em estudos e experiências em Economia Solidária.

Em seu artigo "Porque trabalhar com Economia Solidária na Psicologia social" Guareschi e Veronese (2009) fazem uma aproximação da Economia Solidária com a Psicologia e propõem a necessidade da pesquisa e intervenção em contextos laborais autogestionários na perspectiva da Psicologia Social Crítica, diante da invisibilidade que adquirem os(as) atores/atrizes sociais excluídos do mercado formal de trabalho, trazendo como referências os conceitos de sociologia das ausências e das emergências, Economia Solidária e autogestão.

Para pesquisar e intervir neste campo torna-se necessário superar uma percepção reducionista das relações de produção e do cotidiano, como coloca Furtado (2011):

As bases econômicas e sociais estão diretamente ligadas à reprodução das relações de produção e se relacionam intimamente com a produção direta e indireta de bens de consumo. Aqui temos as determinações que organizam o mundo do trabalho nas relações possíveis: empregador, empregado, trabalhador autônomo etc. Mas há uma dimensão mais ampla que é a dimensão da vida e que se expressa através do cotidiano. Esse cotidiano é regulado pela maneira como se dá objetivamente a reprodução das relações de produção por meio do quadro de normas, valores, crenças, representações necessárias para a manutenção e reprodução de suas bases materiais (Furtado, 2011, p. 99-100).

Para Guareschi e Veronese (2009), é nas razões da emergência de um campo como a Economia Solidária que a Psicologia vai buscar elementos para analisar, criticamente, a relação que os sujeitos ali estabelecem com o seu trabalho. Estes acreditam que as Ciências Humanas e Sociais, em especial a Psicologia e a Pedagogia, podem dar a sua contribuição, atuando junto aos grupos para que efetivem e desenvolvam formas alternativas de trabalhar e de viver em sociedade. Através da contribuição no plano da teoria, desenvolvendo conceitos sob a perspectiva sociopsicológica da autogestão e ainda na intervenção junto aos grupos-sujeitos dos processos e ainda por meio da pluralidade de metodologias produzidas e utilizadas por esta ciência/profissão.

 

COMUNIDADE E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO

Pela centralidade das compreensões sobre comunidade e desenvolvimento comunitário para a pesquisa e intervenção a partir dos dois campos relacionados à este estudo nos dedicaremos neste item ao exame das nomeações dadas por diferentes autores(as) para estes dois conceitos.

Na Psicologia, o conceito de comunidade foi ausente na história das ideias psicológicas, aparecendo, de acordo com Bader Sawaia (2020), como referencial analítico apenas nos anos 70, quando um ramo da Psicologia social se autoqualificou de comunitária. Assim fazendo, definiu intencionalidades e destinatários para apresentar-se como ciência comprometida com a realidade estudada, especialmente com os(as) excluídos(as) da cidadania. Deste modo, para construir uma contribuição teórica e de atuação era necessário averiguar o que constituía uma comunidade, a quais realidades se nomeava com este repertório.

No que diz respeito aos debates sobre comunidade dentro do campo da Economia Solidária, verificamos que este termo não se apresenta, de forma geral, problematizado sistematicamente, embora ele atravesse boa parte destas discussões. A partir da leitura dos textos, pinçamos elementos que indicam, mesmo que de forma indireta ou a partir da interpretação do que dizem os autores, como este tema é trazido. A síntese deste entendimento pode ser observada no quadro a seguir, em que são destacados elementos dos conceitos de comunidade e de desenvolvimento comunitário em cada uma das vertentes do debate sobre Economia Solidária apresentado anteriormente neste trabalho.

 

Figura 2

 

Como síntese das abordagens apresentadas no quadro acima, podemos dizer que o conceito de comunidade nos textos de Economia Solidária está ligado à ideia de pessoas conectadas por propósitos comuns, neste caso, a busca do trabalho e renda, fundamentadas na construção de um outro padrão de sociabilidade, cuja base se dá em valores como a cooperação e a reciprocidade. A comunidade, neste caso, não estaria atrelada diretamente à questão do território, já que esta pode ser formada dentro de empreendimentos econômicos solidários, que, em alguns casos podem envolver diversos territórios, aqui entendidos como o lugar onde se constroem relações de proximidade (relações de vizinhança, parentesco, que se dão normalmente no espaço de um bairro de uma cidade ou de um distrito rural), nos moldes apontados especialmente por França Filho (2006). O território, entretanto, assume um papel fundamental, na medida em que os empreendimentos solidários, na maioria dos casos, são formados dentro de localidades específicas, especialmente em condições onde se apresenta a economia popular. Sua gênese, na maioria dos casos, se dá em grupos onde os sujeitos já têm uma relação de proximidade.

A importância deste território no nível micro transparece também na ideia apresentada por alguns autores de que o empreendimento econômico solidário está conectado com seu entorno. Sua finalidade multidimensional, em que o econômico aparece como um intermediário para a reprodução ampliada da vida, o leva a dialogar com os problemas enfrentados pelo bairro/localidade rural ou outro contexto mais amplo onde ele está inserido, criando ou fortalecendo, por um lado, a relação dos sujeitos do empreendimento com outros que estão no seu entorno, e por outro, as relações institucionais que se estabelecem com outros espaços coletivos, como escolas, associações, igrejas, etc.

A ideia de desenvolvimento comunitário apresenta uma variedade maior nos textos, talvez porque os esforços na definição de como a Economia Solidária pode se desenvolver enquanto prática é onde estão concentrados os maiores esforços teóricos e práticos.

Como elementos comuns nas abordagens, poderíamos elencar alguns elementos:

a) a questão da organização dos empreendimentos entre si, gerando cadeias de trocas de produtos, serviços e informações, bem como de elementos simbólicos, já que a Economia Solidária também pode ser considerada um movimento social, em que seus atores se organizam politicamente em diversos âmbitos;

b) esta organização se dá em torno da construção de um projeto político da Economia Solidária, que, em muitos casos, ecoa na definição de políticas públicas;

c) o desenvolvimento de relações sociais imbricadas no econômico, ou seja, a redefinição na forma de fazer economia em direção a uma socioeconomia, em que questões como reciprocidade, dádiva e diversos tipos de trocas não monetárias ou não mercantis importam; neste sentido há uma preocupação no desenvolvimento das relações sociais em si, criando ou resgatando padrões considerados mais saudáveis, focados na cooperação ao invés da competição;

d) a definição de uma prática de autogestão dentro dos empreendimentos e fora dos mesmos, que estaria fundamentada numa ideia de democracia direta, da propriedade coletiva dos bens de produção, dos processos de aprendizado contínuo, da ressignificação da dicotomia pensar-executar, da inversão da lógica piramidal de poder, da inclusão consciente de todas as minorias, conceitos colocados em contraposição a uma lógica de heterogestão, presente nas empresas capitalistas;

e) a busca dos processos de emancipação do ser humano também pelo trabalho, mas além dele, que se daria na construção de todos os fatores elencados acima.

 

Figura 3

 

Neste ponto, começa a ficar evidente a relação entre algumas das questões presentes nos debates da Psicologia Comunitária e as construções teóricos-conceituais do campo da Economia Solidária. Podemos aqui destacar pelo menos três pontos de convergência:

a) um pressuposto presente nos autores chamados a falar neste trabalho sobre o tema da Psicologia Comunitária, é que o desenvolvimento comunitário se dá mediante a participação e o envolvimento dos sujeitos nas questões da sua localidade; de forma semelhante, o pressuposto da participação é algo fundamental para as práticas de Economia Solidária, e de fato a democracia direta e deliberativa é considerada condição para que um EES dê certo;

b) além disto, na Psicologia Social Comunitária se evoca a necessidade da construção de um sujeito crítico e afetivo, capaz de, com isto, atuar mais efetivamente na sua realidade social, onde ele passa a se envolver de forma mais autorresponsável. Por sua vez, a crítica ao modelo predominante nas relações socioprodutivas é o ponto de partida para a definição e a construção da Economia Solidária, de onde se defende que surge uma ação efetiva na mudança social e nos padrões de sociabilidade; na Economia Solidária, os sujeitos, que formam os coletivos, são colocados como os principais responsáveis pela mudança e as ações que afetam a si mesmos;

c) esta responsabilização coloca também o sujeito numa posição mais ativa frente a governos, para além de alguém que cobra direitos, mas que é coparticipante na definição de políticas públicas, posição que é apresentada também pela Psicologia Comunitária.

Do ponto de vista das divergências teóricas, o que vemos são mais afastamentos de perspectivas/preocupações dos campos do que divergências em si. O campo da Psicologia Social Comunitária apresenta uma maior preocupação em caracterizar o sujeito dentro do seu contexto, seus processos de subjetivação, de construção de significados (individuais e coletivos). Já os textos utilizados como referência para a Economia Solidária concentram seus esforços em tentar entender o sistema atualmente dominante e as estratégias das classes trabalhadoras/excluídas para superar os processos de exclusão e subjugação e construir um modelo alternativo de organização econômica (ou socioeconômica).

 

CONCLUSÃO

A tarefa a que nos propusemos neste trabalho foi a de realizar a aproximação teórica entre os conceitos de comunidade e desenvolvimento comunitário a partir de pontos de vista da Psicologia Social Comunitária e de Economia Solidária. Dada a diferente natureza dos campos, a Economia Solidária se apresenta como uma prática de economia e vida, e que também gerou um contributo teórico que tangencia diferentes áreas e campos de conhecimento. A Psicologia Social Comunitária é um dos são ramos que emergem, mais recentemente nesta ciência e profissão e que busca se consolidar em meio a uma pluralidade de teorias e práticas.

Evidenciamos aproximações entre estes conceitos que podem ser categorizados em três elementos principais: a) a questão da participação e democracia; b) pela noção da construção do sujeito crítico à sua realidade; c) pela noção de uma cidadania ativa, em que o sujeito se coloca como responsável pela sua própria realidade e como um ente ativo frente à governos locais.

Não é observado um embate teórico relevante dentro dos campos, que geraria algum tipo de oposição ou interpretação concorrente da realidade. As diferenças se colocam mais como caminhos distintos para a compreensão da mesma realidade social, podendo-se concluir que ambos os campos podem ser complementares para a compreensão desta realidade.

Por fim, parece-nos que os debates da Psicologia Social Comunitária têm muito a contribuir no campo da Economia Solidária, trazendo para a reflexão elementos como a relação dos(as) sujeitos(as) com seu entorno e os processos de subjetivação engendrados neste contexto, bem como a relação com os outros atores/atrizes envolvidos no processo. De forma inversa, este processo pode ser retroalimentado pela contribuição dos debates e das práticas da Economia Solidária, como um campo novo a fertilizar as compreensões sobre os processos de construção do sujeito nos processos de mudança social.

 

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Recebido em: 25/04/2020
1ª revisão em: 13/06/2021
Aceito em: 08/08/2021

 

 

CONFLITOS DE INTERESSES
Não há conflitos de interesses.
SOBRE OS AUTORES
Eduardo Vivian da Cunha é graduado em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2002). Mestre e doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente realiza Pós-Doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Administração da pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atua como professor pela Universidade Federal do Cariri, onde coordena a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários -ITEPS/UFCA.
E-mail: eduardo.cunha@ufca.edu.br
https://orcid.org/0000-0001-8721-8835
Maria Laís dos Santos Leite é graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Leão Sampaio com bolsa pelo Programa Universidade para Todos - ProUni. Mestra em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal do Cariri. Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atua enquanto servidora técnico-administrativa da Universidade Federal do Cariri, onde integra a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários - ITEPS/UFCA.
E-mail: mlaisleite@gmail.com
http://orcid.org/0000-0001-5777-3205
1 De acordo com Bock, Teixeira e Furtado (2018) a Psicologia Sócio-histórica, cuja base e pressupostos se situam nos estudos desenvolvidos por "Vigotski, Luria e Leontiev nos anos 1920, após a Revolução Soviética, como uma alternativa, de base marxista, à Psicologia que vigorava na Europa, na própria Rússia e Estados Unidos, na época, foi posteriormente denominada Psicologia Histórico-cultural por seus seguidores. A Psicologia Sócio-histórica, que tem seus fundamentos e referências teórico-metodológicos naquela Psicologia, e refere-se, neste texto, às concepções desenvolvidas no Brasil a partir da contribuição de Silvia Lane e colaboradores, denominados de Escola de São Paulo, com núcleo na PUC-SP. Esta perspectiva dialoga de modo afinado e colaborativo com a Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski e, também, com a vertente desenvolvida por Gonzalez Rey no Brasil, denominada Cultural histórica. A base marxista destas perspectivas as assemelha e aproxima, permitindo diálogos e colaborações importantes" (n.p.).
2 A partir de diferentes autores(as) e tradições na Psicologia há modos diferentes de nomear a área, ora tratada como ramo independente da Psicologia social, ora como dela derivada, sendo por isso tratada como Psicologia social comunitária, ora Psicologia comunitária e outras ainda, como Psicologia (social) comunitária, como utiliza Freitas (2017) citada neste documento.

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