Services on Demand
article
Indicators
Share
Revista Polis e Psique
On-line version ISSN 2238-152X
Rev. Polis Psique vol.8 no.2 Porto Alegre May/Aug. 2018
https://doi.org/10.22456/2238-152X.75685
ARTIGOS
Juventudes, gênero e sexualidade: a ação política dos movimentos sociais
Youths, gender and sexuality: the political action of the social movements
Jóvenes, género y sexualidad: la acción política de los movimientos sociales
Ana Cecília SilvaI, Carolina SilvaII, Juliano BonfimIII, Lívia Barbosa LimaIV, Marcos Ribeiro MesquitaV
I Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.
II Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.
III Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
IV Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.
V Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.
RESUMO
O presente trabalho é resultado de uma investigação que objetivou analisar e compreender a visão de jovens maceioenses sobre as dinâmicas participativas dos movimentos sociais feministas e LGBT na atualidade. Para tanto, foram realizados dois grupos focais com participantes de idades compreendidas entre 18 e 29 anos, que receberam a solicitação para participar pelo Facebook. Os grupos discutiram questões referentes à participação política e a relação com as dimensões de gênero e diversidade sexual. Concluímos que aquelas(es) que participaram da pesquisa possuem conhecimento sobre as dinâmicas internas dos movimentos sociais, que lhes parecem cada dia mais desafiadoras. De modo geral, suas concepções acerca dos movimentos e da própria política passam por experiências pessoais de afirmação e de enfrentamento. Tais noções se ligam ao coletivo e não à fragmentação e o individualismo, exigindo cada vez mais a desconstrução de discursos naturalizados e essencializados sobre a sexualidade e o gênero.
Palavras-chave: juventude; gênero; sexualidade; atividade política.
ABSTRACT
The present work is result of an investigation that aimed to analyse and understand the perspective of young people from Maceió about the participative dynamics of feminist and LGBT social movements nowadays. Therefore, two focus groups were held with participants aged 18 to 29 years old, who received the request to participate through Facebook. The groups discussed issues related to political participation and the relation with gender and sexual diversity dimensions. We conclude that those who participate in the research have knowledge about the internal dynamics of the social movements, which seem to them each day more challenging. In general, their conceptions about these social movements and the politics itself passes through personal experiences of affirmation and confrontation. Such notions are linked to the collective rather than to fragmentation and individualism, increasingly demanding the deconstruction of naturalized and essentialized discourses about sexuality and gender.
Keywords: youth; gender; sexuality; political activity.
RESUMEN
Este trabajo es resultado de una investigación que tuvo como objetivo analizar y comprender la perspectiva de los jóvenes acerca de las dinámicas participativas de los grupos y movimientos feministas y LGBT en la actualidad. Para ello, realizamos dos grupos focales con participantes de edades comprendidas entre los 18 y los 29 años invitados por Facebook. Los grupos trataron cuestiones referentes a la participación política y la relación con las dimensiones de género y la diversidad sexual. Llegamos a la conclusión que aquellas(s) que participaron de esta investigación tienen conocimiento sobre las dinámicas internas de los movimientos sociales, que les parecen cada día más desafiantes. En general, sus concepciones acerca de los movimientos y la política misma pasa por una experiencia personal de afirmación y de enfrentamiento. Tales nociones se vinculan al colectivo y no a la fragmentación y el individualismo, y viene exigiendo cada vez más la descontrucción de los discursos naturalizados y esencializados sobre la sexualidad y el género.
Palabras-clave: jóvenes; género; sexualidad; actividad política.
Introdução
Nos últimos anos, as relações de jovens com a política vêm gerando importantes discussões e análises que incorporam as múltiplas e atuais experiências de participação. Essa relação é expressão de um tempo em que a própria política vem sendo repensada e problematizada conceitualmente, sinal da necessidade de uma discussão sobre o conceito de política para além de sua ideia tradicional.
São as experiências e práticas de participação atuais que trazem para o centro do debate questões relacionadas à desobediência civil e à democracia direta, como os protestos e manifestações de caráter horizontalizado e as ocupações de espaços públicos. De modo que são reivindicados outros canais de mediação entre sociedade civil e Estado, assim como a composição de um campo de diálogo entre política e cultura. Como afirma Maheirie e cols. (2012), a utilização da concepção clássica da política não contempla as diversas práticas de participação, uma vez que ela se manifesta na atualidade, a partir de múltiplos lugares e formas, principalmente quando relacionada com as juventudes e suas estratégias e linguagens.
De fato, a política associada aos espaços mais tradicionais da participação – e mais especificamente à imagem das instâncias partidárias com suas dinâmicas e mecanismos de controle, e monopólio da representação institucional – parece estar desacreditada por uma significativa parte da população (Florentino, 2008). A crítica em torno da democracia formal, o fortalecimento de experiências no campo da participação e a urgência de canais mais democráticos de decisão nos assuntos de interesse público parecem ser o desejo de uma sociedade que se quer plural e que luta para ser ouvida e representada de fato.
No que concerne às possibilidades de diálogo entre política e cultura, um dos horizontes de participação da sociedade e, mais especificamente, de jovens tem sido a experiência em grupos e movimentos sociais que mobilizamdebates e reivindicações por demandas de cidadania vinculadas às questões de gênero e diversidade sexual, consequência de uma série de lutas iniciadas nos anos 1960 que incorporaram à política dimensões anteriormente exclusivas do espaço do privado (Prado, Torres, Costa & Machado, 2010).
Ainda com relação à essa discussão, é possível pensarmos que a dicotomia entre público e privado restringe as próprias possiblidades de luta política, principalmente em prol de cidadania (Prado e cols., 2010). Desse modo, compreendemos que a inserção de outros sujeitos políticos e suas respectivas pautas de reivindicação estão articuladas à ampliação do espaço político, possibilitando a inserção de outros debates e, assim, de novas formas de participação. Ao tratarmos dos movimentos feminista e LGBT1, compreendemos que estes são expressões de um processo de diálogo entre o âmbito particular e o espaço público.
O movimento feminista teve sua emergência a partir da necessidade de politizar questões que, até então, eram situadas no âmbito do espaço privado e, nesse sentido, compreendidas enquanto individuais e não passíveis de debate político. O engajamento pela mudança no modo como as pautas das mulheres eram tomadas busca reivindicar a existência delas enquanto sujeito político e histórico. A organização das pautas do feminismo em torno do mote ‘o pessoal é político’ contribuiu para a conquista de direitos civis e igualitários, e podemos tomar como exemplo disso a tipificação da violência contra as mulheres e do estupro como crimes (Miguel & Biroli, 2014).
Com relação ao movimento LGBT, segundo Facchini (2003), no Brasil a ação política organizada em torno da questão da sexualidade teve como objetivo principal assegurar direitos voltados aos homossexuais, além de agregar àqueles que compunham o sujeito político do movimento. Dentre as ondas descritas pela autora, é possível identificar que o movimento homossexual brasileiro, inicialmente centrado no eixo sudeste do país, e voltado para a população homossexual masculina, foi ao longo do tempo incluindo outras identidades sexuais (como as lésbicas e as travestis, por exemplo) e se expandindo para outras regiões geográficas brasileiras. Com isso, houve não só o fortalecimento de identidades coletivas essenciais para a edificação do movimento LGBT, como também se aproximou de um modelo de atuação mais semelhante ao que observamos nos coletivos da atualidade: pautam suas reivindicações na urgência por visibilidade e por políticas de prevenção no campo da saúde e da segurança pública, por exemplo, para lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais.
Tanto as mobilizações desses coletivos feministas e LGBT, quanto seu reconhecimento pela sociedade civil são frutos da emergência de uma nova configuração dos movimentos sociais, que no Brasil trouxeram e pautaram lutas desta natureza (Gohn, 2007, 2009). Estas lutas têm mobilizado setores importantes da sociedade, no sentido de ecoar a reivindicação pela diminuição das desigualdades e ampliação de direitos.
As experiências políticas relacionadas às lutas feministas e LGBT multiplicam-se, trazendo à tona discursos marcados pela urgência de políticas e práticas sociais com foco na garantia de uma cidadania sem exceções. Desta forma, entram para o espaço e debate públicos questões ligadas ao poder e à subordinação nas relações de gênero; bem como, o preconceito, a discriminação e a violência sofrida por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Estes elementos são trazidos à tona por tais movimentos sociais, que em seus percursos e processos de organização coletiva demarcam outras pautas para a arena social.
As diferentes práticas de mobilização existentes na atualidade mostram a complexidade desses movimentos, que se fazem presentes nos mais diversos âmbitos. Nas universidades, os coletivos feministas e de diversidade sexual disseminam-se trazendo uma série de lutas presentes no cotidiano de estudantes, que muitas vezes são secundarizadas pelos movimentos estudantis. Para além disso, os coletivos feministas e LGBT reafirmam recorrentemente a necessidade de um posicionamento por parte do Estado e da sociedade civil referente a políticas e leis que garantam a igualdade de direitos, bem como mecanismos de combate ao machismo, à homofobia, à lesbofobia e à transfobia, que causam diferentes formas de violência
O cenário de violência contra as mulheres em função, principalmente, da afirmação cotidiana de uma cultura machista, produz índices alarmantes. Segundo o relatório “Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil”, o nosso país sustenta uma taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, o que o classifica como o 5º país no mundo onde mais se mata mulheres, sendo a população negra vítima prioritária dessa estatística (Waiselfisz, 2015).
Já a violência contra a população LGBT, consequência não só do machismo ora citado, como também de uma cultura cis-heteronormativa2 e LGBTfóbica também indica números que são, no mínimo, preocupantes. O relatório anual do Grupo Gay da Bahia (Grupo Gay da Bahia, 2018) mostra que, no ano de 2017, 387 pessoas LGBT foram assassinadas, sendo este o maior índice de violência voltado para a população de gays e pessoas trans. O relatório aponta ainda que, baseado no contingente populacional de cada segmento da sigla, travestis e transexuais são a parcela da população mais vulnerável, apresentando um risco de morrer por transfobia e homofobia 22 vezes maior que os gays, por exemplo (Grupo Gay da Bahia, 2018), essa vulnerabilidade também foi apontada por relatórios emitidos por instituições internacionais em anos anteriores, tais como a Transgender Europe (2016) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2015).
A violência física vem acompanhada de violência simbólica com o recrudescimento de discursos de ódio advindos de diferentes setores sociais, reforçando o estigma e a invisibilidade social destes grupos. Discursos de uma sociedade fortemente hierarquizada, em que existe uma demarcação entre quem tem direito a viver e quem deve morrer, isto é, quem tem ou não inteligibilidade social (Butler, 2006).
O envolvimento de parte das e dos jovens nas mobilizações ligadas ao gênero e à diversidade sexual tem se dado em diferentes âmbitos: na formação de coletivos, onde de forma mais orgânica discutem-se concepções de política e formas de diálogo com a sociedade; na realização de encontros nacionais3 em que os temas da diversidade sexual e das questões de gênero são problematizados com o intuito, entre outros tantos , de organizar os discursos dos movimentos sociais e suas estratégias de luta; na organização de manifestações e ações coletivas, como as paradas LGBT, os “beijaços”4 e a Marcha das Vadias5, por exemplo, onde explicitam suas reivindicações e bandeiras, traduzindo para a sociedade em geral o conteúdo das lutas por cidadania das quais são porta-vozes. A existência destas manifestações revela, tanto por sua capacidade de mobilização, quanto por suas formas de comunicar, uma parcela da sociedade que, ao se compreender como plural, já não aceita as diversas violências causadas pelo não respeito às diversidades
Essas juventudes parecem dar sentido ao que Rancière (1996) afirma sobre a política, onde
a atividade política é a que desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto (...) faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho. (p. 42).
Ou seja, através destes diferentes atos de mobilização trazem ao mundo as vidas que não são contadas, das mulheres violentadas, da população LGBT e suas distintas formas de ser e viver, destas experiências que desequilibram a vida pautada por uma lógica de dominação machista e cis-heteronormativa.
No contexto em que a pesquisa foi realizada há uma participação visível, ainda que dispersa, de jovens tanto em debates acadêmicos quanto em mobilizações, que direta ou indiretamente compõem o rol de práticas dos movimentos feministas e LGBT. Esses espaços têm contado com o interesse de jovens que se inserem participando de maneira esporádica de atividades dos movimentos e das causas que estes expressam. É esse panorama ampliado do debate em torno das questões de gênero e sexualidade que queremos discutir: como jovens que não estão inseridos em coletivos feministas e LGBT na cidade, mas simpatizam e conhecem suas lutas, se situam em torno da política? Como compreendem a ação dos movimentos e de que modo se posicionam frente às questões trazidas por eles?
Em um momento no qual as dimensões de gênero e diversidade sexual são realçadas como campos privilegiados de debate na sociedade civil contemporânea, e são pautadas como importantes elementos para pensar as práticas políticas na atualidade, pretendemos compreender as visões que as(os) jovens têm em torno deste debate.
Metodologia
Situamos essa pesquisa em uma perspectiva que busca nos aportes teóricos que tratam e discutem a relação entre juventude e política, elementos para pensar a produção do conhecimento. Assim, mais do que estabelecer um método de investigação, delimitamos uma perspectiva teórico-metodológica com base em princípios que norteiam o modo como compreendemos nosso campo de pesquisa. Nesse sentido, definimos nosso trabalho a partir da reflexão sobre como as(os) jovens percebem a política e a participação em movimentos feministas e LGBT.
Torna-se importante, nesse contexto, compreender como as(os) jovens se reconhecem nos grupos e movimentos que trazem em suas reivindicações questões de cunho identitário, ligadas às bandeiras do feminismo e da diversidade sexual. Saber como concebem as dinâmicas de participação destes movimentos, se aderem a seus discursos e práticas políticas, se participam de suas atividades, ou ainda, se se sentem convocadas(os) a participar de algum destes grupos, são questões que queremos discutir neste estudo.
Para tanto, estabelecemos contato com jovens participantes de grupos no Facebook que debatem gênero e diversidade sexual. Em sua maioria, esses grupos foram criados para divulgar eventos, rodas de conversa, conferências e debates produzidos por coletivos da cidade. Além da divulgação desses conteúdos, os grupos também se configuram como espaços que possibilitam o diálogo e a troca de experiências entre pessoas interessadas pelas pautas feministas e LGBT.
Através destes grupos, contatamos jovens com idade entre 18 e 29 anos, informamos sobre os objetivos da pesquisa e lhes fizemos o convite para participar de dois grupos focais, ambos intitulados “Juventudes, Gênero e Diversidade Sexual”. Essa etapa da pesquisa nos deu uma dimensão inicial e importante de como as(os) interlocutoras(es) têm acompanhado e/ou participado desse debate. Nesse caso, um dos grupos discutiu mais especificamente questões relacionadas ao movimento feminista e suas pautas; e o outro, tinha como público jovens que se interessavam pela discussão da diversidade sexual e as dinâmicas participativas dos movimentos LGBT. Participaram em cada grupo, uma média de seis jovens de diferentes inserções sociais, que acompanham o cenário desses coletivos políticos na cidade. Podemos afirmar ainda que suas experiências se aproximam à medida em que fazem parte de um ambiente comum: a universidade; e se distanciam a partir de experiências particulares, dado que possuem diferentes vivências decorrentes de seus contextos.
A estratégia do grupo focal foi escolhida por considerarmos que ela prioriza a experiência e a opinião de quem dele participa frente ao tema em questão. O grupo permite que as(os) integrantes interajam entre si, possibilitando a reflexão sobre suas realidades e vivências cotidianas, além de possibilitar insights que seriam menos acessíveis de outro modo (Barbour, 2009).
A utilização de grupos focais como instrumento metodológico em pesquisas qualitativas tem sido importante para a execução de pesquisas cujo interesse centra-se na análise de processos e representações. É, especialmente, utilizado em investigações que consideram a visão de participantes em relação a uma experiência ou a um evento. Através deles, buscamos obter a compreensão de seus participantes em relação a algum tema, através de seus discursos (De Antoni e cols., 2001).
Às(aos) jovens foram entregues o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para que conhecessem os objetivos da pesquisa, as estratégias metodológicas, os possíveis riscos e esclarecimentos acerca de sua participação. Os grupos foram gravados e posteriormente transcritos para a realização das análises. É importante observar que foi assegurado o anonimato de quem participou da pesquisa, ou seja, os nomes presentes neste trabalho são fictícios.
Terminados os grupos focais, iniciou-se o processo de análise; em consonância com a perspectiva teórico-metodológica apresentada, que prioriza o trabalho de problematização, indicamos como procedimento para compreender os discursos ali existentes, a proposta de análise de conteúdo. Para Chizzotti (2006, p.98) “o objetivo da análise de conteúdo é compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas”.
Em nossa análise foram consideradas algumas categorias estabelecidas a priori e que compõem o rol de objetivos da pesquisa: a) a compreensão acerca do feminismo e do movimento LGBT na atualidade; e b) os sentidos da política.
Em todo esse processo nos atentamos ao que foi manifesto nos grupos focais, mas também àquilo que não foi verbalizado, pois partimos da ideia de que o que não é expresso também pode ser importante como horizonte de análise. Os conflitos expressos nos grupos, as nuances e controvérsias nos discursos também foram consideradas. Buscamos evidenciar a multiplicidade de opiniões, suas contradições e incoerências e não necessariamente sua unidade.
Resultados e discussões
Podemos iniciar apresentando as(os) jovens6 participantes. São primordialmente universitárias(os), que se interessam e acompanham o debate em torno das lutas feministas e LGBT na cidade, e que se (re)conheceram feministas ou se identificaram com um ideário ligado ao movimento LGBT por diferentes motivos: ou por vivenciar a discriminação e a desigualdade que se dá no cotidiano, tendo a universidade como espaço de compartilhamento dessa experiência, inclusive com as juventudes nela presentes; ou por simplesmente começarem a ler sobre feminismo, no caso das jovens que assim se reconhecem enquanto feministas. Em sua maioria, se assumem feministas ou ativistas LGBT sem necessariamente participar de forma organizada de qualquer coletivo ou movimento social. Uma delas é Camila, outra é Lídia. Elas dizem, respectivamente:
Eu sou de uma cidade pequenininha do interior do estado. Não sei se vocês conhecem. Ai, eu vim de lá em 2012, metade de 2012 e aqui, eu já me indignava com algumas coisas que eu via lá. E aqui encontrei uma ideologia, que eu costumo dizer que é uma ideologia de vida, o feminismo, com algumas coisas que eu acreditava. Tive contato com algumas leituras na universidade e comecei a pensar: poxa, é isso mesmo. É isso que eu acredito. E fui me vendo feminista. Daí eu fui vendo várias amigas que pensavam igual. E hoje eu estou participando da construção da Marcha das Vadias (Camila, 20 anos, maio de 2015).
Eu me chamo Lídia, sou jornalista, tenho 27 anos. Eu não gosto, não sei se eu consigo dizer: ah, sou feminista. Não sei ainda, sabe? Mas do tipo, eu comecei a me interessar por isso porque eu já sofri na pele, assim, questão de, vou falar de uma forma bem normal, tá? Questão de ousadia, de homem que tira liberdade com você. E você sentir que não tem espaço por questão de gênero em determinados lugares (Lídia, 27 anos, maio de 2015).
As(os) participantes da pesquisa possuem uma noção clara das dinâmicas internas dos coletivos, compreendidas como cada dia mais desafiadoras. Têm compreensões diversas acerca dos movimentos feministas e LGBT, resultantes de suas experiências de participação articuladas às suas vivências particulares. A pluralidade dessas experiências revela as distintas concepções sobre os próprios grupos e coletivos, reflexo das diferentes visões de mundo e expressões da política. Neste caso, as concepções destacadas pelas(os) jovens passam, de um lado, pelo empoderamento, pela autonomia e pela luta por igualdade e, por outro, pela desconstrução de práticas LGBTfóbicas, onde o corpo é compreendido como um recurso importante no enfrentamento de tais violências. Nesse sentido, quando perguntadas sobre como compreendem o feminismo, por exemplo, elas destacam:
Eu vejo mais como uma questão de você se empoderar, se sentir empoderada. Não deixar de fazer o que você quer porque alguém vai determinar que tá errado você fazer. E que também tem gente que diz que se você quer se sentir livre, você vai procurar sua singularidade. Porque, assim, agora como as mulheres estão começando a se sentir mais empoderadas, aí vem os homens e outras mulheres que reproduzem o machismo e começam a mandar. Chamam de feminazi, disso ou daquilo outro (Júlia, 19 anos, maio de 2015)
Eu acho o feminismo a luta pela igualdade. A luta pela igualdade. Seja ela qual for. De etnia, de gênero. Qualquer tipo de luta pela igualdade é feminismo. Principalmente a luta da mulher” (Camila, 20 anos, maio de 2015).
Mas Júlia chama a atenção:
Tem aquela que se diz feminista mas é radical o suficiente pra não aceitar as mulheres trans, então que feminismo é esse que não tem mulher transexual no movimento? Não é igualdade. Mulher que quer ser considerada igual, mas que não respeita outras mulheres? No meu feminismo, não (Júlia, 19 anos, maio de 2015).
Para essas jovens, o feminismo passa necessariamente pela construção de uma posição de empoderamento, por uma afirmação de si frente ao outro, como algo vital para a construção de uma sociedade pautada pela igualdade de direitos, outro elemento destacado por elas. Numa sociedade marcada pela desigualdade entre os gêneros, estas jovens reconhecem no feminismo um modo de juntas pautar suas lutas cotidianas. Assim, a experiência do feminismo passa pelo reconhecimento de si no coletivo, forjando uma atuação no campo da política e da participação, seja ela institucional ou não.
Nos últimos tempos o termo ‘empoderamento’ tem sido usado indiscriminadamente, ganhando novos significados e perdendo muito de sua conotação mais radical7, o que produz noções bastante diferentes acerca dele (Sardenberg, 2006). Um desses casos se expressa na disputa entre a adoção de uma compreensão mais individualista desse processo, por um lado, e da perspectiva que o toma a partir de uma dimensão mais politizada, por outro.
A perspectiva mais individualista “dá ênfase nos processos cognitivos, assinala como prioritários os sujeitos independentes e autônomos com um sentido de domínio próprio, e desconhece as relações entre as estruturas de poder e as práticas da vida cotidiana de indivíduos e grupos” (León, 2001, p. 97). Para esta autora, o empoderamento como símbolo de autoconfiança e autoestima deve integrar-se em um sentido de processo com a comunidade, a cooperação e a solidariedade, para não correr o risco de perder seu conteúdo original mais vinculado a uma perspectiva radical de luta pela autonomia das mulheres. Parece-nos, inicialmente, que estas jovens realçam uma dimensão mais individual do processo de empoderamento, ligada à ideia de autoestima e autoconfiança, muito compartilhada no senso comum.
Debatem o feminismo negro, e sinalizam para o fato de que não necessariamente se associam ou compram a vertente liberal presente no termo, ao invés disso, a compreendem como um elemento de afirmação individual e coletiva, fator indispensável para a luta política. Através do processo de empoderamento, estas jovens renunciam ao estado de dependência e agem de forma mais ativa, lutam para si e pela coletividade por mais autonomia.
Esse empoderamento expressa também a ideia de autonomia das mulheres, principalmente, no tocante ao exercício da liberdade, do “ser como você é”, como é afirmado por uma delas. Uma das possibilidades desse exercício político está na articulação com a luta das mulheres negras, por exemplo, através da valorização de suas características físicas, de suas raízes, como nos diz Aline:
Eu hoje vejo o feminismo, pra mim tem cor. Pra mim é isso. Lógico que não é só isso, mas o feminismo pra mim é um feminismo negro, da mulher negra [...] ser do jeito que você é pelo cabelo. Então, pra mim o encrespar é também o empoderar. O processo de transição que a gente vinha passando acaba sendo um processo, um meio de se aproximar da luta de raça e feminista. Eu acho que pra mim, hoje, o feminismo tem esse sentido (Aline, 27 anos, maio de 2015).
O ‘encrespar’ – processo de transição capilar, que é a passagem dos cabelos quimicamente tratados para a textura natural cacheada e/ou crespa – pode ser considerado uma forma de expressão atual desse processo de empoderamento trazido pelas entrevistadas, um bom exemplo da articulação entre a dimensão individual e política. Ao mesmo tempo em que expressa a ideia de autoafirmação, a associa a uma luta política e coletiva. Esse processo é uma estratégia política de valorização de uma identidade que, historicamente, teve seus corpos marcados por estereótipos negativos em nome de um branqueamento social, sendo essa valorização um elemento importante para a superação do racismo, principalmente no que tange a autoestima da mulher negra. Neste caso, é expressão da própria leitura de gênero articulada com a questão racial, na medida em que articula as questões de gênero, incluindo o combate ao racismo e à discriminação.
Como destacaram, feminismo também é tido como uma luta pela igualdade. No entanto, a igualdade enquanto valor deve, necessariamente, ser experienciada e exercida no interior dos próprios coletivos feministas, que a despeito de lutarem pela ampliação de direitos e por mais visibilidade, muitas vezes esbarram em discussões identitárias sobre quem é o sujeito do feminismo, hierarquizando grupos, como ressaltou Júlia. A luta pela igualdade, nesse caso, aponta para a necessidade de inserir pautas como a incorporação das mulheres trans nos espaços feministas e também da articulação com questões de raça e classe social na elaboração das reivindicações. Afinal, “que feminismo é esse que não tem mulher transexual no movimento?”, aponta uma delas.
Podemos compreender que, de modo mais específico, o que as jovens colocam é a necessidade de se romper com uma herança deixada por uma perspectiva de feminismo mais tradicional, um feminismo que não compreende as diferenças e diversidades que existem no interior da própria categoria mulheres. Para Carneiro (2003)
As vozes silenciadas e os corpos estigmatizados de mulheres vítimas de outras formas de opressão além do sexismo, continuaram no silêncio e na invisibilidade. As denúncias sobre essa dimensão da problemática da mulher na sociedade brasileira, que é o silêncio sobre outras formas de opressão que não somente o sexismo, vêm exigindo a reelaboração do discurso e práticas políticas do feminismo. (p. 118).
Essa crítica revela a importância de ampliar as pautas no sentido de construir um movimento mais representativo, visto que existem demandas que são específicas e que não devem ser tratadas unicamente sob a ótica do gênero, uma vez que este pode ser lido a partir da articulação com outros marcadores sociais e políticos, por exemplo: raça, classe, geração e sexualidade. Judith Butler (2015) sinaliza, desde Problemas de Gênero, a necessidade imprescindível dessa articulação, como nos diz: “O gênero estabelece interseções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas. Resulta que se tornou impossível separar a noção de “gênero” das interseções políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida.” (Butler, 2015, p. 21). Neste sentido, o conceito de interseccionalidade se torna fundamental para fugirmos de interpretações que reduzem ou essencializam as experiências dessas mulheres, uma vez que as formas de opressão se interligam e só podem ser compreendidas em sua multidimensionalidade.
Assim, a expressão da luta pela igualdade é, necessariamente, atravessada por uma dimensão de visibilidade das diferentes realidades das mulheres na sociedade, que também se expressam no interior do movimento.A reivindicação para que haja uma constante ampliação da representatividade no movimento e a desconstrução da própria noção universal de mulher são questões imprescindíveis para a ideia de igualdade trazida pelas participantes da pesquisa.
De modo muito parecido, as(os) jovens que simpatizam com os coletivos LGBT também trazem questões vinculadas a uma experiência de si associada à política e ao ideário do movimento. Como as jovens que trazem a ideia de empoderamento como algo que as associa ao feminismo e à política, as(os) jovens LGBT trazem a ideia de desconstrução como uma estratégia política importante. Para elas e eles, o movimento acontece, se concretiza, através dos meios convencionais da política, mas também (e fazem questão de realçar isso) por uma atuação individual, crítica e questionadora, que traz para o debate e espaço público a contestação de práticas e discursos naturalizados e essencialistas acerca do gênero e da sexualidade.
Talvez por experiência própria, porque como eu falei, eu nunca participei de nenhum grupo ou movimento, acho que o movimento é todo dia, faz parte do meu cotidiano mesmo. De escutar algum comentário homofóbico e tentar desconstruir, de me impor sendo homossexual, defendendo, sei lá, uma conversa... eu acho que faz parte mais do meu cotidiano, mais do que atuando e levantando bandeira e tal. Acho que a bandeira até agora... eu não tô dizendo que eu não vou estar lá (em um coletivo), mas a bandeira, a bandeira faz parte do meu corpo, assim, todo dia. Eu acho que é isso, minha experiência… (João, 21 anos, maio de 2015).
Sim... Sobre essa questão de você sair todos os dias de casa e se expor, isso aí cara pra mim, eu acredito que seja uma atitude política. Você se auto afirmar gay, trans, transexual, travesti... É um ato de coragem... você se impor... que a gente não vai se calar, nós somos e temos orgulho de sermos o que somos (Marcelo, 18 anos, maio de 2015).
O movimento de desconstrução apontado pelas(os) jovens surge como um mecanismo importante de crítica ao senso comum que essencializa o gênero e a sexualidade, produzindo desigualdades, como dito anteriormente. Desse modo, a constituição de outras narrativas que tensionem e problematizem essas concepções hegemônicas, torna-se fundamental para a construção de outra arena política, em que valores como diversidade e igualdade de direitos estejam presentes no cotidiano das práticas sociais.
Para as pessoas que participaram do grupo focal sobre a temática do movimento LGBT, o corpo surge como um elemento importante no movimento de desconstrução, podendo desestabilizar práticas e discursos reprodutores de uma lógica cis-heteronormativa que reforça os binarismos acerca do gênero. Neste sentido, trazem a ideia de um corpo que é político. Destacam a noção de uma autoafirmação que passa pela experiência de sua sexualidade e que se constitui como necessária para a efetivação de uma prática orientada pela crítica ao status quo.
Nesse movimento de desconstrução a ideia de um corpo que é político assume uma forte dimensão estética na constituição de narrativas ligadas ao exercício da liberdade e da autonomia. Como afirma um dos jovens, o ato de “passar batom e sair na rua” pode ser tido como forma de protesto individual, e tem a possibilidade de entrar no campo político quando produz estranhamento e, portanto, questiona noções pré-concebidas acerca do gênero e sexualidade. De fato, uma estética tem constituído a ação política da juventude nas esferas coletivas do contemporâneo (Maheirie e cols., 2012). Como nos diz as autoras:
As relações entre estética e política demarcam que é sobre o comum que a política atua. As singularidades não se subsumem nas ações coletivas que visam o comum, de forma que as ações políticas devem levar em conta estas singularidades e a estética pode, neste processo de afetação política, descristalizar sentidos já dados e abrir caminhos para a construção de novos, que visem a articulação de um NÓS. (p. 150).
Numa análise rápida, podemos pensar que exista uma recusa da política associada à organização coletiva por parte destas(es) jovens quando realçam em suas falas uma dimensão mais individual do protesto. Parece-nos, no entanto, que o que sinalizam é para a importância não só de tornar cotidiano a política, ampliar sua compreensão para além das dimensões hegemonicamente conhecidas, pensar outras estratégias de confronto. E assim, utilizam outros meios, estéticos e corporais, por exemplo, para fazer o enfrentamento necessário.
A ideia de política não é subsumida a uma lógica individual, dado que ela está necessariamente atrelada à noção de coletividade, de organização coletiva que produz enfrentamentos. O que nos parece importante realçar é a reflexão que fazem em torno dos modos de organização política e a possibilidade de incorporação de outras formas de intervenção que também produzam, a partir do estranhamento, outras sensibilidades e subjetividades críticas.
A reivindicação das(os) jovens pela ampliação do conceito de política a partir do uso do corpo como meio desestabilizador dos discursos hegemônicos sobre o gênero e a sexualidade, não está dada. Pelo contrário, requer uma disputa de sentidos no campo da política, de suas configurações. Como diz Rancière (2005, p.16) sobre a partilha do sensível na discussão entre estética e política: “É um recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do invisível, da palavra e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência”.
O corpo, muitas vezes vítima da violência LGBTfóbica, surge como instrumento de confronto ao preconceito. “A bandeira faz parte do meu corpo”, diz um deles. O corpo também é bandeira que se coloca à mostra, por exemplo, em muitas das mobilizações da Marcha das Vadias. Assim, parecem apostar em uma multiplicidade de ações que passam por estratégias tanto individuais quanto coletivas.
Ao mesmo tempo em que reconhecem a importância da institucionalização dos movimentos sociais e organizações políticas, fazem uma crítica aos grupos que foram capturados por uma lógica da realpolitik, a política pragmática. Criticam aqueles que se desvencilharam de seus compromissos ideológicos em função de cargos e espaços de poder legitimados institucionalmente. Compreendemos essa crítica como importante a medida em que traz para o debate a problemática da profissionalização da política.
É, é complicado mesmo, eu fui pra uma reunião do Grupo Gay do Estado, porque discutem bastante essa situação, querem ter cargo na secretaria, eles querem ter poder, eles querem tomar a frente do movimento, não querem a construção de uma coisa coletiva, e é extremamente GGG mesmo. (Marcelo, 18 anos, maio de 2015)
Negt e Kluge (1999) se referem a esse processo de profissionalização como efeito do esvaziamento do sentido emancipador da própria política. Para os autores, “as palavras e conceitos na discussão política vêm se separando do seu significante, o que torna necessário restabelecermos seus conteúdos semânticos cunhados historicamente, nos quais foram sedimentados a vontade própria, a coragem e os sofrimentos dos homens” (p.58). Ou seja, necessário se faz disputar na arena política conteúdos, ideários e valores políticos ligados a uma perspectiva crítica e de caráter coletivo; “recuperar a sua dimensão pública para deixar de contribuir para a cristalização das estruturas sociais de privilégios e passe a tirar todo o seu conteúdo do movimento de emancipação das necessidades e interesses das pessoas” (Negt & Kluge, 1999, p. 60).
A crítica à política pragmática também coloca em debate um processo cada vez mais presente no campo da mobilização política, a saber, a cooptação dos movimentos pelo Estado. Na prática, esse processo tem resultado no distanciamento de quem se propõe representar politicamente, gerando desconfiança por parte das(os) jovens, que sentem que alguns destes movimentos perderam sua autonomia e crítica. A política profissionalizada está no modo como alguns movimentos atuam, tem como efeito a perda de seu sentido emancipador, inclusive quando reproduz sem crítica, a opressão que dizem combater, como quando se referem ao Grupo Gay do estado como um movimento que hierarquiza, “GGG mesmo”.
Ainda sobre o processo de representação, entendemos ser importante pontuar que: muitas vezes a crítica à política institucionalizada, mais materializada nas figuras dos partidos políticos e de grupos institucionais, se dá pela percepção de que a parcela da população que deveriam representar, não o fazem. Ao mesmo tempo, estas(es) jovens dizem que representatividade importa e reconhecem quando os coletivos ou movimentos são coerentes com relação à essa dimensão. Questionam, portanto, o simulacro dos mecanismos que pretensamente falam por uma determinada comunidade, mas que precisam, urgentemente, mudar para fazer sentido. A construção de espaços participativos e mais democráticos que estabeleçam um contato mais direto com diferentes identidades de gênero e sexualidades, é uma alternativa almejada pelas pessoas entrevistadas na pesquisa.
Como dito anteriormente, elas(es) afirmam de muitos modos a organização coletiva como meio de alcançar suas demandas de reivindicação. Sabem que a política deve ser afirmada pela construção do coletivo, sem as falhas destacadas acima, e apontam para intervenções menores e individuais como possibilidade de produzir outras sensibilidades políticas.
Considerações finais
Como essas(es) jovens nos ajudam a pensar a política e a participação na atualidade? Num momento de discursos de falência da política, que desafios colocam para si e em que apostam em termos de prática e horizonte de ação? De uma maneira geral, podemos afirmar que a experiência política se coloca como uma questão para a maioria delas(es). São jovens que tiveram suas afetações com relação às discussões desse campo e que falam sobre suas vidas, suas experiências e o modo como veem o mundo.
O campo da política se torna um importante lugar de tensionamento e disputa sobre coisas que não só lhes interessam, mas lhes sensibilizam. Atingem suas existências, a possibilidade de viver sem medo da violência, de serem discriminadas(os), de discutir sobre suas próprias experiências. A igualdade de gênero, o respeito à sexualidade, a afirmação de suas práticas de liberdade são lutas e reivindicações ao se colocarem como sujeitos políticos e ao se comprometerem com aquilo que acreditam em termos da política.
Informam-nos que a concepção que têm dos movimentos e da própria política passa por uma experiência pessoal de afirmação de si, e de enfrentamento naquilo que lhes tocam em termos de injustiça; o que exige, entre outras coisas, a desconstrução de discursos naturalizados, essencializados, acerca da diversidade sexual e do gênero.Também concebem que os movimentos devem ser críticos consigo mesmos no sentido de não reproduzirem em seu interior aquilo que combatem: a hierarquização, a opressão, o preconceito.
Reconhecem os espaços tradicionais da política, e participam quando os consideram importantes. No entanto, fazem uma forte crítica aos movimentos que foram capturados por uma política pragmática que de nada tem de emancipador. Assim, têm preferido apostar em experiências outras, mais individualizadas, mesmo conhecendo suas limitações. Nesse caráter, às vezes difuso, em que a política aparece, essas juventudes estão presentes fazendo suas críticas, apontando possibilidades de atuação política, reconhecendo a representatividade que importa e reexistindo, apesar dos discursos de desprezo e ódio à política tão presentes na atualidade.
Referências
Barbour, R. (2009). Grupos focais. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Bonassi, B. C. (2017). Cisnorma: acordos societários sobre o sexo binário e cisgênero. Dissertação de mestrado. Curso de Pós Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, [ Links ] Santa Catarina.
Butler, J. (2006). Deshacer el género. Barcelona: Paidós. [ Links ]
Butler, J. (2015). Problemas de gênero: feminismo e sub da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. [ Links ]
Carneiro, S. (2003). Mulheres em movimento. Estudos Avançados, 17(49), 117-133. [ Links ]
Chizzotti, A. (2006). Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez. [ Links ]
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. (2015). Violencia contra Personas Lesbianas, Gays, Bisexuales, Trans e Intersex en América. Comisión Interamericana de Derechos Humanos. [ Links ]
De Antoni, C., Koller, S. H., Martins, C. M., Ferronatto, M. E. B., Simões, A., Maurente, V. S. & Costa, F. R. (2001). Grupo focal: método qualitativo de pesquisa com adolescentes em situação de risco. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 53(2), 38-53. [ Links ]
Florentino, R. (2008). Democracia liberal: uma novidade já desbotada entre jovens. Opinião Pública, 14(1), 205-235. Recuperado em 13 de agosto de 2017, de https://dx.doi.org/10.1590/S0104-62762008000100008. [ Links ]
Grupo Gay da Bahia. (2018). Pessoas LGBT mortas no Brasil- Relatório 2017. Salvador, [ Links ] BA.
Gohn, M. G. (2007). Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola. [ Links ]
Gohn, M. G. (2009). Novas teorias dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola. [ Links ]
León, M. (2001). El empoderamiento de las mujeres: encuentro del primer y tercer mundos en los estudios de género. La Ventana, 13, 94-106. Recuperado em 13 de agosto de 2017, de http://148.202.18.157/sitios/publicacionesite/pperiod/laventan/Ventana13/ventana13-4.pdf [ Links ]
Maheirie, K., Hinkel, J., Groff, A. R., Muller, F. L., Gomes, M. A. & Gomes, A. H. (2012). Coletivos e relações estéticas: alguns apontamentos acerca da participação política. Em: C. Negt, O. & Kluge, A. (1999). O que há de político na política. São Paulo: Editora da Unesp. [ Links ]
Miguel, L. F. & Biroli, F. (2014). Feminismo e política: uma introdução. São Paulo: Boitempo. [ Links ]
Prado, M. A. M., Torres, M., Costa, F. A., & Machado, F. V. (2010) A construção de silenciamentos: reflexões sobre a vez e a voz de minorias sociais na sociedade contemporânea. Em C. Mayorga, E. Rasera, & M. Pereira (Orgs.), Psicologia social: sobre desigualdades e enfrentamentos (pp. 31-49). Curitiba: Juruá [ Links ].
Rancière, J. (1996). O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34. [ Links ]
Rancière, J. (2005). A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO Exxperimental, Editora 34. [ Links ]
Sardenberg, C. M. B. (2006, junho). Conceituando “Empoderamento” na Perspectiva Feminista. Trabalho apresentado no Seminário Internacional: Trilhas do Empoderamento de Mulheres - Projeto TEMPO, Salvador, BA.
Transgender Europe. (2016). Trans Respect versus Transphobia Worldwide [website]. Recuperado em 21 de março de 2017 de http://transrespect.org/en/idahot-2016-tmm-update/ [ Links ]
Waiselfisz, J. J. (2015). Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso Brasil. Recuperado em 13 de agosto de 2016, de https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf.
Data de submissão: 15/08/2017
Data de aceite: 20/04/2018
1 Utilizaremos o termo LGBT para tratar do movimento social que representa lésbicas, gays, bissexuais, travestis/transexuais/transgêneros, representado por diferentes siglas a partir de momentos históricos e disputas distintas. Essa é a forma mais utilizada por entidades e movimentos, apesar de reconhecermos as múltiplas nomenclaturas adotadas atualmente.
2 ‘Cis’, abreviação de ‘cisgênero’, é um termo político em disputa, se refere a um aparato discursivo utilizado tanto para indicar os privilégios de uma população que se adequa minimamente a uma norma de gênero, quanto para evidenciar violências sofridas pela população incluída na categoria trans (travestis, transgêneros, transexuais e não binárias) (Bonassi, 2017). A expressão heteronormatividade refere-se à produção e reiteração compulsória da norma heterossexual.
3 O Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual (ENUDS) e o Encontro de Mulheres da União Nacional dos Estudantes (UNE) são algumas destas experiências que se concretizam no interior das universidades ganhando força e visibilidade social.
4 Ações coletivas de protesto contra manifestações de cunho LGBTfóbico. Estas ações se caracterizam pelos beijos entre pessoas do mesmo sexo no espaço público.
5 A Marcha das Vadias é um movimento que surgiu no Canadá, em 2011, em protesto frente aos discursos que culpabilizam as mulheres vítimas de abuso sexual. No Brasil existe desde 2012 e tem como pautas o combate à cultura do estupro e à violência contra as mulheres.
6 Entendemos a importância da questão racial em intersecção com o debate de gênero e sexualidade, mas neste texto não nos ateremos a esse marcador na caracterização das(os) participantes.
7 Para Sardenberg (2006) essa noção na perspectiva feminista se dá no coletivo, mas ecoa também na construção de uma consciência individual sobre a importância de criar estratégias de empoderamento no cotidiano. Nesse contexto, o empoderamento visa: questionar a ideologia patriarcal; transformar as instituições sociais responsáveis por reforçar e perpetuar a discriminação de gênero e as desigualdades.
I Ana Cecília Silva: Graduada em Psicologia e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Integra o Núcleo de Estudos em Diversidades e Política (EDIS). E-mail: ana_ceciliaramos@hotmail.com
II Carolina Silva: Graduada em Psicologia e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). É integrante do Núcleo de Estudos em Diversidades e Política. E-mail: caroll_lins@hotmail.com
III Juliano Bonfim: Graduado e Mestre pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Doutorando no Programa de Pós-graduação em Psicologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É membro do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT - NUH/UFMG e do Núcleo de Estudos em Diversidades e Política – EDIS/UFAL. E-mail: bonfimjuliano@yahoo.com.br
IV Lívia Barbosa Lima: Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Integra o Núcleo de Estudos em Diversidades e Política (EDIS). E-mail: liviaabarbosa@gmail.com
V Marcos Ribeiro Mesquita: Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atualmente é professor da Universidade Federal de Alagoas, no Programa de Pós-graduação em Psicologia. Coordena o Núcleo de Estudos em Diversidades e Política (EDIS). E-mail: marcos.mesquita@ip.ufal.br