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Revista Polis e Psique
On-line version ISSN 2238-152X
Rev. Polis Psique vol.10 no.1 Porto Alegre Jan./Apr. 2020
https://doi.org/10.22456/2238-152X.85438
ARTIGOS
Pessoas idosas e sentidos de rural no interior do Rio Grande Do Norte1
Elderly people and sense of rural in Rio Grande Do Norte
Personas idosas y sentidos de rural en el interior del Río Grande Del Norte
Jobson Vital CostaI; Jáder Ferreira LeiteII; Candida Maria Bezerra DantasII
IInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Fortaleza, Ceará, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, Rio Grande do Norte, Brasil
RESUMO
O estudo buscou conhecer os sentidos de rural e envelhecimento produzidos por pessoas idosas de uma comunidade rural do Rio Grande do Norte. Partindo da perspectiva construcionista social, valeu-se de entrevistas semiestruturadas junto a 13 pessoas da comunidade, com idade entre 60 e 85 anos. Os sentidos para rural se ligaram a: agricultura, alimentação, água, trabalho, saúde, sítio, campo, mato, interior, área, tudo na vida, desassistido, tranquilidade, configurando uma pluralidade de repertórios discursivos na elaboração de tais sentidos. Já os sentidos de envelhecimento se relacionaram a velho, idade, trabalhar menos, viver muito, experiência, tranquilidade. Tais sentidos negociam posições variadas a depender dos modos de inserção dos idosos na relação com a terra e com experiências vividas na cidade. Conclui-se que a produção de sentidos apresentam especificidades a partir de trajetórias de vida em um ambiente rural marcado por adversidades, mas de vinculação com o território por meio do trabalho, relações familiares e comunitárias.
Palavras-chave: rural, velhice, envelhecimento, construcionismo social, produção de sentidos.
ABSTRACT
The study sought to know the senses of rural and aging produced by elderly people of a rural community of Rio Grande do Norte. Starting from the social constructivist perspective, it used semi-structured interviews with 13 people from the community, between 60 and 85 years old. The senses for rural areas have been linked to agriculture, food, water, work, health, site, countryside, mato, interior, area, everything in life, unassisted, tranquility, configuring a plurality of discursive repertoires in the elaboration of such senses. Already the senses of aging were related to old age, work less, live a lot, experience, tranquility. These meanings negotiate varied positions depending on the ways of insertion of the elderly people in relation to the land and with experiences lived in the city. It is concluded that the production of senses present specificities from life trajectories in a rural environment marked by adversities, but of connection with the territory through work, family and community relations.
Keywords: rural, old age, aging, social constructionism, production of senses.
RESUMEN
El estudiobuscóconocerlos sentidos de rural y envejecimientoproducidos por personas mayores de una comunidad rural de Rio Grande do Norte. A partir de la perspectiva construccionista social, se valió de entrevistas semiestructuradas junto a 13 personas de lacomunidad, conedad entre 60 y 85 años. Los sentidos para rural se ligaron a: agricultura, alimentación, agua, trabajo, salud, sitio, campo, matorral, interior, área, todo enla vida, desasistido, tranquilidad, configurando una pluralidad de repertorios discursivos enlaelaboración de tales sentidos. Yalos sentidos de envejecimiento se relacionaron a viejo, edad, trabajar menos, vivirmucho, experiencia, tranquilidad. Tales sentidos negocian posiciones variadas a depender de los modos de inserción de losancianosenlarelaciónconlatierra y con experiencias vividas enlaciudad. Se concluye que laproducción de sentidos presenta especificidades a partir de trayectorias de vida enun ambiente rural marcado por adversidades, pero de vinculaciónconelterritorio por mediodeltrabajo, relaciones familiares y comunitarias.
Palabras clave: rural, vejez, envejecimiento, construccionismo social, producción de sentidos.
O meio rural brasileiro se configura por meio de uma variedade de processos sociais, culturais e produtivos que imprimem modos específicos de relação de sua população com a terra, com a natureza e com o espaço urbano (Carneiro, 2012; Girardi, 2008; Miranda & Silva, 2013; Wanderley, 2011a, 2011b, 2014; Sabourin, 2011).
Embora adormecidas durante o período em que vigorou a “Revolução Verde”, foram a Sociologia e a Antropologia que, de alguma forma, estiveram pensando as formas de existir, os processos culturais e sociais no campo nos últimos anos, denunciando os cursos das transformações existentes no mundo rural, com atenção voltada para aquilo que se “modernizava” no espectro global e brasileiro, apontando como uma racionalidade empresarial tem exercido domínio sobre o campo e alterando suas relações com as cidades (Wanderley, 2011a; Silva, 2015).
Desse modo, estruturas sociais, espaços de vida, de trabalho e de produção têm sido impactados sob a influência do agronegócio no meio rural pelo peso do capital (Brandão, 2007) e pela manutenção da concentração fundiária, pela tecnologia industrializada, em que o que vale é assegurar a maior produção e o maior retorno financeiro do investimento, especialmente em propriedades rurais de médio e grande porte.
No entanto, a imposição deste modelo empresarial não fez desaparecer uma importante forma de organização social, cultural e produtiva no meio rural: o campesinato2. Categoria que representa, para além do viés meramente produtivista, uma forma de vida e construção cultural. O campesinato, por meio da organização familiar, ocupa um lugar de resistência no cenário atual da economia e da sociedade brasileira (Wanderley, 2014). A produção camponesa se encontra articulada aos valores da reprodução da família e da sociabilidade, das relações de parentesco, vicinalidade e de um “nós” construído e reafirmado politicamente por projetos comuns de existência e coexistência social a partir da ação de movimentos sociais, a exemplo do MST (Leite & Dimenstein, 2011).
No Brasil, a produção familiar no setor agropecuário, que tem como uma de suas principais características a variedade de cultivos, é responsável pela maior parcela de produção de alimentos de origem vegetal e animal que chegam à mesa dos brasileiros. É, também, a base econômica de noventa por cento dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes, respondendo por quarenta por cento da população economicamente ativa e por trinta e cinco por cento do produto interno bruto - PIB - nacional (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2006).
Outro aspecto digno de nota trata-se dos processos migratórios, especialmente campo-cidade, notadamente por populações mais jovens que não encontram em seus espaços rurais possibilidades de acesso à educação de nível médio e superior, bem como de uma renda fixa que pudesse lhes garantir uma autonomia monetária e assegurar, assim, seus projetos de vida (Silva, 2016). Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (2018) sobre a distribuição da população rural brasileira apresenta um aumento da população idosa (a partir de 60 anos), que passou de 8,6% em 1995 para 14,8% em 2015, enquanto a população de adolescentes e jovens na faixa etária de 15 a 24 anos diminuiu de 18,3% para 16,1% no mesmo intervalo de anos.
Tais processos migratórios aliados a transformações no meio rural brasileiro têm provocado queda das taxas de natalidade, maior presença masculina e envelhecimento de sua população (Zago, 2016), colocando impasses nesses contextos que incidem sobre a questão da sucessão hereditária na agricultura familiar, uma vez que parte dos jovens têm preferido habitar as cidades, enquanto os idosos permanecem no campo.
Desse modo, o envelhecimento no meio rural tem se tornado um ponto importante para reflexão, especialmente pela escassez de estudos nessa direção (Wickler, Boufleuer, Feretti& De Sá, 2016; Silva, Pichelli, & Furtado, 2017), a despeito do envelhecimento e da velhice constituírem um objeto de estudo com vasta produção na literatura especializada (Carvalho & Araújo, 2017; Doll, 2012; Scoralick-Lempke& Barbosa, 2012; Minayo& Coimbra, 2011; Teixeira & Neri, 2008).
Há, também, importantes marcos legais internacionais e nacionais que apresentam constructos, conceituam, dão diretrizes e regulam a atenção às pessoas idosas. Sobre esse último ponto, enquanto grupo social, as pessoas idosas são abarcadas, no Brasil, para além dos direitos sociais e garantias trazidas pela Constituição da República Federativa do Brasil (1988), por aqueles “regulados e assegurados” pela Política Nacional do Idoso Lei n° 8.842, de janeiro 1994, regulamentada pelo decreto 1.948/96, e desde 2003, pela Lei n° 10.741 de outubro de 2003 que dispõe sobre o Estatuto do Idoso.
As duas leis rezam sobre a atenção às populações com idade igual ou superior a sessenta anos. Trazem artigos que colocam a família como primeiro ente de proteção das idosas e dos idosos, dão diretrizes sobre a atuação dos conselhos dos idosos nas três esferas (federal, estadual e municipal) para o acompanhamento das condições de vida dessa população e citam entre outros direitos sociais: a prioridade do referido grupo quanto à atenção junto aos órgãos públicos, a preferência na formulação e na efetivação de políticas públicas.
Todavia, segundo o estudo realizado por Melo, Ferreira e Teixeira (2014), o aparelho público privilegia o ingresso dos mais bem posicionados na escala social, sendo o acesso aos serviços básicos condicionados pela renda e pelo nível de escolaridade da idosa ou do idoso. A violação ou negligência aos direitos sociais é ainda mais agravada quando a pessoa idosa reside nas áreas tradicionalmente tidas como rurais. Cabral, Oliveira, Vargas e Neves (2010) revelaram que pobreza, isolamento, baixos níveis educacionais, moradias em situação precária, meios de transportes limitados, bem como difícil acesso a assistência à saúde são marcas predominantes das condições de vida da população idosa que envelhece no campo.
Uchôa, Firmo & Lima-Costa (2011) destacam a importância dos estudos pautados sobre a maneira como as pessoas idosas residentes no Brasil significam esse período vital, de como concebem e agem diante das demandas surgidas ao longo do processo de envelhecimento e da velhice, da influência de diversos fatores (econômicos, sociais e culturais) sobre olhares e ações nesse campo, bem como no tocante à forma como peculiaridades desse fenômeno, vivido de maneira ímpar por cada indivíduo e por cada grupo, são integradas às experiências de vida.
Desse modo, considerando tanto a dimensão da agricultura familiar como importante realidade que se inscreve em nosso país, bem como do fenômeno do envelhecimento nesse contexto, o presente estudo teve por objetivo investigar os sentidos produzidos por moradores idosos de uma comunidade do interior do Estado do Rio Grande do Norte (RN) sobre o rural e o processo de envelhecimento nesse contexto.
O interesse pelo estudo surgiu a partir da participação em um trabalho psicossocial iniciado no ano de 2014 na comunidade do Arisco do Sutero, localidade onde a pesquisa aconteceu. Aos primeiros contatos, foi possível constatar uma série de fatos que despertaram bastante preocupação. Entre eles, um conjunto de necessidades e de carências negligenciado por parte dos poderes públicos. Os agentes das instituições tanto ligadas à esfera estadual quanto municipal e, até mesmo, de ONGs que atuam na região, sequer tinham ouvido falar da comunidade. Muito menos, sabiam onde esta se situava.
A comunidade do Arisco do Sutero é localizada em região de clima semiárido, dista aproximadamente doze quilômetros do centro da cidade de João Câmara. Três desses em estrada carroçável. A escassez de água, o solo arenoso e pouco fértil atrela condições ambientais adversas a vários outros fatores ligados ao modo de vida e às estratégias de subsistência das trinta famílias residentes na comunidade. Mesmo água potável não lhes é acessível. Há na localidade uma série de limitações também quanto ao acesso à renda, à mobilidade e a serviços básicos como saúde e educação.
Ao que se observou, jovens têm deixado a localidade. A migração dos mais novos tem sido, sobretudo, para áreas tidas como urbanas. Há, também, um fluxo inverso observável. Especialmente, idosas e idosos têm retornado à comunidade. Regressam para viver sozinhos, para a casa de familiares, adquirem pedaços de terras com seus cônjuges e, em alguns casos, trazem junto outros familiares (filhos ou netos).
Todas as pessoas idosas residentes na comunidade são aposentadas. A maioria pelo advento da Aposentadoria Rural -benefício concedido pelo sistema público de previdência social brasileira para homens e mulheres com idade mínima de 60 (no caso deles) e 55 anos anos de idade (no caso delas) que comprovem 180 meses trabalhados na atividade agrícola (Instituto Nacional do Seguro Social [INSS], 2019).Pelo que se pode constatar, o acesso a esta renda fixa, além de contribuir para permanência e melhoria das condições de vida da população idosa, desempenha também um papel fundamental para a manutenção de pessoas de outras faixas etárias. Na comunidade, a casa de um idoso é comumente rodeada por uma, duas, às vezes, três outras residências. Tratam-se dos núcleos familiares dos filhos ou de netos que recebem apoio, de diversas formas, por parte do idoso ou idosa - como no cuidado aos filhos.
O pecúlio recebido pelo aposento das pessoas idosas contribui para a movimentação da renda na comunidade e o incremento à atividade agropecuária -principal forma econômica do lugar. Entre outros usos, ajuda na compra de ferramentas, remuneração por diárias, carradas de água e insumos para o trabalho na agricultura desempenhada pelo grupo familiar, fato corroborado em outra pesquisa por Beltrão, Camarano e Mello (2004).
Perspectiva metodológica da investigação
As lentes daquilo trazido por Spink&Frezza (2013) sobre a produção de sentidos no cotidiano a partir da análise das práticas discursivas nortearam a presente pesquisa. Para além de repousar em um método de pesquisa, essa é uma proposta teórico-metodológica que se pauta na análise das práticas discursivas e se afilia à Psicologia Social dentro da proposta epistemológica construcionista.
No construcionismo social, o conhecimento é construído coletivamente, através de trocas linguísticas, atribuindo um caráter ativo à linguagem (Gergen, 2009). Como assinala Gergen (2009, p. 301):
A pesquisa construcionista social ocupa-se principalmente de explicar os processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam, ou, de alguma forma, dão conta do mundo em que vivem (incluindo-se a si mesmas). Busca articular formas compartilhadas de entendimento tal como existem atualmente, como existiram em períodos históricos anteriores, e como poderão vir a existir se a atenção criativa se dirigir neste sentido.
Assim, os sentidos produzidos nas trocas linguísticas se orientam a partir de determinados contextos e de maneiras variadas em conjunturas diferentes. Por sua vez, a compreensão do que seriam os repertórios linguísticos passa por uma matriz que abarca três tempos: o Tempo Longo, o Tempo e o Tempo Curto.
O primeiro deles se relaciona à longa história de construção de aportes culturais que fazem parte dos discursos de um dado período histórico, saberes e conhecimentos produzidos e reinvocados pela tradição, religião, senso comum, ciência e por diversos domínios consagrados do saber. O segundo diz respeito ao tempo de socialização nos grupos sociais dos quais participam família, escola, amigos, pessoas da sociedade. Por fim, o Tempo Curto é o tempo da interanimação dialógica, o aqui-agora, o momento em que se pode compreender a dinâmica da produção de sentido. É nesse tempo em que se tornam presentes as memórias culturais do Tempo Longo e as memórias pessoais do Tempo Vivido (Spink& Medrado, 2013).
Participantes e Procedimentos metodológicos
A partir de um levantamento feito junto à população da comunidade, foram identificados 78 moradores, sendo 18 pessoas idosas (considerando-se a idade a partir de 60 anos). Do total da população de idosos, 13 pessoas demonstraram interesse e consentimento em participar da pesquisa. A tabela abaixo informa o perfil das mesmas:
A pesquisa se valeu de entrevistas semiestruturadas, que se pretenderam conversas, orientadas por questões referentes ao rural, envelhecimento e velhice. Os participantes foram contatados previamente, informados sobre o teor da pesquisa, objetivos, metodologia e implicações, bem como sobre a possibilidade de desistência a qualquer momento da participação. Para dar início às conversas, o pesquisador valeu-se de questionamentos provocadores. Era perguntado “Qual o sentido de rural?”. Dependendo do entendimento do interlocutor (por vezes, o termo rural não era assimilado), outras palavras que remetiam ao rural eram buscadas conjuntamente e aplicadas. Assim, expressões como “O que é rural?”, “O que é mato”, “O que vem a cabeça quando escuta 'rural', 'mato', 'interior3'?” foram utilizadas. A mesma lógica foi aplicada para se produzir sentidos sobre “envelhecimento” e “ser idoso ou idosa”. As conversas aconteceram nas casas dos moradores e moradoras, foram gravadas em áudio mediante autorização prévia, transcritas e ouvidas à exaustão.
Todas as associações feitas pelos co-produtores com rural, envelhecimento e velhice foram registradas e examinadas. A análise do material foi realizada considerando o contexto de coprodução das práticas discursivas, valorizando-se da dialogia presente na produção de sentidos, os aspectos formais da construção linguística e os repertórios empregados nela.
Resultados e Discussão
Os múltiplos sentidos de rural
Para lançar uma compreensão dos sentidos produzidos sobre rural, partimos das primeiras associações colocadas pelos coparticipantes, foram elas: agricultura, alimentação, água, trabalho, saúde, sítio, campo, mato, interior, área, tudo na vida, desassistido, tranquilidade. A busca pelos sentidos produzidos se objeta na identificação dos repertórios linguísticos, entendendo estes como construções históricas e culturais, com atenção fixada nos tempos de fala em um passado presentificado no momento da interanimação dialógica. O rural foi também, nas práticas discursivas, associado à agricultura. Todavia, pelo que se pode constar a partir das colocações dos idosos, faz referência a uma agricultura que provê comida, trabalho, fortalecimento de vínculos e condições de vida. O grupo familiar e os que se avizinham são colocados em lugar primordial. Tomando uma das falas, trata-se de uma agricultura que garante um cultivo: “Pra eu botar dentro da minha casa, pra eu... quando chegar alguém lá de fora, eu ter o prazer de dar” (Jurema, 70 anos).
Não é simplesmente uma agricultura relacionada à mera produção e ao retorno financeiro, viés que determinou, principalmente, no momento chamado “Revolução verde” que identificou o rural como um espaço fundamentalmente de produção, tendo seu desenvolvimento totalmente atrelado à evolução da produtividade agrícola e aquisição dos aparatos tecnológicos advindos de uma pretensa modernização (Wanderley, 2012).
Há, na comunidade rural do Arisco do Sutero, uma continuidade com aquilo historicamente abstraído como modo de vida camponês. Carvalho & Costa (2012) trouxeram que no transcurso da história da formação social brasileira, grupos com esses traços, em suas diferentes maneiras de existir construíram um universo social, político, cultural e econômico que se monta e se sustenta na comunhão com outros agentes da sociedade, alicerçando peculiaridades, tanto em relação ao modo de produção, à vida comunitária, bem como no convívio com a natureza.
Daí, também, o enlace com outras três associações: alimentação, saúde e trabalho. É exatamente desse modo de vida, dessa forma de agricultura que surge a possibilidade da produção de alimentos saudáveis para manutenção do núcleo familiar, para comercializar excedentes nos mercados e “ter para dar a quem chegar” como colocou Jurema (70 anos). No Brasil, a agricultura camponesa responde pela maior parte da produção de alimentos para o mercado interno. Oficialmente lida como agricultura familiar, de acordo com dados do último senso agrícola (IBGE, 2006), responde ainda pela ocupação de quase a metade da população economicamente ativa no Brasil e é a base econômica da esmagadora maioria dos municípios brasileiros com até vinte mil habitantes, noventa por cento do total dessas localidades.
Embora seja tomada pelos valores dominantes como produto de uma agricultura subalterna, a agricultura camponesa se tornou gradativamente a principal alternativa para que a segurança alimentar e a soberania alimentar e nutricional do país sejam alcançadas (Carvalho & Costa, 2012). Essas expressões (soberania alimentar e segurança alimentar e nutricional) dizem respeito ao direito comum a uma alimentação digna, de maneira a assegurar a todas as pessoas condições de saúde. Esse conceito se pauta na atenção ao 25° artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas [ONU], 1948). Todavia, no Brasil, uma considerável parcela da população não possui esse direito garantido, dada à equação entre desigualdade social e precariedade de acesso à alimentação (Rocha, Lima & Almeida, 2014).
A saúde associada ao rural, ao que se pode constatar nas falas, refere-se à uma condição advinda de todo um modo de vida (alimentação, trabalho, relações) possível aos idosos naquele território onde vivem. Peculiaridades como autonomia, liberdade 173 quanto aos horários, trabalhar em algo que estão habituados e gostam, alguma condição para que provenham a si e a família, contato humano, respeito e vínculos comunitários. Sobre esse tópico, como trouxeram Arruda, Pessoa, Soares, Carneiro & Matos (2017), para um maior alcance de territórios, seria necessário que os poderes públicos considerassem as populações do campo como detentoras de demandas entrelaçadas ao seu modo de viver característico, à relação com a natureza, à cultura e ao trabalho, utilizando-se de mecanismos dialógicos, participativos e permanentes praticados para de fato oferecerem políticas públicas de saúde em toda sua abrangência. A associação de rural como tudo na vida também remete a esse tempo de socialização em um território que dá, apesar das adversidades, as condições necessárias para manutenção desse modo de vida. Algo que só conseguiram, ao longo de toda a existência, encontrar ali.
Outro ponto surgido durante as conversas/entrevistas foi à associação do rural à água. Tal sentido expõe uma relação com traços ambientais do território onde constroem sua existência: o contexto do semiárido nordestino brasileiro. Marcado por períodos de seca e escassez hídrica, ocasionada pela carência e irregularidade de chuvas somadas a outros agravos de cunhos político e socioeconômico. A disponibilidade do recurso hídrico evidencia uma série de questões históricas e políticas que remetem à um tempo longo tocante a fenômenos como a “indústria da seca”, os “clientelismos” e “apadrinhamentos”. A partir do que se pôde constar, os governantes locais costumam ir à comunidade apenas quando orientados por interesses eleitorais. Como já vem sendo colocado, existe uma série de demandas negligenciadas, fato que remete à outra associação feita pelas pessoas idosas: a de rural com desassistido.
Ainda sobre essa questão da associação entre rural e desassistido, há, sim, um tipo de assistência com a qual as pessoas idosas da comunidade fizeram referência: a divina. Existe no grupo com o qual se realizou o estudo a presença muito forte da crença nesse suporte transcendental. Vários eventos ao longo da vida narrados pelas idosas e idosos são cruzados por esse aspecto. Esse tem sido um grande atravessamento na comunidade, dizendo respeito a um tempo longo de construção social mediador da produção de sentidos. Martin-Baró (1998) ao falar de aspectos psicológicos do povo latinoamericano, apontou a religiosidade como uma via encontrada pelas pessoas para convivência com realidades atrozes. Porém, em certas situações acríticas, trazem um fatalismo diante das condições de opressão, fomentando uma compreensão cimentada da realidade explicada a partir de uma 174 ordem divina e naturalizada. O que acaba por colocar as pessoas como sujeitos passivos diante dos infortúnios territoriais, resultantes e agravados por uma estrutura social, inclusive o acesso a um direito social é lido como obra divina.
Outros repertórios como sítio, mato, campo e interior remetem à discussão de Wanderley & Favareto (2013) em que o campo é tomado como a unidade elementar do rural, composto por lugares abertos, pouco habitados, em que as grandes fazendas e as comunidades rurais são dois tipos distintos de composições sociais originados pela presença humana em contato com a natureza, remetendo a um tempo longo de utilização desses repertórios. Também a relação entre campo e cidade, nas falas em que o rural é colocado como lugar, tomado por suas características espaço-territoriais, a associação de rural com interior, ao que se pode constar, trouxe apontamentos de uma relação direta com o urbano. Na relação entre rural e urbano colocada, é verificada uma oposição entre essas duas instâncias. Porém, ao contrário dos clássicos discursos que dualizam esses dois contextos, pondo o primeiro como um lugar de atraso, de falta, de escassez (Carneiro, 2008), nas falas ouvidas essa lógica é marcada por um enaltecimento do rural devido à possibilidade de desempenho da agricultura, da pecuária, de um modo de vida ao gosto das idosas e idosos da comunidade, tanto que em muitas falas essa preferência pela vida no interior é manifestada e, em algumas, o “desprezo” pela vida na cidade também: “Meu filho, pra mim o interior, pra mim, é tudo na vida. (...) Pra mim, eu não troco o meu interior por cidade de ninguém. Eu num troco. Troco não”. (Imburana, 73 anos).
Ainda dentro dessa linha territorial, foi encontrada uma referência que remete à uma leitura setorial de rural. A associação de rural com área e mato. Como também frisou Delgado et al. (2013), no Brasil, predominou um olhar ao longo da história sobre o rural que o coloca como tudo aquilo que está fora do perímetro urbano das cidades e estritamente ligado à produção agropecuária. A associação com mato também vem nesse bojo, no tocante àquelas áreas ainda sem edificações, onde há predominância de florestas e de vegetação.
É possível compreender nas falas referências a um rural permeado por uma teia de poderes. De um lugar onde moram, nascem e crescem pessoas. Há uma vida em comunidade que poderia ser diferente caso houvesse atenção de quem detêm o poder para isso. Corroborando com Veiga (2002), muito mais do que um setor, uma área, um segmento, o rural é um território. Quanto à associação com mato, também é possível estabelecer outra continuidade: aquela que aponta para uma das nuances da vida camponesa, qual seja, o contato com a natureza (Abramovay, 2000; Wanderley & Favareto, 2013).
Outro repertório que também figurou entre as primeiras associações foi tranquilidade. Ao que se pode observar, referências a essa ideia, no sentido de segurança, estiveram principalmente nas falas de rurais que também residem ou já moraram na cidade em algum momento da vida. Algumas pessoas idosas colocaram o território onde vivem como um lugar de calma e tranquilidade por outras razões: “aqui é calmo e lá na cidade é uma zuada que ninguém pode nem sossegar, nem de dia, nem de noite. Uma zuada que parece, Deus me defenda!” (Macambira, 66 anos). Coroa de Frade (63 anos) também destacou: “É. Eu acho melhor assim por causo que é mais calmo, né? Não tem agitação...”.
Desse modo, como é próprio do processo de produção de sentidos, a multiplicidade de nomeação de rural é evidente e atravessada pelo conjunto de repertórios dos tempos longos, de socialização e da interanimação dialógica. Os participantes da pesquisa recorrem aos saberes, práticas e discursos que informam suas trajetórias na relação com o território vivido e habitado, bem como de experiências geradas em outros espaços.
Negociando sentidos de envelhecimento
Quanto aos sentidos produzidos sobre envelhecimento, apareceram como primeiras associações: ser velho, idade, trabalhar menos, viver muito, experiência, tranquilidade. Na interanimação dialógica, foi possível observar a velhice como um objetivo. Todavia, o avanço do processo de envelhecimento foi colocado como marcado por algumas decadências físicas. Segundo Doll (2012), as transformações fisiológicas levam o organismo a menores reservas de capacidade física e maiores dispêndios quando em novas situações ou a desafios que exijam adaptação. Aspectos ambientais, estilo de vida, trabalho, prevenção e alimentação também influenciam significativamente o envelhecimento.
Há, ao que se pode constar, na comunidade, uma permanência com padrões que definem o cruzamento de uma linha de anos vividos para se estar em envelhecimento. Foi colocado por boa parte das coprodutoras e coprodutores que as pessoas se tornam idosas a partir dos sessenta anos de idade, o que demonstra uma continuidade com o discurso oficial que define a velhice em termos etários, presentes na maioria dos países industrializados. Todavia, houve rupturas, já que esse limite foi colocado como sendo acima de quarenta anos, por alguns participantes. Outras falas associam o envelhecimento a um processo que retorna a um tipo de infância. Para Macambira (feminino, 66 anos coloca): “Envelhecer... eu acho que é porque a pessoa é pequeno, aí de pequeno tem que ficar velho, tem que ficar um velhinho bem velho assim... morrer, vai virar criança de novo (risos). Eu acho que é assim”.
Embora, a infantilização seja algo bastante recorrente em nossa sociedade e, como apontou Gusmão (2001), está ligado à pessoa idosa não se comportar de maneira esperada (representando uma ameaça social à ordem instituída). Ao contrário de um menosprezo e de um incômodo por qualquer desordem ao cosmos social, as falas que apontam para essa volta à infância denotam zelo. Diante da série de adversidades enfrentadas, viver muitos anos é algo digno de admiração e estima entre as idosas e os idosos.
O trabalho ocupa um lugar central na vida nas produções discursivas dos coprodutores da pesquisa. Na comunidade, as pessoas idosas continuam ativas, realizando atividades ligadas à agricultura. Todavia, o envelhecimento é associado a menos trabalho. Essa diminuição, pelo que se pôde testemunhar, tem a ver com a intensidade e maneira com que desempenham. Para eles, diferentes de outrora. Falam de uma menor resistência (cansam-se mais rápido) e da diminuição da força. Alguns contam estar tendo mais dificuldades com a memória de médio e curto prazo. Baltes e Smith (2006) apontam que eleger, aperfeiçoar e compensar novas estratégias tem sido visto como a forma com que as pessoas idosas têm conseguido ser mais ativas e de terem adquirido mais bem estar. Elas têm administrado essa “escassez” das reservas físicas, dosando quantidade e valorizando aspectos qualitativos.
Experiência e tranquilidade também apareceram como primeiras associações para envelhecimento. Paula (2016) coloca que classicamente em decorrência da experiência advinda com o enfrentamento das adversidades a sabedoria sempre esteve associada à velhice.
Compreendendo a importância desse atravessamento na vida dos coprodutores da pesquisa (a velhice), investigou-se quais os sentidos de ser idoso ou idosa. Entre as primeiras associações apareceram: velho, sofrimento, martírio, prazer, idade, criança, trabalhar pouco. A velhice não é algo concebido e vivido da mesma forma em todas as sociedades humanas. Santos (2010) semantiza que a velhice é um estado que distingue a condição do ser humano idoso, diferente do envelhecimento que se trata de um processo. Uma gama de estudos realizados em diversas sociedades de matriz não ocidental retrata variedade de construções tanto do envelhecimento, quanto da velhice (Schneider &Irigaray, 2008).
A primeira associação, com velho, refere-se ao tempo vivido da socialização, faz alusão a referências externas, a uma maneira como se é lido. Segundo se pode constar, a partir das falas, na comunidade as pessoas entrevistadas se lêem como velhas, não como idosas. A pergunta “o que é ser idoso?” foi utilizada na entrevista. Embora os repertórios linguísticos sejam diferentes (o do pesquisador e o das pessoas com que se teve a conversa/entrevista), o intuito foi de abarcar os sentidos de algo que, no presente estudo, nos repertórios escolhidos para conduzi-lo, é lido como também equivalente à velhice. Entre os coprodutores, velho foi colocado como aquela pessoa que viveu muito. É um lugar desejado. Em todas as falas aquelas e aqueles entrevistados se percebem como velhos. Outra associação surge atrelando velhice à idade, fazendo referência ao cruzamento de uma linha etária a partir da qual a pessoa tornar-se-ia idosa. Embora tenha-se construído em nossa sociedade, oficialmente, o início da fase em que a pessoa é lida como idosa aos sessenta anos e para fins desta pesquisa foi o que se tomou, houve posicionamentos que romperam com esse constructo social. Falas colocaram essa fase ao passar dos quarenta e também dos cinquenta anos de idade.
Algumas produções discursivas situam a velhice como uma fase de perdas e marcada pela falta de saúde. Doll (2012) expõe que, na velhice, a maior vulnerabilidade às doenças decorre do estresse advindo pelas modificações, à necessidade de adaptação às novas situações ou desafios, especialmente, os de maior amplitude. Apesar desse apontamento, as produções discursivas analisadas também vetorizam para a compreensão de que a velhice é algo inerente a cada pessoa, não é algo determinístico, mas a depender de um contexto de vida. Foi visto o posicionamento de que a falta de saúde na velhice vem de uma conta que se acumula na juventude. Também, que o sofrimento advém de certas condições como a perda da autonomia, quando não se tem a família para cuidar ou se mora em um meio rural desassistido, como aquele experimentado na comunidade.
Ou seja, é algo restrito a certas condições, inclusive territoriais, de abandono, de falta de cuidado e precariedade quanto a serviços de atenção à saúde. Há diversas posições entre as pessoas coprodutoras da pesquisa que apontam para um estágio de velhice em que a pessoa arcará com sérias limitações. Baltes e Smith (2006) considerando estudos realizados em países desenvolvidos e focando em pessoas com idades maiores do que oitenta anos, lidas como “velhas-velhas” ou da “quarta idade”, a vida nessa faixa etária acarreta um nível de imprevisibilidade e vulnerabilidade tomando aspectos biológicos e sociais que diferencia essa faixa etária da “Terceira Idade” (“velhice inicial”, “velhos jovens”), marcada por aspectos mais positivos. De modo geral, na comunidade a velhice é tomada como algo natural. Algo que se põe como uma última etapa de quem caminha para a morte. Todavia, as pessoas idosas parecem aceitar e até se orgulhar de chegar até essa fase. É motivo de orgulho ter conseguido, diante de tantas adversidades, viver.
Na comunidade, os arcabouços e construções sobre o envelhecimento, a velhice e o caminhar para a morte estão atravessados por constructos de tempo vivido e longo, marcados pela religiosidade e aceitação das adversidades impostas, ao longo dos anos, e pela vida no contexto rural em que estão inseridos (semiárido nordestino brasileiro, precarizado, desassistido). Santos (2010), quanto ao processo de envelhecer, assinala que ao não se aceitar a finitude (a morte), o ser humano tende a também negar a velhice. Fase da vida em que, inevitavelmente, as idosas e os idosos mais se aproximam do fim (da morte) e, deste modo, ela (a velhice) tornar-se-ia um peso para suas vidas. Segundo Menezes & Lopes (2014), a velhice, ao ser lida como algo negativo no contexto social, acaba por agravar nas pessoas idosas aquilo sentido como perda, fragilizando os arcabouços internos acumulados por toda a vida. No Arisco do Sutero, a velhice e a morte são aceitas, naturalizadas e até contempladas. Parecem representar a vitória no enfrentamento de uma vida de adversidades, o tempo peregrinando em caminhos iluminados pelo poder divino até o encontro com o próprio Deus. Algumas produções, como a abaixo alocada, registrada da mesma maneira como foi dita, podem ilustrar esse posicionamento:
Aí, o caba já tá com oitenta, tá no fim da vida. Oitenta e cinco, eu já tou, graças a Deus com oitenta e cinco! Mas, tem uns aí com noventa anos, né? Mas não é todo mundo que tem a facilidade de chegar aos noventa. Mas, eu... Graças a Deus, me considero já que vivi muito... (Imbuzeiro, 85 anos)
Considerações Finais
O presente estudo teve como objetivo principal identificar os sentidos de rural que permeiam a vida dos idosos e das idosas de uma comunidade rural do interior do Estado do Rio Grande do Norte. Em sintonia com a missão de convidar à produção de sentido sobre aquele “rural” experimentado e vivido na localidade, guiado pelo desejo de produzir conhecimento e gerar, quiçá, formas de transformação social na localidade, revelou 179 um rural com continuidades e rupturas. Viu-se, na comunidade estudada, um rural atrelado à produção agrícola, porém, de um modo em que a família e as relações comunitárias ocupam um lugar central nos nortes do cultivo. Estando mais (esse modo) ligado à produção de alimentos para consumo familiar e para ter como ofertar a quem chegar do que para a geração de retornos financeiros. Na localidade, a agricultura se aliança à geração de trabalho (um valor social na comunidade), à alimentação e à saúde.
É possível enxergar nos sentidos produzidos, um rural correspondente a todo um território de socialização que proporcionou e proporciona, apesar das adversidades, as condições necessárias para uma forma peculiar de vida. Algo que as pessoas idosas, mesmo tendo se aventurado por outros lugares, só enxergaram ou só conseguiram encontrar ali ao longo de toda a existência. A aposentadoria vem como um recurso que acaba por garantir aos idosos uma série de serviços negligenciados pelos poderes instituídos e oferecidos pela iniciativa privada: acesso à água, transporte, serviços médicos, estendendo também para os familiares e amigos que moram em seu entorno. Promovendo possibilidades de vida e permanência na localidade.
Os discursos produzidos também evidenciam a essencialidade do acesso aos recursos hídricos para existência desse rural. Acesso que é um drama vivido na comunidade há muitas gerações e traço que liga as pessoas do Arisco a um cenário maior: o contexto do semiárido nordestino brasileiro. Evidenciou-se também o contato com a natureza, com a possibilidade de viver dela, da transformação de suas paisagens para produção de alimentos e insumos (instrumentos, cabos das ferramentas, carvão, lenha, etc) para a manutenção da unidade familiar. As pessoas idosas, na comunidade, administram e contribuem ativamente para a manutenção da gleba, do lar e da família. Em contato com filhos e filhas e participando da criação dos netos e netas.
O envelhecimento é visto como um processo natural, uma etapa da vida humana e que começa a partir de certa idade (com variações), que traz imposições físicas (decréscimo de força e resistência), principalmente, percebidas no desempenho laboral. Mas, também traz ganhos como a experiência, a tranquilidade diante da vida, o respeito e a estima por ter conseguido enfrentar e viver uma existência, tomando aquele contexto específico, cheio de adversidades.
Assim, como o processo de envelhecimento, quanto à velhice foi possível testemunhar que ser velho ou velha é algo tomado como natural. Entre os coprodutores da pesquisa, os termos “velho” e “velha” não carregam consigo um cunho negativo, o peso de algo que tem que ser negado ou evitado. Pelo contrário, ser velho ou velha é algo que denota respeito, orgulho, traz a satisfação por ter vivido muito e a admiração pela possibilidade de se viver ainda mais.
Os velhos e as velhas da comunidade possuem um lugar essencial. Não só por proverem renda, advinda da aposentadoria, sendo um vetor de movimentação da economia local, mas por deterem todo um arcabouço proporcionado pela passagem de muitas adversidades, tendo muito para contar e para ensinar nos contatos intergeracionais. Esses velhos e velhas rurais constroem a história da comunidade ao mesmo tempo em que são portadores dela, uma fonte viva de muitas narrativas de tempos presentes e vividos.
Notas
1 O presente estudo trata-se de uma versão da dissertação de mestrado do primeiro autor, intitulada Pessoas Idosas e Sentidos de rural na comunidade Do Arisco Do Sutero (João Câmara, Rio Grande Do Norte), sob orientação do segundo autor e co-orientação da terceira autora.
2 Há um grande debate acadêmico e político entre os termos campesinato e agricultura familiar, sendo o primeiro mais apropriado por movimentos sociais e por autores de vertente mais crítica, que enfatizam os processos históricos de resistência e de luta social e política dessa categoria. Já o segundo termo, embora não exclua tais processos, tem sido mais veiculado por agentes sindicais e governamentais no âmbito de se decantar um ator social que demanda políticas públicas de desenvolvimento rural. No presente trabalho, seguimos a proposição de Wanderley (2014, p. 31) de pensá-los como "equivalentes".
3 Os termos 'mato' e 'interior' foram acionados em função de o pesquisador (primeiro autor) já ter identificado sua circulação em conversas informais na comunidade para fazer alusão ao ambiente rural.
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Enviado em: 01/08/18
Aceito em: 05/03/20
Jobson Vital Costa é formado em Psicologia pela UFRN, mestrando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRN e psicólogo do Instituto Federal do Ceará, campus Tauá/CE.
E-mail: jobinsun@hotmail.com
Jáder Ferreira Leite é doutor em Psicologia Social pela UFRN. Professor associado I do Departamento de Psicologia da UFRN e orientador de mestrado e doutorado do Programa de Pós-graduação em Psicologia da mesma instituição.
E-mail: jaderfleite@gmail.com
Candida Maria Bezerra Dantas é doutora em Psicologia Social pela UFRN. Professora adjunta do Departamento de Psicologia da UFRN e orientadora de mestrado no Programa de Pós-graduação em Psicologia da mesma instituição.
E-mail: candida.dantas@gmail.com
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