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Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.11 no.spe Porto Alegre  2021

 

EDITORIAL

 

Corpos, cidades e hospitalidades

 

Bodies, cities and hospitalities

 

Cuerpos, ciudades y hospitalidades

 

 

Anita Guazzelli Bernardes; Glória Baigorrotegui; Jorge Castillo-Sepúlveda; Neuza Maria de Fátima Guareschi

Editores Convidados

 

 

Este número especial da Revista Polis e Psique é resultado do encontro de diferentes pesquisadores e pesquisadoras que se propõem, atualmente, a discutir questões sobre articulações entre corpos, cidades e hospitalidades, como forma de pensar o nosso presente. A discussão sobre essas articulações se apoia em alguns elementos estratégicos contracoloniais e decoloniais, situados no Sul Global. Os textos aqui reunidos focalizam a possibilidade de um comum, de uma rede de alianças, que fortaleça diferentes lutas e insistências da vida, no que se refere aos grupos/sociedades que historicamente são subalternizados pelos processos de colonização e colonialidade.

Além disso, este número especial compõe uma estratégia política de internacionalização do Sul com o Sul. Essa estratégia tem se apresentado nos debates sobre formação e pesquisa em Psicologia, como também em estudos filosóficos, sociais e políticos, com os quais a disciplina dialoga, traçando outros modos de composição de redes, visibilidades e construção de conhecimento que se afirmem nas singularidades do Sul com o Sul.

Os textos e pesquisas aqui apresentados se reúnem pela aposta em uma experiência de certa ancestralidade "Você não conta seu sonho em uma praça, mas para as pessoas com quem tem uma relação. O que sugere também que o sonho é um lugar de veiculação de afetos [...] mas também de como o sonho afeta o mundo sensível" (Krenak, 2020, p. 24). A proposta deste número especial considera as confluências no e com o Sul Global que criam relações e vinculações teóricas, metodológicas, temáticas, na esteira de experiências, problematizações, denúncias e reflexões que surgiram em um mundo pandêmico.

Corpos, cidades e hospitalidades emergem, neste número especial, como um campo de luminosidades e opacidades que colocam em cena distintas formas de viver e habitar dentro dos jogos neoliberais e coloniais que marcam a nossa atualidade. Esses jogos implicam tanto formas de extermínio de vida quando de insistências da vida. Nos modos de extermínio da vida encontramos as violências que atravessam e performam corpos e subjetividades, espaços e tempos nas cidadese suas fronteiras; nas insistências da vida, deparamo-nos com forças ativas que produzem arranjos localizados e moleculares contestários de formas hegemônicas de viver, assim como formas diversificadas e invisíveis de atualização da vida e dos lugares, produzindo outras hospitalidades e afetividades.

Os textos encenam pensamentos em que vida e política se tornam inseparáveis, tanto em sua dimensão micropolítica quanto macropolítica. Encenam relações de pertencimento/controvérsias entre inclusão e exclusão em um mundo globalizado: "Temos que parar de nos desenvolver e começar a nos envolver" (Krenak, 2020, p. 24).

O número inicia com uma entrevista da professora Liliana Parra-Valencia da Universidade Cooperativa da Colômbia intitulada "Por uma psicologia da descolonização". A entrevista foi realizada pela professora Simone Maria Hüning e o professor Saulo Lüders Fernandes focalizando os estudos e metodologias de pesquisa de Liliana Parra-Valencia com a grupalidade curadora, os saberes e as práticas descoloniais, camponesas e afro-indígenas. A entrevista nos apresenta possibilidades outras de tecnologias em pesquisa inspiradas em experiências localizadas, invertendo o jogo: ao invés da metodologia definir o campo, é o campo que produz a metodologia. A conversa também nos oferece pensar outros modos de afirmar a produção de conhecimento em Psicologia a partir, justamente, daquilo que lhe dá forma no Sul Global: experiências e saberes locais.

O primeiro artigo do número trata-se de uma reflexão conceitual de Josemar de Campos Maciel "Para deter Gargantua: uma exploração sobre a potência da crítica decolonial" sobre o desenvolvimento. A discussão sinaliza o desenvolvimento, como estratégia de expansão e colonização capitalista, responsável pelos silenciamentos e esquecimentos ancestrais, impactando nas distintas configurações de fragilização da vida. Essas fragilizações da vida, encontram-se com as reflexões de Gillianno José Mazzetto de Castro e Márcio Luís Costa no artigo "A Vulnerabilidade como condição da Vida Comum" em que fazem uma distinção entre fragilidade e vulnerabilidade, para considerar esta última como "abertura original para e na vida", de modo a torcer o conceito, mostrando aquilo que é condição para vivermos: nossos pertencimentos.

O número segue com o foco agora nos corpos. Para isso, apresenta dois artigos que olham para a pandemia a partir daquilo que performará corpos. María-Alejandra Energici Sprovera, Jorge Leandro Castillo-Sepúlveda, Maryluz López-Ahumada e Nicolás Schöngut-Grollmus descrevem em "Corpos em confinamento: hibridizações entre tempo, espaço e movimento" como a pandemia e o confinamento configuraram corpos, entendendo que a corporeidade é um evento sensível aos processos sociais e políticos. Já o manuscrito "Corpos e existências: vidas não passíveis de luto" de Giovanna Liz Oliveira Mantovani, Vanilson Oliveira da Silva, Anita Guazzelli Bernardes, problematizará essas estratégias de confinamento voltadas para dois grupos em específico: mulheres e moradores de rua. As corporalidades aqui emergem como vidas não passíveis de luto, seja pela invisibilidade do confinamento, seja pela invisibilidade das ruas.

Esses textos abrem para as relações entre corpos e cidades a partir das estratégias micro e macropolíticas que investem em formas de governo de corpos e populações. Essas formas de governo alianciam-se com estratégias de violência que são discutidas nos três artigos seguintes: "Violência Estatal no Brasil: ininterrupta, deliberada e letal" escrito por Giovana Barbieri Galeano, Francisca Magalhães de Souza e Neuza Maria de Fátima Guareschi; "Os jovens e o "giro policial" das ciências sociais" Mauricio Carreño Hernández ePatricio Pablo Azócar Donoso; e "Sob os escombros: financeirização do espaço e da vida urbana em Porto Alegre" de Carolina dos Reis, Luis Henrique da Silva Souza, Jacinta Antoniolli Testa.

O primeiro enuncia a intensificação da violência Estatal a partir da pandemia em que a preservação da economia justificará uma precarização das vidas, apontando para uma política de morte a partir da letalidade policial. Essa violência Estatal e sua letalidade também encontramos no segundo texto, em que é discutido as tecnologias de controle policial voltadas para os jovens e a maneira como as ciências sociais entram nessa esteira de violência, constituindo apoios para as justificativas das ações letais. Esse texto sobre jovens e controle policial aproxima-se das formas de financeirização dos espaços e vida urbanas, pois ambos colocam luz sobre a desmontagem de territórios existenciais a partir de uma política de governo de vidas, mas que entre em jogo uma política de morte.

O número é encerrado com os artigos de Gloria Baigorrotegui "Comunidades energéticas y Pensamiento Amerindioenlas Roturas del COVID-19" e "Relações Multi/interculturais em Tempos de Pandemia: Reflexões Identitárias com Acadêmicos Indígenas no Ambiente Universitário" de José Francisco Sarmento Nogueira e Júlia Arruda da Fonseca Palmiere. O manuscritos se voltam para discutir os cruzamentos de fronteiras entre saberes e modos de viver ancestrais com as tecnologias urbanas.

O primeiro aponta para a importância em considerar as Comunidades Energéticas desde um Pensamento Amerindio, que permite operar com o reconhecimento de relacionalidades, reciprocidades e complementariedades, de modo a contestar as formas de produção energéticas colonializantes. O segundo apresenta uma problematização dos espaços educacionais, tanto de Educação Básica quanto de Ensino Superior, quando passam a ser habitados por povos indígenas. Esse encontro de fronteiras coloca em jogo as questões identitárias frente a alteridade, diferença e hospitalidade. Ambos os textos nos oferecem a possibilidade de acompanhar modos de amalgamar distintos saberes, a partir de artes de afetar mundos sensíveis. São textos/experiências que se voltam para a aposta e desafios decoloniais, que emergem no Sul Global.

 

Referências

Krenak, A. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.         [ Links ]

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