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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.2 no.3 São João del Rei Jan. 2013

 

ARTIGOS

 

Trabalho, sofrimento e as narrativas de alguns psicanalistas1

 

Work and suffering: narratives told by psychoanalysts

 

Travail, la souffrance et les récits de certains psychanalystes

 

Trabajo, sufrimiento y los relatos de algunos psicoanalistas

 

 

Francisco Ronald Capoulade NogueiraI, II*; Márcia Hespanhol BernardoIII**

I Universidade Federal de São Carlos - UFSCar - Brasil
II Paris VII - França
III Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC/Campinas - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo é derivado de uma pesquisa que teve o objetivo de apresentar como psicanalistas de orientação lacaniana escutam e lidam com pacientes que têm algum tipo de queixa relacionada ao mundo do trabalho. Partindo de um olhar da Psicologia Social do Trabalho, a pesquisa teve como pressuposto que o contexto social capitalista e as formas de organização do trabalho podem ter consequências para a saúde mental dos trabalhadores. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com cinco psicanalistas, com foco na narração de experiências no tratamento com pacientes acometidos por algum tipo de sofrimento "mental" relacionado ao trabalho. Observou-se que os entrevistados privilegiaram, nos tratamentos que empreenderam, mais os aspectos das dinâmicas da história familiar do que as dinâmicas do mundo do trabalho, reavivando um antigo debate entre o individual e o coletivo.

Palavras-chave: Trabalho; Psicologia social; Sofrimento; Psicanalistas; Narrativas; Individual/Coletivo.


ABSTRACT

This article originated from a study on how psychoanalysts with Lacanian orientation listen to and deal with patients who have some type of complaint related to the world of work. The study, classified in the field of the Social Psychology of Work, is based on the pre-supposition that the capitalistic social context and the forms of organizing work may have consequences for the mental health of workers. Semi-structured interviews were held with five psychoanalysts and consisted of narrations of experiences with patients affected by some type of "mental" suffering related to their labor. It was clear that, when treating their patients, the analysts gave more emphasis to the dynamic aspects of family histories than to dynamics of the world of work. In the process, they brought to the fore a longtime debate about the contrast between the individual and the collective.

Keywords: Work; social psychology; suffering; psychoanalysts; narratives; individual vs. collective.


RÉSUMÉ

Cet article est issu d'une enquête qui vise à fournir des conseils en tant que psychanalystes lacaniens écoutent et traitent les patients qui ont une sorte de plainte sur le monde du travail . à partir d'un regard de psychologie du travail social , la recherche avait l'hypothèse que le contexte social capitaliste et formes d'organisation du travail peuvent avoir des conséquences pour les travailleurs de la santé mentale . Des entrevues semi -structurées ont été menées auprès de cinq analystes avec un accent sur relate les expériences dans le traitement de patients souffrant d'une sorte de «mental» la souffrance liée au travail . Il a été observé que les répondants favorisaient les traitements qui ont entrepris plusieurs aspects de la dynamique de l'histoire de la famille que la dynamique du monde du travail , relancer un vieux débat entre l' individuel et le collectif.

Mots-clé: travail; la psychologie sociale; la souffrance; les psychanalystes; Narratives; individuel/collectif.


RESUMEN

Este artículo se deriva de un estudio que tuvo como objetivo mostrar cómo los psicoanalistas lacanianos escuchan y atienden a los pacientes que presentan algún tipo de queja sobre el mundo del trabajo. Desde la perspectiva de la Psicología Social del Trabajo, la investigación tuvo el supuesto de que las formas capitalistas de organización del trabajo pueden tener consecuencias para la salud mental de los trabajadores. Se realizaron entrevistas semiestructuradas con cinco psicoanalistas, centradas en la narración de la experiencia en el tratamiento con pacientes con quejas relacionadas con el trabajo. Se observó que los encuestados, en los tratamientos que realizan, se comprometen más con aspectos de la dinámica de la historia familiar de sus pacientes que con la dinámica del mundo laboral, reactivando un viejo debate entre lo individual y lo colectivo.

Palabras claves: Trabajo; Psicología Social; Sufrimiento; Psicoanalistas; Narrativas; Individuales Colectiv.


 

 

Introdução

Partimos da tese de que o trabalho é a atividade central em nossa sociedade. Todos nós, cada um à sua maneira, organizamo-nos a partir das dinâmicas do trabalho. Quando precisamos ir ao médico, ou marcamos fora do horário de trabalho, ou justificamos a ausência; quando queremos viajar, organizamo-nos ou em fins de semanas e feriados ou nas férias; até mesmo para a realização de práticas religiosas, é necessário encontrar horários que sejam compatíveis com nosso trabalho. Em suma, nossos desejos, nossos compromissos, nossas devoções organizam-se também em torno do trabalho; ou melhor, em torno dessa dimensão da realidade chamada trabalho.

É possível encontrar nos textos de Karl Marx (1867/2006) uma teoria que busca compreender o trabalho como uma ação humana que visa à produção de riqueza social. Ele (o trabalho), dentro dessa perspectiva, cria e sustenta a vida social humana; isto é, gera o ser social. Por isso, é sempre "lugar" de investimento, seja afetivo, emocional, produtivo ou econômico. Pelo mesmo viés, Georg Lukács (1979) aponta para a centralidade do trabalho e estabelece, em padrões teóricos, que o papel dessa atividade humana é essencial para a constituição da sociedade. Contudo, ao longo dos séculos - especialmente sob o modo capitalista de produção -, o trabalho vem sendo utilizado de forma distorcida, pelo menos na visão desses autores, prevalecendo, na maioria das vezes, o poder de poucos contra a necessidade de muitos.

Atualmente, existe certo consenso de que o mundo do trabalho é mais complexo do que há algumas décadas (Antunes, 2008; Zizek, 2006). As características desse novo contexto são discutidas por autores como Antunes e Zizek. Porém, muitos dos seus antigos atributos permanecem. Dentro do ambiente laboral, existem obrigações e deveres que precisam ser realizados em um determinado tempo, em um determinado local e de uma determinada maneira, respondendo sempre à organização do trabalho. É bem verdade que alguns tipos de atividades não exigem mais que seu empregado - ou "colaborador", conforme a linguagem da gestão empresarial atual - esteja em um lugar específico (um escritório ou uma empresa, por exemplo), nem que cumpra um horário fixado previamente, ainda que o modelo tradicional exista para diversos trabalhadores. Muitas vezes, esses sujeitos trabalham em suas casas, e eles mesmos fazem seus horários, tendo somente que cumprir o que lhes foi estipulado. Assim, é relativamente comum encontrarmos pessoas trabalhando com seus laptops e tablets em lugares, que, em princípio, seriam apenas para o lazer, como parques, praias, clubes etc. No entanto, essa flexibilidade parece ser ilusória. O fato de haver algumas mudanças no discurso empresarial e na maneira como se realiza o trabalho não significa que seja isso um ganho, podendo, inclusive, ser o oposto (Bernardo, 2009).

O que vale destacar é que, atualmente, o trabalhador continua não sendo dono de seu tempo nem de sua vontade, assim como Marx havia constatado ao analisar o contexto capitalista. As funções exigidas despendem cada vez mais o seu tempo. Para isso, o trabalhador dispõe apenas de uma flexibilidade que, na maioria das vezes, resume-se ao discurso capitalista que engendra e ao mesmo tempo desfavorece a formação do laço social contemporâneo, tornando a relação com o outro apenas um meio para se chegar a um fim (Lustoza, 2009). Nesse sentido, o trabalho pode gerar intenso sofrimento, desviando-se de seu propósito inicial.

No entanto, tendo em vista as características do contexto contemporâneo, Antunes (2007) aponta a necessidade de ampliar o conceito "classe trabalhadora", incorporando todos os que vendem sua força de trabalho de modo a produzir a mais-valia, sejam aqueles que produzem diretamente bens materiais ou os trabalhadores chamados de improdutivos, isto é, aqueles "cujas formas de trabalho são utilizadas como serviço, seja para uso público ou para o capitalista, e que não se constituem como elemento diretamente produtivo" (p. 103). Assim, Antunes pretende ampliar a noção contemporânea de classe trabalhadora. No entanto, como nosso objetivo aqui não é apresentar uma distinção e categorização da noção de classe trabalhadora, tendo em vista que tal empreitada, por mais relevante que seja, demandaria um outro artigo, apossamo-nos, então, de uma noção proposta por Zizek (2006) de que "a classe trabalhadora divide-se entre os que têm e os que não têm emprego" (p. 183). Dessa forma, o que nos importa nesse momento é que não há, nas relações de trabalho, somente o predomínio do sofrimento humano, mas que tal sofrimento provém da indiferença (Honneth, 2008); indiferença e sofrimento que muitas vezes levam trabalhadores a um sofrimento extremo. Além disso, deve-se ressaltar que a própria atividade de trabalho em si, na maioria das vezes, é geradora desse sofrimento.

Dito isso, não é difícil inferir as consequências. É bem provável que os problemas de saúde mental relacionados ao trabalho nunca tenham tido tanto destaque como em nossos dias (Druck & Franco, 2011; Bernardo, Nogueira, & Büll, 2011). E é justamente nesse ponto que este artigo se aproxima de seu núcleo. Tendo em vista o mundo do trabalho e sua configuração contemporânea, ou seja, sua precariedade, é possível observar seus efeitos muitas vezes desastrosos (Menezes, 2010). Sendo assim, informações epidemiológicas nos são de imensa valia para a compreensão do quadro atual. Os dados do INSS, por exemplo, apontam que a prevalência de determinados distúrbios mentais em professores, policiais, motoristas, bancários, trabalhadores rurais, atendentes de telemarketing, empregadas domésticas, executivos e outras tantas categorias é maior do que se observa na população em geral (Jacques, 2006 & Brasil, 2001). Segundo Lima (2003), essas categorias são acometidas por distúrbios mentais como estresse, depressão, síndrome do pânico e de burnout, transtornos psicóticos, transtornos mentais relacionados ao uso de álcool etc. É importante ressaltar que cada um desses distúrbios possui uma relação maior com determinadas categorias profissionais.

A legislação brasileira, ainda que não seja a ideal, tem avançado no que tange ao estabelecimento do nexo causal entre doença e trabalho. Segundo dados do Ministério da Saúde, os critérios para tais relações são a "natureza da exposição, história ocupacional, grau ou intensidade da exposição, tempo de exposição, tempo de latência, evidências epidemiológicas e tipo de relação causal com o trabalho" (Brasil, 2001, citado por CREPOP, 2008, p. 37). Isso não se resume a doenças de caráter físico e/ou biológico, mas engloba também os transtornos psíquicos que, tendo em vista seu caráter subjetivo, são mais difíceis de terem sua relação com o trabalho demonstrada.

A relação entre trabalho e doença tem sido objeto de estudo de muitos pesquisadores e, há pelo menos duas décadas, tem ganhado força no Brasil. Contudo, tal relação é muitas vezes desconsiderada por profissionais da saúde e da chamada área "psi", na qual se incluem os psicanalistas. Tendo isso em vista, realizou-se uma pesquisa com o objetivo de verificar como os psicanalistas lidam, em suas clínicas, com pessoas que relatam algum tipo de sofrimento no qual as relações de trabalho se apresentam como uma das fontes possíveis. à primeira vista, esse objetivo pode parecer sem razão, já que alguns autores consideram que o campo de atuação da Psicanálise é estreito, limitando-se apenas à história singular do indivíduo e, no máximo, ao seu universo familiar (Merlo, 2002; Lima, 2003, 2005). Nessa perspectiva, uma análise macrossocial não estaria no foco clínico de um psicanalista. Em certa medida, isso é verificável, até porque faz parte de sua formação uma visão singular do sujeito dentro de uma ordem simbólica (Martins, 2009). Mas também faz parte da formação um olhar que não dicotomiza o social do particular (Freud, 1930/1996), ou pelo menos deveria fazer. Afinal de contas, seria possível ouvir um sujeito sem levar em consideração suas relações sociais e o contexto em que está inserido?

Uma leitura superficial dos textos de Sigmund Freud nos daria a impressão de que o tema trabalho teria sido negligenciado pelo Psicanalista de Viena, mas uma busca mais criteriosa revela-nos que em seus textos é possível encontrar elementos importantes que aludem a esse tema de maneira indireta - como, por exemplo, nas Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (1911/1996) (caso Schreber), no qual a profissão de Schreber aparece como um dos elementos para o desencadeamento de sua doença - ou de maneira direta - no texto Introdução à Psicanálise e as neuroses de Guerra (1919/1996), no qual são analisados os chamados casos, como o próprio nome diz, de neuroses de guerra ou neuroses traumáticas (atualmente muito conhecido como transtorno de estresse pós-traumático)2. Encontra-se também o tema do trabalho em textos ditos culturais, em particular no Mal-estar na civilização (1930/1996), no qual o trabalho é componente importante para as relações humanas e para a própria saúde do indivíduo. Contudo, é evidente que o trabalho, como ação humana que visa à manutenção da vida e seus modos de produção, não é a tônica da obra de Freud (e ele nunca se propôs a isso); e, assim, muitas indagações surgem quando tentamos relacionar tal tema à Psicanálise.

 

Método da pesquisa

O presente artigo procura apresentar os resultados de uma pesquisa que priorizou as narrativas de alguns psicanalistas de orientação lacaniana, pautando-se na busca de uma compreensão de como esses psicanalistas escutam e lidam com pacientes que têm algum tipo de queixa relacionada ao seu trabalho.

No que se refere aos sujeitos da pesquisa, é preciso, inicialmente, esclarecer a opção por psicanalistas de orientação lacaniana. Considerando a afirmação de Birman (1991) de que existe "uma verdadeira Babel na Psicanálise" (p. 13), entendemos que seria mais interessante delimitar o grupo de sujeitos àqueles que se identificavam com uma orientação teórica específica. A escolha da abordagem lacaniana se deu pelo fato de um pesquisador que conduziu as entrevistas ter formação em Psicanálise nessa orientação. Desse modo, seria mais fácil compreender a linguagem utilizada pelos sujeitos ao narrarem sua prática clínica.

As entrevistas foram realizadas entre os meses de abril e junho de 2010, sendo uma em instituição psiquiátrica e todas as outras nos consultórios dos respectivos psicanalistas. Foram cinco entrevistados, sendo um homem e quatro mulheres. Optamos por chamá-los pelos seguintes codinomes: Marcelo, Clara, Roberta, Eulália e Justina. Suas idades vão de 32 a 51 anos. Entre eles, uma é pedagoga e os outros são psicólogos. Todos fazem ou fizeram sua formação em uma escola de Psicanálise de orientação lacaniana no estado de São Paulo. Obviamente, esse número de entrevistados não pode ser considerado uma amostra representativa dos psicanalistas, ou mesmo dos psicanalistas lacanianos, e nem era esse o objetivo da pesquisa. O que se buscou foi aprofundar a compreensão de alguns psicanalistas sobre a temática proposta, considerando que a análise dessas narrativas pudesse contribuir para uma reflexão crítica sobre a relação entre a atuação clínica psicanalítica e questões sociais, destacando, aqui, o trabalho.

Para esta pesquisa, assumimos uma postura crítica, mais especificamente da Psicologia Social do Trabalho, que busca compreender os fenômenos organizativos a partir de seus determinantes sociais (Sato, Bernardo, & Oliveira, 2008), isto é, procura estudar as relações de trabalho e seus aspectos subjetivos vividos no cotidiano (Bernardo, Sousa, & Garrido, 2013), bem como as consequências negativas que a organização do trabalho pode trazer ao trabalhador (Bernardo, 2009). Assim, tomamos como base uma orientação teórico-filosófica marxiana, que se propõe, segundo a distinção feita por Raymond Aron (2005), a utilizar-se do pensamento de Karl Marx sem necessariamente pertencer a uma interpretação ortodoxa do marxismo - principalmente daquelas empregadas pelos Estados autoritários.

Assim sendo, o acesso a esse conteúdo foi realizado por meio de entrevistas em profundidade. Esse tipo de entrevista, muito usado em pesquisas qualitativas, inclusive de inspiração etnográfica, visa a ser um importante instrumento para a construção de conhecimento acerca dos sujeitos, de modo que possa sempre ser levado em consideração o fato de que eles estão contextualizados em suas realidades (Sato & Souza, 2001). Tal proposta permitiu compreender melhor, por meio das narrativas, como os sujeitos da pesquisa vivenciam suas práticas clínicas e como as representam.

As entrevistas desenvolveram-se a partir de um roteiro norteador. Apesar disso, durante sua realização, não houve uma preocupação em segui-lo de forma rígida, possibilitando, assim, a manifestação das peculiaridades da prática clínica mediante as narrativas de cada um dos sujeitos, e isso permitiu uma fala "livre" sem que se perdesse o foco da pesquisa. Ademais, as perguntas mais específicas que visavam a acessar um possível reconhecimento, por parte dos analistas, do sofrimento de seus pacientes nas relações de trabalho, foram apresentadas de modo indireto, enviesado. Tal propósito pautava-se pela não-obtenção de respostas "politicamente corretas". O escopo era propiciar ao entrevistado uma fala, sem entraves teóricos, baseada apenas em sua experiência clínica.

As falas dos psicanalistas foram classificadas como narrativas, amparadas nas supervisões clínicas de Freud e no pensamento de Lukács. De Freud, tomamos a experiência no caso do "Pequeno Hans" - encontrado no texto Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909/1996) -, pois suas considerações sobre o caso só foram possíveis devido ao relato do pai de Hans, já que este era o analista em questão. Ou seja, Freud utiliza-se de um relato de uma experiência de análise que, proferido por um analista, segue uma ordem histórica (não necessariamente cronológica), com fatos distintos. De Lukács, apropriamo-nos de seu estudo sobre Narrar ou Descrever? (1936/1965), no qual o autor afirma que a narrativa é constituída sempre de uma experiência humana que tem como função implicar o sujeito naquilo que conta. Desse jeito, entende ele, utiliza uma alegoria pictórica, a descrição como uma natureza morta, como algo inumano, diferenciando, desse modo, a narração da descrição. Por isso, a opção pela narrativa.

Em vista disso, dois aspectos foram pensados inicialmente para guiar a análise das narrativas dos psicanalistas, a saber: o reconhecimento ou não de que pode haver relação entre adoecimento e trabalho e a compreensão do tratamento empreendido junto ao paciente. A partir delas, procuramos examinar de que forma os psicanalistas compreendem as queixas vindas do mundo do trabalho e como tratam os pacientes que as expressam. Todavia, no aprofundamento deste exame, pudemos observar que esses dois aspectos estão compreendidos em uma única categoria, que diz respeito às "tensões entre social e individual'", que perpassou todas as narrativas. Tal categoria se apresenta como central na temática tratada neste artigo. Sendo assim, buscamos discutir os aspectos propostos inicialmente a partir dessa única categoria.

Antes de prosseguir, é preciso ressaltar que "falar como psicanalista e falar em nome da Psicanálise são duas posturas muito diversas, provavelmente incompatíveis" (Ayouch, 2009, p. 89). É preciso salientar que a Psicanálise, como um corpo teórico-técnico, não tem um representante que fale em seu nome. Dessa forma, entendemos aqui que os psicanalistas entrevistados falaram não em nome da Psicanálise, mas a partir de suas experiências como analistas na escuta daqueles pacientes que decidiram relatar os casos. E isso é o que nos interessa, tendo em vista que será a prática, e não a teoria psicanalítica, que poderá efetivamente intervir na vida dos pacientes.

 

Considerações acerca das narrativas

Pudemos observar, nas narrativas dos psicanalistas que participaram da pesquisa, diversos temas inerentes à Psicanálise, que não necessariamente estão relacionados ao foco da pesquisa aqui apresentada. No entanto, conforme apontado, a categoria que versa sobre a polarização entre o universal e o particular possibilitou a discussão buscada na pesquisa. Trata-se da maneira como os aspectos sociais e individuais estão implicados nos processos de análise, mais especificamente em que medida essas dimensões da realidade - dentro de um contexto, à primeira vista, singular - são consideradas pelos psicanalistas entrevistados. Nessa perspectiva, eles falaram sobre a liberdade de seus pacientes diante das determinações pessoais e sociais, bem como sobre as (im)possibilidades e os sofrimentos que cada um deles carrega consigo. Todos esses assuntos emergiram atrelados à polarização universal/particular.

Dito isso, um dos primeiros pontos a se ilustrar é a relação que alguns psicanalistas entrevistados estabeleceram entre "nossa época" e determinadas psicopatologias. Nas narrativas de Justina e Eulália, é possível observar que a "nossa época" se caracteriza por uma demanda desenfreada de gozo. É importante esclarecer que essa noção, abstraída da obra de Jacques Lacan, foi muito referida pelos entrevistados e utilizada de maneira muito peculiar, na medida em que diz respeito a uma vivência que busca uma satisfação desenfreada, contrariando "o laço social definido pelo contrato, o acordo e a partilha" (Goldenberg, 2006, p. 27). Assim, segundo as duas entrevistadas citadas, atualmente essa forma de gozo tão peculiar é encontrada, frequentemente, em qualquer tipo de relação social, causando danos, muitas vezes, irreversíveis. Esse seria o principal traço - chamado por Eulália de imperativo de gozo - daquilo que foi definido como "nossa época".

As formas de sofrimentos "mentais" que advêm das relações de trabalho foram incluídas pelas entrevistadas nesta categoria ("nossa época"), porém nem sempre de maneira direta. De modo geral, nenhuma narrativa apresentou - em seu momento inicial - quaisquer considerações acerca das amarguras ocorridas no mundo do trabalho. Foi possível observar que todos os psicanalistas entrevistados, ao falarem de suas experiências clínicas, citaram predominantemente formas de padecimento dos sujeitos que, na maioria das vezes, correspondiam ao percurso de formação empreendido por eles próprios. Tais sofrimentos foram compreendidos em diagnósticos como neuroses, bulimia, anorexia, psicoses e drogadicção. Todavia, as agruras do mundo do trabalho só apareceram, em suas narrativas, na medida em que se realizaram as perguntas indiretas previstas no roteiro de entrevista ou, em alguns casos, por meio de indagações diretas.

Dos entrevistados em questão, Marcelo, Justina e Eulália procuraram salientar, com um caso cada um - ainda que Eulália e Justina tivessem afirmado ter outros -, os efeitos da organização do trabalho e/ou das relações do trabalho na vida de seus pacientes. Apesar de não adotarem termos específicos, os fatos relatados indicam que eles se referiam ou às características da organização do trabalho, ou às das relações de trabalho. O caso do Sr. Y, paciente de Eulália, é o mais elucidativo, pois sua "queixa era só do trabalho". Segundo Eulália, a situação familiar do paciente "estava muito bem, muito ok"; o problema estava no relacionamento com seus colegas de trabalho. Devido a uma tomada de posição que desagradou muitos dentro da empresa em que trabalhava, o Sr. Y acabou ficando isolado e sendo hostilizado, daquele momento em diante, por todos da empresa. As consequências desse evento foram danosas para a manutenção e o estabelecimento de novas relações com outros funcionários da empresa, e isso foi extremamente "impactante e traumático".

Após iniciar sua terapia com Eulália, o Sr. Y ainda permaneceu por dois ou três anos naquela empresa. Nesse período, Eulália o escutava, e a queixa era sempre do trabalho. Segundo ela, ele tinha uma fantasia de abrir o próprio negócio na busca de se livrar daquele ambiente hostil; porém, a queda do padrão financeiro não permitiu fazê-lo. Finalmente, "ele conseguiu uma colocação numa outra empresa." Mudou-se de cidade com a família e encerrou o primeiro período de análise, pois a distância não permitia sua presença semanalmente às sessões.

Tempos depois, ele retornou à analise. Sobre esse segundo período, Eulália afirma que até aqui foi falado apenas da vida profissional do Sr. Y. Para ela, sua análise é outra coisa; "a análise dele é outra história, paralela". Retomando uma série de associações do Sr. Y., Eulália compreende que, a partir do momento em que o Sr. Y começa a associar os eventos insuportáveis que teve na antiga empresa com eventos da infância, nos quais foi ignorado tanto por amigos como pelo próprio pai, ele começa de fato sua análise, e os efeitos se tornam, segundo ela, visíveis.

[...] a hipótese de que aquela vivência de ter sido solenemente ignorado naquele momento foi revivida pela situação de ter sido, não só solenemente ignorado, mas hostilizado quando ele tomou partido errado na política da empresa e que aquilo era uma repetição do anterior porque a descrição que ele faz dessa cena de garoto era a descrição de muito sofrimento para o qual ele não soube, ele não tinha recursos para dar conta. Ele apelou pros adultos e o pai não disse nada.

Nessa perspectiva, o trabalho analítico de Eulália teve como meta "oferecer" a esse sujeito a possibilidade de construir seus próprios recursos que faltaram na infância. Ao poder falar dessa intensa angústia, materializando-a por intermédio das palavras, o Sr. Y pôde ressignificar tanto o passado como o presente. Segundo Eulália, pode-se perceber isso no movimento que o Sr. Y tem realizado em sua vida profissional. Atualmente, suas escolhas não têm um padrão único que seguem o formato do medo de ser "solenemente ignorado", mas permite-se uma flexibilidade de escolha possível a partir do que é seu, do seu desejo. Na narrativa de Eulália, esse momento é a travessia do fantasma, pois, para ela, "ao fim e ao cabo, você só consegue a cura quando você volta lá e possibilita ao sujeito atravessar o fantasma, como a gente diz em psicanálise lacaniana."

Em resumo, pode-se observar que as conduções dos tratamentos, especialmente o que foi conduzido por Eulália, pautaram-se sempre por soluções nas quais as questões individuais eram tomadas como de maior importância. No entanto, essa perspectiva pode ser bastante criticável do ponto de vista da Psicologia Social. Na medida em que toma o indivíduo como um ser abstrato, a-histórico e descontextualizado de sua vida social (Spink, 2006), relativiza (ou mesmo minimiza) a importância das dinâmicas sociais da vida adulta e seus efeitos sobre a saúde.

Por sua vez em sua fala, Marcelo chegou a afirmar, recorrendo a um dito de Lacan, que "o psicanalista tem que estar à altura de sua época", para assim, poder intervir de modo eficaz na análise do sujeito. Entretanto, ao começar a contar de seu paciente que se queixava do trabalho, destacou como, em um momento de análise, tal paciente, ao falar por meio de um processo de associação livre, ligou o significante que usava para falar de sua mãe com o que usou para falar de sua supervisora (chefe no trabalho). É interessante observar a ligação estabelecida entre uma dimensão familiar e uma dimensão do mundo adulto do trabalho, sendo que a primeira é enfatizada de modo a suplantar a segunda. É relevante notar, ainda, que, segundo o próprio Marcelo, essa associação ocorreu logo após sua intervenção, indicando, de certa maneira, a participação que teve nesse momento específico do tratamento.

Clara, em sua narrativa, também apresentou a mesma inclinação. Segundo ela, "o movimento da análise" é sempre para as questões familiares. Acreditar que tudo - e tudo aqui pode ser entendido como o núcleo de todos os conflitos - está na relação com o pai e com a mãe, que, dentro desse contexto narrativo, ganha um status de verdade absoluta, salvo apenas que "quem tem que saber [disso] é o paciente", pois, para Clara, o analista já sabe. Fica-nos, então, a pergunta: seria esse um saber do qual o analista pode se apropriar e aplicá-lo a qualquer tratamento?

Vale lembrar que aspectos semelhantes podem ser encontrados na narrativa de Eulália sobre o Sr. Y, na medida em que ela acredita que "a análise é outra coisa", pois "nunca uma queixa do trabalho deixaria de estar intrinsecamente ligada com a história do sujeito", entendendo essa história como um conjunto de experiências marcadas pelas relações parentais.

Justina, falando de uma paciente, também afirma que "a queixa do trabalho [entra] no circuito do sintoma". Ou seja, a partir dessas afirmações, poder-se-ia inferir que o sujeito possui certa "pré-disposição" simbólica, adquirida na infância, que determinaria uma tolerância às dificuldades do presente, apoiado primordialmente nas experiências pretéritas. Assim, esse tipo de tratamento se orientaria apenas por uma incursão à vida pregressa do sujeito, de modo que, resolvendo as questões "esquecidas" da infância, se resolveriam as questões pungentes de agora. Aparentemente, isso responderia à indagação: "por que uns adoecem e outros não?"

Desse modo, Roberta acredita que o que está na raiz do problema do sofrimento/adoecimento no trabalho - e não só no trabalho, mas em outros aspectos sociais também - é a condição histórica do sujeito, relacionada às experiências parentais. A forma como o sujeito lidou e lida com seus complexos familiares, que, em geral, são sempre ambivalentes, determina certo parâmetro em sua concepção de mundo; ou seja, sua relação com o mundo se dá por meio do resultado das experiências infantis. Então, haveria um sofrimento (ou desprazer) fundador. Novamente, isso responderia ao porquê de alguns, em condições adversas, sofrerem, e outros não.

No mesmo movimento, segundo Clara, sempre há possibilidade de escolhas, e o sofrimento está relacionado diretamente ao que se faz dessas escolhas. Contudo, é possível inferir - a partir das premissas dela - que o sofrimento advém de uma escolha do sujeito; ou seja, é ele o responsável.

Nessa perspectiva, os constrangimentos sociais, entre eles os do trabalho, parecem ser colocados como algo não passível de mudança, aos quais, assim como os fenômenos da natureza, caberia apenas ao sujeito adaptar-se. Destarte, a liberdade individual está posta pelos psicanalistas entrevistados como a grande questão para o sofrimento/adoecimento do sujeito, o que é perfeitamente plausível. No entanto, os critérios de limite para essa liberdade parecem não corresponder às experiências de uma gama incalculável de trabalhadores que têm uma margem de escolha muito limitada. Nesse contexto, os modelos de organização do trabalho, as constantes mudanças nas formas de produção, o subemprego, o desemprego e outros tantos aspectos que não estão sob controle dos trabalhadores são apresentados por autores da área de Saúde Mental Relacionada ao Trabalho (Franco, Druck, & Seligmann-Silva, 2010; Jacques, 2006; Sato & Bernardo, 2005) como elementos que desempenham um importante papel para o aumento do sofrimento mental e dos distúrbios psicológicos. Todavia, os psicanalistas entrevistados parecem reduzir o sofrimento humano aos aspectos da liberdade individual ou às marcas mnêmicas das relações familiares. Evidentemente, esses aspectos são fulcrais para a psicanálise, mas compreender todos os aspectos da vida a partir deles é, no mínimo, bastante limitado, pois não possibilita analisar as situações concretas vivenciadas por coletivos humanos como fatores geradores de adoecimento.

Na perspectiva da Psicologia Social do Trabalho, é mister entender que o contexto social amplo interfere significativamente na vida do ser humano. Se considerarmos a centralidade do trabalho no mundo social e o movimento que compõe as relações sociais - como pode ser percebido por meio dos trabalhos de Marx (1867/2006), Lukács (1979) e Antunes (2008) -, podemos supor que o trabalho também interferirá de modo peremptório na vida de todos os sujeitos que compõem a sociedade. Dessa forma, o contexto social é determinante para a vida do sujeito, e tal sujeito só pode ser compreendido à medida que está contextualizado. Assim, a liberdade do sujeito é possível, porém, recoberta de um (im)possível. Culpabilizar somente o sujeito por seu sofrimento não parece ser a melhor maneira de se colocar em uma posição de quem escuta.

Wünsch Filho (2002), ao debater o texto de Leny Sato intitulado Prevenção de agravos à saúde do trabalhador: replanejando o trabalho através das negociações cotidianas, afirma que "a liberdade individual é indispensável para que os indivíduos tenham livre expressão e possam agir de forma mais criativa" (p. 1158). Porém, o próprio autor reconhece que isso é algo a ser buscado. Sendo assim, ele destaca que a existência de uma estrutura social extremamente coercitiva não pode ser relegada, muito menos quando se trata do mundo do trabalho. "A questão de fato é a dificuldade de tratar a liberdade individual como um modelo ‘operacional' para equacionar os problemas de saúde nos ambientes de trabalho, cuja lógica de organização encontra-se definida pelos determinantes da produção capitalista" (ibidem). É nessa perspectiva que Seligmann-Silva (1994) afirma que o trabalho tanto poderá fortalecer o sujeito como levá-lo a manifestações de distúrbios físicos e mentais; isto é, a liberdade individual nunca é plena na medida em que se situa dentro de um contexto social. Isso não significa a sua inexistência, muito menos a sua predominância. Entendemos que a liberdade está tensionada dentro dos limites do social e do individual. à medida que os psicanalistas entrevistados deixam de lado uma dessas dimensões, podem acabar por exercer um papel iatrogênico, já que atribuem unicamente ao sujeito a responsabilidade pela sua condição social. É o que acontece no caso focalizado quando se trata da condição de trabalho.

Por outro lado, devemos observar, nessas narrativas, aspectos de extrema relevância. Entre eles, destacamos a importância da escuta, feita de modo particular - ou a chamada escuta de alcova. A clínica psicanalítica é fundamentalmente escuta, mas não uma escuta qualquer, e, sim, uma escuta do inconsciente. Esse modo de escuta permitiu, segundo as narrativas apresentadas, que os pacientes ouvidos pudessem recontar, em certa medida, suas histórias ou fazê-las de outra maneira, mesmo, muitas vezes, impedidos por situações que não estavam sob seus controles. O caso do Sr. Y é bastante representativo neste momento, tendo em vista que a parte inicial de seu tratamento exigia de Eulália muito mais escuta do que qualquer outra coisa - o que talvez se possa chamar de escuta purgativa. Com o mesmo enfoque, Justina apresentou tal conduta quando, diante das dificuldades de manejo com a Srta. R, elegeu a escuta como o principal elemento da análise, ainda que, evidentemente, uma conduta psicanalítica não seja feita apenas da escuta, mas de outros elementos também, como, por exemplo, a interpretação. Nessa perspectiva, é lícito dizer que "há um efeito terapêutico decorrente de tal forma de produzir um saber, de refazer uma história, de recuperar as escolhas de um sujeito segundo determinações que lhe escapam. Contudo, uma Psicanálise não termina, mas começa neste ponto" (Dunker, 2008, p. 45).

Assim sendo, o que se pretende aqui é propor ao leitor um questionamento, a partir das narrativas apresentadas, sobre essa dicotomização vigente do universal e do particular; ou, em outras palavras, do individual e do coletivo. Ainda que se entenda que o drama da vida tenha sempre em seu centro um conflito (Lukács, 1936/1965) e que esse conflito tenha como núcleo as relações parentais, não se pode desconsiderar que a estrutura social imprima suas marcas no sujeito ao longo de toda sua vida - mesmo antes. Dessa maneira, podemos admitir que "nem o social nem o individual podem ser reduzidos a relações de causalidade" (Ayouch, 2009, p. 80). Se "a Psicanálise se ocupa precisamente dessa relação complexa entre individual e coletivo" (Goldenberg, 2006, p.17), deve, então, "favorecer no analisante a possibilidade de amar e trabalhar, de construir sua autonomia nos limites de sua economia de gozo e de apropriar-se autenticamente de seu desejo" (Dunker, 2009, p. 40). Todavia, as narrativas apresentadas demonstraram certa inexatidão com tal proposta.

 

Considerações finais

A discussão das narrativas apresentada neste artigo não tiveram como escopo chegar a uma resposta final acerca das possíveis dificuldades entre a particularidade de práticas clínicas de psicanalistas e a necessidade de um tipo específico de tratamento para aqueles que sofrem devido às relações de trabalho e/ou organização do trabalho. Muito pelo contrário. Nenhuma resposta foi ou será dada a esse respeito. Porém, diante do que se apresentou, foi possível observar algumas questões pertinentes que perpassaram o estudo apresentado aqui e que estão para além e para aquém dele.

Apesar de existirem perspectivas teóricas da Psicanálise que privilegiam uma interação dialética dos aspectos sociais e individuais, nas narrativas dos entrevistados aferiu-se que as dinâmicas particulares dos sujeitos tiveram primazia sobre quaisquer outras dinâmicas - inclusive quando o trabalho era a principal queixa. Assim sendo, estaria a Psicanálise condenada a intervir no âmbito social somente pela via teórica? Pois, como diz Enriquez (1990), "se o tratamento analítico nem sempre pode dar conta da história social, a menos que se transforme profundamente, a teoria pode fazê-lo" (p. 18).

Sendo assim, consideramos legítima uma concepção de tratamento que leve em conta a história familiar do sujeito, assim como também é legítima uma concepção que leve em conta os desafios impostos, nas relações de trabalho, ao mesmo sujeito. Dessa maneira, o que pode mancar nesse contexto é quando qualquer uma das perspectivas abandona essa ambiguidade fundamental que compõe o existir humano.

Portanto, o que propomos, após a incursão pelos campos da Psicanálise, da Psicologia Social do Trabalho e das experiências que foram narradas, é a sustentação das diferentes concepções, a fim de levá-las não a um resultado único, mas que cada concepção - seja teórica ou clínica - revele ao seu oposto o valor necessário para se avançar no conhecimento do ser humano; ou seja, uma prática clínica com foco na saúde mental que possa ter como verdadeiro objetivo favorecer ao sujeito uma autonomia, dentro dos limites da realidade, reforçado por uma autêntica identificação de seus desejos, para, enfim, amar e trabalhar.

 

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Endereço para correspondência
Francisco Ronald Capoulade Nogueira
E-mail: franciscocapoulade@hotmail.com

Márcia Hespanhol Bernardo
E-mail: marciahb@puc-campinas.edu.br

Artigo recebido em: 16.10.2013/16.10.2013
Aprovado para publicação em: 30.10.2013/30.10.2013

 

 

 

* Psicanalista e Filósofo. Doutorando em Psicologia Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Psicanálise (Paris 7 - Fr). Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. (PUC-Campinas) (Campinas, São Paulo, Br).
** Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. (Campinas, São Paulo, Br).
1 Artigo derivado da dissertação concluída no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC - Campinas, com o financiamento da CAPES.
2 Meshulam-Werebe, Andrade e Delouya (2003) comentam, em seu artigo, a contribuição da Psicanálise ao termo TEPT e a importância do trauma na obra freudiana.