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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.9 no.16 São João del Rei Jan./June 2020

 

ARTIGOS

 

Reincidência infracional: do fracasso do sintoma à repetição do ato

 

Infringement Recidivism: from Failure of the Symptom to the Repetition of the Act

 

Récidive d'infraction: de l'échec du symptôme à la répétition de l'acte

 

Reincidencia Infraccional: del fracaso del síntoma a la repetición del acto

 

 

Roberto CalazansI*; Christiane MatozinhoII**

IUniversidade Federal de São João del-Rei - UFSJ - Brasil
IIUniversidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, apontamos como as atuações indicam que o sujeito adolescente encontra-se embaraçado em seus recursos simbólicos e imaginários, resultando em uma dificuldade de submeter o real ao sintoma e à fantasia, o que permitiria realizar um trabalho de ligação pulsional. A hipótese que este artigo levanta é que a reincidência infracional pode ser lida como uma resposta do adolescente à angústia e ao desamparo suscitado pela puberdade, que denuncia por meio da repetição a dificuldade do sujeito em estabelecer um sintoma e o fracasso do ato em apaziguar a angústia, configurando-se em um agir sintomático e repetitivo.

Palavras-chave: Psicanálise, Medidas socioeducativas, Adolescência, Repetição, Ato.


ABSTRACT

In this article, we point out how the performances indicate that the adolescent subject is embarrassed with his symbolic and imaginary resources, resulting in a difficulty to submit the real to the symptom and to the fantasy, which would allow one to carry out the work of drive connection. The hypothesis that this article raises is that the infringement recidivism can be read as a response of the adolescent to the anguish and the helplessness provoked by the puberty, that denounces through its repetition the difficulty of the subject in establishing a symptom and the failure of the act in appeasing the anguish, configuring itself in a symptomatic and repetitive action.

Keywords: Psychoanalysis, Socio-educational measures, Adolescence, Repetition, Act.


RÉSUMÉ

Dans cet article, nous montrons comment les actes indiquent que le sujet adolescent est gêné par ses ressources symboliques et imaginaires, ce qui entraîne une difficulté à soumettre le réel au symptôme et au fantasme, ce qui permettrait d'effectuer un travail de lié au pulsionnel. L'hypothèse que cet article soulève est que la récidive d'infraction peut être lue comme une réponse de l'adolescent à l'angoisse et à impuissance provoqué par la puberté, qui dénonce par sa répétition la difficulté du sujet à établir un symptôme et l'échec de l'acte en apaisant l'angoisse, en se configurant dans une action symptomatique et répétitive.

Mots-clés: Psychanalyse, Mesures socio-éducatives, Adolescents, Répétition, Acte.


RESUMEN

En este artículo, apuntamos cómo las actuaciones indican que el sujeto adolescente se encuentra embarazoso con sus recursos simbólicos e imaginarios, resultando en una dificultad en someter lo real al síntoma ya la fantasía, lo que permitiría realizar un trabajo de conexión pulsional. La hipótesis que este artículo plantea es que la reincidencia infraccional puede ser leída como una respuesta del adolescente frente a la angustia y al desamparo suscitado por la pubertad, que denuncia a través de su repetición la dificultad del sujeto en establecer un síntoma y el fracaso del acto en apaciguar la angustia, configurándose en un actuar sintomático y repetitivo.

Palabras claves: Psicoanálisis, Medidas Socioeducativas, la adolescencia, la repetición, Acto.


 

 

Introdução

Esse artigo tem como finalidade esclarecer as possibilidades de operar com a Psicanálise no campo das medidas socioeducativas, especificamente no que tange ao fenômeno da reincidência infracional. O tema se torna importante a partir do ponto em que a Psicanálise não faz parte das normativas metodológicas oficiais das políticas de atendimento às medidas socioeducativas, mas, no entanto, ela aparece na interface dessas medidas quando profissionais encontram na Psicanálise uma possibilidade de operar intervenções sob o agir infracional, que reorientam a relação do sujeito com seu gozo, fazendo-o prescindir da atuação como forma de satisfação pulsional.

Muitos psicanalistas tratam os atos infracionais a partir da dimensão da patologia dos atos, colocação correta, mas que comporta nuances: não é incomum certa generalização de condutas que ora enquadram o agir adolescente como passagens ao ato, ora como acting-outs, feitas por meio de leituras equivocadas e limitadas de conceitos psicanalíticos. Essas leituras têm impacto importante na condução dos casos, provocando muitas vezes efeitos prejudiciais no processo de responsabilização subjetiva que, para a Psicanálise, pode ser um bom caminho a ser pensado nas medidas socioeducativas. Nesse sentido, pretendemos esclarecer, mediante uma revisão teórica psicanalítica, como se constrói a saída pelos atos na adolescência, tomando aqui o ato infracional como um representante dessa saída, e para que serve sua repetição, delineada aqui pela via da reincidência infracional.

Sabendo que somente na leitura singular de cada caso é possível localizar o sujeito e a dimensão de seu ato, não nos ocuparemos de generalizações que serviriam apenas para ratificar a confusão entre o conceito de ato e a estereotipia de comportamento. Trataremos sim, de entender a repetição do agir infracional, sob a perspectiva teórica da Psicanálise, tendo aqui como objeto a reincidência infracional.

A escolha pela reincidência infracional se justifica, na medida em que esse fenômeno aponta, no campo das medidas socioeducativas, para os imbricamentos conceituais entre ato e repetição. Entender a lógica da reincidência infracional para interromper o curto-circuito que muitos jovens fazem com a repetição de seus atos infracionais é um trabalho que convoca conceitos fundamentais da Psicanálise.

Para o campo das medidas socioeducativas, são justamente as repetições de atos infracionais que, quando capturadas pelo sistema socioeducativo, delineiam o fenômeno da reincidência infracional e as consequências dessa nomeação. Diante desse fenômeno, nos perguntamos: que repetição é essa que insiste, apesar de muitas vezes encontrar limites no destino trágico da morte, do corpo lesado ou da perda de liberdade, metaforizados na "cadeia, no caixão e na cadeira de rodas"? Por que os adolescentes repetem atos que culminam em consequências tão danosas e desagradáveis? Por que recorrer à saída pelos atos se já se sabe do fracasso repetido dessa resposta?

Sabemos que o ato criminoso, aqui configurado como ato infracional, é um fenômeno multifacetado, perpassado por coordenadas sociais, econômicas, políticas, subjetivas entre outras. Advertidos disso, entendemos que respostas generalistas e universais para a pergunta feita capturam o adolescente em um discurso político-social que o segrega, deixando-o escapar com sua responsabilidade, não sendo, portanto suficientes para justificar o ato. Não é de nosso interesse desconsiderar essas coordenadas que contingenciam o ato, mas sim localizar também sua dimensão subjetiva, como uma resposta específica do sujeito no seu encontro com o laço social, um posicionamento singular, uma eleição de solução pela via do ato infracional. Dessa feita, o ato infracional, ainda que eivado por contingências várias, para a Psicanálise tem um estatuto subjetivo, como uma resposta singular às transformações da puberdade. Sendo assim, a Psicanálise não pode tomar o ato infracional e sua repetição sob a perspectiva do coletivo, mesmo levando em consideração os fatores sociais que, possivelmente, possam interferir nas coordenadas do ato, pois, se o Direito pode partir da inocência presumida, a Psicanálise pode partir da radicalidade da responsabilidade (Morelli, 2010)

Essas atuações, bem como suas repetições, são tomadas pela Psicanálise como fenômenos do campo dos atos. Para entender esses fenômenos, nos apoiaremos na teoria psicanalítica, por meio das contribuições freudianas, lacanianas e de outros autores contemporâneos que pesquisam a adolescência, ato e repetição, relacionando a eles as possibilidades de modulação do agir adolescente (sintoma, acting-out, passagem ao ato) perpetrado pela reincidência infracional juvenil. Trata-se fundamentalmente de entender a possibilidade de sintoma na adolescência, bem como a saída pelos atos, tendo como índex para essa discussão o conceito lacaniano de repetição.

 

O campo das medidas socioeducativas e o fenômeno da reincidência infracional

O campo das medidas socioeducativas é inaugurado e ordenado pelo discurso jurídico como uma resposta ao ato infracional previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069, 1990). O ato infracional, de acordo com essa Carta Jurídica, é entendido como ato análogo à conduta descrita como crime ou contravenção penal, quando praticada por criança ou por adolescente (Lei n. 8.069, 1990). Diferentemente de uma pena, o ECA elenca um rol de medidas socioeducativas possíveis, de acordo com o ato praticado e com a condição do sujeito em cumprir a sanção, a saber: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação.

O adolescente que comete ato infracional, e é capturado pelo discurso jurídico, é submetido às medidas socioeducativas cuja função é fazer com que o adolescente construa outros modos de vida, que prescinda da violência e da conduta infracional, inibindo a reincidência, por intermédio de ações protetivas e medidas educativas. A não reincidência está posta, portanto, como objetivo da medida socioeducativa, mas, o que seria a reincidência infracional?

No campo das medidas socioeducativas, verificamos que a repetição do ato infracional, tratada ora como reincidência infracional, ora como reiteração infracional, é um fenômeno pouco pautado, apesar de ser um problema cada vez mais agudo, que desafia o campo das políticas de execução da política socioeducativa, e convoca diversos setores da sociedade a se posicionarem. Nas legislações que organizam o campo das medidas socioeducativas, a reincidência infracional é abordada uma única vez, de forma de reiterativa, no art. 122, inc. II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, figurando como um dos requisitos para aplicação da medida socioeducativa de internação nos seguintes termos:

a medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. (Lei n. 8.069, 1990)

Assim, a repetição de ato infracional torna-se um marcador importante para se justificar o agravamento de medida socioeducativa. Essa rara menção ao fenômeno da reincidência, sob a forma de reiteração, coincide com a prática do sistema penal em aliar à reincidência o caráter de periculosidade, exigindo, portanto, formas mais gravosas, como a internação, para o tratamento do ato. Percebe-se, então, que o uso da reincidência infracional como índice para medidas mais gravosas opera a partir da importação de uma ideologia intolerante com o reincidente, que tem como consequências a segregação e a estigmatização de sujeitos, transformando-os em alvo de um controle progressivamente punitivo.

Zaffaroni e Pierangeli (2015) se ocuparam de sistematizar diversas concepções jurídicas de reincidência no campo do Direito Penal e apontam para uma associação discursiva comum em muitas legislações, que é a recorrente relação entre reincidência e periculosidade. Essa relação é recursivamente justificativa para sanções mais gravosas, sendo naturalizada a presunção de que a probabilidade de o sujeito reincidente cometer um delito é maior do que aquele que nunca delinquiu. Assim, ao adolescente que repete seus atos infracionais é atribuído um status: o do reincidente. Ser nomeado dessa forma implica em estar sob a égide de um significante que marca o corpo e a história do sujeito, tomando-o pelo seu ato, perpetuando sua condição, estigmatizando-o como alguém que não é mais passível de mudança, como portador de maior periculosidade.

Atualmente, a reincidência torna-se um índice importante, quando se trata da demonização da juventude: assistimos a um esforço midiático, educacional, jurídico, social, medicalizante em imputar à categoria de adolescentes autores de atos infracionais a autoria do mal-estar contemporâneo. Essa associação entre adolescência, criminalidade e periculosidade, instrumentalizada pelo discurso jurídico e pelo discurso cientificista, gera efeitos segregatórios que exclui e outorga invisibilidade ao sujeito adolescente e suas demandas, graças a sua identificação ao inimigo da segurança e do bem-estar social. São esses discursos sociais que, subordinado às exigências de controle social, operam a criminalização e psiquiatrização de jovens. O sujeito marcado pela reincidência infracional, a partir do ponto de vista cientificista, é alvo da medicalização como forma de contenção da periculosidade. Para isso, são convocados os discursos psiquiátricos e as políticas eugênicas, que, com a patologização do ato infracional, visa dar um nome, idade e cor à violência para enfim contê-la. Já no discurso jurídico, o sujeito adolescente que reincide em ato infracional é alvo de medidas socioeducativas mais gravosas, que implicam em restrição de liberdade, bem como propostas legislativas de redução da maioridade penal. Trata-se de um entrelaçamento discursivo que objetiva suprimir o mal-estar encarnado por esses adolescentes. Essa operação faz com que, em relação à violência, o adolescente seja muito mais estigmatizado como produtor de violência do que reconhecido no seu lugar de violado em seus direitos constitucionais básicos, incluindo o direito à vida. E que mal-estar é esse provocado por esses adolescentes? Quem são esses sujeitos que com a repetição de atos e com seu gozo promovem tanto mal-estar?

 

Adolescente: um sujeito entre o ato e o sintoma

A adolescência é um conceito que ganha diferentes contornos de acordo com o campo teórico e/ou cultural, mas, no entanto, sempre guardando o caráter de transição da infância para a fase adulta, na condição de pessoa em desenvolvimento, marcado por mudanças corporais trazidas pela puberdade.

No campo jurídico, a noção de adolescência é subsidiada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e define a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos de idade. Esse recorte se justifica na concepção do sujeito constituído por etapas de desenvolvimento, rumo à maturação de seu corpo biológico e de sua estabilização psicológica.

Podemos considerar que a adolescência não é, sob a perspectiva da Psicanálise, um conceito, nem mesmo considerada uma "etapa" cronológica do amadurecimento psíquico. Trata-se antes de um arranjo do sujeito que envolve uma série de processos psíquicos a partir da puberdade. Essa abordagem, por estar advertida da constituição permanente do sujeito, rompe com a concepção biológica desenvolvimentista que toma a infância e a adolescência a partir de ideais aos quais esses sujeitos devem se adequar. Assim, a Psicanálise não desconsidera os efeitos do corpo no real, porém, inaugura a perspectiva de um funcionamento pulsional que subjaz ao corpo biológico, na medida em que o que estrutura o sujeito não é a simples maturação de um corpo, mas o desenvolvimento de processos pulsionais e de organizadores lógicos do sujeito: alienação, castração, complexo de Édipo, fantasia, sintoma, entre outros. Se há um ponto cronológico e biológico que definem a adolescência no campo sociológico e jurídico, para a Psicanálise será um ponto estrutural. O sujeito do inconsciente se apoia no corpo do sujeito, mas de forma alguma se reduz a ele.

Essa desnaturalização apontada pela Psicanálise advém do fato de que a linguagem faz marca sob o corpo e na adolescência vemos isso de forma emblemática. Na puberdade, o sujeito, de posse de um corpo biológico apto ao encontro com o outro, espera reencontrar o objeto de satisfação ao qual, na infância, renunciou ao firmar o pacto edípico. No entanto, o que esse processo desvela é sua própria impossibilidade, visto que, ainda que cada sujeito encontra-se marcado anatomicamente, a imiscuição na linguagem faz com que essa marca não seja suficiente para a tomada de posição do sujeito no campo da sexualidade e nem para o reencontro com o objeto que lhe garanta a plena satisfação. A linguagem faz trauma no corpo do sujeito, desnaturalizando-o e arrancando-o do campo do saber instintual. Essa ausência de uma relação instintiva e natural que posicione o sujeito frente ao real do sexo desnuda a falácia da promessa edípica, evidenciando que a mera emergência de um corpo biologicamente maduro não franqueia ao sujeito o saber que propicia o encontro com o sexo. Assim, a puberdade, provinda do redespertar sexual e do excesso libidinal, é o real encontrado no fim da infância que opera a desestabilização das bases infantis que até a latência estabilizavam o sujeito. Mas de que trata esse real?

A resposta fácil a essa questão seria apontar para as metamorfoses biológicas que assolam o corpo púbere. O corpo tomado pelos hormônios muda e o sujeito é submetido a transformações do corpo, independentemente de sua vontade ou da falta de significantes que lhe permitam dar conta dessas transformações. Porém, para a Psicanálise, o real que se impõe, na puberdade, ao corpo do sujeito, não pode ser reduzido a um real orgânico. As transformações provocadas pela metamorfose da adolescência apontam para além de um fenômeno físico, como um fenômeno de corpo. Corpo aqui em sua concepção psicanalítica, guardando todos os traspassamentos pulsionais, de gozo.

Portanto, se queremos situar esse real do lado do orgânico, é com a condição de situá-lo no órgão da libido. É com a condição de situá-lo como órgão do gozo e não como modificação anatômica do corpo. Essa é uma modificação imaginária do corpo, isto é, uma modificação muito real da imagem. O órgão de que se trata é um órgão marcado pelo discurso e esse real da puberdade não é o aparecimento brusco hormonal, mas, antes, esse órgão marcado pelo discurso. A prova é que o aumento hormonal não traz problema para o animal. Jamais se ouviu falar de crise da adolescência entre os bezerros, quando eles se transformam em progressivamente em touros. (Stevens, 2004)

Como aponta Stevens (2004), para os animais, não há crise no corpo tomado pelas transformações biológicas, pois se trata de um corpo orientado pelo instinto. O instinto é então um saber no real que faz com que não haja nenhum problema quanto à relação sexual. Já nos sujeitos adolescentes a transformação da puberdade aponta para uma falha no saber, que nenhum recobre.

Diante do real do sexo, todo o repertório significante do sujeito adolescente falha. Trata-se de um encontro com algo desconhecido, diante do qual as palavras falham, a ponto de se esbarrarem no limite do impossível de dizer, agitando tanto os corpos como o pensamento e tornando difícil sua tradução em palavras. (Lacadeé, 2011, p. 74)

Na tentativa de dar significação a essa experiência, desalojados da referência idealizada do Outro da infância, podemos dizer, conforme Freud (1905) e Lacan (1974), que a puberdade acena para um acontecimento no corpo caracterizado pelo seu efeito de trauma, já que configura o encontro com algo novo que escapa à significação, o real do sexo. Esse novo diz respeito a esse descompasso marcado pela realidade sexual, descoberta a partir do inconsciente, que implica a ausência de um saber sexual no real, fazendo do encontro com o real do sexo algo sempre traumático. Esse real da puberdade é a irrupção de um corpo marcado pela linguagem e pela ausência de um saber sobre o que se pode fazer em face do outro sexo. O trauma é índice, portanto, de que "não há relação sexual", sendo esse o real que se apresenta na puberdade. Como aponta Alberti (1996, p. 189), esse trauma propiciado pela puberdade é

justamente o momento em que o sujeito que fala não dá conta de dizer, não encontra representantes, significantes para designar uma experiência, seja ela sexual, de dor, de morte ou de perda. Essa experiência torna-se traumática porque faz um furo na trama dos significantes. É desse furo que o neurótico procura dar conta em suas fantasias.

O trauma na puberdade aponta-nos que o ser mítico de necessidade, portador de um saber naturalizado em relação ao sexo, cedeu lugar ao sujeito da demanda, traspassado pelos significantes do Outro, inserido na linguagem, que deve advir como sujeito do desejo. Esse percurso rumo ao desejo parte da impossibilidade de resolução de uma demanda: a espera de reencontrar o objeto de satisfação ao qual renunciou no pacto edípico. A descoberta de que o gozo é falho reinscreve a falta no sujeito adolescente, sendo ele instado a abandonar o ideal de realização genital. Submetido às exigências de satisfação da pulsão, o sujeito se defronta no Outro com sua falta, ou seja, o que se escancara ao adolescente é a impossibilidade da relação sexual. Como afirma Lesourd (2004, p. 99), "a adolescência é o tempo em que o sujeito percebe que nunca encontrará na realidade o objeto adequado a uma satisfação total. Não existe objeto que viria preencher a falta de ser, não existe objeto que ofereceria o gozo pleno".

É esse reencontro com a castração, com a falha no Outro, que facilita ao adolescente um processo de separação dos pais. Essa constatação da ausência de um saber-fazer com a falta contribuirá para o processo de desligamento dos pais idealizados e para aceder ao desejo. Freud (1914) já nos apontava que uma das tarefas primordiais da adolescência é separar-se da autoridade de seus pais como o desligamento de seu primeiro ideal: "Tudo que há de admirável, e de indesejável na nova geração é determinado por esse desligamento do pai" (Freud, 1914, p. 288). O Outro, na figura do pai, se apresenta ao sujeito púbere como castrado, frágil e inconsistente para responder com um saber sobre o ser adolescente. Assim, trata-se de separar-se dos pais para poder subjetivar esse novo modo de ser, porém, apoiado no significante paterno. Essa separação simbólica necessária ao adolescente para aceder ao desejo não implica, como nos aponta Freda (1996), em "fazer sem o pai", já que sem pai, não há nem mesmo desligamento. Trata-se de, apoiado no significante paterno, partir para outros alvos de investimento libidinal por meio da instauração de outros ideais.

Deparar-se com essa falha é a mais difícil das tarefas da adolescência porque exige uma referência explícita à castração. O sujeito dividido é submetido à castração, ao impossível de inserir no campo da linguagem, e ele se encontra, ou melhor, se desencontra com a positivação do que está fora desse campo. De forma que há algo impossível a suportar para o sujeito e este impossível designa, latu sensu, "o afeto do real, impossível a evitar e intolerável." Seu campo é o do sofrimento, no qual Freud distinguia três fontes: o corpo, o mundo exterior, as relações com os outros. (Freda, 1996, p. 160)

A partir do abalo na consistência do Outro, desnudada pelo encontro com a falta, o adolescente poderá refazer a pergunta: o que o Outro quer de mim? Esse Outro não mais será a mãe, mas se desdobrará em Outros, o Outro sexo. Assim, a adolescência é marcada pelo abandono dos investimentos libidinais dirigidos aos pais e pela reorientação desse investimento na busca do encontro com um parceiro sexual. Essa reorientação só é possível por intermédio da saída pela via do Ideal do eu. É a condição de ter se servido do pai. Assim, a identificação ao ideal, como uma marca herdada do Nome-do-pai, é um vetor que aponta ao sujeito qual lugar que ele ocupa no Outro e que se reatualiza na adolescência, tomando o Outro não mais como os pais. É essa insígnia, capturada do campo do Outro, que permite ao adolescente assentir à separação e sair da alienação de seu próprio corpo, abandonando a posição exclusiva de objeto de gozo do Outro para decidir-se no caminho singular de seu próprio desejo.

Stevens (2013, p. 52) associa a adolescência ao esforço de construção de um novo Ideal do Eu, no qual o adolescente possa fazer uma escolha sintomática singular, "um nome, uma profissão, um ideal, uma mulher ou uma missão no mundo: é fazer um sintoma com um envoltório significante com o qual se pode ter uma satisfação". O ideal do eu é o vetor sobre o qual a identificação constituinte se apoia e equivale ao ponto-de-basta que estabiliza o sentimento de vida, que dá ao sujeito seu lugar no Outro (Lacadeé, 2011, p. 22), em outras palavras, trata-se da escolha de um sintoma com sua envoltura significante.

Então, o sujeito adolescente, que, na infância, encarnava o sintoma do par parental, agora, deverá se implicar na construção de um sintoma que estabilize sua existência, isto é, o sintoma é então uma resposta construída pelo sujeito na tentativa de suturar o Outro. No lugar do não saber quanto ao sexo, o sujeito elabora um sintoma como uma resposta possível à ausência da relação sexual. De acordo com Soler (1998), diante da falta do parceiro adequado ao gozo, o sujeito coloca alguma outra coisa no lugar; um substituto, um elemento adequado para encarnar o gozo. A adolescência está, portanto, articulada a essa tarefa de construção sintomática. Stevens (2004) aponta que é na puberdade que se escancara com mais notoriedade a não relação sexual. Para ele, a adolescência surgiria, ela mesma, como um sintoma, que incidiria sobre o sujeito na tentativa de dar um tratamento ao gozo. Assim, a adolescência seria a sintomatização do excesso pulsional com o qual o sujeito se vê confrontado na puberdade, é nesse sentido que ela é tomada como o sintoma da puberdade.

A adolescência tomada como um sintoma implica em um arranjo singular com o qual o sujeito organizará sua existência, sua relação com o mundo e sua relação com o gozo, no lugar, portanto, da relação sexual. Assim, podemos entender o sintoma como uma construção do sujeito para a estabilização de sua existência, por intermédio de uma contenção de gozo em um contorno simbólico e imaginário do real.

 

O fracasso do sintoma e a insurreição pelo ato

É na adolescência, diante de todas as transformações apontadas, que os atos podem surgir como uma dimensão responsiva privilegiada, contrapondo ao desvelamento da angústia do encontro com o real traumático. As atuações apontam para uma precariedade ou a ausência de recursos simbólicos e imaginários, que tem como consequência a dificuldade em submeter o real ao sintoma e à fantasia, o que permitiria realizar um trabalho de ligação pulsional. Diante dessa dificuldade, o sujeito adolescente se vê impossibilitado de sustentar uma relação com a angústia que prescinda da atuação, sendo levado a uma descarga pulsional no real por meio do ato.

Lacan aponta que situar um movimento do sujeito em direção aos atos - passagem ao ato e acting-out - é constatar que o sujeito não encontra o apoio simbólico necessário para inscrição da castração como falta; portanto, ou ele reproduz a situação traumática em uma encenação, atuando a falta por meio da fantasia, colocando um objeto como falta, caso do acting-out, ou se apaga nesse encontro com o objeto, como na passagem ao ato. Nessa perspectiva, se pensarmos os atos infracionais juvenis, a partir do campo dos atos, podemos entendê-los tanto como modalidades de acting-outs quanto como passagens ao ato. Ainda que eles se repitam, como no caso da reincidência infracional, é ao campo dos atos que estão referidos. A pergunta que nos fazemos então é: por que a saída pelos atos tem sido a eleição dos adolescentes para lidar com os impasses da castração? O que atualmente ameaça a constituição do sintoma que seria capaz de tratar o gozo?

Contemporaneamente, o laço familiar encontra-se determinado por uma fragilidade em sua função de transmissão de um Ideal. O laço social atualmente não se orienta tanto pelo ideal transmitido pelo pai, mas sim pelos objetos gadgets - uma profusão de objetos que, ofertados para o consumo e para o gozo, obturam o desejo, dispensando o sintoma e a fantasia como mediadores da relação do sujeito com o Outro. O objeto para a Psicanálise, sabemos, está para sempre perdido no resultado da separação do sujeito com o Outro. É a nostalgia desse objeto perdido que motiva o sujeito a colocar sua falta como modo de se relacionar com o Outro, de estabelecer sua fantasia, seu sintoma e apoiar seu desejo. Dessa forma, na sua relação com o Outro, na busca pelo objeto perdido, o que o sujeito encontra é sempre um objeto parcial que o movimenta no laço social. Esses laços se constituem socialmente como linguagem e discurso, engrenados pelo objeto, em direção ao Outro, por meio da articulação do sujeito com a fantasia e com o sintoma.

No entanto, hoje outro discurso - a saber, o discurso do capitalista como discurso do mestre contemporâneo - se apresenta como ordenador do laço social: um discurso precário que se fundamenta na suposta abolição do Outro e sustenta com o objeto uma relação que pretende bastar em si mesma. Esse discurso a que nos referimos nomeia-se discurso do capitalista. Trata-se de um gozo em que o sujeito crê ter o seu objeto de satisfação, não precisando do Outro como mediador. A ilusão ofertada pelo discurso do capitalista de que é possível gozar nostalgicamente dos objetos faz com que o sujeito se exima do encontro com o Outro sexo, e da decepção angustiante da incompletude do desejo do Outro.

Essa alteração discursiva, que determina uma dificuldade em marcar uma herança simbólica, dificulta e até mesmo inviabiliza a instalação do Outro desejante, manifestando seus efeitos de forma mais contundente na adolescência. Os adolescentes, diante do real da puberdade, e com dificuldade em fazerem uso do Nome-do-pai para significantizar o gozo, lançam mão dos objetos como forma de evitar o encontro com o Outro e seu desejo. Assim, as diferentes respostas do adolescente contemporâneo diante da angústia do desejo do Outro não se orientam pelo desejo, mas sim pelo objeto de gozo.

Essa relação discursiva aposta na possibilidade de suturar a falta e o desejo, obnubilando a castração, prometendo ao sujeito um acesso direto ao objeto que prescinda do enquadre da fantasia e do sintoma. Como a promessa é falaciosa, o sujeito se lança por meio dos mecanismos de compulsão e repetição, imprimindo uma lógica da adicção, que se aplica muitas vezes aos atos infracionais, em que o sujeito, na sua compulsiva atuação, espera no reencontro com o objeto furtado, o objeto perdido.

Essa marcação compromete profundamente o estabelecimento da fantasia e do sintoma, na medida em que o sujeito crê poder estabelecer nesse discurso uma relação direta com o objeto que prescinda dessas formações. Impõe-se ao sujeito o que Miller (2011) chamou de adição generalizada, pois qualquer objeto pode entrar no circuito da adicção, já que "o modelo geral da vida cotidiana no século XXI é a adição. Cada um goza sozinho com sua droga e toda atividade pode tornar-se droga: o esporte, o sexo, o trabalho, o smartphone, o Facebook" (Miller, 2011, p.).

A adicção traz consigo a dimensão da repetição e do ato, em detrimento do sintoma. Nesse deslocamento, entre o objeto perdido e o objeto gadget, o púbere delinquente surge como um paradigma desse autoengano. Na crença no objeto, o sujeito se empenha, para além dos contratos civilizatórios, em deste tomar posse. É o que nos aponta, por exemplo, as estatísticas que atestam cada vez mais o aumento dos furtos e roubos. Capturar o objeto a qualquer preço, pela via dos roubos e furtos, consumir o objeto sem limite, incorporá-lo, pela via das toxicomanias, tão presente no contexto das medidas socioeducativas, vender compulsivamente o objeto, nas repetidas atuações de tráfico, quando o sujeito alia ao gozo autoerótico do Outro.

Tomando o ato infracional por essa lógica, a da adição generalizada, podemos pensar que a compulsão ao ato, via reincidência, constitua um modo particular de gozo, uma busca de uma satisfação a mais, instada pelo discurso do capitalista. Assim, podemos tomar o ato criminoso reincidente, na série de respostas à demanda convulsiva, que faz com que o sujeito vise em seu ato a uma satisfação direta, que não se submete necessariamente pelos circuitos do desejo, do sintoma, da simbolização e da castração como falta. Essa satisfação limita-se a uma satisfação de gozo que extrapola o princípio do prazer. Para além do princípio do prazer, na repetição do seu ato, o que o sujeito encontra é um real encarnado como pulsão de morte, que engendra uma repetição, um empuxo ao gozo que aponta um destino maligno. Para Lacan (1969-1970), a repetição, ao engendrar-se rumo ao gozo, sem o enquadramento significante do sintoma, encaminha o sujeito para as saídas trágicas de seu ato.

Consenza apud Moreira Marcos (2015, p. 125) aponta que perante a avalanche pulsional da puberdade o adolescente encontra-se diante de duas direções: a construção do sintoma ou o fracasso deste, que aponta para a via dos atos. A via do sintoma implica na inscrição da pulsão no campo do Outro, com a eleição de um parceiro amoroso, de uma profissão, de uma identificação que estabilize a existência do sujeito. A via das atuações implica no fracasso do sintoma, que aponta para a recusa da castração simbólica e de um não acesso ao gozo fálico. A patologia do ato surge no lugar do sintoma, que não se formula, não se apresenta como uma formação sintomática articulada ao desejo inconsciente.

Se nessa nova égide discursiva, marcada pelo discurso do capitalista, o significante do desejo falta, seja por estar foracluído, seja por não se remeter a um ideal articulado simbolicamente, a resposta sintomática falha e no seu lugar surge um ato. O sujeito encontra-se, então, alienado ao desejo do Outro, sem defesa para combater o traumático de uma demanda obscura. O que o Outro quer de mim? O que o Outro quer?

Sabemos que é o sintoma que faz barreira à angústia - quando este falha, o campo dos atos, como passagem ao ato e o acting-out, surge então como das últimas barreiras para enfrentar a angústia.

O papel do sintoma, estimava Freud, é o de proporcionar uma resposta à angústia. No entanto, existem casos em que, de forma temporária ou duradoura, a angústia não fica velada pelo sintoma e o sujeito se vê diretamente defrontado com ela. Em tais casos podemos descrever dois tipos de configuração sintomatológica: um em que a angústia é o sintoma dominante sem necessariamente encontrarmos saídas pelos atos, e outro no qual a angústia irá determinar ações, ainda que se trate de demandas veladas de ajuda (acting-out), ainda que seja que o sujeito periga com elas uma saída definitiva (passagem ao ato). (Álvarez, Esteban & Sauvagnat, 2004, p. 268)

As atuações, quando seriadas e tomadas como um modo do sujeito de se colocar no laço social, apontam para o fracasso do estabelecimento do sintoma. Diante do encontro absoluto com esse real, escancarado pelo desejo do Outro, o sujeito, sem anteparos simbólicos e imaginários para lidar com a angústia, se precipita nas atuações. O ato, tomado aqui como infracional, serve então como uma tentativa de se separar da demanda obscura do Outro, uma tentativa de separação, como na passagem ao ato, ou como a um endereçamento a um Outro na tentativa de se fazer operar uma significação ao real que toma esses sujeitos na puberdade, como no acting-out. Assim, o campo dos atos exclui a possibilidade de serem tomados como formações sintomáticas.

Diante desse percurso, pensamos que a reincidência infracional aponta para uma clínica da repetição, marcada pela pulsão de morte, na qual, com a repetição do ato, o adolescente atualiza um movimento pulsional, que dá tratamento à dimensão traumática de suas vivências, na tentativa de organizá-las. Trata-se do fracasso sintomático que faz emergir o ato como uma resposta do sujeito, o qual, quando em repetição, atesta outro fracasso, o do ato, já que este serve mais para o alívio da angústia do que para elaborá-la. Assim, se por meio do ato

o adolescente tenta se proteger do que lhe parece como sendo o pior, uma explosão psíquica - é que a jogada não é o ato, mas antes o próprio sujeito, o sujeito confrontado a um tempo de anulação das representações e dos ideais. Dito de outra maneira, a confrontação ao real, esse impossível que estrutura a realidade, o dentro/fora, o antes/depois, e onde a alteridade poderia ser encarada, não funciona mais. (Benhaim, 2011, p. 206)

Na singularidade de seu ato, e na repetição deste, o sujeito faz falar seus limites, sua fantasia, sua posição no desejo do Outro, sua demanda, seu desejo, sua dificuldade em articular o sintoma. Percebemos que as repetições não devem ser tomadas como estereotipias do sujeito e sim, tentando localizar em cada episódio de atuação, como o motor de sua ação. Perseguindo o que move o sujeito a atuar, encontramos o objeto a, com o qual o sujeito constrói a sua cena fantasmática, o seu enquadre de mundo. É nessa cena que o sujeito irá se localizar na tentativa de responder ao desejo do Outro, como condição para o suposto reencontro com o objeto perdido. A cada repetição se reatualiza o índex que movimenta o sujeito em curto-circuito.

 

Impactos institucionais

A reincidência infracional traz em si uma marca comum a muitos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, principalmente aquelas restritivas de liberdade: a compulsão à repetição. Interessante pensar que diante da agitação reincidente dos corpos, tomados por uma força pulsional sem contorno, a solução estatal seja a contenção física desses corpos. Quanto mais se repete, mais contenção. Na semiliberdade ou na internação, o sujeito, na sua impossibilidade de circulação livre pela cidade, pelo seu circuito construído e investido, transfere para a cena da instituição os seus impasses com o Outro.

A compulsão à repetição se presentifica nas ações repetidas do sujeito adolescente, capturando-o em um circuito mortífero comandado pela pulsão de morte. Essas condutas, quando repetidas no âmbito institucional, em vez de apontar para a transferência como forma de trabalho, apontam para o exclusivo enquadramento jurídico que esvazia o ato de sua subjetividade, desumanizando o seu autor.

No seu ato é importante não perder de vista que o adolescente encena algo da sua verdade. É importante que a instituição não banalize o ato infracional, não opere as disjunções entre responsabilização e cuidado/direito, entre adolescente e família e entre Lei e Desejo. Localizar o que faz índice a esses atos na história do adolescente ajuda a orientar a Medida e seu fim. O que esse ato denúncia? A quem ele se endereça? Com qual demanda? E como responder? São questões que se colocam, na particular relação com cada adolescente, e que somente no que lhe é singular se poderá respondê-las.

Isso nos dá uma direção de trabalho que aponta para a necessidade de viabilizar a passagem das atuações ao sintoma, por meio de uma nova abertura e produções de sentido, que dê a seus atos e repetições uma função em sua economia psíquica, para além do puro alívio. Dessa feita, o campo dos atos,

impõem, portanto, uma questão preliminar ao tratamento, por constituírem uma situação de urgência subjetiva. A urgência demanda do analista um manejo para que o sujeito seja colocado em condições de fazer análise e de aceder à regra fundamental. Que fique claro: assegurar que o sujeito tenha condições de respeitar minimamente o dispositivo da associação livre não significa que ele esteja em análise, mas é um passo prévio a isso, uma condição de possibilidade do tratamento. (Lustoza, Cardoso & Calazans, 2015, p. 211)

A operação analítica, segundo Lacan (1998, p. 853), é aquilo que torna possível que "o trauma se implique no sintoma". Esse trabalho só será possível se nos atentarmos para o trabalho manufatural envolvido na construção de um sintoma, disponibilizando a escuta e propiciando a fala e o sujeito possa articular outros significantes para dizer o que o assola. Mais que a criação de novos espaços ou a mudança de leis, cabe uma retificação de postura institucional, que flexibilize seus critérios normatizadores para que possa surgir, na hiância institucional, os significantes do sujeito. Barros-Brisset (2003, p. ) aponta que ocorre uma "indústria da criança e do adolescente", havendo a produção em série de programas, que insistem na "mesma ideologia produtora da segregação". O contraponto dessa cronificação da segregação seria uma reconstrução da política pública que leve em conta a realidade das crianças e adolescentes para que haja possibilidades reais de construção de novos projetos de vida que prescindam do agir violento.

Assim, Barros-Brisset (2003) alerta que, se os adolescentes reincidem, as instituições também o fazem, uma vez que estas abordam sempre da mesma forma o adolescente e suas diversas maneiras de expressar sua dimensão subjetiva diante de um Estado que não é capaz de escutá-lo nem perceber suas condições de vida.

 

Considerações finais

Como vimos, a adolescência é marcada pela desorientação em relação ao desejo do Outro e pelo desmoronamento fantasmático e sintomático que implica o sujeito adolescente na reconstrução da cena do mundo. Nesse desmoronamento, o sujeito pode não ter recursos suficientes para manejar a distância entre ele e o objeto, sendo muitas vezes obnubilado pela presença destes encarnados nos gadgets capitalistas. Se o sujeito não pode se valer da fantasia e do sintoma, como mediadores de sua relação com o objeto a, ele lança mão de uma ilusão, na qual o objeto surge, ele mesmo, não como um semblante, mas como promessa de encontro com o objeto perdido.

Somente na leitura singular de cada caso é possível traçar as coordenadas que determinam o ato, diferenciando-os e localizando-os na sua distância em relação à angústia. Essa diferenciação é importante, na medida em que se pretende, para além de leituras generalistas e estereotipadas sobre o ato na adolescência, localizar as coordenadas que o determinam, a fim de orientar o trabalho psicanalítico rumo ao estabelecimento de um sintoma que estabilize a existência do sujeito.

Este trabalho aponta que, institucionalmente, no campo das medidas socioeducativas, é importante localizar o que o adolescente aponta subjetivamente com sua repetição. Cabe àqueles que estão envolvidos com o trabalho com adolescentes nas medidas socioeducativas fazer vacilar o "para-todos" instituído pela determinação da Lei, ou seja, recuperar na dimensão do ato algo de singular. Furtar-se a essa função é ratificar o lugar de anonimato de um desejo muitas vezes dado de saída na sua constituição subjetiva, trata-se, portanto, de singularizar a medida socioeducativa.

Nosso artigo, por conseguinte, se ocupou por, em um esforço teórico, bordejar o fenômeno da reincidência infracional, na tentativa de entender os arranjos e saídas feitas pelo adolescente diante da angústia por meio do ato ou do agir infracional e da sua dificuldade em estabelecer seu sintoma. Acreditamos que a Psicanálise pode dar pistas úteis para o campo socioeducativo no trabalho com sujeitos adolescentes que infracionam reiteradamente, já que quando o Outro da Lei captura a passagem ao ato ou o acting-out abre-se a possibilidade de instauração de um tempo de compreender, diante do instante de ver, que possibilita a sintomatização, viabilizando uma responsabilização provocada pelo direito de tomar a palavra e responder por sua posição, reconfigurando a recusa ao simbólico. É interceptando a repetição de seu ato que o sujeito adolescente pode construir um saber sobre si, por meio de uma subjetivação que interrompe o curto-circuito pulsional que o impele a atuar. Em outras palavras, trata-se do exercício de singularizar a medida socioeducativa para entender a função do ato infracional para aquele sujeito, abrindo a possibilidade para que seja possível responder, sem lançar mão das atuações, aos seus impasses com a civilização. A repetição adquire então outra conotação: não se trata mais de um índice de irrecuperabilidade ou de periculosidade, mas sim de possibilidade de trabalho.

 

 

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Endereço para correspondência
Roberto Calazans
E-mail: roberto.calazans@gmail.com
Christiane Matozinho
E-mail: christianeomat@gmail.com

 

 

*Psicanalista. Doutor em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Bolsista de Produtividade nível 2 do CNPq. Psicanalista.
**Doutoranda do Departamento de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Psicanalista com experiência na área de Psicologia e Políticas Públicas, com ênfase em saúde mental, assistência social e políticas públicas para adolescentes.

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