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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.9 no.17 São João del Rei Jul./Dec. 2020

 

ARTIGOS

 

Elementos da analítica existenciária no pensamento de Lacan sobre a linguagem

 

Elements of Existential Analytics in Lacan's Thought about Language

 

Éléments d'analyse existentielle dans la réflexion de Lacan sur le langage

 

Elementos de análisis existencial en el pensamiento de Lacan sobre el lenguaje

 

 

Ruben Artur Lemke*; Christian Ingo Lenz DunkerI**; Marcio Luis CostaII***; Tiago RavanelloIII****

IUniversidade de São Paulo - USP - Brasil
IIUniversidade Católica Dom Bosco - UCDB - Brasil
IIIUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo tem como objetivo apresentar linhas de influência da analítica existenciária no pensamento de Lacan sobre a linguagem. Para isso, os autores utilizam marcadores textuais para indicar a presença de temas ontológicos nos textos de Lacan. A relação entre o ser e a linguagem é apresentada como um problema ontológico transversal que coloca o pensamento de Heidegger e Lacan em uma zona de avizinhamento. Ao redor desse problema fundamental, são apresentadas quatro zonas temáticas da analítica existenciária que estão presentes no pensamento de Lacan sobre a linguagem: a diferença ontológica, a concepção de verdade como desvelamento, a valorização ontológica da linguagem e a concepção de tempo.

Palavras-chave: Teoria psicanalítica, Analítica existenciária, Linguagem.


ABSTRACT

This paper aims to present influence lines of existential analytics on Lacan's thought about language. For this, the authors use textual markers to indicate the presence of ontological themes in Lacan's texts. The rapport between being and language is presented as a transverse ontological problem that puts Heidegger and Lacan in a neighborhood zone. Around this fundamental problem are presented four thematic zones of existential analytics that are present in Lacan's thought about language: the ontological difference, the conception of truth as unveiling, the ontological valorization of language and the conception of time.

Keywords: Psychoanalytic theory, Existential analytics, Language.


RÉSUMÉ

L'article vise à présenter les lignes d'influence de l'analyse existentielle dans la réflexion de Lacan sur le langage. Pour cela, les auteurs utilisent des marqueurs textuels pour indiquer la présence de thèmes ontologiques dans les textes de Lacan. La relation entre l'être et le langage est présentée comme un problème ontologique transversal qui place la pensée de Heidegger et Lacan dans une zone de proximité. Autour de ce problème fondamental, quatre domaines thématiques de l'analyse existentielle sont présentés et présents dans la réflexion de Lacan sur le langage: la différence ontologique, la conception de la vérité comme révélatrice, la valorisation ontologique du langage et la conception du temps.

Mots-clés: Théorie psychanalytique, Analyse existentielle, Langage.


RESUMEN

El artículo tiene como objetivo presentar líneas de influencia de la analítica existencial en el pensamiento de Lacan sobre el lenguaje. Para esto, los autores usan marcadores textuales para indicar la presencia de temas ontológicos en los textos de Lacan. La relación entre ser y lenguaje se presenta como un problema ontológico transversal que coloca el pensamiento de Heidegger y Lacan en una zona de proximidad. En torno a este problema fundamental, se presentan cuatro zonas temáticas de análisis existencial que están presentes en el pensamiento de Lacan sobre el lenguaje: la diferencia ontológica, la concepción de la verdad como revelación, la valorización ontológica del lenguaje y la concepción del tiempo.

Palabras claves: Teoría psicoanalítica, Análisis existencial, Lenguaje.


 

 

Introdução

A obra de Lacan comporta um pensamento sobre a linguagem que as referências da Linguística Estrutural não esclarecem completamente. No presente artigo, pretendemos contribuir com essa discussão tratando das influências ontológicas de Heidegger no pensamento de Lacan sobre a linguagem. Entendemos que, se por um lado, existem muitos pontos da tratativa concedida pela Psicanálise à ontologia não esclarecidos, por outro, as influências de Heidegger nas elaborações lacanianas costumam ser subestimadas. Em seu retorno a Freud, Lacan laçou mão tanto de instrumentos da Linguística Estrutural como utilizou abundantemente o vocabulário do ser. Essa aparente contradição epistemológica indica que o problema ontológico da relação do ser com a linguagem estava no centro das preocupações de Lacan em seu retorno a Freud.

Quando se aborda possíveis relações entre dois autores, são necessários alguns cuidados. Nesse sentido, López (2011) recomenda prudência ao analisar as influências de Heidegger em Lacan e evitar tecer analogias rápidas entre as posições destes. Essa seria uma solução imaginária, de criar uma unidade no que não existe. Do mesmo modo, Alemán e Larriera (2009) salientam que não se trata de pensar as influências em termos de adesão de um autor ao pensamento de outro. Entendemos que se trata de pensar, por um lado, na proximidade de interesse por certos problemas e, por outro, nos modos de apropriação das elaborações. Quanto a esse ponto, é necessário levar em conta que uma apropriação teórica, quando é efetuada, serve aos propósitos do campo que apropriou. Como afirmam Couto e Souza (2013, p. 186), uma apropriação não precisa ser reportada com fidelidade às suas fontes: "O termo apropriação denota [...] a ação de tornar próprio, isto é, fazer com que os conceitos funcionem dentro de um sistema dessemelhante àquele de onde eles surgiram originariamente".1

Tomando esses cuidados, pretendemos abordar a apropriação de elementos da analítica existenciária de Heidegger, realizadas por Lacan, e indicar algumas linhas dessas influências ontológicas na teoria psicanalítica. Nossa estratégia neste artigo será buscar pontos de aproximação, não como analogias, mas como indicações de zonas de avizinhamento em uma abordagem que não oblitere o campo de tensão constitutivo das diferenças. De acordo com a afirmação de Dunker (2019) de que os problemas ontológicos são transversais às diversas disciplinas, pretendemos localizar nas experiências de cada autor, a partir de seu próprio campo, instrumentos e interrogações nos quais cada autor toca em um tema ontológico transversal. O problema ontológico fundamental, que como um veio subterrâneo perpassa as duas obras, é o da relação entre ser e linguagem. Essa afirmação é confirmada se levarmos em conta a escolha de Lacan pela tradução do texto "Logos" de Heidegger (1956) para a primeira publicação da revista La Psychalalyse, que trata fundamentalmente dessa questão por meio da hipótese de uma intuição originária dos gregos, que em um momento inaugural da história do ocidente puderam vislumbrar o ser na linguagem.

Além de referências explicitas, existem marcadores textuais que atestam a presença de temas heideggerianos na obra de Lacan. Um marcador textual,2 para os fins deste artigo, é entendido como um sinal que indica a presença de uma valência ontológica, ou seja, a aproximação de um tema ontológico que perpassa as discussões teóricas psicanalíticas. Como sinal, o marcador textual pode ser uma palavra ou um conceito. Assim, por exemplo, no seminário XI, Lacan (1964/2008) utiliza as palavras ôntico e ontológico, quando fala em função ontológica e fragilidade ôntica da fenda do inconsciente estruturado como linguagem, bem como quando se refere nos escritos à emergência do sujeito do inconsciente como advento de "ser de não-ente" (Lacan (1960/1998c, p. 816). Nessas passagens, está sendo utilizada a estrutura da diferença ontológica de Heidegger. Do mesmo modo, em O Aturdito, Lacan (2003/1972) usa repetidamente o termo ex-sistência, que, segundo Castro (2011), Lacan tomou de Heidegger. Quanto aos conceitos, no seminário VII, Lacan (1959-1960/2008a) utiliza o conceito heideggeriano do ser para a morte para descrever a dimensão trágica da entrada do sujeito no suporte do significante. Além da localização desses marcadores textuais, nos apoiaremos na cartografia da presença de temas heideggerianos nos textos de Lacan realizadas por outros autores,3 bem como seus comentários, que serão citados ao longo do presente artigo.

Pretendemos argumentar no artigo que, em torno do problema ontológico fundamental da relação do ser com a linguagem, existem quatro zonas de avizinhamento e quatro linhas de entrada da analítica existenciária na teoria psicanalítica, que são: a) a diferença ontológica; b) a concepção de verdade como desvelamento; c) a valorização ontológica da linguagem; e d) a concepção de tempo. Essas zonas temáticas guardam importância no pensamento de Lacan sobre a linguagem, que é composta pela teoria lacaniana do significante e aquilo que Juranville (1987) considera sua consequência ontológica, que é a teoria psicanalítica do desejo.

 

Diferença ontológica e desconstrução da metafísica

A abordagem ontológica de Heidegger comporta um modelo de crítica à metafísica que interessa à Psicanálise e que alguns marcadores textuais demonstram que se encontra em Lacan. Trata-se do modelo da diferença ontológica, ou seja, a proposição de que entre o ser e o ente há uma diferença fundamental. Quando Lacan (1964/2008b), no seminário XI, fala da função ontológica da fenda do inconsciente e de sua fragilidade ôntica, quando propõe a estrutura da diferença entre enunciado e enunciação ou quando afirma no Aturdito: "Que se diga fica esquecido por trás do que se diz em o que se ouve" (Lacan, 1972/2003, p. 448), entendemos que é com os problemas levantados pela diferença ontológica que Lacan está se situando. Para Alemán e Larriera (2009), a afirmação lacaniana acerca da não existência da relação sexual só pode ser lida no marco da diferença ontológica. Desse modo, as práticas sexuais dos seres humanos estariam no plano ôntico, já a impossibilidade da relação sexual seria uma afirmação que só poderia se situar no plano ontológico.

No quadro da diferença ontológica, tudo aquilo que se refere ao ente é do âmbito do ôntico e toda pergunta referente ao ser é do âmbito da ontologia. Manter a abertura dessa diferença é, como afirma Stein (1999), pensar o ser sempre no velamento e evitar estratégias de cercá-lo à luz de objetivações, o que seria abolir a diferença e confundir o ser com o ente. De acordo com Heidegger (1946/1991), o homem se atém sempre ao ente, mas quando representa o ente está se referindo a uma esfera que na verdade se inscreve no plano do ser. Nesse sentido, acaba operando um encobrimento, ao pensar apenas o ente como ente e esquecendo a pergunta fundamental pelo sentido do ser. Para Heidegger, a história do pensamento no ocidente é a história do modo como em cada época se obturou essa diferença.

No entanto, em consonância à sua concepção de verdade como desvelamento, de modo algum a história do esquecimento do ser é um simples apagar ou deixar de fora, mas é um velamento, que revela algo do ser ao ocultar. Se a metafísica esqueceu a pergunta pelo sentido do ser, um caminho de abordagem para a compreensão do ser está na experiência da história desse esquecimento. Ou seja, assumir essa experiência da limitação do pensamento é condição de possibilidade para manter o campo da abertura ao ser. Assim sendo, a história da metafísica relata os diversos modos de reação do pensamento, de como em cada época o pensamento reagiu ao apelo do ser.4 A história da metafísica é a história da experiência do esquecimento do ser que nos dá notícias de como se configuraram em cada época as diversas remissões ou convocações do ser (Stein, 2011). Assim, de acordo com Alemán e Larriera (2009), as distintas épocas da modernidade e suas expressões teóricas, como o sujeito transcendental, a subjetividade absoluta, a relação entre sujeito e objeto, a vontade de poder, não são erros acerca da pergunta pelo ser. São formações intelectuais que correspondem aos momentos de recalque a que estruturalmente está ligada a história do ser em seus processos de ocultação. Esses processos têm por objetivo ocultar o caráter opaco e finito do ser.

Heidegger (1959-1969/2017) afirma que há dois tipos de fenômenos. Os fenômenos perceptivos, que denomina de fenômenos ônticos, e os fenômenos não perceptivos, que são os propriamente ontológicos. Assim, por exemplo, uma pedra seria um fenômeno ôntico, e o existir dessa pedra, isto é, o fato de ela existir no sentido absoluto, um fenômeno ontológico. O autor afirma que "os fenômenos ontológicos são, pois, hierarquicamente os primeiros, mas para serem pensados e vistos são posteriores" 1959-1969/2017, p. 36, grifo do autor). Para Heidegger, (1927/2012), o perguntar ontológico é mais originário do que o perguntar ôntico, mas essa pergunta permanece não transparente e ingênua ao se deixar de discutir o sentido de ser em geral.

No âmbito da diferença ontológica, o ente é pura presença, tudo aquilo que subsiste, que pode se tornar por nós conhecido, do qual podemos saber como opera como causa ou como opera como efeito. "Ente é tudo aquilo de que discorremos, que visamos, em relação a que nos comportamos desta ou daquela maneira" (Heidegger, 1927/2012, p. 45). No nível do ôntico, está tudo o que podemos encontrar como subsistente, tudo aquilo que está, como poderíamos dizer, ao alcance da mão. Heidegger usa a palavra alemã Vorhandensein5 para designar os objetos existentes no mundo como subsistentes. Em relação a esses objetos, podemos cercá-los com caracteres ontológicos denominados categorias, que pertencem ao modo de ser dos entes no interior do mundo.

Ser é o mais longínquo que qualquer ente e está mais próximo que qualquer ente. Não se pode, como afirma Heidegger (1927/2012, p. 37, grifo do autor), determinar o ser cercando-o como um ente: "O ser não pode ser derivado por definição de conceitos superiores e não pode ser exibido por conceitos inferiores. [...] 'ser' não é algo assim como um ente". Cada vez que usamos o verbo ser, como quando afirmamos que algo é, como no exemplo, a pedra [é] inerte, nos movemos em um vago entendimento do que significa o é, mas não somos capazes de fixar conceitualmente o que quer dizer é em sentido absoluto, como condição de algo que possa ser secundariamente predicável.

O ser é o que está mais próximo do homem do que qualquer ente. Mas essa proximidade é para o homem a mais distante. Em última instância, é em termos topológicos que Heidegger (1946/1991, p. 19, grifo do autor) indica o ser: ser é o plano no qual existimos: " Précisément nous sommes sur um plan où il y a principalement L'Être". E ao interrogar de onde proviria o plano, o autor responde: "[...] o ser e o plano são o mesmo" (p. 19). Desse modo, o autor estabelece o ser como o plano do dar-se: o ser dá-se (Es Gibt!).6 O ser é o transcendente como tal, afirma Heidegger (1927/2012). Essa transcendência é para o homem o abrir e o manter-se aberto de uma abertura, é uma clareira, na qual a luz do ser está situada em cada ponto de partida do ente e cada retorno a ele, pois, embora transcendental, o ser é a cada vez o ser de um ente.

Mas o abrir-se dessa abertura, até onde sabemos, só pode ser produzido por um ente. Esse ente que somos cada um de nós em cada caso: "[...] ente é também o que somos e como somos nós mesmos" (Heidegger, 1927/2012, p. 45). Esse ente é denominado pelo autor de Dasein7 (ser-aí). Destarte, na ontologia de Heidegger, o Dasein é o que faz o meio de campo e que sustenta mesmo a abertura dessa diferença entre o ser e o ente. Por isso, as categorias ontológicas tradicionais que são utilizadas para descrever os demais entes não servem para abordar o Dasein. O autor propõe que a constituição do modo de ser do Dasein seja abordada pelo que denomina de existenciários, que não servem para pensar a subsistência de uma coisa corporal e que abordam os modos de ser do homem. Como afirma Heidegger (1959-1969/2017, p. 33-34, grifo do autor), na abertura dos Seminários de Zollikon, quando propõe que se utilize o termo Da-sein8 em vez de representações psicológicas que considera objetivantes:

[...] o existir humano em seu fundamento essencial nunca é apenas um objeto simplesmente presente num lugar qualquer, e certamente não é um objeto encerrado em si. Ao contrário, esse existir consiste em 'meras' possibilidades de apreensão que apontam ao que lhe fala e o encontra e não podem ser apreendidas pela visão nem pelo tato. [...] A constituição fundamental do existir humano a ser considerada daqui em diante se chamará "Da-sein" ou "Ser-no-mundo".

O homem é ontologicamente porque tem uma experiência com o ser. O Dasein por sua essência pode ser o guardião da verdade do ser, pois ele joga com e para o ser, sendo o ente que está no campo de ressonância do ser. O Dasein é esse ente que habita pela linguagem a zona de vizinhança com o ser (Heidegger, 1946/1991). Dasein é o ente a partir do qual a abertura do ser pode provir. Ele tem uma precedência ôntica, pois é um ente determinado em ser pela existência. E tem uma precedência ontológica, pois sobre o fundamento de determinação de sua existência o Dasein é ontológico, pois mantém uma relação de ser com o ser. "É próprio deste ente, com seu ser e por seu ser, o estar aberto para ele mesmo. [...] O ser ele mesmo, em relação ao qual o Dasein pode comportar-se e sempre se comporta desta ou daquela maneira, é por nós denominado existência" (Heidegger, 1927/2012, p. 59).

Os existenciários, segundo Heidegger (1927/2012), são estruturas existenciais que descrevem o modo de ser do ser-no-mundo. Embora pertençam a esse ente que é o homem, essas estruturas falam do ser, são como bordas, zonas fronteiriças que dão notícias do modo como o Dasein produz ressonâncias com o ser. Diante da diferença ontológica, é evidente que uma instância como a do inconsciente só pode sofrer de uma fragilidade ôntica, pois não é um ente subsistente que pode ser abordado pelas categorias aristotélicas. Mas Lacan nunca abandonou a ideia de articular o inconsciente freudiano em referência a isso que Heidegger (1946/1991) denomina superfície do ser.

Se o ser aparece como pano de fundo de muitas formulações de Lacan, vale ressaltar que uma análise pode intervir é no sujeito. O que quer que seja que possa vir a se realizar de ser numa análise, o recorte ontológico para a intervenção analítica, de acordo com Juranville (1987), é o sujeito do inconsciente. Nesse sentido, Lacan opera de modo semelhante à analítica existenciária, em que o ser só pode ser cercado por uma abordagem do Dasein. A relação entre ser e sujeito é uma espécie de pano de fundo da teoria do desejo, tal como Lacan (1958-1959/2016) a desfia no seminário sobre o "Desejo e sua Interpretação". C omo poderíamos compreender uma expressão, como a de Lacan (1960/1998c) em "Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo" quando se refere à emergência do sujeito como advento do ser de não-ente, para indicar as manifestações de ser de um sujeito sem substância, que se apreende nas rupturas da cadeia significante, senão no marco da diferença ontológica?

 

Fraternidade no dizer: verdade como desvelamento (λήθεια)

Em "O Aturdito", Lacan (1972/2003, p. 451) descreve sua relação com Heidegger no âmbito de uma fraternidade do dizer. Primeiro, inscreve no mesmo plano o compromisso com a verdade da Filosofia de Heidegger e a Psicanálise: "que nada esconde tanto quanto aquilo que revela, que a verdade, λήθεια, é igual à Verborgenheit".9 E logo a seguir: "Assim não renego a fraternidade desse dizer, já que só o repito a partir de uma prática que, situando-se por um outro discurso, torna-o incontestável".

Aqui, onde Lacan (1972/2003b, p. 451) inscreve suas inquietações de autor em uma zona de fraternidade com o pensamento de Heidegger, a linguagem cumpre um papel fundamental na relação da verdade com o ser. Adiante, neste texto, Lacan utiliza o termo "dit-mension"10 e "ex-sistencia", para se referir ao lugar da palavra nesse jogo da verdade de ocultar ao tempo em que se releva. Essas expressões trazem ressonância com o que Heidegger (1946/1991) afirma sobre a linguagem como a morada do ser, desse ente que é o homem e que é no modo da ex-sistência, ou seja, está exposto à verdade do ser por intermédio da linguagem.

Sobre esse inscrever-se no quadro de uma fraternidade, Alemán e Larriera (2009) nos chamam atenção de que Lacan nunca se referiu assim a qualquer outro pensador. Mas essa afirmação, como salienta Lópes (2011), não deve ser entendida como uma fraternidade entre os ditos doutrinais desses autores, mas uma fraternidade no ato de dizer, pela qual o discurso de cada autor é a invenção de um modo singular de transitar pelas bordas do núcleo indizível da verdade do ser. Cada autor constrói, a partir de seu campo, um modo de lidar com o problema da verdade do ser tendo a linguagem como o que há de essencial no homem e como o que o expõe à verdade do ser ao mesmo tempo em que o afasta dela por um processo de ocultamento. Uma das dimensões do ocultamento como imanente à verdade é o tema do esquecimento, que está presente nos dois autores, seja no esquecimento da pergunta pela verdade do ser na história da metafísica, ou o esquecimento do núcleo da verdade freudiana no seio da Psicanálise. Então, algo dessa fraternidade concerne à constante preocupação dos dois autores em encontrar um modo de dizer que corresponda à dimensão do que foi esquecido. Desse modo, a verdade guarda uma relação com a dimensão da temporalidade.

Para Alemán e Larriera (2009), essa fraternidade no dizer teve a importância de livrar a Psicanálise de sua prisão técnico-científica, pois, assim como Heidegger, retirou a palavra hermenêutica de seu pensamento para manter inominado seu novo caminho a partir da virada.11 Lacan substituiu a interpretação pelo ato analítico na formalização de seu ensino, para designar um novo modo de intervir. A Psicanálise comunga com o pensamento de Heidegger na intenção de aceder a um dizer que está mais além da fala ou se aproximar das regiões do silêncio, seja no se colocar à escuta do apelo do ser em Heidegger ou se acercar da pulsão de morte na Psicanálise.

Para Heidegger (1927/2012), a verdade é um "existenciário fundamental" (p. 813), e a abertura produzida pelo Dasein é a "verdade originária" (p. 811). Na concepção heideggeriana da verdade, a linguagem no homem é o advento que ao mesmo tempo ilumina e vela o ser. Não existe uma verdade total, pois toda verdade lança luzes e ao mesmo tempo gera sombras. Contra uma ideia de verdade como adaequatio da ideia à coisa, Heidegger propõe a verdade como λήθεια (Alétheia), palavra grega que o autor traduz por desvelamento. Este é um ponto que aproxima os dois autores, a noção de que a exatidão distancia o homem da verdade. Para Heidegger, a relação do homem com a verdade é deixar que ela se manifeste, de modo que o homem está tão mais próximo da verdade, afirma López (2011), quanto mais lhe dá suporte como seu portador despercebido. Do mesmo modo, lembra o autor, na clínica psicanalítica a interpretação não é verdadeira por ser exata, mas pelos efeitos inconscientes que pode suscitar.

Segundo Alemán e Larriera (2009), ao pensar a verdade como desocultamento, as dimensões do enigma e do mistério se tornam dimensões essenciais. Lacan formalizou a verdade como não-toda, pois a Psicanálise lida com um saber que não se pode saber e um objeto ao qual não se pode predicar. A verdade como desocultamento possibilita um novo modo de pensar a topologia do sujeito, que possa abarcar sua condição de "ex-sistência", sua proximidade distante. Essa condição de ex-sistência Lacan trabalha como divisão do sujeito, via barra, do sujeito barrado.12 Os autores lembram que Heidegger introduziu a dimensão do nada no coração do ser. E sendo o nada uma dimensão do ser, isso torna impossível pensar o ser como presença constante (οσία), o que desconstrói o perguntar metafísico que envolve sempre a pergunta pela totalidade do ente.

Alemán e Larriera (2009) argumentam que no pensamento científico atual o nada é concebido como simples não-ser, que não afeta a determinação. Os autores afirmam que, com Heidegger, "la nada se há convertido em lo que se retira y se oculta, en el sentido de aquello que custodia y da albergue a la inagotabilidad" (Alemán & Larriera, 2009, p. 1672). Essa noção do nada como o que dá morada ao inesgotável serve aos propósitos da Psicanálise. Assim, por exemplo, essa ideia do nada, que está presente na noção de que do ente se pode subtrair o ser, se reflete na concepção lacaniana da subtração do ser efetuada pela linguagem e possibilita pensar a falta-a-ser como consequência ontológica dessa operação e como causa do movimento metonímico do desejo.

Como dimensão fundamental da verdade, o ocultamento na Psicanálise toma um sentido estrutural, como uma espécie de operação de subtração que torna impossível qualquer experiência de totalidade, nos indica López (2011). Essa subtração não aponta apenas um vazio de sentido, mas cria a consequência de que o sentido é não-todo, de que há um corte no seio do sentido.13 Mas o autor ressalta que essa operação de ocultamento não se efetua sem deixar as pegadas de sua evasão, pegadas essas que são produzidas no campo do sentido, mas são inacessíveis a este.

De importância para o contexto das discussões sobre a ontologia na Psicanálise, López (2011) inscreve no âmbito da fraternidade do dizer o movimento que ambos os autores, Lacan e Heidegger, efetuam de caminhar pela borda de um abismo em que não se encontra o solo, de modo a fazer presente a impossibilidade, mostrando a condição negativa do ser como presença equívoca de uma ausência. Assim é, por exemplo, para Lacan o percurso metonímico nos litorais do vazio que é sua concepção de desejo como metonímia da falta-a-ser. Nessa tarefa de buscar uma linguagem que possa dizer o indizível, ao final de sua démarche, Heidegger coloca todas as esperanças na palavra do poeta e Lacan na linguagem matemática e topológica dos nós. Cada obra está perpassada por esta questão: a busca de uma linguagem que seja capaz de dizer o impossível de dizer do ser, por um recurso no limite entre o simbólico e o real, que não seja metalinguagem, mas que fale por si mesmo. A fraternidade no dizer produz uma proximidade no pensar que consiste na preocupação de ambos os autores pela determinação das condições de emergência da verdade do ser, e essas condições são pensadas no âmbito da linguagem.

 

Valoração ontológica da linguagem (λόγος)

Em seu projeto de realizar uma leitura estruturalista do inconsciente freudiano, Lacan encontrou em Heidegger um pensador que afirmava o valor ontológico da linguagem para o homem e condenava a degradação que é a compreensão da linguagem como um mero instrumento de comunicação humano. Isso é claramente indicado pela escolha de um texto de Heidegger intitulado Logos14 para compor a primeira publicação da revista La Psychanalyse, no qual era central o tema da fala e da linguagem.15 Essa publicação ocorreu no ano de 1956, ou seja, no ano imediatamente anterior ao ciclo dos seminários lacanianos sobre o desejo.16 Nesse texto, ao comentar o fragmento B-50 de Heráclito, e realizar uma interpretação da etimologia da palavra Λόγου, Heidegger (1956) afirma que n o começo do pensamento ocidental os gregos puderam pensar a linguagem a partir da essência do ser, e até mesmo pensaram o ser como a linguagem. Mas após essa captação originária da essência da linguagem, sobre essa intuição original caiu um longo e pesado esquecimento. Posteriormente, a língua foi pensada a partir de seus suportes corpóreos, como se pode ver claramente no exemplo de usar a palavra "língua", proveniente do órgão fonador, para se referir ao Λόγου. Aqui há um alerta de Heidegger (1956) de que a sobrevalorização dos suportes materiais da linguagem é um correlato da desvalorização ontológica da palavra.

Na Carta sobre o Humanismo, Heidegger (1946/1991) afirma que a essência do homem é sua relação com o ser, e a essência da linguagem, dado o pertencimento originário da palavra ao ser, é abrigar a verdade do ser, ou seja, ser a casa do ser. O autor utiliza o termo "ex-sistência"17 para marcar o caráter de exterioridade da transcendência voltada para a abertura, que expõe o homem à verdade do ser. E o que põe o homem em afluência18 com essa verdade é a linguagem. Na perspectiva heideggeriana, a palavra não é a substância do ser, mas o ser não existiria sem a palavra. A palavra que "ex-siste" convoca o ente humano do plano natural para ser como ex-sistencia.

Uma crítica que Heidegger (1946/1991) faz à nossa era é a de que há um esvaziamento da linguagem. Esse esvaziamento decorre do declínio do lugar da linguagem como definidor da existência humana, em prol de um uso meramente técnico e instrumental, como meio de comunicação. Esse esvaziamento comporta um risco, pois é uma ameaça à essência do homem. Nosso tempo, que o autor designa como era da técnica, é dominada por uma extrema subjetividade, que é corolário oposto do extremo objetivismo, herança da metafísica que criou esse par de oposição entre ciências da natureza e ciências do espírito. Nesse cenário, a linguagem perde a sua importância ontológica e passa a funcionar como mero meio de comunicação, decaída no uso impessoal do senso comum e convertida em instrumento de dominação humana sobre o ente.

Heidegger (1946/1991, p. 18) afirma que "[...] a linguagem é a casa do ser manifestada e apropriada pelo ser e por ele disposta". Isso quer dizer que se trata de pensar a essência da linguagem a partir de sua correspondência ao ser, ou seja, a linguagem como habitação da essência do homem. Em função desse pertencer originário da palavra ao ser, o autor afirma que a linguagem exige muito menos expressão precipitada do que o devido silêncio.

De acordo com Balmès (2002), o ser na obra lacaniana é anterior aos três registros, de modo que os excede e condiciona. E o autor salienta que é em função do real que se costuma alegar o abandono da ontologia. Mas o que seria o real senão uma categoria ontológica? No Seminário I, Lacan (1953-1954/1983, p. 308) afirma que a palavra cava uma abertura no real. Esse buraco no real se chama, segundo o modo de abordagem, o ser ou o nada, que são essencialmente conectados à palavra. O autor afirma: "É na dimensão do ser que se situa a tripartição do simbólico, do imaginário e do real, categorias elementares sem as quais não podemos distinguir nada na nossa experiência". Lacan (1973-1974) qualifica esses registros como modos de ser e os chama de dit-mansions. Ou seja, ao abordar os três modos de ser da experiência do ser falante, Lacan ainda joga com o sentido da linguagem como morada do ser, mesmo que seja uma morada que produza aturdimento.

Lópes (2001) salienta que o tema da abertura em sua relação com a linguagem em Heidegger, permitiu a Lacan pensar a abertura do sujeito ao campo do Outro na linguagem, pois o pensamento de Heidegger evoluiu desde Ser e Tempo, em que havia uma noção de existência como ser-no-mundo das coisas e dos outros para uma noção de existência como ser na linguagem, tal como no texto que acabamos de comentar, a Carta sobre o Humanismo. Nessa noção de existência, é fundamental o caráter de exterioridade, pois a verdade do ser é a sua abertura. Nesse sentido, o aberto (das Offene) do ser deve ser entendido não no sentido de abertura a uma espécie de imediato do real, mas abertura do Dasein ao mundo da linguagem. O Dasein é aberto e cindido, sendo um estrangeiro em sua própria morada por efeito da palavra.

Para Alemán e Larriera (2009), existe uma afinidade entre a "ex-sistência" de Heidegger e a divisão do sujeito perpetrada pela Psicanálise. Ambas as formulações não permitem pensar uma relação reflexiva do sujeito consigo mesmo. Esses autores também afirmam que é possível encontrar relações estruturais do estado de aberto com a falta-a-ser na Psicanálise. Essa zona de avizinhamento é importante, pois a falta-a-ser adquire uma função primordial na teoria lacaniana do desejo. Lacan afirma no seminário VI (1958-1959/2016) que o desejo humano comporta o fato de que para o humano não há modo possível de reconciliação consigo.

No que se refere à concepção heideggeriana de linguagem, López (2011) localiza dois pontos problemáticos, que pareceriam impor um obstáculo à proposição da fraternidade do dizer. Esses dois pontos consistem na importância que adquire na obra da Lacan os conceitos de metáfora e sujeito. A metáfora em Heidegger é rejeitada como conceito que produz objetivação metafísica por ser uma simples comparação por analogia. Do mesmo modo, o sujeito seria, para Heidegger (1946/1991), uma forma de substancialização do ente. Contudo, pondera López (2011), a noção de Dichtung em Heidegger mostraria no fundo a mesma função criadora e fulgurante da metáfora tal como Lacan a compreende. Dichtung trata do poético como a essência da linguagem e única via até o ser. O poético como uma função da linguagem, que mantém posição de abertura e ruptura ao utilizar os equívocos da linguagem para dizer algo que ressoe com a língua dos deuses, que, segundo Lacan, pertencem ao real. Quando o poético se encontra com o velado, só lhe resta dar esse salto ao limite que é a metáfora poética, um modo paradoxal de apanhar o real, acentuando ao mesmo tempo sua perda irreversível. Lacan (1972/2003) afirma em O aturdito que tudo se dá no plano do equívoco significante. Nesse sentido, a interpretação psicanalítica consiste em explorar até o limite os recursos do tesouro significante com o intuito de perpassar o plano imaginário da relação narcísica "eu" a "eu" para atingir a ordem simbólica, na medida em que introduz um forçamento, uma subversão no emprego da língua, até alcançar as bordas do real ao produzir ressonâncias com o impossível de dizer.

López (2011) ressalta que Lacan durante sua obra lutou contra a degradação dos conceitos de metáfora e sujeito e lhes deu um importante estatuto de realidades clínicas. Para Lacan, a metáfora teria uma função de criação (poiésis) que se cumpre no parlêtre.19 Seria uma criação pura da articulação significante, um modo próprio do inconsciente de revelação da verdade. Não se trataria de um sentido novo, mas da produção de um novo efeito. Assim sendo, o advir do ser no homem é sempre metafórico, o sujeito se produz como metáfora, como o desocultamento do que permanece oculto. Desse modo, Lacan entende tanto o sujeito como o ser no âmbito da metáfora.20 Destarte, ainda segundo López (2011), no correr de uma análise, quanto mais uma fala se aproxima dos litorais do indizível, mais se pode escutar nesse vazio de sentido o crepitar da metáfora como uma fulguração de criação a partir do nada (exnihilo).

Em relação ao problema do sujeito, López (2011) propõe haver uma semelhança entre o Dasein de Heidegger e o sujeito na Psicanálise, desde que possamos limpar o campo e distanciar esse último do sujeito tradicional e do cogito cartesiano.21 Heidegger recusa o conceito de sujeito, pois entende que o subjectum foi reduzido à entificação de um "eu", construído à imagem e semelhança do cogito cartesiano. Um sujeito consciente de si cujo domínio se amplifica com Kant e culmina com Hegel na construção metafísica do Selbstbewusstsein.22 Para a Psicanálise, o sujeito é outra coisa, o seu núcleo é uma estrutura pulsional, como Lacan (1964/2008) afirma no Seminário XI, a propósito do caráter de insistência pulsátil da manifestação do inconsciente.

López (2011) ressalta que o sujeito em Psicanálise é um efeito muito concreto e particular do modo como se é afetado pela estrutura da linguagem e pelo desejo do Outro, tal como se pode verificar nos sintomas, na transferência e nas formações do inconsciente.23 O sujeito carrega uma marca que revela algo da singularidade de como cada modo de estruturação se organizou para suportar o desejo e a pulsão. O sujeito do inconsciente, como singular, inapreensível e produtor de surpresas, é um efeito material que se escuta cada vez de modo diferente.

Segundo Alemán e Larriera (2009), Lacan, em sua obra e a seu modo, tratou de pensar as condições para o advir do ser na linguagem. De acordo com Juranville (1987), a teoria do significante em Lacan afirma uma conformidade parcial entre linguagem e ser. A consequência ontológica disso é a teoria lacaniana do desejo, e no quadro dessa teoria são formalizadas as condições para o advento do ser na linguagem. Por esse motivo, apontamos o problema da relação do ser com a linguagem como um problema ontológico transversal, que coloca o pensamento de Heidegger e Lacan em uma zona de avizinhamento.

 

Concepção de tempo

Como nos relata Roudinesco (1991), a menção mais antiga de Lacan ao nome de Heidegger ocorre em referência à concepção de tempo desse autor. Lacan encontrou em Heidegger uma concepção de tempo que lhe permitiu pensar a temporalidade introduzida pelo significante, que exigia o rompimento de uma ideia cronológica. Em Ser e Tempo, Heidegger (1927/2012) trata do copertencimento íntimo do tempo e do ser, tomando o tempo como horizonte transcendental da pergunta pelo sentido do ser. Na analítica existenciária, é apresentada uma temporalidade que se revela no homem fundamentalmente ante a morte e a preocupação24 (cuidado). A morte determina o tempo como finito, assim como a preocupação determina como modo próprio da temporalidade do Dasein o adiantar-se. O sentido ontológico do cuidado é a temporalidade originária. Se Heidegger (1927/2012. p. 857) afirma que a "substância do homem é sua existência,"25 esta só pode ser compreendida no horizonte do tempo.

O tempo próprio de cada sujeito se organiza no adiantar-se, sendo o ponto final o que pode dar alguma consistência ao tempo, arrancando-o da suspensão de uma temporalidade imprópria que mantém o homem em uma existência inautêntica. O tempo impróprio é o sentido comum de tempo, entendido como uma sucessão de pontos numa linha contínua sem limites lógicos, mas passível de medida. A morte, afirma Heidegger (1927/2012), como o que há de mais próprio, remete cada um em direção a si mesmo, produzindo uma temporalidade própria. A angústia posiciona o homem diante do nada que desvela a nulidade que determina o Dasein em seu fundamento, que é ser dejetado irreversivelmente em direção à morte, à possibilidade mais própria, certa, intransferível e indeterminada. A morte, como corte final da existência, não significa um final que se espera, mas o fato de que existimos de modo finito.26

Pelo fato mesmo de a morte de cada um ser uma possibilidade intrasferível, a temporalidade é o vetor de singularização por excelência. O homem existe dejetado em direção à morte e a finitude não é o terminar, mas o modo de ser da temporalidade e, portanto, o modo de ser do homem. Heidegger (1924/2003) demonstra isso por meio do paradoxo da morte. Cada um em cada caso está sempre a caminho de seu ser. Cada um sempre é por natureza algo que ainda não chegou à totalidade no traçado de sua existência, pois não chegou ainda ao fim. Antes de chegar nunca atingirá a totalidade do seu poder-ser. Contudo, quando chegar ao fim, já não é, pois já deixou de existir. Por isso o ser para a morte não remete o Dasein a um esperar pela morte, mas ao assumir a temporalidade no modo que lhe cabe como ser mortal, que é o modo finito. Porém, o mesmo tempo que arrasta tudo consigo é o tempo que cria e abre um espaço como horizonte de existência.

Desse modo, o fenômeno primordial do tempo é o futuro e o Dasein se mantém em cada momento em antecipação. Heidegger (1924/2003) chama o futuro de ser-porvir e é essa instância que concede o tempo e faz com que o Dasein retome o passado no modo do seu ser-sido. Sendo assim, o Dasein torna presente, presenta, abrindo um horizonte estático onde se condensam as três modalidades de temporalização: porvir, ser-sido e presentar. O presente, afirma Heidegger (1927/2012), se temporaliza como o advir de um futuro finito, que se retrai sobre o ser-sido, como um recolhimento das diferentes modalidades de temporalização do tornar presente. É a linguagem que permite a experiência do tempo, graças às propriedades de recolhimento do logos. O presente do Dasein é um tornar presente, um presentar, pois o Dasein pode trazer junto a si e tornar presente toda a estrutura dos entes.

A temporalidade temporaliza diferentes modos de si mesma, afirma Heidegger (1927/2012). Essa atividade recolhedora da linguagem torna possível a duração reunidora da retração das três modalidades de temporalização, que o autor chama de três estases temporais (o porvir, o ser-sido e o presentar) que se expandem umas sobre as outras. O tempo não tem o modo de ser de mais nada e se produz a si mesmo de modo estático. Na analítica existenciária, o modo de assumir como próprio o conjunto articulado das estruturas existenciais, cujo sentido de ser no fundo é a temporalidade, é o antecipar-se em relação a si, que é a temporalização própria da estrutura da preocupação (cuidado). Adiantar-se é a captura antecipadora do passamento, que é definidor do caráter de futuridade do ser, no sentido em que o Dasein retoma a si como próprio, e retoma a si próprio no aí de sua dejeção. A antecipação é o porvir da temporalidade própria. Na temporalidade da analítica existenciária, o Dasein não é "no" tempo. Ele é tempo, no sentido em que ele se dá tempo, produz temporalidade.

A antecipação como modo de temporalidade está presente em Lacan (1949/1998a) no estágio do espelho, como a assunção antecipada da imagem unificada do corpo, ou no sofisma dos três prisioneiros, quando Lacan (1945/1998e) propõe a forma da asserção da certeza antecipada. Antecipação e certeza são temas da analítica existenciária, pois a antecipação é o modo de ser do cuidado e a certeza é o estado subjetivo da verdade. O sofisma dos três prisioneiros é um trabalho lógico que tem como pano de fundo uma concepção ontológica do tempo. O instante para Heidegger (1927/2012) é um modo de assumir a temporalidade própria, ao deixar vir de encontro o que pode ser no tempo. Assim, o instante27 de ver pode ser entendido como o instante do abrir os olhos para o aí da situação aberta, o tempo de compreender como o tempo do advento da verdade e o momento de concluir, como o assumir decidido e ser-resoluto no adiantar-se à situação em relação à qual sempre já se está de algum modo em atraso. No sofisma são essenciais tanto as rupturas, na forma como ocorrem as escansões suspensivas, como o modo como cada prisioneiro assume como próprio a temporalidade da situação em que está.

Para Heidegger (1927/2012), o adiantar-se é o modo de caracterização terminológica do futuro próprio de cada um. A antecipação mostra que existindo o Dasein deixa-se advir a si em seu poder-ser mais próprio. Não se conquista a temporalização do futuro próprio a partir do presente, mas a partir do futuro impróprio. Isso quer dizer que se conquista a temporalização do ser-porvir rompendo com uma ideia de tempo como um contínuo sem limites e assumindo o ser para a morte como possibilidade própria.

Alemán e Larriera (2009) lembram que a questão do tempo é mais antiga, enquanto referência de Heidegger em Lacan, do que a de linguagem. A concepção de temporalidade que está em jogo no texto Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise é uma concepção que está confrontada e corroborada com a concepção de temporalidade em Ser e Tempo. De acordo com os autores, essas duas influências, da concepção de tempo e linguagem, demonstram uma implicação profunda de Lacan com a obra heideggeriana. Na analítica existenciária de Heidegger, a temporalidade não se diferencia do Dasein, como ente cujo ser só pode ser abordado pelo âmbito da historicidade. Os autores afirmam que o ente que somos cada um de nós não pode ser objetivado no presente, nem consumado na totalidade acabada de um passado. O Dasein é possibilidade aberta, efeito inacabado de sua própria existência no mundo e a partir dos discursos precedentes. Do ponto de vista da temporalidade, o ser do Dasein é inacabado por estrutura. Nesse sentido, López (2011) aponta para a semelhança desse inacabamento estrutural com o tempo da fragilidade ôntica da formalização lacaniana do inconsciente, que se manifesta nessa pulsação que marca uma descontinuidade temporal, tal como formalizado por Lacan (1964/2008b) no Seminário XI.

Se o modo de apreensão do ente é arrancado do campo da substância e da essência, ele adquire inevitavelmente uma dimensão temporal. Ser é tempo e a temporalidade é impensável fora do campo da linguagem, portanto, só há tempo para o ser falante. Lacan (1958-1959/2016) lembra que passado, presente e futuro são categorias gramaticais. Em sua leitura estruturalista do inconsciente, aquilo que aparecia na obra freudiana como herança filogenética, Lacan compreende por meio da dimensão diacrônica do Outro, do Outro como o discurso de nossos antepassados. A abertura do sujeito ao Outro da linguagem também implica em uma abertura a essa dimensão do tempo que é a história dos discursos precedentes.

Um ponto fundamental da temporalidade em Heidegger (1927/2012) é a compreensão do tempo a partir do horizonte de sua finitude. Nesse sentido, o ser para a morte é um conceito central na analítica existenciária, sendo um existenciário fundamental do Dasein. Lacan utiliza recorrentemente esse conceito. Diante da finitude e do confronto com a morte, o Dasein realiza a experiência do nada por intermédio do afeto posicional da angústia. A angústia revela a falta de fundamento do Dasein e com isso torna patente sua relação com o ser. Para o Dasein, trata-se de lidar com o fato de que jamais irá realizar todas as suas possibilidades. A experiência fundamental da finitude põe o Dasein diante da decisão ética de escolher entre todas as possibilidades aquelas que lhe são mais próprias. Como diz Heidegger, no confronto com a possibilidade da extinção de toda possiblidade, as possibilidades mais próprias de cada um brilham. Por esse processo, o Dasein pode abandonar a posição de existir no modo da inautenticidade e aceder à autenticidade. Mas isso só acontece se o Dasein assumir como sua a possibilidade que lhe é mais própria. A possibilidade intrasferível e indeterminada do fim de toda e qualquer possibilidade, que é a morte. Lacan entendeu o apelo ético que existe nessa fundamentação ontológica da finitude: ela significa em última instância que a condição do ser ejetado em direção à morte implica para o Dasein o tomar encargo do que fazer com o tempo. Em certo sentido, é a isso que se refere a ética do desejo, sendo o desejo o que pode conceder o caráter de próprio e autêntico para as possibilidades assumidas.

O tempo é uma condensação de três modos de estases. O poder ser convoca, como uma força atrativa a partir do futuro, mas retorna à situação de seu lançamento que é a situação precária da dejeção, na qual se localiza toda a falta de fundamento, todo o peso do que não se tem como esgotar ou dar conta. Ao contrário da seta do tempo geológico, o tempo do Dasein é o tempo da convocação, que exige o modo do adiantar-se que é próprio à existência do Dasein. Uma seta de sentido contrário que se lança do futuro em direção ao ser-sido do lançamento e que contornando as margens dos dois limites lógicos, o nascer e o morrer, abre um horizonte estático para o presencisar. E o tornar presente, pelos poderes de recolhimento do logos, torna tudo presentado em uma estrutura disposta diante de si. As memórias e esperanças disputam lugar com os entes do mundo que vem ao encontro, por isso ser-sido e ser-porvir se condensam numa totalidade de retração.

Algo essencial da ontologia do tempo em Heidegger, de acordo com López (2011), é sua abordagem do pensamento sobre a causalidade em uma temporalidade não linear. Essa temporalidade não linear é familiar ao campo psicanalítico. O retorno de Heidegger aos pré-socráticos forneceu um modelo de temporalidade para Lacan construir o mote do seu retorno a Freud: o modelo da temporalidade que permite aceder ao que teria sido o instante de ver, fugaz, mas luminoso do pensar antigo, como um retorno à herança para fundamentar e transformar o porvir. Essa temporalidade se trata de um efeito de retroação que produz uma luz nova que ressignifica e pode restituir a lógica da sincronia na dispersão diacrônica e anárquica dos discursos. López (2011) ressalta a importância do salto nessa temporalidade. O salto é o correlato temporal da ausência de um solo de fundamento, que, se presente, poderia sustentar uma temporalidade cronológica, de uma continuidade sem fraturas. Por esse motivo, esse salto não é um passo a mais na direção de uma evolução. Nesse salto, a possibilidade de um novo início só pode advir do voltar para trás.

Lacan se apropriou desse modelo de temporalidade heideggeriano no marco do tempo do futuro anterior28 do francês, de acordo com López (2011), Alemán e Larriera (2009) e Juranville (1987). Lacan viu nessa temporalidade um modo de reler o Nachträglichkeit (só depois) freudiano, contra as leituras de um desenvolvimento linear da libido que desembocavam em padrões normativos de cura como a ideia de um pleno desenvolvimento genital ou a plena realização do amor no campo heterossexual. A noção de Nachträglichkeit era utilizada por Freud para explicar que os acontecimentos primários da vida não explicam a formação dos sintomas histéricos, pois não tinham uma força traumática por si só. A explicação freudiana era que a formação dos sintomas ocorria como um movimento de retroação a esses acontecimentos, que se constituía pela revivescência dos traços mnêmicos em forma de fantasia, quando surgia, em um momento do presente, o encontro do sujeito com a sexualidade. Lacan fez deste "só-depois" (après coup) o tempo da retroação de um significante sobre o outro. Por último, de acordo com Alemán e Larriera (2009), Lacan escolheu, por influência da estrutura temporal do cuidado em Heidegger, a palavra cura29 para se referir a uma análise, e há nisso a dupla intensão de, por um lado, diferenciar a Psicanálise de um tratamento médico e, por outro, ressaltar o caráter temporal da direção de uma análise, como o âmbito em que se dá a temporalização do sujeito.

Lacan (1964/2008) apresenta como um dos conceitos fundamentais da Psicanálise a repetição. Um conceito ontológico que abarca um regime de existência que se apreende pela insistência dos efeitos. Ao inconsciente freudiano não é dado esquecer o esquecimento do recalque. Muito pelo contrário, essa inconsciente se repete, se atualiza. É uma forma de memória que Lacan (1964/2008) formaliza de dois modos, utilizando a linguagem da Física aristotélica: automaton e tychê. O primeiro é a repetição da cadeia significante, o segundo é o movimento de insistência que trata da repetição que surge como azar e surpreende o sujeito vindo de não se sabe que parte do mundo, dando a aparência de um puro encontro fortuito. Essa última modalidade de repetição expressa a temporalidade do encontro com o real.

Por fim, o tempo para Heidegger (1927/2012) é o horizonte de abordagem da pergunta pelo ser, a superfície sob a qual eclodem os acontecimentos, na qual se situa o dar-se (Es Gibt!). No horizonte do tempo, a estrutura inacabada do Dasein se projeta para o campo de possibilidades do ser. Esse modo de ser que se estabelece como um inacabamento fundamental fornece um modelo de temporalidade para Lacan (1998b) pensar o desejo como metonímia da falta-a-ser.

 

Considerações finais

A diferença ontológica, a concepção sobre a verdade, a valorização ontológica da linguagem e a concepção de tempo são elementos da analítica existenciária de Heidegger que estão presentes no pensamento lacaniano sobre a linguagem. Esses quatro temas da analítica existenciária se inserem na questão das relações do ser com a linguagem. É a linguagem que permite a experiência do tempo, graças aos poderes de recolhimento do Logos, assim como a verdade é um efeito de desocultamento que se dá sob o abrigo e pela abertura produzida pela linguagem. A relação entre o ser e a linguagem é um problema ontológico transversal a diferentes campos de conhecimento nas ciências humanas, e o que torna o problema da linguagem abordável é a diferença ontológica, que descola as reflexões sobre a linguagem dos seus suportes materiais e de suas funções meramente pragmáticas de comunicação, possibilitando um pensamento sobre a essência da linguagem como fundamento da experiência humana no mundo. A partir dessa sucinta apresentação de quatro zonas temáticas que se ligam diretamente a essa questão ontológica transversal, pretendemos ter indicado algumas coordenadas ontológicas da analítica existenciária presentes no pensamento de Lacan sobre a linguagem, que subjazem à sua teoria do significante, assim como sua consequência ontológica, que é a teoria psicanalítica do desejo.

No entanto, existem diferenças muito grandes no que concerne à tarefa da Filosofia e da Psicanálise diante do problema ontológico da relação do ser com a linguagem. Lacan (1958-1959/2016, p. 406) afirma no seminário sobre o Desejo e sua Interpretação, seminário em que realiza uma abordagem ontológica do desejo:

Sem dúvida a captura do homem no logos na combinatória fundamental que é sua característica essencial, inaugura a pergunta sobre o que significa que o homem seja necessário à ação do logos no mundo, mas resolvê-la compete a outros e não a mim. O que temos que examinar aqui é o que disso resulta para o homem e como o homem o enfrenta. A primeira formulação que nos ocorre é que é preciso que ele sustente isso realmente.

Essa afirmação marca a diferença fundamental entre a tarefa de uma ontologia e a tarefa da Psicanálise, entre o que sustentaria o estatuto ontológico da analítica existenciária e o estatuto ético da Psicanálise. Heidegger (1927/2012) concebe o homem como a sede fundamental da pergunta pelo ser e sustenta a pergunta sobre o que isso pode significar para o destino do ser. Na Psicanálise, trata-se de saber o que fazer com o que resulta para o homem ser efeito de sua captura pela virulência do Logos e como o homem pode enfrentar isso. Por esse motivo, a Psicanálise tem um estatuto ético, no entanto, esse estatuto ético não se dá sem o suporte de uma série de decisões de cunho ontológico acerca da posição do homem no mundo. Se a palavra "sustentar" convoca a dimensão da ética, a leitura sobre o que há de se sustentar convoca a dimensão de uma ontologia.

 

 

Referências

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Endereço para correspondência
Ruben Artur Lemke
E-mail: lemke.ruben@gmail.com
Christian Ingo Lenz Dunker
E-mail: chrisdunker@usp.br
Marcio Luis Costa
E-mail: marcius1962@gmail.com
Tiago Ravanello
E-mail: tiagoravanello@yahoo.com.br

 

 

*Doutor em Psicologia pelo Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Residência em Saúde Mental Coletiva pela Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul. Graduado em Psicologia pela Universidade Luterana do Brasil. Coordenador da Residência Multiprofissional em Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
**Livre Docente em Psicologia Clínica (2006). Pós-doutor pela Manchester Metropolitan University. Doutor e Mestre em Psicologia Experimento pela Universidade de São Paulo (USP). Graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Psicanalista. Professor Titular na Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, São Paulo/SP, Brasil.
***Doutor e Mestre em Filosofia pela Universidad Nacional Autónoma de México (Unam). Graduado em Filosofia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia da UCDB.
****Pós-doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor e Mestre em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sendo parte do doutorado realizado na Université de Paris-X (Nanterre). Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professor Associado da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Mestrado e Doutorado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
1Nesse sentido, estamos de acordo com Žižek (2009), quando afirma que Lacan não é heideggeriano. Por outro lado, discordamos de Roudinesco (1991, 2008) que afirma que Lacan não sofreu influências de Heidegger.
2Em apoio ao uso dessa estratégia de buscar marcadores textuais, citamos López (2011, p. 13): "Las huellas de Heidegger en los escritos y seminarios de Lacan, ya sean explícitas o apenas esbozadas, son múltiples, profundas y permanentes a lo largo de toda su enseñanza".
3Sobre as influências do pensamento de Heidegger em Lacan, indicamos ao leitor as cartografias realizadas por Juranville (1987), Balmès (2002), Alemán e Larriera (2009) e López (2011), que foram de suma importância para as pesquisas deste artigo.
4Foucault procedeu de modo semelhante na História da Loucura, ao demonstrar os diversos modos de reação social e formatação das sensibilidades ao fenômeno da loucura.
5Uma tradução literal tomando os sentidos das palavras que compõe essa expressão seria algo como aquilo que "está ao alcance da mão".
6Es Gibt é utilizado para designar o existente, mas seu significado literal seria o que está dado.
7Dasein é uma expressão que une a palavra alemã "Sein" com a partícula "Da". Nas traduções para as línguas neolatinas, é proposto como "ser-aí", "être-là" e "esser-ci". Fausto Castilho, em sua tradução, optou por deixar como no original do texto de Heidegger (1927/2012), com exceção de quando há um hífen entre as palavras, situação em que o autor traduz como "ser-aí". Ernildo Stein (1999, 2011) traduz como "ser-aí". Outros autores, como Gianni Vattimo (1996), traduzem como "estar-aí". Por último, Márcia de Sá Cavalcante (1997) traduz como "pre-sença". Essa tradutora argumenta que é comum encontrar Dasein traduzido como existência. Então propõe "pre-sença" para fugir do binômio metafísico existência versus essência e para evitar o imobilismo estático que a tradução como "ser-ai" poderia indicar. Alerta ainda que "pre-sença" não se refere ao homem nem à humanidade. Nessa tradução, "pre" corresponderia a "Da" e "sença" como forma derivada de "esse" a "sein". Alemán e Larriera (2009) optaram por utilizar o termo ex-sistencia para designar o Dasein, seguindo Manuel Jiménez Redondo. No presente estudo, por procedermos à leitura da tradução de Fausto Castilho, mantivemos no original.
8Nesse período de sua obra, Heidegger utiliza um hífen entre Da e sein.
9Ἀλήθεια (Aléthea) é a palavra grega para verdade. Na interpretação heideggeriana, adotada por Lacan, significa desocultamento: aquilo que era velado e se revela. Verborgenheit é ocultamento, segredo. Nada esconde tanto quanto o que revela. Assim, a analítica existenciária e a Psicanálise comungam no que diz respeito à concepção ontológica de verdade. A verdade não é entendida como adaequatio intelectos et rei (adequação da ideia à coisa), e seu oposto não é o erro ou a mentira. Estes ainda estão no âmbito da verdade, pois sempre revelam algo por aquilo que ocultam. A verdade é bifronte, composto pelo jogo do revelado e do oculto. Nesse sentido, a verdade pode ser concebida como uma metáfora óptica, na medida em que o faixo de luz revela uma superfície, imediatamente torna oculto o perímetro fora do foco. Por isso, nada esconde tanto quanto aquilo que revela.
10Traduzido para o português como Diz-mensão. No francês, mension produz um efeito de homofonia com maison (casa), evocando então a ideia de morada. A expressão joga com sentidos como mansão do dizer e dimensão. Lembramos que essa expressão carrega ressonâncias com o que afirma Heidegger (1946/1991) na Carta sobre o Humanismo, tanto como a linguagem como a casa do ser, como a abordagem do ser como a superfície em que os acontecimentos se dão.
11Heidegger utiliza a expressão "virada" (die Kehre) para se referir à transformação que sua obra sofreu no final da obra de Ser e Tempo do ser e tempo para tempo e ser. Mais adiante, usa essa expressão para designar a virada desejada do esquecimento do ser para a sua lembrança. Alguns autores utilizam essa palavra para designar uma mudança no pensamento, embora, segundo Inwood (2002), o próprio Heidegger negava isso. De qualquer modo, é possível observar uma mudança no vocabulário do pensador, que foi se afastando progressivamente de uma linguagem da tradição acadêmica em direção a uma linguagem que julgava mais afeita à verdade do ser.
12O sujeito barrado é representado nos esquemas lacanianos com um "s" cruzado por uma barra: $.
13Lacan (1960/1998c, p. 815) propôs que a "caçada" do analista se reduza ao corte no discurso, "sendo o mais forte aquele que serve de barra entre o significante e o significado".
14Lacan traduziu o "Logos" de Heidegger, para a revista La Psychalalyse nº 1 em 1956. Esta era a Revista da Sociedade Francesa de Psicanálise, que foi fundada depois do rompimento de Lacan com a IPA em 1953. O texto foi uma conferência pronunciada por Heidegger em 1944, publicado pela primeira vez em 1951 e reeditado em 1954 com algumas modificações. Fazia parte de uma trilogia com comentários de fragmentos de Heráclito e Parmênides: Moira, Alétheia e Logos (Roudinesco, 1991).
15De acordo com Roudinesco (2008), foi na Páscoa de 1955, quando foi com Beaufret a Friburgo, que Lacan pediu autorização de Heidegger para traduzir Logos para o francês, no ensejo de uma conversa sobre o fenômeno da transferência na Psicanálise.
16O seminário V, As formações do Inconsciente, ocorreu entre os anos de 1957-1958, o seminário VI, O desejo e sua interpretação, entre os anos de 1958-1959, e o seminário VII, A ética do desejo, entre 1959-1960.
17É a posição existencial do Dasein, na sua condição de transcendência, de estar exposto à dimensão da verdade do ser. Por ser-no-mundo, de acordo com Heidegger (1946/1991), o homem é enquanto ex-sistente. Ele está projetado na abertura, que é o modo próprio do ser. O mundo é a clareira do ser que o homem penetra ao ser projetado de sua essência. Daí o prefixo "ex" utilizado por Heidegger para designar o desdobramento do ser nessa superfície aberta da clareira.
18Aqui, no sentido da palavra grega ομολογείν (omologen), que Heidegger (1956) aborda em seu texto "Logos".
19Parlêtre é um neologismo conceitual utilizado por Lacan para conotar a posição do homem como ser de fala.
20Poderíamos entender a metáfora como uma invenção significante que perfura o véu do ser sob o fundo do nada.
21Lembramos que a influência de Descartes é da maior importância em Lacan. Sua concepção de sujeito e de Outro tem uma clara influência cartesiana, porém a Psicanálise centra sua decisão teórica para a construção do conceito de sujeito, não no primeiro momento do "eu penso", mas no segundo momento da vertigem da dúvida hiperbólica e da barra imposta pelo "ergo".
22Consciência-de-si em Hegel.
23López (2011) coloca a questão: qual seria então a diferença entre o sujeito pós-metafísico, como o Dasein heideggeriano ou o sujeito desaparecido no estruturalismo, em relação ao sujeito da psicanálise?
24Sorge.
25Die Substanz des Menschen ist die Existenz.
26Manuel de Barros, no Livro sobre o nada, usa uma concepção de tempo marcado pela finitude: "Não preciso do fim para chegar / Do lugar onde estou já fui embora".
27A palavra alemã para instante utilizada na analítica existenciária é Augenblick, que quer dizer literalmente um piscar de olhos.
28O futuro anterior no francês indica uma ação que irá ocorrer no futuro, mas que é descrita como uma ação já terminada. De acordo com Alemán e Larriera (2009), nesse tempo o advir é apresentado como "o que terei sido para o que estou chegando a ser". No futuro anterior, o passado e o futuro são atravessados por uma flecha conjetural em duplo sentido.
29Embora na tradução para o português da edição do Escritos tenha se optado por tratamento, como em A direção do tratamento e os princípios de seu poder (Lacan, 1998d).

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