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Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.18 no.3 Fortaleza Sept./Dec. 2018

https://doi.org/10.5020/23590777.RS.V18I3.7142 

RELATOS DE PESQUISA

 

Mecanismos promotores e dificultadores da resiliência acadêmica: concepção de profissionais da educação

 

Promoting and challenging mechanisms of academic resilience: conception of education professionals

 

Mecanismos promotores y dificultadores de la resiliencia académica: percepción de profesionales de la educación

 

Mécanismes promotionnels et de remise en cause de la résilience académique: conception des professionnels de l'éducation

 

 

Idonézia Collodel Benetti (Lattes)I; Soraya Ivon Ramirez Moreno (Lattes)II; Joicilene Lopes de Aguiar (Lattes)III; Fernanda Ax Wilhelm (Lattes)IV; Ana Paula da Rosa Deon (Lattes)V; João Paulo Roberti Junior (Lattes) (OrcID)VI

IDoutoranda em Saúde Coletiva, Mestre em Psicologia e em Letras Inglês e Literatura Correspondente pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
IIPsicóloga, Mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Doutoranda no mesmo programa. Docente no curso de Psicologia da Universidade Federal de Roraima (UFRR)
IIIGraduada em Psicologia pela Universidade Federal de Roraima (UFRR)
IVMestrado e Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente no curso de Psicologia na Universidade Federal de Roraima (UFRR)
VDoutoranda em Psicologia Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Administração Universidade Regional de Blumenau (FURB). Professora Assistente II na Universidade Federal de Roraima (UFRR), no curso de Psicologia
VIDoutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) na linha de Processos de subjetivação, gênero e diversidades. Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo, de natureza exploratória e descritiva, foi analisar a percepção de dez profissionais da educação sobre mecanismos promotores e fatores que dificultam a resiliência acadêmica no ensino fundamental. As informações foram obtidas utilizando-se um questionário. A análise dos dados foi pautada na abordagem qualitativa proposta por Bardin. Os resultados foram: a) mecanismos de proteção: diálogo, trabalho junto a órgãos de proteção, participação dos pais, inserção de um psicólogo no ambiente escolar; b) fatores de risco: problemas familiares, violência, questões financeiras, falta de amor à profissão e ao aluno. A escola estudada pode ser caracterizada como resiliente, reflexiva e dinâmica.

Palavras-chave: resiliência acadêmica; mecanismos de proteção; fatores de risco.


ABSTRACT

The purpose of this exploratory and descriptive study was to analyze the perception of ten educational professionals about mechanisms that promote and obstruct academic resilience in elementary education. The information was obtained using a questionnaire. Data analysis was based on the qualitative approach proposed by Bardin. The results were: a) protection mechanisms: dialogue, work with protection agencies, parental participation, insertion of a psychologist in the school environment; b) risk factors: family problems, violence, financial issues, lack of love for the profession and the student. The school studied can be characterized as resilient, reflexive and dynamic.

Keywords: academic resilience; protection mechanisms; risk factors.


RESUMEN

El objetivo de este estudio, de naturaleza exploratoria y descriptiva, fue analizar la percepción de diez profesionales de la educación bajo mecanismos promotores y factores que dificultan la resiliencia académica en la enseñanza primaria. Las informaciones fueron obtenidas utilizando un cuestionario. El análisis de los datos fue basado en el enfoque cualitativo propuesto por Bardin. Los resultados fueron: a) mecanismos de protección: dialogo, trabajo junto a órganos de protección, participación de los padres, presencia de un psicólogo en el ambiente escolar; b) factores de riesgo: problemas familiares, violencia, cuestiones financieras, falta de amor a la profesión y al alumno. La escuela estudiada puede ser caracterizada como resiliente, reflexiva y dinámica.

Palabras clave: resiliencia académica; mecanismos de protección; factores de riesgo..


RÉSUMÉ

Le but de cette étude exploratoire et descriptive a été d'analyser la perception de dix professionnels de l'éducation sur les mécanismes qui favorisent et entravent la résilience scolaire dans l'enseignement élémentaire. Les informations ont été obtenues à l'aide d'un questionnaire. L'analyse des données a été basée sur l'approche qualitative proposée par Bardin. Les résultats ont été les suivants: a) mécanismes de protection: dialogue, travail avec les agences de protection, participation des parents, insertion d'un psychologue dans l'environnement scolaire; b) facteurs de risque: problèmes familiaux, violence, problèmes financiers, manque d'amour pour le métier et pour les étudiants. L'école étudiée peut être caractérisée comme résilient, réflexive et dynamique.

Mots-clés: résilience académique; mécanismes de protection; facteurs de risque.


 

 

No campo do desenvolvimento psicossocial, o termo resiliência representa a capacidade do ser humano recuperar-se e, mesmo num contexto desfavorável, construir-se positivamente, utilizando as forças que lhe advêm do enfrentamento das adversidades (Poletti, 2007). É a capacidade de enfrentar, vencer, aprender, crescer, mudar, superar e prosperar mesmo quando fatores estressores, adversidades, interrupções e perdas ocorrem no decurso da vida (Cyrulnik, 2004). Evidências mostram que a resiliência pode contribuir para o desenvolvimento de comportamentos saudáveis, melhores qualificações e habilidades, melhor emprego, bem-estar e recuperação mais rápida ou mais bem sucedida em face das doenças (Yunes & Szymanski, 2001; Luthar, 2006; Benetti & Crepaldi, 2012).

Depois da família, a escola é um meio fundamental e essencial para que as crianças e adolescentes adquiram as competências necessárias para ter sucesso na vida (Garcia & Boruchovitch, 2014). Ela passa a ser um dos espaços promotores de resiliência por apresentar duas condições importantes: agrupar distintos sistemas humanos e articular o professor ao aluno, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento humano e proteção, amortecendo os fatores de risco. Nesse cenário, as escolas têm uma responsabilidade especial em apoiar de forma significativa e rotineira a resiliência das crianças.

Então, saber lidar com as formas de promover a resiliência é a chave para formar pessoas livres, mais autoconfiantes, responsáveis e indivíduos mais perseverantes (Southwick & Charney, 2018). Para isso, a escola possui funções que vão muito além da (re)produção do conhecimento. Faz-se importante incentivar os alunos, investindo na escola como um espaço que contribuirá para a promoção de saúde, de qualidade de vida e de bem-estar para crianças e adolescentes (Krane, Karlsson, Ness & Kim, 2016).

A expressão "resiliência acadêmica" refere-se ao ambiente escolar como local onde as habilidades para resolver determinados problemas podem ser adquiridas com o auxílio dos profissionais que lá atuam (Aldridge, Fraser, Fozdar, Ala'i, Earnest & Afari, 2016). A escola, então, é colocada no papel de tutora de resiliência; um espaço que, além de construir e disseminar conhecimento funciona como um local para a promoção de qualidade de vida, saúde e bem-estar social e individual (Krane, Karlsson, Ness & Kim, 2016). Assim, compreender os conceitos de "resiliência acadêmica" tem sua relevância para profissionais da educação, já que a partir do conhecimento desse conceito é possível refletir, encontrar forças e recursos nas histórias de vida dos alunos e, assim, promover o crescimento e o desenvolvimento de todos nesse espaço.

Esta pesquisa, realizada no extremo norte do país, tem como objetivo investigar a percepção dos profissionais da educação sobre fatores que promovem e que dificultam a resiliência acadêmica no ensino fundamental. Os objetivos específicos envolvem: identificar fatores que promovem a resiliência acadêmica, buscar fatores que dificultam esse fenômeno, analisar os aspectos voltados para a resiliência no espaço escolar e avaliar as contribuições dos profissionais, trabalhadores da escola, como promotores de resiliência acadêmica.

 

Norteamento Teórico

A resiliência relaciona experiências positivas - promotoras de sentimentos de autoestima, autoeficácia e autonomia, que capacitam a pessoa a lidar com mudanças e adaptações (Rodríguez-Fernández et al., 2016). É um processo dinâmico, em que as influências do ambiente e do indivíduo se inter-relacionam, fazendo com que a pessoa identifique qual a melhor atitude a ser tomada em determinado contexto e situação (Brooks, Magnusson, Spencer & Morgan, 2012).

A resiliência não é uma característica inata da personalidade, nem um privilégio herdado ao nascer. É um fenômeno que se manifesta em situações de adversidade - quando há propensão para emergir suscetibilidades psicológicas que aumentam a probabilidade de um resultado negativo em presença de um determinado risco. Quando há interação dos mecanismos de proteção - "recursos pessoais ou sociais que atenuam ou neutralizam o impacto do risco" (Eisenstein & Souza, 1993, p. 19) -, há a promoção do abrandamento do impacto gerado pela situação de risco, oportunidade em que os processos de resiliência são acionados (Benetti & Crepaldi, 2012).

Nesse sentido, "enquanto a vulnerabilidade potencializa e exacerba os efeitos das condições de adversidades, os fatores de proteção agem como amortecedores a estas condições" (Benetti & Crepaldi, 2012). Então, o fenômeno que envolve resiliência é um padrão de comportamento que pode ser aprendido e este aprendizado ocorre durante todo o desenvolvimento humano, independente da idade e do status social.

Do ponto de vista da Psicologia, "resiliar" é recuperar-se, dar a volta por cima, depois de uma doença grave, um trauma, um estresse; é enfrentar as provações da vida, resistindo a elas, e depois conseguir superá-las para viver melhor e sair fortalecido diante das adversidades (Southwick & Charney, 2018). Aplicada ao contexto escolar, a resiliência é definida como a capacidade de recuperar-se, sobrepor-se e adaptar-se, de forma exitosa, aos infortúnios e de desenvolver competência social, acadêmica e vocacional diante de um estresse grave e de tensões inerentes ao mundo atual (Yang et al., 2018).

A escola pode ser considerada como um espaço promotor de resiliência, quando aciona estratégias que disponibilizam apoio, inclusão, pertencimento, sentimentos de valor e de participação (Benetti, 2014); por isso é importante questionar o papel do docente, verificando até que ponto esse profissional desempenha sua função como promotor de resiliência. O professor engajado em promover a resiliência é enriquecedor de vínculos, facilitador de limites fortes e claros, educador de habilidades para a vida, viabilizador de afeto e apoio e potencializador de expectativas elevadas, possibilitando oportunidades de participação (Fajardo, Minayo & Moreira, 2010).

Assim, mesmo diante de fatores negativos, os alunos resilientes conseguem perceber ambientes positivos de aprendizagem que os tornam satisfeitos com as aulas e com o contexto escolar (Benetti, Deon, Wilhelm & Rosa, 2015). Os "não resilientes" passam mais tempo interagindo com outros alunos para fins sociais ou pessoais e têm mais dificuldade em desempenhar e permanecer desenvolvendo suas tarefas, enquanto os resilientes passam muito mais tempo interagindo com os professores para fins de instrução, com participação ativa no processo de construção acadêmica (Southwick & Charney, 2018).

Alunos resilientes têm mais disposição para perseverar em tarefas acadêmicas, mesmo quando eles se sentem frustrados (Poletti, 2007). Eles alcançam sucesso, apesar da presença de condições adversas, como traumas, pobreza, enfermidade grave, divórcio dos pais e luto pesado. Além disso, demonstram otimismo, antecipam-se aos problemas, tentam resolvê-los e desenvolvem soluções criativas para os desafios e para as situações problemáticas que a vida apresenta (Benetti, 2014). Ainda, apresentam relações positivas no desempenho escolar, no relacionamento com outras pessoas e mais habilidade para resolução de conflitos no ambiente escolar (Garcia & Boruchovitch, 2014).

Mecanismos Promotores de Resiliência Acadêmica no Contexto Educacional

Os mecanismos de proteção são compostos por recursos familiares e sociais, bem como forças próprias para lidar com as inevitáveis adversidades da vida. Acredita-se que alunos que fazem parte de uma família afetiva, que pertencem a um - ou mais -grupo(s) de amigos e que tenham bom vínculo com a escola, estão expostos a elementos facilitadores para internalizar mecanismos de proteção. Tais mecanismos, dispostos internamente ou os captados do meio, tornam-se elementos decisivos para o estímulo e a potencialização da resiliência ao longo da vida (Benetti & Crepaldi, 2012). Quando a educação é resiliente, ela proporciona ao aluno coragem e competência, gerando também mais autoconfiança e autonomia.

Fatores que Dificultam a Resiliência Acadêmica no Contexto Educacional

Os fatores de risco podem ser variados, afetando a capacidade de resiliência. Esses fatores podem envolver condições de pobreza, rupturas na família, violência, doença e perdas importantes; alguns eventos são obstáculos individuais ou ambientais e aumentam a vulnerabilidade da criança e do adolescente para resultados negativos no seu desenvolvimento (Andrada, Benetti, Carvalho & Rezena, 2008). Podem-se listar, ainda, outros fatores negativos relacionados à família e aos estudantes. O nível socioeconômico e cultural abaixo da média, o pouco conhecimento dos pais em relação às atitudes e dificuldades dos filhos, a baixa escolaridade parental e a qualidade inferior, ou a escassez, de estratégias de aprendizagem dos pais figuram entre os fatores de risco. O défice de atenção, a falta de motivação, a conduta inapropriada na sala de aula, a pouca ou nula responsabilidade com as tarefas e a carência de hábitos de estudo estão no repertório do risco para os estudantes (Andrada et al., 2008).

Com relação aos professores e à sala de aula, estão incluídas: escassez de metodologias de ensino aprendizagem motivadoras; pouca motivação para trabalhar; ausência de planejamento das aulas e do material complementar; carência de autocrítica; excessivas chamadas de atenção durante as aulas; desqualificação e estigmatização dos alunos; castigo aos erros; metodologias tradicionais e apatia para realizar mudanças. Com relação à escola, observa-se a pouca disposição para acolher os estudantes e suas famílias, bem como a comunicação inadequada entre família e escola (Murata, 2013).

Porém, considerando-se que as experiências de vida negativas são inevitáveis, sobressai a questão dos níveis de exposição e dos limites individuais. Assim, a visão subjetiva de uma pessoa à determinada situação, isto é, sua percepção, interpretação e sentido atribuído ao evento estressor, é que o classificará, ou não, como condição de estresse. Um evento pode ser enfrentado como perigoso e ansiogênico por um indivíduo e, para outro, ser apenas um desafio, algo a ser rapidamente superado (Yunes & Szymanski, 2001).

Contribuições da Resiliência Acadêmica para a Educação

A resiliência está relacionada com a presença significativa, solidariedade e interações entre seres humanos, que formam comunidades saudáveis e acolhedoras (Benetti, Grisard & Figueiredo, 2014). A transformação da escola em uma comunidade resiliente exige um olhar atento do docente e dos gestores, pois eles próprios precisam se construir como pessoas que apresentam esse fenômeno diferencial em prol da aquisição e desenvolvimento de autoconfiança, persistência, criatividade, bom humor, liderança, relacionamento interpessoal e capacidade de sonhar (Southwick & Charney, 2018).

Para se construir uma escola resiliente, é preciso que os profissionais sejam instados a compreender a importância de desenvolver estratégias de fortalecimento das pessoas e sejam preparados para isso, sabendo lidar com situações estressantes e adversas (Ungar, Connelly, Liebenberg & Theron, 2017). Por isso, é de suma importância capacitar os professores para lidar com o incerto, com a mudança e o inesperado. Além disso, alunos considerados resilientes tiveram um professor resiliente (Henderson & Milstein, 2008) e essa constatação enfatiza a importância da formação de professores resilientes, capazes de terem um repertório de superação de adversidades e que instigam seus alunos a ir mais além, transformando a dor e o sofrimento em algo maior.

A escola tem sido questionada sob o ponto de vista do risco e da proteção, não apenas como um espaço para aprendizagem formal ou de desenvolvimento da cognição, mas como uma oportunidade fundamental para a socialização de jovens. O contexto escolar vai além da delimitação do ambiente físico, agrupando o ambiente social (professores e colegas) e de aprendizagem (trocas, conteúdos, materiais e informações). Sua função deve ser mais ampla, acrescentando o afeto e as mais variadas formas de expressão do jovem por meio da ação (Skinner & Pitzer, 2012).

Saber lidar com a promoção da resiliência pode ser a chave para desenvolver pessoas independentes e indivíduos responsáveis, sobretudo nos casos de fragilidade de laços afetivos familiares e de sistemas de suporte social. Cabe à escola um papel fundamental na educação para a resiliência, pois é uma instituição que pode, concomitantemente, induzir ao êxito escolar e prevenir agravos à saúde mental, tanto para o aluno quanto para o professor, em seu papel social. Aqui, o termo papel social refere-se à possibilidade da criatividade, da inovação e do diálogo com a realidade do contexto daqueles que estudam e/ou trabalham na unidade escolar.

 

Método

Para esta pesquisa, de abordagem qualitativa, foram coletados dados com dez profissionais (quatro professores, duas coordenadoras pedagógicas, duas orientadoras pedagógicas, uma gestora e uma bibliotecária), atuantes em uma escola estadual de ensino fundamental, localizada na área central da cidade de Boa Vista, Roraima. Atualmente, esse estabelecimento de ensino atende apenas alunos de ensino fundamental, do 4º ao 9º ano, funcionando no período matutino e vespertino, com 300 estudantes em cada turno, totalizando 600 educandos.

Os alunos são provenientes de diversos bairros da cidade, com idade inicial de seis anos. A equipe dos profissionais da educação é composta por 38 professores, duas coordenadoras pedagógicas, duas orientadoras pedagógicas, duas gestoras, um secretário, duas bibliotecárias, entre outros profissionais. O critério de inclusão presumiu que os participantes tivessem, no mínimo, dois anos de atuação profissional, por julgar que a experiência é relevante para analisar o fenômeno desse estudo. A pesquisa foi realizada dentro do próprio ambiente escolar, na sala de professores, na biblioteca e nas salas da coordenadora e da orientadora, por serem locais silenciosos, e sem favorecimento de interrupções, a fim de garantir a privacidade e o sigilo para os participantes envolvidos.

Foram observados os critérios normativos da Resolução n. 466/2012, que dispõem sobre a regulamentação de pesquisa com seres humanos. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, foi aplicado um questionário com perguntas abertas. Esse instrumento de pesquisa foi elaborado conforme a revisão da literatura escolhida e segundo os objetivos propostos para a pesquisa.

Os conceitos básicos sobre os termos "resiliência" e "resiliência acadêmica" fizeram parte do instrumento, com o objetivo de melhor esclarecer esses constructos. As questões objetivavam investigar aspectos voltados à resiliência acadêmica no ensino fundamental e, também, analisar as contribuições desse fenômeno na atuação dos profissionais da educação, enquanto promotores de resiliência acadêmica no ensino fundamental.

As técnicas de investigação ancoraram-se nos pressupostos da análise de conteúdo proposta por Bardin (2009), que alberga as seguintes etapas: a) pré-análise, para organizar e sistematizar os materiais disponíveis para pesquisa; b) exploração do material, com o objetivo de compreender o significado atribuído pelos participantes do estudo; e c) tratamento, inferência e interpretação dos resultados. Nessa perspectiva, foram levantadas as seguintes categorias: a) mecanismos promotores de resiliência acadêmica; b) fatores de risco para resiliência no ensino fundamental; c) aspectos voltados à resiliência acadêmica no ensino fundamental. Para preservar o anonimato, os participantes foram identificados como P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8, P9 e P10.

 

Análise e Discussão dos Dados

Categoria 1 - Mecanismos Promotores de Resiliência Acadêmica

A Tabela 1 oferece dados sobre a concepção dos professores relativos aos fatores que promovem a resiliência acadêmica. Esses fatores estão relacionados à busca por estratégias que façam com que os alunos tenham bem-estar no ambiente acadêmico, envolvendo recursos humanos, materiais, sociais e afetivos, que apontam para o diálogo, a motivação, a colaboração e o suporte material, cognitivo e emocional.

Observa-se que existe consenso entre os profissionais P3, P4, P6, P7, P9 e P10, quando abordam o diálogo/conversa como sendo um dos fatores importantes para a promoção da resiliência. Para eles, esse procedimento serve como ponto de percepção para o caso de haver agressividade ou apatia por parte de algum aluno, de forma que "se tornar amiga" pode gerar mais confiança na relação aluno/professor. Por último, faz-se importante procurar conhecer melhor o estudante e criar vínculos de confiança. Quando professores e equipe gestora reconhecem que há diversas situações enfrentadas diariamente pelos alunos e, a partir dessa percepção os deixam confortáveis e confiantes para procurar auxílio, pode ser observado que há, nesse comportamento, além de uma relação de afeto, respeito, diálogo e confiança entre corpo docente e discente, em um esforço que evidencia o empenho dos profissionais para promover a resiliência acadêmica.

Uma demonstração da gestão inovadora, aberta, flexível às mudanças e disposta a compartilhar sua autoridade é a realização de parcerias e do "trabalho coletivo com órgãos como a Justiça Comunitária e o Conselho Tutelar (P5 e P6)". O suporte emocional - que também pode vir das parcerias com órgãos públicos, da iniciativa privada e da comunidade - funciona como fator protetivo. Este tipo de suporte pode ajudar os alunos que sofrem adversidades, minimizando riscos e maximizando a resiliência acadêmica, de modo a tornar os adolescentes capazes de atenuar riscos para o uso de drogas (Henry, Knight & Thornberry, 2012) e para o suicídio (Hall, Fullerton, FitzGerald & Green, 2018).

O trabalho com sistemas de proteção, como a Justiça Comunitária e o Conselho Tutelar, pode ser fonte de auxílio para os profissionais da educação e para os alunos (P5 e P6). Ainda, a estratégia de "trazer a família para a escola" é uma maneira de trazer a casa até a escola (P4), já que é "importante que os pais participem da vida acadêmica dos filhos" (P6).

A inserção de um psicólogo foi mencionada por P4 e P5. Essa necessidade foi percebida pela importância de um profissional desta área para atuar nas escolas. Os psicólogos escolares têm treinamento, conhecimento científico e expertise sobre desenvolvimento emocional, cognitivo e social para compreender os processos e estilos de aprendizagem, oferecer apoio emocional e instrumental e direcionar a equipe educativa na busca de um constante aperfeiçoamento do processo ensino aprendizagem.

A participação do psicólogo na equipe multidisciplinar é fundamental para respaldar atividades, tais como: distribuição apropriada de conteúdos programáticos (de acordo com as fases de desenvolvimento humano); seleção de estratégias de manejo de turma; apoio ao professor no trabalho com a heterogeneidade presente na sala de aula; desenvolvimento de técnicas inclusivas para alunos com dificuldades de aprendizagem e/ou comportamentais; programas de desenvolvimento de habilidades sociais, e outras questões relevantes no cotidiano da sala de aula, nas quais os fatores psicológicos tenham papel preponderante.

O psicólogo escolar desenvolve atividades direcionadas aos alunos, professores e funcionários, e atua em parceria com a coordenação da escola, familiares e profissionais que acompanham os alunos fora do ambiente escolar. A partir de uma visão sistêmica, age em duas frentes: a preventiva e a que requer ajustes ou mudanças. Dessa forma, contribui para o desenvolvimento cognitivo, humano e social de toda a comunidade escolar (Ungar, Connelly, Liebenberg & Theron, 2017).

Para que haja o desenvolvimento de competências, habilidades e estratégias para o fortalecimento dos sujeitos resilientes no ambiente educativo, é essencial abrir um leque mais abrangente com relação aos mecanismos de proteção. É recomendável: a) criar um clima dialógico na comunidade escolar; b) valorizar os estudantes como protagonistas; c) desempenhar um trabalho coletivo; d) elaborar um planejamento escolar participativo; e) estabelecer rotinas e atividades que vão além dos horários determinados; f) promover relação de afeto, respeito, diálogo e confiança entre alunos, professores e gestores; g) buscar a participação da família e da comunidade nas atividades educacionais; h) ressignificar o espaço físico da escola; i) construir sentido de pertencimento; j) fazer gestão inovadora, aberta e flexível às mudanças (Assis, Pesce & Avanci, 2006).

Destarte, os profissionais P3, P4, P6, P7, P9 e P10 mencionam a importância do acolhimento às inquietações dos alunos e do diálogo como ponto de partida para a resolução de problemas. Essa concepção confirma a promoção do processo de resiliência acadêmica por parte destes profissionais. Sem dúvida, eles trabalham demonstrando abertura à aproximação dos alunos; provavelmente, porque acreditam que eles são capazes e podem exercer algum controle durante determinados processos considerados difíceis.

Investindo na capacidade dos alunos, e servindo como ponto de equilíbrio, esses trabalhadores da educação promovem habilidades de manejo e resolução das dificuldades, além de fornecerem apoio e oportunidade para crescimento pessoal, incentivando a resiliência das crianças e adolescentes. Ainda, oferecem a certeza de que, quando os alunos passarem por alguma situação adversa, eles saberão a quem poderão recorrer, ou que terão a possibilidade de escuta por parte de pessoas que estarão dispostas a auxiliá-los, corroborando para que haja um clima dialógico na comunidade escolar.

Laços e vínculos afetivos e de confiança são criados a partir de relações desenvolvidas pelo professor (Poletti, 2007). Tais vínculos fazem parte dos aspectos de comunicação e representam as convicções sobre alguns valores essenciais, que permitem avançar e suportar adversidades, possibilitar elos e trocas com outros, assumir a responsabilidade pela própria vida e ter a consciência tranquila - o que significa não ceder à culpabilização - aceitando responsabilidades e reconhecendo erros, a fim de superá-los.

Enfatizando a importância do papel da escola no desenvolvimento psicossocial e no cuidado acadêmico, concomitante à aprendizagem de conteúdos escolares, é oportuno salientar que todos os estabelecimentos de ensino deveriam promover resiliência em todos os espaços onde houvesse alunos. O aprimoramento da aprendizagem e do bem-estar dos educandos - conseguido por meio de pedagogias e processos compatíveis com as necessidades dos envolvidos, e incorporados em experiências de aprendizado - deveria fazer parte dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) de todas as escolas, com a finalidade, também, de promoção em saúde mental.

A participação da família e da comunidade nas atividades educacionais (P4 e P6), assim como a participação dos pais na vida acadêmica dos seus filhos, torna-se fator fundamental para promover o processo de resiliência acadêmica. Boa parte dos problemas na escola poderia ser sanada, se o ambiente mudasse, visto que a resiliência está atrelada a presenças significativas, que envolvem solidariedade e interações com seres humanos dispostos a formar comunidades saudáveis e acolhedoras - fatores já colocados em prática nessa escola, a fim de promover a resiliência acadêmica (Cyrulnik, 2004).

Ao longo da vida, as relações familiares e a percepção das vivências infantis são consideradas importantes para o funcionamento psicológico. Quando a família não está em condições de ser um tutor de resiliência para a criança, é preciso que outrem o faça. Caso contrário, o infante tombará junto a sua família (Cyrulnik, 2004). Mas, às vezes, embora grande parte da rotina diária seja potencialmente protetora, ela negligencia importantes pontos de apoio a essa capacidade de superação de obstáculos. Isso inclui defender a resiliência de maneiras sensíveis ao contexto, evitar riscos, defender mudanças sistêmicas e estar atento aos custos de "resiliar".

Categoria 2 - Fatores de Risco para a Resiliência Acadêmica

A Tabela 2 mostra a concepção dos participantes sobre os fatores de risco para resiliência acadêmica. Para eles, em linhas gerais, esses fatores estão relacionados a problemas financeiros, familiares e afetivos, incluindo drogas, violência, exposição do aluno a críticas e professores despreparados para lidar afetivamente com os discentes.

Problemas na família, tais como separação dos pais, familiares usuários de drogas, violência sexual e física são apontados pelos participantes como fatores que podem dificultar o processo de resiliência acadêmica (P4, P5, P6, P9 e P10). Esses fatores estão diretamente relacionados às adversidades oriundas do ambiente dos alunos, tais como pobreza, morte de pais/avós/cuidadores, divórcio, separação forçada, doença de pais ou irmãos, mudanças, acidentes, vários tipos de abusos, abandono, novos casamentos dos pais, perda da moradia, perda de emprego, detenção dos cuidadores, assaltos, desastres e catástrofes naturais (Brooks, Magnusson, Spencer & Morgan, 2012; Paton & Johnston, 2017).

Os profissionais P6 e P9 assinalam as questões financeiras, e P7 e P8 fizeram menção à sobre a falta de respeito, à ausência de amor à profissão e ao aluno. A "crítica negativa" é trazida no relato de P2, e a falta de conhecimento e sensibilidade dos profissionais é demonstrada no relato de P3. É importante enfatizar que os fatores de risco correspondem a eventos negativos que aumentam a possibilidade de o sujeito desenvolver problemas psicológicos, físicos ou sociais (Dell'Aglio, Koller & Yunes, 2006).

O desenvolvimento humano em situação de risco envolve obstáculos individuais e/ou ambientais que aumentam a vulnerabilidade dos jovens para resultados negativos no seu desenvolvimento. Um risco pode ser físico, social ou psicológico, originado de causas internas e externas, que ocasionam danos importantes, se não forem identificadas e combatidas. As causas externas, em geral, relacionam-se às condições adversas do ambiente (pobreza, violência, desemprego); as causas internas aparecem em jovens que podem, por exemplo, sofrer de depressão, apresentar baixa autoeficácia e/ou problemas de aprendizagem (Andrada et al., 2008).

Em oposição ao conceito de resiliência, surgiu o de vulnerabilidade, utilizado para definir as suscetibilidades físicas e/ou psicológicas, que podem potencializar os efeitos dos eventos estressores, predispor ao desenvolvimento de várias formas de psicopatologias e provocar alterações no desenvolvimento de uma pessoa submetida a situações ou fatores de risco. Vale realçar que pode haver mais vulnerabilidade quando ocorre a presença concomitante de diversas condições de risco em um mesmo contexto (Brooks, Magnusson, Spencer & Morgan, 2012).

Devem-se distinguir os níveis de risco, dependendo do impacto exercido sobre o indivíduo. Uma situação de pobreza não pode ser considerada um risco, em si mesma, mas pelos déficits que acarreta. Só se pode falar que a pobreza é uma condição de risco se desencadear situações comprometedoras ao bom desenvolvimento (Krane, Karlsson, Ness & Kim, 2016).

O acúmulo de riscos existe em quase todas as famílias, mas o pior efeito se dá nas famílias em que permanecem possibilidades de a criança ser exposta ao desemprego crônico dos cuidadores e a cuidados inadequados. Quando muitas situações de risco se associam, elas dificultam o cumprimento da agenda desenvolvimental do individuo, comprometendo a aquisição de habilidades e o desempenho de papéis sociais.

Em situações de negligência, pode ocorrer acúmulo de riscos, comprometendo o desenvolvimento e favorecendo o fracasso escolar, a violência, perturbações na ordem civil e drogadição (Hodder et al., 2017). Apesar dos profissionais P6 e P9 mencionarem as questões financeiras como possíveis motivos para riscos, o que se pode observar, analisando o discurso dos profissionais participantes, é que a pobreza em si não afeta o grupo de alunos, discentes na escola pesquisada, a ponto de interferir no rendimento acadêmico.

Categoria 3 - Aspectos voltados à Resiliência Acadêmica no Ensino Fundamental

Nessa categoria, a concepção de como os profissionais pesquisados contribuem para a promoção da resiliência acadêmica passa pela disposição em conhecer a realidade do aluno, com a finalidade de promover o diálogo, ouvir, orientar, aconselhar, resolver problemas, compartilhar, dar apoio, buscar parcerias, etc. Os dados coletados revelam resultados que vão ao encontro da literatura vigente, que traz os procedimentos desejáveis para que haja uma boa prática em torno da resiliência e o seu fortalecimento (Allen, Rosas-Lee, Ortega, Hang, Pergament & Pratt, 2016; Hall, Fullerton, FitzGerald & Green, 2018; Southwick & Charney, 2018; Ungar, Connelly, Liebenberg & Theron, 2017).

Esses procedimentos englobam comportamentos reforçadores de relações amorosas, respeitosas, consistentes, compassivas e confiáveis. Tais relações servem de suporte e de guia para boas expectativas, além de promoverem oportunidades de participação e contribuição, que proporcionam responsabilidades significativas e empoderamento para tomadas de decisão, sentido de propriedade e pertencimento.

 

Table 3

 

Há similaridade nos discursos de P3, P4, P5, P8 e P9 ao relatarem que é necessário fazer: trabalho em parceria com a família; sensibilização profissional da equipe disciplinar; promoção de trabalhos em grupo; planejamento com os professores; atendimento individual; orientação com a família. Essas afirmativas afiançam disposição para auxiliar de forma grupal e/ou individual.

Ao destacar a importância de "procurar fazer com que os alunos entendam os motivos ou o que está envolvido em determinadas atividades", P2 sinaliza uma preocupação em proporcionar oportunidades de participação significativa e não apenas "participar por participar". P1 aponta a necessidade de se "conhecer a realidade do aluno" em uma demonstração de verdadeiro interesse pessoal do docente pelo aluno, não somente dentro do contexto escolar, caracterizando, assim, um vínculo de afetividade que se estende para um compromisso social.

Na busca por promover resiliência, torna-se imprescindível que a escola utilize todo o potencial e os recursos disponíveis ao seu alcance para conseguir uma comunidade educativa inclusiva e resiliente, estimulando a construção de características próprias de um docente que, entre tantas tarefas, também busca desenvolver recursos de resiliência, através da qualidade dos relacionamentos construída com os alunos e consigo - num movimento "entre si" e "de si para si". Para isso, é preciso: enriquecer os vínculos, determinar limites claros e fortes, proporcionar afeto e apoio, estabelecer e transmitir expectativas elevadas e proporcionar oportunidades de participação significativa (Southwick & Charney, 2018).

O profissional da educação precisa ser formado e se autoformar para se preservar psicologicamente, para reagir, para ordenar seu mundo, suas necessidades, suas prioridades, seus desejos e ações. Essa formação, colocada em prática, pode contribuir para a construção de sua própria resiliência - uma característica de personalidade que, ativada e desenvolvida, possibilita ao sujeito superar-se, superando também as pressões de seu mundo (Theron, Munford, Rensburg, Rothmann & Ungar, 2015).

A similaridade nos relatos de P3, P4, P5, P8 e P9 confirma a existência de diferentes "sistemas humanos", que compreendem "professores, família, equipe disciplinar, trabalho em grupo e atendimento individual" - todos envolvidos na promoção da resiliência acadêmica. Quando se trata da resiliência associada à educação, emerge a preocupação com o aluno resiliente e também com o professor, que pode desenvolver resiliência a seu favor e a favor do outro. Então, cabe ao professor assumir o papel de instigador de curiosidades, de ajudante no processo de autoconhecimento e de automotivação do estudante, de estimulador de relações interpessoais saudáveis e de especialista na administração do tempo, conforme mencionado pelos profissionais desta pesquisa.

Nessa direção, P2, P6, P7, P8 e P10 relatam esforços para engajar-se no apoio e melhoria do contexto escolar, proporcionando um ambiente emocional e acadêmico transformador - uma vivência que amplia a capacidade de persistir durante o ensino médio e de conseguir aprovação para a entrada no curso superior (Fredricks, Parr, Amemiya, Wang & Brauer, 2019). Observou-se que o ambiente estudado pode ser caracterizado como uma organização resiliente, reflexiva e dinâmica, pois são elaboradas diversas tarefas com o olhar atento aos docentes e aos demais profissionais da educação, promovendo a inserção dos alunos nas atividades da escola.

Foi constatada a superação de adversidades durante a trajetória escolar - caso da vice- gestora, que perdeu sua mãe na infância, teve o auxílio de uma tia e hoje demonstra interesse em promover a resiliência nos alunos. Assim, a resiliência acadêmica contribui para a educação no sentido de proporcionar desenvolvimentos positivos nos âmbitos social, material, físico e emocional, tanto de discentes como dos profissionais envolvidos no contexto educacional.

Contribuições dos Profissionais da Educação como Promotores de Resiliência Acadêmica no Ensino Fundamental

A concepção em torno da contribuição para ter alunos mais resilientes se mostra bastante ampla. Contribuir para uma formação voltada à resiliência significa ter uma prática pedagógica que envolve os aspectos social, histórico, psicológico, econômico e político, com relacionamentos promotores de diálogo, parcerias, credibilidade, confiança, sensibilidade, persistência, doação, incentivo e perseverança. Resumindo, há maneiras em que a escola pode funcionar como uma instituição que atua conectando indivíduos, grupos e serviços, além de apoiar bons relacionamentos, acolher inquietações, dar vez e voz aos alunos e construir e reconhecer as realizações deles.

Desta forma, as instituições de ensino podem ajudar a construir confiança, coesão, influência e cooperação dentro da comunidade, aumentando o capital social e a resiliência coletiva, investimentos estes que podem reduzir desigualdades e ter efeitos positivos na saúde mental. As escolas são, muitas vezes, o único provedor formal de serviços para jovens que vivem em comunidades marginalizadas socioeconomicamente. Os estabelecimentos de ensino são considerados um dos espaços promotores de resiliência mais potentes da sociedade, porque apresenta condições importantes como: agrupar diferentes sistemas humanos e articular a pessoa do professor ao aluno, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento humano (Brooks, Magnusson, Spencer & Morgan, 2012).

Há evidências de que os jovens que são mais propensos a superar desvantagens e mostrar resiliência são aqueles que participam de atividades extracurriculares, fazem parte de redes sociais significativas e estão envolvidos em trabalhos voluntários (Brooks, Magnusson, Spencer & Morgan, 2012). As escolas podem oferecer essas oportunidades e, dessa forma, contribuir para diminuir as desigualdades e melhorar a saúde mental de seus educandos.

Assim, torna-se imprescindível que a escola utilize todo o potencial e recursos ao seu alcance para conseguir uma comunidade educativa inclusiva e resiliente. Para que isso aconteça, é importante estimular a construção de características próprias de um docente resiliente: enriquecer os vínculos, determinar limites claros e fortes, ensinar habilidades para a vida, proporcionar afeto e apoio, estabelecer e transmitir expectativas elevadas e proporcionar oportunidades de participação significativa (Furrer, Skinner & Pitzer, 2014). A combinação desses recursos produz mais apego à escola, mais compromisso social e concepção mais positiva de si mesmo, oriundos tanto de alunos, pais e responsáveis como de docentes (Henderson & Milstein, 2008).

É interessante destacar que quando o profissional P٦ menciona que procura "dar apoio", ele está cumprindo com o seu papel de docente resiliente, que é o de incluir o aluno na comunidade educativa. Observa-se, nesse discurso, que existe preocupação em oferecer contribuição para a promoção da resiliência acadêmica. Quando o profissional P2 destacou a importância de "procurar fazer com que os alunos entendam os motivos, ou o que está envolvido em determinadas atividades", ele está proporcionando oportunidades de participação significativa - evitando a participação vazia de significados, o mero fato de participar por participar - demonstrando o verdadeiro interesse pessoal do docente pela pessoa do educando e caracterizando, com isso, um vínculo de afetividade e compromisso social com seus alunos.

Dentro do contexto educacional, as evidências sugerem que a resiliência pode ser melhorada através da oferta de medidas de proteção relevantes, e fatores protetivos práticos, que compreendem: a) ambientes educativos de cuidado e centrados no aluno, b) apoio às crianças vulneráveis para aumentar a probabilidade de conclusão do ensino médio, c) expectativas positivas e elevadas, d) uma comunidade social forte e solidária, e) relações de apoio com os pares (Aldridge, Fraser, Fozdar, Ala'i, Earnest & Afari, 2016). Além disso, sentir-se pertencente a um ambiente acadêmico, especialmente durante transições importantes, quando as preocupações em pertencer podem aumentar, o sentido de pertença pode ter um impacto significativo no desempenho acadêmico e na resiliência (Walton & Cohen, 2007).

Ao promover apoio e cuidado em ambiente centrado no aluno, a escola promove resiliência, minimiza as dificuldades de leitura, problemas de comportamento e evasão escolar (Krane, Karlsson, Ness & Kim, 2016). Além disso, o clima escolar positivo está associado a mais envolvimento comportamental/cognitivo e emocional dos alunos - recursos que também contribuem para a prevenção e intervenção do bullying (Aldridge, Fraser, Fozdar, Ala'i, Earnest & Afari, 2016; Yang et al., 2018). Gerando um efeito dominó, as escolas mais estruturadas - com professores que promovem um ambiente escolar positivo - estão alinhadas aos resultados de pesquisa que correlacionam segurança e sofrimento - mais segurança/menos sofrimento no contexto escolar (Southwick & Charney, 2018).

Uma instituição interessada em ter uma comunidade escolar resiliente deveria integrar a aprendizagem socioemocional na cultura institucional e no seu PPP, buscando sempre desenvolver a competência socioemocional de seus alunos como elemento integrante da sua organização curricular, educando para a empatia, compreensão, comunicação assertiva, cooperação, responsabilidade e respeito para com os outros e para consigo mesmo.

 

Considerações Finais

Em muitos ambientes escolares, o que se observa são alunos desmotivados, sem atitudes positivas e perseverantes, sem otimismo, em função de vivenciarem situações adversas, o que, muitas vezes, podem comprometer o desempenho escolar. Porém, relatos e observações feitas no ambiente estudado dão conta de uma relação professor-aluno admirável, que acontece de maneira harmoniosa, com base no respeito mútuo, amizade, afetividade, apoio, companheirismo, confiança, estímulo e amor. Tais valores são demonstrados por cada profissional que se compromete de maneira mais ampla: com ele mesmo, com os conteúdos escolares e com seus alunos.

Constatou-se o enriquecimento dos vínculos dos professores e demais profissionais com os alunos. Esse investimento pode proporcionar o ensino de habilidades para a vida e oferecer oportunidades de participação significativa. Nesse ambiente acadêmico, fatores tais como a violência sexual e física não são motivos suficientes para desestimular os alunos nem os profissionais.

Partindo dos resultados desta pesquisa, pode-se sugerir que, na pauta da formação continuada de professores, deveria constar um tópico especialmente endereçado para trabalhar o potencial das relações positivas entre os adultos da escola (professores/gestores/ funcionários) e os alunos, como fonte de apoio para um desenvolvimento escolar saudável e para a manutenção da saúde mental em geral. Seria interessante, também, trabalhar com itens promotores de estratégias para evitar os comportamentos que vão de encontro a um relacionamento escolar protetivo.

Indo mais além, com base nos achados deste estudo, ousa-se recomendar que gestores e líderes estejam mais conscientes e proativos com relação à facilitação de ambientes escolares, onde o trabalho de promoção da resiliência precisa ser mais enfatizado, principalmente para aqueles alunos que vivenciam situações de risco acadêmico e social. As relações positivas na escola e o cuidado com os educandos são itens importantes na agenda da construção da resiliência. Tais itens têm influência no desempenho dos alunos e podem ter influência indireta sobre a insatisfação e a evasão por fracasso e baixo rendimento escolar.

Esta pesquisa constatou que os profissionais estudados trilham o caminho da promoção de resiliência, evidenciando que as escolas são locus que podem garantir que crianças e jovens sejam apoiados e capacitados para construir uma comunidade escolar resiliente. Há evidências sobre o que funciona para promover o bem-estar nas escolas e algumas delas especificamente têm seu foco na construção de resiliência.

Tais evidências sugerem que as instituições acadêmicas, dentro de seus muros, podem construir resiliência, melhorando as conquistas, apoiando as transições, promovendo comportamentos saudáveis, incentivando o apoio de professores e colegas e, ainda, estender sua contribuição para a construção de resiliência ao trabalhar com os pais para aprimorar as relações familiares. Onde as intervenções e as ações são bem-sucedidas, pode haver contribuições no combate às desigualdades no ambiente escolar, com desdobramentos estendidos às famílias e à comunidade. As autoridades locais também podem incentivar e ajudar as escolas a atingir esse objetivo.

 

Referências

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Recebido em: 22/10/2017
Revisado em: 16/10/2018
Aceito em: 14/12/2018

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